Lição 03 - Lucas, o Medico Amado
TEXTO
BÍBLICO BÁSICO
Lucas
1.1-4
1 – Tendo,
pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se
cumpriram,
2 – segundo
nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram
ministros da palavra,
3 – pareceu-me
também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua
ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio,
4 – para que
conheças a certeza das coisas de que já estás informado.
2
Timóteo 4.5-11a
5 – Mas tu sê
sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu
ministério.
6 – Porque eu
já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida
está próximo.
7 – Combati o
bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.
8 – Desde
agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me
dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua
vinda.
9 – Procura
vir ter comigo depressa.
10 – Porque
Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica;
Crescente, para a Galácia, Tito, para a Dalmácia.
11a – Só Lucas está comigo.
TEXTO ÁUREO
Saúda-vos
Lucas, o médico amado, e Demas.
Colossenses 4.14
OBJETIVOS
Conhecer
um resumo biográfico de Lucas, o médico amado;
Saber
que um gentio foi inspirado por Deus para escrever um dos evangelhos;
Reconhecer a importância do trabalho literário do evangelista.
Lição 3 -
Lucas, o médico amado
Lições da Palavra de Deus 36 - Central Gospel –
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Lucas - O
Evangelho de Jesus, o Homem Perfeito
Introdução
Lucas,
o médico amado, não foi um apóstolo nem tampouco foi uma testemunha ocular da
vida de Jesus, todavia deixou uma das mais belas obras literárias já escritas
sobre os feitos do Salvador e os primeiros anos da comunidade cristã. A
narrativa de Lucas descreve, com riqueza de detalhes, o ministério terreno de
Jesus, como ele nasceu, cresceu, libertou os oprimidos, formou os seus
discípulos, morreu pendurado em uma cruz e ressuscitou dos mortos.
O
terceiro Evangelho possui uma forte ênfase carismática. Mais do que qualquer
outro evangelista ou escrito do Novo Testamento, Lucas dá amplo destaque à
pessoa do Espírito Santo durante o ministério público de Jesus até sua efusão
sobre os cristãos primitivos. Nesse aspecto, a obra de Lucas deve ser entendida
como um compêndio de dois volumes, onde o segundo volume, Atos dos Apóstolos, é
entendido a partir do primeiro, o terceiro Evangelho, e vice-versa.
Um erro
bastante comum cometido por vários teólogos, principalmente aqueles que não
creem na atualidade dos dons espirituais, é tentar “paulinizar” os escritos de
Lucas. Por não entenderem o pensamento lucano, não o vendo como teólogo como de
fato ele era, mas apenas como um historiador, tentam interpretá-lo à luz dos
escritos de Paulo. Evidentemente que toda Escritura é inspirada por Deus e que
o princípio da analogia é uma das ferramentas básicas da boa exegese, todavia
isso não nos dá o direito de transformar Lucas em mero coadjuvante da teologia
paulina. Em outras palavras, Paulo deve ser usado para se compreender
corretamente Lucas, mas também Lucas deve ser consultado para se quer entender,
de fato, o que Paulo escreveu.
Esse
entendimento se torna mais ainda relevante quando aplicamos essa metodologia em
relação aos carismas do Espírito narrado no terceiro Evangelho, em Atos dos
Apóstolos e nas epístolas paulinas. Se Paulo foi um teólogo, possuindo
independência para falar dos dons do Espírito, Lucas da mesma forma também o
foi e seu pensamento é tão relevante quanto o de Paulo. Nesse aspecto Lucas não
deve ser entendido apenas como um narrador de fatos históricos, mas como um
teólogo que escreveu a história. Este livro mostra facetas dessa abordagem
metodológica na interpretação de Lucas, mas não segue o modelo adotado nos
comentários de natureza puramente expositiva como são, por exemplo, as obras de
Leon Morris, William Hendriksen, Fritz Rienecker, J.C. Ryle e outros. Isso tem
uma razão de ser — o presente texto não é um comentário versículo por versículo
do evangelho de Lucas, nem mesmo capítulo por capítulo. Antes, é uma abordagem
temática dos principais fatos ocorridos durante o ministério público de Jesus,
como por exemplo, seu nascimento, crescimento, morte e ressurreição. Tendo sido
escrito como texto de apoio às Lições Bíblicas de Jovens e Adultos da Escola
Dominical esse tipo de abordagem permite trazer um comentário mais exaustivo
sobre cada tema, mas, sem dúvida, limita um estudo mais expositivo do texto
bíblico. Isso explica, por exemplo, o porquê de determinados textos, mesmo
sendo importantes dentro do contexto da teologia lucana, não terem sido
abordados aqui.
Procurando fugir do tecnicismo das obras de
natureza puramente exegética, até mesmo por seguir a estrutura das Lições
Bíblicas a quem serve de apoio, o presente livro primou por ser mais de
natureza devocional-teológica. Isso não significa que a exegese e os princípios
bíblicos de interpretação foram relegados ao segundo plano. Não! Todavia
procurou o presente texto dialogar com o leitor por saber que muitos deles,
alunos da ED, não tiveram acesso ao intrincado mundo das enfadonhas regras
gramaticais.
Que o
Senhor abençoe a cada leitor deste livro.
Capítulo
1
O
Propósito de Lucas
Metodologia
Ao estudarmos uma obra literária, precisamos,
dentre outras coisas, levar em conta a sua autoria e data, o tipo de gênero
literário, o seu destinatário e o propósito para o qual ela foi escrita. Essa
metodologia é importante não apenas para o estudo de textos bíblicos, mas
também para qualquer obra da literária universal. A sua observância garantirá
que o intérprete não chegue a conclusões equivocadas e diferentes daquelas que
tencionou o autor.
O
estudante da Bíblia deve, portanto, ter isso em mente quando estuda o terceiro
Evangelho. Roger Stronstad, teólogo de tradição pentecostal canadense,
demonstrou, por exemplo, que uma metodologia errada na análise do Evangelho de
Lucas tem levado vários estudiosos a chegarem a conclusões teológicas
igualmente erradas.1 Esses equívocos têm como subprodutos uma fé e prática
cristã diferente daquela desenhada nas obras de Lucas.
Ao
analisar, por exemplo, os contrastes existentes no desenvolvimento histórico da
doutrina do Espírito Santo nas diferentes tradições cristãs, Stronstad observa
que “essa divisão não é simplesmente teológica. No fundo, o assunto tem
diferenças hermenêuticas ou metodológicas fundamentais. Essas diferenças
metodológicas surgem dos diversos gêneros literários e são da mesma extensão
que estes. Por exemplo, há que deduzir a teologia do Espírito Santo de Lucas de
uma “história” de dois volumes sobre a fundação e o crescimento do
cristianismo, dos quais se classifica o volume um como um Evangelho e o volume
dois como Atos. Por contraste, temos que derivar a teologia do Espírito Santo
de Paulo de suas cartas, as quais dirigiu às igrejas geograficamente separadas
em diferentes ocasiões de suas jornadas missionárias. Estas cartas são
circunstanciais, quer dizer, tratam de alguma circunstância particular: por
exemplo notícias de controvérsias (Gálatas), respostas às perguntas específicas
(1 Coríntios) ou planos para uma visita vindoura (Romanos). Assim que, à medida
que Lucas narra o papel do Espírito Santo na história da igreja primitiva,
Paulo ensina a seus leitores acerca da pessoa e ministério do Espírito”.2
Autoria
Com o
veremos mais adiante, a tradição que atribui autoria lucana para o terceiro
Evangelho é muito antiga. No texto bíblico, as referências ao “médico amado”
são Colossenses 4.14; 2 Timóteo 4.11 e Filemon 24. Todavia assim como outros
escritos do Novo Testamento, o terceiro Evangelho também não traz grafado o
nome de seu autor.
Evidências internas da autoria lucana
Diferentemente de outros livros
neotestamentários que são anônimos, o terceiro Evangelho deixou pistas que
permitiram à igreja atribuir a Lucas, o médico amado, a sua autoria. Alguns
desses indícios internos listados pelos biblistas são:
1. Tanto o livro de Lucas como o livro de
Atos são endereçados a uma pessoa identificada como Teófilo. “Tendo, pois,
muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se
cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os ^ presenciaram desde o
princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente
descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já
informado minuciosamente de tudo desde o princípio” (Lc 1.3), “Fiz o primeiro
tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a
ensinar, até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado
mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera; aos quais
também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis
provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que
respeita ao Reino de Deus” (At 1.1-3).
2. Como
vimos, o livro de Atos se refere a um outro livro que fora escrito
anteriormente (At 1.1), que sem dúvida alguma trata-se O P ro p ó sito de L u c
a s 15 do terceiro Evangelho. Quem escreveu Atos dos Apóstolos, portanto,
escreveu também o terceiro evangelho.3
3. O
estilo literário e as características estruturais de Lucas e Atos apontam na
direção de um só autor;
4.
Muitos temas comuns ao terceiro Evangelho e Atos não são encontrados em nenhum
outro lugar do Novo Testamento. Por exemplo, a ênfase na ação carismática do
Espírito Santo sobre Jesus e seus seguidores (Lc 24.49; At 1.4-8).4
Devemos observar ainda, como destaca Walter
Liefeld, dentro dessa perspectiva, que o autor de Lucas-Atos não foi uma
testemunha ocular dos feitos de Jesus, mas um cristão da segunda geração que se
propôs a documentar a tradição existente sobre Jesus e o andar dos primeiros
cristãos. Na passagem de Atos 16.10-17, a referência à primeira pessoa do
plural (nós) além de revelar que Lucas era um dos companheiros de Paulo na
segunda viagem missionária mostra também que era ele quem documentava esses
registros: “E, logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia,
concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho. E,
navegando de Trôade, fomos correndo em caminho direito para a Samotrácia e, no
dia seguinte, para Neápolis; e dali, para Filipos, que é a primeira cidade
desta parte da Macedônia e é uma colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade.
No dia de sábado, saímos fora das portas, para a beira do rio, onde julgávamos
haver um lugar para oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se
ajuntaram.
E uma
certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que
servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse
atenta ao que Paulo dizia. Depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos
rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha
casa e ficai ali. E nos constrangeu a isso. E aconteceu que, indo nós à oração,
nos saiu ao encontro uma jovem que tinha espírito de adivinhação, a qual,
adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Esta, seguindo a Paulo e a
nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação,
são servos do Deus Altíssimo” (At 16.10-17).
Essas
evidências internas, sem sombra de dúvidas, apontam a autoria lucana do
terceiro Evangelho. A propósito, em 1882 o escritor W.K. Hobart em seu livro: A
Linguagem Médica de Lucas demonstrou a existência de vários termos médicos
usados no terceiro Evangelho, o que confirmaria a autoria lucana.
Posteriormente a obra O Estilo Literário de Lucas, escrita por H. J. Cadbury
tentou mostrar que não somente Lucas usou termos médicos em sua obra, mas que
outros escritores, mesmo não sendo médicos, fizeram o mesmo. Mas como bem
observou William Hendriksen, quando se faz um paralelo entre Lucas e os demais
Evangelhos Sinóticos observa-se a peculiaridade do vocabulário médico empregado
por Lucas. Hendriksen comparou, por exemplo, Lucas 4.38 com Mateus 8.14 e
Marcos 1.30 (a natureza ou grau da febre da sogra de Pedro); Lucas 5.12 com
Mateus 8.2 e Marcos 1.40 (a lepra); e Lucas 8.43 com Marcos 5.26 (a mulher e os
médicos). Ainda de acordo com Hendriksen, pode-se acrescentar facilmente outros
pequenos toques. Por exemplo, somente Lucas declara que era a mão direita que
estava seca (6.6, cf. Mt 12.10; Mc 3.1); e entre os escritores sinóticos,
somente Lucas menciona que foi a orelha direita do servo do sumo sacerdote a
ser cortada (22.50; cf. Mt 26.51 e Mc 14.47). Com pare também Lucas 5.18 com
Mateus 9.2, 6 e Marcos 2.3, 5, 9; e çf. Lucas 18.25 com Mateus 19.24 e Marcos
10.25.
Além do
mais, conclui Hendrinksen, embora seja verdade que os quatro Evangelhos
apresentam Cristo como o Médico compassivo da alma e do corpo, e ao fazê-lo
revelam que seus escritores também eram homens de terna compaixão, em nenhuma
parte é este traço mais abundantemente notório que no Terceiro Evangelho.5
Evidências externas da autoria lucana
Além
dessas evidências internas, há também diversas evidências externas, que fazem
parte da tradição cristã, atestando a autoria lucana para o terceiro Evangelho.
Uma delas, o cânon muratoriano, escrita em cerca de 180 d.C., confirma a autoria
de Lucas: “o terceiro livro do Evangelho, segundo Lucas, que era médico, que
após a ascensão de Cristo, quando Paulo o tinha levado com ele como companheiro
de sua jornada, compôs em seu próprio nome, com base em relatório”. Em cerca de
135 d.C., antes portanto do Cânon muratoriano, Marcião, o herege, também atesta
a autoria de Lucas para o terceiro Evangelho. Testemunho confirmado
posteriormente por Irineu (Contra as Heresias, 3.14-1) e outros escritores
posteriores.
Data de Composição da Obra
A data
da composição do terceiro evangelho é melhor definida pelos biblistas quando se
leva em conta alguns fatores. Por exemplo, se Lucas valeu-se do Evangelho de
Marcos como uma de suas fontes, nesse caso é preciso situá-lo em data posterior
ao escrito de Marcos que foi redigido alguns anos antes do ano 70 d.C. Segundo,
se Lucas é o primeiro volume de uma obra em dois volumes (Lucas-Atos), como se
acredita que é, fica bastante evidente que o terceiro Evangelho foi compilado
antes dos Atos dos Apóstolos. Nesse caso será preciso primeiramente datar o
livro de Atos. Os eruditos acreditam que, levando-se em conta uma análise
detalhada do livro de Atos dos Apóstolos, a data para sua redação está entre 61
a 65 d.C. Em Terceiro lugar, a data para a redação de Lucas dependerá também de
como se interpreta o sermão feito por Cristo sobre a destruição de Jerusalém
(Lc 21.8-36). Nesse caso, argumentam os críticos, Lucas escreveu depois da
destruição de Jerusalém no ano 70 visto ter feito referência aos fatos
ocorridos nessa data. Esse argumento é fraco, visto que Cristo proferiu uma
profecia sobre os eventos do fim e que tiveram início na destruição de
Jerusalém. E o que os teólogos denominam de vaticinium ex eventu, isto é, uma
profecia que é feita antes que o evento ocorra. Em quarto lugar, muitos
críticos argumentam em favor de uma data mais tardia para Lucas, porque segundo
eles, algumas situações mostradas nas obras de Lucas demonstrariam situações
que ainda não existiam nos anos 60 e 70 d.C. Mas esse é um argumento que não se
sustenta pelas mesmas razões já expostas anteriormente.6 Em resumo, Lucas
redigiu sua obra entre os anos 60 e 70, sendo que alguns estudiosos opinam para
a primeira parte dessa década enquanto outros pela segunda. Seja como for, isso
em nada altera aquilo que Lucas escreveu.
Gênero Literário
Compreender a que tipo de gênero literário
pertence o terceiro Evangelho é crucial para uma correta compreensão do seu
texto. Isso se torna mais relevante ainda quando se estuda o papel que o
Espírito Santo ocupa na teologia lucana. Já há algum tempo, a perspectiva
teológica que via as obras de Lucas apenas como biografia e história vem sendo
abandonadas pelos biblistas. Em 1970 o conceituado teólogo I. Howard Marshall
chamou a atenção para o fato de que Lucas não poderia ser visto mais como um
simples historiador, mas como um teólogo que escreveu a história.7 Em outras
palavras, Lucas não apenas documentou os fatos, mas escreveu suas obras tendo
em mente um propósito teológico definido. Nesse aspecto, observa o escritor
Luís Fernando Garcia-Viana, “Lucas é o teólogo da história da salvação: a
história de Israel ou tempo da preparação; Jesus como centro do tempo (Lc
16.16); e o tempo da missão ou da igreja, que se inicia com a Ascensão e o
Pentecostes”.8
Quando
se reduz as obras de Lucas apenas à sua dimensão histórica, forçosamente se é
tentado a vê-las apenas como material de natureza narrativa ou descritiva e sem
nenhum valor didático. Esse é um erro que precisamos evitar a todo custo. Por
muitos anos esse era o entendimento que dominava os círculos teológicos graças
às obras dos teólogos John Stott e Gordon D. Fee.9 Partindo de uma metodologia
que atribui apenas valor narrativo e não didático à obra de Lucas, tanto Sott
como Fee acabaram por mutilar o caráter claramente carismático do texto lucano.
A esse respeito, Stott escreveu:
“Se
deve buscar a revelação do propósito de Deus nas Escrituras nas partes
didáticas, e jamais em sua porção histórica. Mais precisamente devemos buscá-la
nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos e não nas porções
puramente narrativas de Atos”.10
Esse é
um exemplo clássico de falácia exegética, pois anula uma máxima bíblica na qual
se afirma que toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para o nosso ensino
(2 Tm 3.16; Rm 15.4). Por outro lado, não leva em conta o caráter didático das
narrativas veterotestamentárias usadas por Paulo quando instrui os primeiros
cristãos (Rm 4.1-25; 1 Co 10.1-12; G1 3.6-14). A propósito, após ver sua argumentação
ser contraditada por Roger Stronstad, o anglicano John Stott voltou atrás e fez
emendas em sua tese:
“Não
estou negando que narrativas históricas têm uma finalidade didática, pois é
claro que Lucas era tanto um historiador e um teólogo; Estou afirmando que a
finalidade didática de uma narrativa nem sempre é evidente em si mesma e por
isso muitas vezes precisa de ajuda interpretativa de outro lugar nas
Escrituras”.1
Lucas, portanto, foi um teólogo que escreveu
a história e ao assim proceder o fez com um fim didático. Primeiramente ele
mostra no seu Evangelho a história da Salvação se revelando de uma forma
especial e chegando ao seu clímax com Jesus, o Messias prometido. O Espírito do
Senhor, que agiu sobre os antigos profetas e que seria um sinal distintivo do Messias
(Is 61.1; Lc 4.18), estava sobre Jesus capacitando-o a realizar as obras de
Deus. No segundo volume da sua obra, Atos dos Apóstolos, ele demonstra que essa
história da Salvação não sofreu solução de continuidade, pois o mesmo Jesus, na
pessoa do Espírito Santo, continuou presente em seus seguidores. O Messias
cumpriu as profecias e derramou o Espírito Santo sobre toda a carne (Jl 2.28;
At 2.33; 5.32). Não há dúvidas, portanto, que a teologia lucana mostra de forma
inequívoca que as mesmas experiências dos cristãos primitivos serviriam de
parâmetro para todos os crentes na história da igreja.12
Propósito
A fé cristã no seu contexto histórico
E
inegável que Lucas, como um teólogo, demonstrou um grande interesse pelos fatos
históricos quando redigiu sua obra. O prólogo, escrito a Teófilo, que se
acredita ser um gentio de alta posição social, atesta isso. “Tendo, pois,
muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se
cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o
princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente
descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já
informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza
das coisas de que já estás informado” (Lc 1.1-4).13
O que
pretendia, portanto, o autor do terceiro Evangelho ao documentar sua obra?
Lucas procura narrar a história; mas não a história como se entende hoje em seu
sentido secular ou positivo, que se prende apenas à narrativa das ações
humanas.14 Ele narra a história da Salvação. A história de Lucas é a história
da ação de Deus entre os homens e como ele demonstra a sua soberania entre
eles! Dentro desse contexto o seu interesse era mostrar os fatos sobre os quais
o evangelho estava fundamentado; estabelecer o vínculo entre o cristianismo e o
judaísmo, revelando dessa forma que a fé cristã possuía raízes judaicas; deixar
claro que o cristianismo não veio para competir com o império romano, mostrando
assim que ele não era uma ameaça política à autoridade do império.15
Uma
Teologia Carismática Como um escritor inspirado e um teólogo cristão, Lucas
mostra que o tempo do cumprimento das promessas de Deus, preditas nos antigos
profetas, havia chegado. Fica claro para ele que o advento do cristianismo foi
precedido pela renovação do Espírito profético. O último profeta, Malaquias,
havia silenciado cerca de quatrocentos anos antes. Esse hiato entre os dois
testamentos é conhecido como período inter-bíblico. Agora esse silêncio é
rompido, primeiramente pelo anúncio feito a Zacarias, pai de João Batista (Lc
1.13) e posteriormente a Maria, a mãe de Jesus (Lc 1.28). É, contudo, no
ministério de João Batista, que Lucas mostra a restauração da antiga profecia
bíblica: “E, no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos
governador da Judeia, e Herodes, tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe,
tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca de
Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de
Deus a João, filho de Zacarias” (Lc 3.1-2).
Essa
restauração da antiga profecia bíblica, como veremos em capítulos posteriores,
é importante no contexto da teologia carismática de Lucas. Já foi dito que
Lucas escreveu uma obra em dois volumes e esse é um fato importante porque essa
homogeneidade nos ajuda compreender a ação do Espírito Santo na teologia
Lucas-Atos. No Evangelho, Lucas mostra o Espírito atuando sobre o Messias e
capacitando-o para realizar as obras de Deus como havia sido prometido nas
profecias (Lc 4.18; Is 61.1). Por outro lado, no livro de Atos está o
cumprimento da promessa do Messias de derramar esse mesmo Espírito sobre os
seus seguidores (Lc 11.13; 24.49; At 1.8). Em outras palavras, o mesmo
revestimento de poder que estava sobre Jesus Cristo e que o capacitou a curar
os enfermos, ressuscitar os mortos e expulsar os demônios seria também dado a
seus seguidores quando ele fosse glorificado. “De sorte que, exaltado pela destra
de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que
vós agora vedes e ouvis” (At 2.33); “nós somos testemunhas acerca destas
palavras, nós e também o Espírito Santo, que Deus deu àqueles que lhe obedecem”
(At 5.32).16
A História da Salvação A história da
Salvação no terceiro Evangelho é revelada em seu aspecto particular e
universal. Sem dúvida a ênfase maior está na universalidade da Salvação. Jesus
veio para os judeus, mas não somente para estes, ele veio também para os
gentios. A Salvação é para todos! Esse princípio teológico de Lucas fica em
evidência quando se observa o lugar que os excluídos ocupam nos seus registros.
No anúncio do nascimento de Jesus feito pelos anjos aos camponeses foi dito:
“Vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo” (Lc 2.10).
Todo o povo, e não apenas os judeus, era objeto da graça de Deus. E inegável a
atenção que se dá aos pobres, excluídos e marginalizados no Evangelho de Lucas.
O Espírito Santo estava sobre Jesus para “evangelizar os pobres” (Lc 4.18). É
interessante observarmos que a palavra grega ptochoi, traduzida como pobres,
significa alguém que possui alguma carência. E exatamente esses carentes que
Jesus irá priorizar em seu ministério. Ele dará grande atenção aos publicanos,
pecadores, mulheres e aos samaritanos que eram discriminados naquela cultura
(Lc 5.32; 7.34-39;9.51-56; 10.3; 15.1; 17.16; 18.13; 19.10). Essa Salvação
predita pelos profetas, anunciada pelos anjos e declamada em forma poética pelo
sacerdote Zacarias e Maria, mãe de Jesus, é também de natureza escatológica. A
teologia lucana mostra João anunciado a chegada do Reino e Jesus
estabelecendo-o durante o seu ministério. Todavia esse Reino inaugurado pela
manifestação messiânica (Lc 4.43; 8.1; 9.2; 17.21) ainda não está revelado em
toda a sua extensão. Já podemos, sim, viver a sua realidade no presente, mas a
sua plenitude somente na sua parousial (At 1.6-11).
Essa é a nossa esperança!
Lucas
- O Evangelho
de Jesus, o Homem Perfeito
INTRODUÇÃO
GERAL
Pode
dizer-se sem faltar à verdade literal, que esta série de Comentários bíblicos
começou quase acidentalmente. Uma série de estudos bíblicos que estava usando a
Igreja de Escócia (Presbiteriana) esgotou-se, e se necessitava outra para
substituí-la, de maneira imediata. Fui solicitado a escrever um volume sobre
Atos e, naquele momento, minha intenção não era comentar o resto do Novo
Testamento. Mas os volumes foram surgindo, até que o encargo original se
converteu na idéia de completar o Comentário de todo o Novo Testamento.
Resulta-me impossível deixar passar outra
edição destes livros sem expressar minha mais profunda e sincera gratidão à
Comissão de Publicações da Igreja de Escócia por me haver outorgado o
privilégio de começar esta série e depois continuar até completá-la. E em
particular desejo expressar minha enorme dívida de gratidão ao presidente da
comissão, o Rev. R. G. Macdonald, O.B.E., M.A., D.D., e ao secretário e
administrador desse organismo editar, o Rev. Andrew McCosh, M.A., S.T.M., por
seu constante estímulo e sua sempre presente simpatia e ajuda.
Quando já se publicaram vários destes
volumes, nos ocorreu a idéia de completar a série. O propósito é fazer que os
resultados do estudo erudito das Escrituras possam estar ao alcance do leitor
não especializado, em uma forma tal que não se requeiram estudos teológicos
para compreendê-los; e também se deseja fazer que os ensinos dos livros do Novo
Testamento sejam pertinentes à vida e ao trabalho do homem contemporâneo. O
propósito de toda esta série poderia resumir-se nas palavras da famosa oração
de Richard Chichester: procuram fazer que Jesus Cristo seja conhecido de
maneira mais clara por todos os homens e mulheres, que Ele seja amado mais
entranhadamente e que seja seguido mais de perto. Minha própria oração é que de
alguma maneira meu trabalho possa contribuir para que tudo isto seja possível.
INTRODUÇÃO
AO EVANGELHO DE LUCAS
Um livro encantador e seu autor O evangelho
de Lucas foi chamado o livro mais encantador do mundo. Uma vez um americano
pediu a Denney que lhe recomendasse um bom livro sobre a vida de Cristo, ao que
este respondeu: "Você já leu o que escreveu Lucas?"
Existe
uma lenda segundo a qual Lucas era um hábil pintor; até há um quadro da Maria
em uma catedral espanhola que se diz ser dele. Certamente captava muito bem as
coisas vivas. Não seria muito desacertado dizer que o terceiro evangelho é a
melhor vida de Cristo que se escreveu.
A
tradição tem sempre crido que Lucas é o autor e não temos nenhum escrúpulo em
aceitar a tradição neste caso. No mundo antigo era comum atribuir os livros a
nomes famosos; ninguém via mal nisso. Mas Lucas nunca foi uma figura famosa na
igreja primitiva. Se não tivesse escrito o evangelho é mais que seguro que
ninguém o tivesse atribuído como autor. Lucas era um gentio; e tem a distinção
de ser o único autor do Novo Testamento que não é judeu. Era médico de
profissão (Colossenses 4:14) e possivelmente esse mesmo feito lhe conferisse a
grande simpatia que possuía.
Tem-se dito que um pastor vê o melhor dos
homens; um advogado vê o pior, e um médico os vê tal como são. Lucas via os
homens e os amava. O livro foi escrito para um homem chamado Teófilo. É chamado
excelentíssimo Teófilo, tratamento que geralmente se dava aos altos funcionários
do governo romano. Sem dúvida Lucas o escreveu para contar mais a respeito de
Jesus a uma pessoa muito interessada; e teve êxito em dar a Teófilo um quadro
que deve ter aproximado seu coração ainda mais ao Jesus do qual tinha ouvido.
Os símbolos dos evangelhos
Cada
um dos quatro Evangelhos foi escrito de certo ponto de vista. Muitas vezes os
escritores estão representados em vitrais; a cada um deles lhes atribui um
símbolo. Estes variam, mas os mais comuns são os seguintes. O emblema de Marcos
é um homem. Seu Evangelho é o mais simples e o mais direto. Bem se disse que
sua característica é o realismo. É o mais aproximado de um relatório sobre a
vida de Jesus. O emblema de Mateus é um leão. Era um judeu que escrevia para
judeus e veria em Jesus o Messias, ao Leão da tribo do Judá, o anunciado por
todos os profetas. O emblema do João é a águia. Esta pode voar mais alto que
qualquer outra ave. Diz-se que de todas as criaturas só a águia pode olhar de
frente para o sol. Seu evangelho é teológico; seu pensamento se remonta mais
alto que o de qualquer dos outros. É o evangelho no qual o filósofo pode
encontrar temas para pensar durante toda sua vida e resolvê-los só na
eternidade. Mas o símbolo do Lucas é o bezerro. Este é um animal para o
sacrifício; e Lucas viu em Jesus o sacrifício por todo o mundo. Por sobre tudo,
rompe todas as barreiras e Jesus é para os judeus e os gentios, santos e
pecadores. É o Salvador do mundo. Tendo isto em conta estudemos as
características do evangelho de Lucas.
O
cuidado de um historiador
Em
primeiro lugar, e sobretudo, o evangelho de Lucas é um escrito extremamente
cuidadoso. Seu grego é muito bom. Os primeiros quatro versículos se pode dizer
que são o melhor escrito em grego do Novo Testamento. Neles proclama que seu
trabalho é o produto de uma investigação esmerada.
Suas
oportunidades foram amplas e suas fontes devem ter sido boas. Como fiel
companheiro de Paulo deve ter conhecido a todas as grandes figura da igreja, e
podemos estar seguros de que lhes fez contar sua história. Por dois anos foi o
companheiro da prisão de Paulo na Cesaréia. Nesses largos dias deve ter tido
muitas oportunidades para estudar e investigar e as deve ter aproveitado bem.
Um
exemplo do esmero de Lucas é a forma em que situava a aparição de João Batista.
Fê-lo com não menos de seis dados: "No décimo quinto ano do reinado de
Tibério César (1), sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia (2), Herodes,
tetrarca da Galiléia (3), seu irmão Filipe, tetrarca da região da Ituréia e
Traconites (4), e Lisânias, tetrarca de Abilene (5), sendo sumos sacerdotes
Anás e Caifás (6), veio palavra de Deus a João... (Lucas 3:1, 2). Eis aqui um
homem que escreve cuidadosamente e que será o mais exato que possa.
O Evangelho dos gentios
É
evidente que Lucas escreveu principalmente para os gentios. Teófilo era um
gentio, como o autor, e não há no Evangelho nada que um gentio não possa captar
ou compreender.
(a) Como vimos Lucas começa situar os fatos
dando a data do reinado do imperador romano e do governador. A data romana
aparece em primeiro lugar.
(b) Diferente de Mateus, não está interessado
na vida de Cristo como cumprimento da profecia judaica.
(c) Muito poucas vezes cita o Antigo
Testamento.
(d) Costuma dar o equivalente grego de
palavras hebraicas, para que um grego possa entendê-las. Simão o cananeu se
converte em Simão o zelote (comp. Lucas 6:15 e Mateus 10:4). Em Lucas o
Calvário não é designado por seu nome hebreu, Gólgota, mas sim pelo grego
Kranion. Ambos significam lugar da caveira. Nunca utiliza o termo Rabi para
Jesus, e sim o grego Mestre.
Quando
traça a ascendência de Jesus, não se remonta a Abraão, o fundador da raça
judaica, como o faz Mateus, e sim a Adão, o fundador da raça humana (comp.
Mateus 1:2 e Lucas 3:38). Justamente por esta razão o Evangelho de Lucas é o
mais fácil de ler. Ele escreveu não para os judeus, e sim para gente muito
parecida conosco.
O
Evangelho da oração
Este
Evangelho é em especial o Evangelho da oração. Lucas mostra a Jesus em oração
em todos os grandes momentos de sua vida. Jesus orou em seu batismo (3:2);
antes de seu primeiro confronto com os fariseus (5:16); antes de escolher os
doze (6:12); antes de perguntar a seus discípulos quem criam eles quem era ele
e antes de seu primeiro anúncio de sua morte (9:18); na Transfiguração (9:29);
e na cruz (23:40). Só Lucas nos diz que Jesus orou pelo Pedro em sua hora de
prova (22:32). Só ele nos relata as parábolas do amigo que aparece a meianoite
(11:5:13) e do Juiz injusto (18:1-8). Para Lucas a porta aberta da oração era
uma das mais preciosas do mundo.
O
Evangelho das mulheres
O
lugar das mulheres na Palestina era baixo. Na oração matinal judaica o homem
agradece a Deus por não tê-lo feito "gentio, escravo ou mulher". Mas
Lucas em seu Evangelho dá um lugar muito especial à mulher. O relato do
nascimento é dado do ponto de vista de Maria.
Em Lucas
nós lemos a respeito de Isabel, de Ana, da viúva do Naim, da mulher que lavou
os pés do Jesus na casa do Simão o fariseu. É Lucas o que nos faz vívida a
imagem de Marta e Maria e de Maria Madalena.
Certamente Lucas era originário da Macedônia.
Ali as mulheres tinham uma posição mais emancipada que em qualquer outro lugar,
e isto possivelmente tivesse alguma influência em sua atitude.
O evangelho do louvor
Neste
evangelho a frase louvando a Deus aparece com mais freqüência que em todo o
resto do Novo Testamento. Este louvor alcança seu ponto culminante nos três
grandes hinos que a igreja cantou através de todas as gerações O Magnificat
(1:46-55), o Benedictus (1:68-79); e o Nunc Dimittis (2:29-32). Há algo no
evangelho de Lucas que é muito encantador, como se o brilho do céu tivesse
tocado as coisas da Terra. O evangelho universal Mas a característica mais
proeminente de Lucas é que seu evangelho é universal. Caem todas as barreiras;
Jesus é para todos os homens sem distinção.
(a) O
reino dos céus está aberto para os samaritanos (9:51-56). Só Lucas nos relata a
parábola do Bom Samaritano (10:30-37); o único leproso agradecido era
samaritano (17:11-19). João transcreve um dito que diz que os judeus e os
samaritanos não se tratam entre si (João 4:9). Mas Lucas se nega a fechar a
porta a ninguém.
(b)
Lucas mostra Jesus falando com aprovação de gentios a quem os judeus ortodoxos
consideravam impuros. Mostra Jesus citando à viúva da Sarepta e ao Naamã o
sírio como exemplos brilhantes (4:25- 27). Elogia-se o centurião romano pela
grandeza de sua fé (7:9). Lucas transcreve as belas palavras de Jesus: “Muitos
virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul e tomarão lugares à mesa no
reino de Deus” (13:29).
(c)
Lucas está especialmente interessado nos pobres. Quando Maria trouxe sua oferta
para sua purificação era a oferta de um pobre (2:24). Quando Jesus, por assim
dizer, mostra seus créditos aos mensageiros do João, o ponto culminante é: “e
aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho” (7:22). Só ele nos relata a parábola
do rico e o pobre (16:19-31). No relato de Lucas das Bem-aventuranças, Jesus
diz, não como em Mateus:
"Bem-aventurados os pobres de
espírito" (5:3), e sim: “Bem-aventurados vós, os pobres” (6:20). O
Evangelho de Lucas foi chamado o Evangelho da classe baixa. Seu coração corria
ao encontro de qualquer pessoa a quem a vida fosse uma luta desigual.
(d) Mas
acima de tudo mostra a Jesus como o amigo dos ingratos e pecadores. Só ele nos
relata a história da mulher que ungiu os pés de Jesus e os banhou com suas
lágrimas e os secou com seus cabelos na casa de Simão o fariseu (7:36-50); do
Zaqueu, o coletor de impostos traidor (19:1-10); a parábola do fariseu e do
publicano (18:9-14). Só ele nos relata a história do ladrão arrependido (23:43)
e nos conta a história imortal do Filho Pródigo e de seu amante Pai (15:11-32).
Quando Mateus nos relata como Jesus enviou a seus discípulos a pregar, diz-nos
que lhes recomendou que não fossem aos samaritanos nem aos gentios (Mateus
10:5); mas Lucas omite tudo isto. Os quatro autores dos Evangelhos citam a
Isaías 40 quando dão a mensagem de João Batista, "... preparem o caminho
do Senhor; endireitem seus caminhos"; mas sóLucas continua a citação até
sua conclusão triunfante: "...e verá toda carne a salvação de Deus"
(Isaías 40:3-5; Mateus 3:3; Marcos 1:3; João 1:23; Lucas 3:4). Lucas, entre
todos os autores dos Evangelhos, não via limites ao amor de Deus.
O livro bonito
Ao
estudar este livro devemos procurar estas características. De todos os autores
dos Evangelhos teríamos gostado de encontrar-nos com Lucas, porque este médico
gentio que tivera a tremenda visão do amor transbordante e infinito de Deus
deve ter sido uma pessoa encantadora. Faber escreveu as seguintes linhas:
A misericórdia de Deus é ampla
tal como
o é o mar;
há em sua justiça uma bondade
que é mais que liberdade.
Porque o amor de Deus é mais vasto
que a dimensão da mente do homem;
e o coração do Eterno
é maravilhosamente bondoso.
E o Evangelho do Lucas nos demonstra que isto é certo.
Lucas (William Barclay)
Tetrarca (v.l):
Governador de uma das quatro partes em que se dividiam alguns estados.
Herodes (v.l):
Herodes, o Grande, era rei da Judéia, de 39 a 4 AC. Seu filho, Herodes Antipas, que degolou João Batista, era tetrarca da Galiléia, 4 AC a 39 AD.
Herodes Agripa I, que matou a Tiago (At 12) era rei de 27 a 44 AD.
Eis a negra lista dos que governavam no lugar de Davi! Tibério, Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe (irmão de Herodes), Anás e Caifás eram homens acerca dos quais sabemos muito pouco, a não ser que eram cruéis, pérfidos, traiçoeiros e sem escrúpulo.
É suficiente isto para salientar o fato de haver chegado o tempo da imperiosa necessidade de João Batista iniciar sua obra.
Nunca nos convém cair no desespero por causa das nuvens sombrias e ameaçadoras que pairam mais e mais sobre a humanidade. Como no tempo de João Batista, a libertação dos céus pode estar mais perto do que pensamos. Num momento DEUS pode tornar as trevas da meia noite no clarão do meio dia.
Sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes (v. 2): No início, os judeus reconheciam apenas um sumo sacerdote. Mas depois, parece o costume de ter dois sumos sacerdotes 2 Rs 25.18. Tanto Zadoque como Abiatar, exerciam o ofício de sumo sacerdote no tempo de Davi, 2 Sm 15.29. Apesar de Anás ter sido deposto por Pilatos, ele continuava a ter grande influência e exercer muito do poder de seu genro Caifás. (Vede Jo 18.13; At 4.6.)
Veio no deserto a palavra de DEUS a João (v. 2): João, sem dúvida, permanecia no deserto, onde, separado dos homens, podia discernir melhor a vontade do Senhor.
O tempo que gastamos dentro de nosso quarto, com a porta fechada e a sós com DEUS, não é tempo perdido.
Somente aqueles chamados por DEUS, aqueles em que o fogo divino arde, devem pregar. Como pode um homem anunciar as verdades que ele mesmo nunca experimentou? Como pode testificar de um Salvador que nunca viu? Como pode pregar a Palavra de DEUS se essa Palavra nunca lhe veio? E percorreu... (v. 3): João Batista não foi desobediente à visão celestial, do v. 2. Produzi pois frutos dignos de arrependimento (v. 8): João discriminava praticamente os frutos que deviam produzir: 1) A multidão (v. 10), 2) Aos publicanos, vv . 12,13. 3) Aos soldados, v. 14. Isso nos ensina que 1) O Evangelho é muito prático.
2) Não todas as pessoas têm as mesmas tentações, que há certos pecados que nos apegam mais que outros. (Vede Hb 12.1.)
Orlando S. Boyer. Espada Cortante 2. Editora CPAD. pag. 53.
1. Lucas começa com datas pormenorizadas, não no início do ministério de JESUS, mas, sim, no início daquele de João. Reflete, assim, a importância crítica do reavivamento da profecia. E coloca aquilo que se segue firmemente no contexto da história secular. Visto que Augusto morreu em 19 de agosto de 14 d.C., o décimo quinto ano do reinado de Tibério César foi de agosto de 28 d. C. até agosto de 29 d. C. Alguns argumentam que a contagem deveria começar com a co-regência de Tibério com Augusto, 11-12 d.C.; mas nenhum exemplo pode ser citado de alguém que em qualquer tempo calculasse a data a partir de então. As datas sempre são a partir do tempo em que Tibério veio a ser imperador. Outros sustentam que Lucas está usando o método sírio mediante o qual o ano começava em 1 de outubro. O período de 19 de agosto até 30 de setembro seria contado como o primeiro ano do reinado, e o segundo ano começaria em 1 de outubro. Assim, chegaríamos ao ano que começou em 1 de outubro de 27 d. C. Se fosse seguir um sistema judaico semelhante, o ano seria aquele que começava em 1 de Nisã (março-abril) de 28 d. C.; Não parece que possamos chegar mais perto de que cerca de 27-29 d. C.
Sendo Pôncio Pilatos governador. Esta palavra tem significado muito geral, mas uma inscrição mostra que seu título era “prefeito” (e não “procurador,” conforme muitas vezes tem sido sustentado). A Judeia fazia parte da região distribuída por Herodes Magno a Arqueleu, mas este reinou tão mal que seus súditos dirigiram uma petição aos romanos para que o removessem. Fizeram-no, e instalaram seu próprio governador em 6 d. C. Pilatos deteve este cargo em 26-36 d.C .Herodes é Herodes Antipas, filho de Herodes Magno. Ficou sendo tetrarca da Galiléia e da Peréia na ocasião da morte do seu pai em 4 a.C., e deteve o cargo até 39 d. C. Destarte, reinou durante a maior parte da vida de JESUS sobre o território em que a maior parte do tempo de JESUS foi passada. A palavra tetrarca significa, a rigor, um soberano sobre uma quarta parte de uma região, mas veio a ser empregada para qualquer príncipe insignificante (Herodes Magno, na realidade, dividiu seu reino em três partes). O irmão de Herodes, Filipe, reinou sobre sua tetrarquia (que ficava ao nordeste do Mar da Galiléia) de 4 a.C. até 33 ou 34 d. C. Lisânias é um problema. Josefo menciona um homem com este nome que governou um território extenso a partir da sua capital de Cálquis até sua morte em 36 (ou 34) a.C. (Antiguidades xv.92).
Há, porém, inscrições que se referem a um Lisânias num período posterior que reinou como tetrarca de Abilene, que fica ao norte das demais regiões mencionadas. Parece melhor sustentar que Lucas independe de Josefo e que escreve acerca deste Lisânias posterior. Nada mais se sabe acerca deste homem.
2. Lucas passa a acrescentar uma data de especial importância aos judeus, a saber: a referência aos sumos sacerdotes. Anás era sumo sacerdote em 6-15 d,C., quando, então, o governador romano Grato o depôs. Cinco dos seus filhos vieram a ser sumos sacerdotes no decurso do tempo, e Caifás, que deteve o cargo de 18 até 36 d.C., foi seu genro. Lucas emprega o singular, que demonstra que sabia que havia um só sumo sacerdote. Parece que quer dizer que Caifás era o detentor oficial do cargo, mas que Anás ainda exercia grande influência, e talvez que ainda fosse considerado por muitos judeus como o verdadeiro sumo sacerdote (cf. At 4:6).
Talvez valha a pena indicar que quando JESUS foi preso, foi trazido primeiramente a Anás (Jo 18:13).
Na ocasião definida de modo tão impressionante, pois, veio a palavra de DEUS a João. A expressão é muito semelhante àquela que se emprega na LXX acerca da maneira de os profetas receberem sua mensagem (cf. Jz 1:2). Provavelmente visa colocar João na sucessão profética verdadeira.
3. Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão parece significar que João viajava muito no vale do Jordão. Diferentemente de Mateus e Marcos, Lucas nada diz acerca da aparência e dos hábitos dietéticos de João. Vai diretamente à mensagem dele. João pregava batismo de arrependimento para remissão de pecados. Trata-se de um batismo que segue o arrependimento e que é sinal dele, João conclamava as pessoas a se voltarem dos seus pecados, A aceitação do batismo era um sinal que assim fizeram.
O propósito era o perdão. o batismo era um rito de purificação em certo número de religiões. Parece certo que neste tempo os judeus usavam o batismo dos prosélitos. Consideravam impuros todos os gentios, de modo que os batizavam quando se tomavam prosélitos (além de circuncidar os homens). O ferrão que havia na prática de João era que aplicava aos judeus a cerimônia considerada apropriada para os gentios impuros. Muitos judeus esperavam que no julgamento DEUS tratasse duramente com os pecadores gentios, mas que os judeus, os descendentes de Abraão, o amigo de DEUS, estariam seguros. João denuncia esta atitude e remove a imaginada segurança.
Leon L. Morris. Lucas.
Introdução e Comentário. Editora Vida Nova. pag. 89-91.
A medida que o evangelho se espalha, torna-se aguda a questão de como os gentios se enquadram no plano redentor de DEUS. Visto que muitos gentios na verdade creram e se uniram à igreja, que crescia rapidamente, ergueu-se, como seria natural, a questão: o que os gentios tinham que ver com um movimento religioso predominantemente judaico, enraizado em Israel, com suas promessas escriturísticas? Para Lucas a resposta tinha aspectos tanto positivos quanto negativos. De modo positivo, o evangelho do reino deveria ser oferecido a todos. O livro de Atos registra a divulgação do evangelho primeiro entre os judeus (Atos 2:5—7:60), depois aos samaritanos, que eram judeus “mestiços” (Atos 8:2-24), depois aos gentios “tementes a DEUS” (algumas traduções dizem “piedosos”) que haviam recebido instruções anteriores na fé judaica (Atos 10:1 — 11:18) e finalmente a gentios que jamais haviam tido contato com o judaísmo (Atos 13:2—28:31). O hábito de Paulo durante suas viagens missionárias de entrar primeiro nas sinagogas para pregar a seus compatriotas judeus (v. Atos 13:16-41; 14:1-3; 17:1-3, 10-12; 18:2-4) reflete esse padrão e exprime-se por essa filosofia de evangelização bem conhecida: “primeiro do judeu, e também do grego” (Romanos 1:16; 2:10). Outra evidência positiva da legimitidade dos gentios como membros participantes do movimento judaico messiânico foi o fato de os gentios receberem o batismo do ESPÍRITO SANTO.
A semelhança dos apóstolos judeus (Atos 2:2-4), samaritanos e gentios também receberam o ESPÍRITO SANTO (Atos 8:14-17; 10:44-47; 11:15-18). Nas palavras de Paulo, os primeiros cristãos, independentemente de identidade étnica, foram “batizados em um só ESPÍRITO... e a todos nós foi dado beber de um só ESPÍRITO” (ICoríntios 12:13).
Lucas também oferece uma resposta negativa à questão gentílica. Houve uma razão explícita para o fato de os missionários se voltarem para os gentios: a incredulidade dos judeus e sua rejeição do evangelho. Que a liderança religiosa judaica se opunha ao ensino apostólico se evidencia logo de início no registro de Atos (Atos 4:1-22; 5:17-42). Essa oposição representa apenas a continuação da descrença que JESUS havia encontrado previamente (Lucas 19:47,48; 20:1-8,19,20; 22:47,23:25), a qual era característica do renitente Israel (Lucas 13:34). De fato, Lucas vai à origem da descrença dos fariseus na pregação de João Batista: “Mas os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de DEUS quanto a si mesmos, não tendo sido batizados por ele” (Lucas 7:30). A mudança formal da evangelização dirigida primordialmente aos judeus para uma evangelização voltada para os gentios encontra-se no sermão temático de Paulo em Atos 13:16-47. Paulo adverte seus compatriotas judeus a que não endureçam o coração à pregação do evangelho e cita uma profecia ominosa de Habacuque: “Vede entre as nações, e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-vos, porque realizo em vossos dias uma obra, que vós não crereis, quando vos for contada” (Habacuque 1:5, citada em Atos 13:41). Exatamente como Paulo temera, os judeus começaram a encher-se “de inveja, e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava” (Atos 13:45). Então, Paulo declara: “Era necessário que a vós se pregasse primeiro a palavra de DEUS. Mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, voltamo-nos para os gentios” (Atos 13:46).
Como justificativa dessa nova estratégia Paulo cita Isaías 49:6, de que Simeão havia mencionado parte (Lucas 2:32), ao contemplar o menino JESUS; aquele ancião reconhecera o significado de JESUS para o mundo: “Eu te pus para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até os confins da terra” (Atos 13:47). Diferentemente dos judeus rebeldes e incrédulos, os gentios se regozijaram e reagiram demonstrando fé (Atos 13:42,43,48).
Essa mudança de judeus para gentios tem origem no próprio cerne do ensino de JESUS, com respeito a como ser membro do reino de DEUS. Não é, portanto, uma solução repentina e provisória, diante de uma circunstância inesperada. Em numerosas passagens, algumas das quais encontram-se apenas no evangelho de Lucas, JESUS declara que certas pessoas, cuja aparência sugeriria serem as mais prováveis receptoras do favor de DEUS, e segundo os padrões humanos seriam consideradas merecedoras desse favor divino, nem sempre se mostram receptivas à presença de DEUS. Muita gente “confiante” em sua salvação e em suas recompensas vir-se-á um dia sob julgamento. E outros indivíduos, que pareceriam menos religiosos, que teriam recebido menos bênçãos nessa vida, poderão vir a ser recompensados e abençoados. O exemplo clássico dessa ideia se encontra na parábola do rico e Lázaro (Lucas 16:19-31). O rico gozou de todas as boas coisas que essa vida poderia oferecer. Vestia-se bem e alimentava-se bem, morando numa bela mansão. Lá fora, na rua, todavia, jazia o pobre Lázaro, esfarrapado, subnutrido, doente e desabrigado. Contrariando a crença popular da Palestina do primeiro século, Lázaro foi para o céu e o rico para o inferno.
Leon L. Morris. Lucas. Introdução e Comentário. Editora Vida Nova. pag. 22-24.
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