TEXTO ÁUREO
“Então, o SENHOR respondeu a Jó desde a tempestade […]”
(Jó 40.6).
VERDADE PRÁTICA
Mesmo transcendente, e distinto de sua criação, Deus se revela ao homem mortal.
Jó 38.1-4; 39.1-6; 40.15-18,24; 41.1-3.
Jó 38
1 — Depois disto, o SENHOR respondeu a Jó de um redemoinho e disse:
2 — Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?
3 — Agora cinge os teus lombos como homem; e perguntar-te-ei, e, tu, responde-me.
4 — Onde estavas tu quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência.
Jó 39
1 — Sabes tu o tempo em que as cabras monteses têm os filhos, ou consideraste as dores das cervas?
2 — Contarás os meses que cumprem ou sabes o tempo do seu parto?
3 — Elas encurvam-se, para terem seus filhos, e lançam de si as suas dores.
4 — Seus filhos enrijam, crescem com o trigo, saem, e nunca mais tornam para elas.
5 — Quem despediu livre o jumento montês, e quem soltou as prisões ao jumento bravo,
6 — ao qual dei o ermo por casa e a terra salgada, por moradas?
Jó 40
15 — Contempla agora o beemote, que eu fiz contigo, que come erva como o boi.
16 — Eis que a sua força está nos seus lombos, e o seu poder, nos músculos do seu ventre.
17 — Quando quer, move a sua cauda como cedro; os nervos das suas coxas estão entretecidos.
18 — Os seus ossos são como tubos de bronze; a sua ossada é como barras de ferro.
24 — Podê-lo-iam, porventura, caçar à vista de seus olhos, ou com laços lhe furar o nariz?
Jó 41
1 — Poderás pescar com anzol o leviatã ou ligarás a sua língua com a corda?
2 — Podes pôr uma corda no seu nariz ou com um espinho furarás a sua queixada?
3 — Porventura, multiplicará as suas suplicações para contigo? Ou brandamente te falará?
OBJETIVO GERAL
Mostrar que Deus se revelou ao homem para mostrar-lhe seus propósitos.
OBJETIVOS ESPECÍFICO
Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.
· I. Ensinar que Deus se revela aos homens;
· II. Pontuar que a criação expressa a glória de Deus;
· III. Acentuar que nossa justiça jamais se sobreporá a divina.
INTERAGINDO COM O PROFESSOR
Já se perguntou o quanto Deus é grande, infinito, e que não cabe em nossa imaginação? E nós, seres pequenos, tão limitados e injustos? Como é possível um ser tão santo, justo e infinito relacionar-se com outros seres tão contrários à sua própria natureza?
Na lição de hoje veremos o quanto esse Deus tão grande se revela e relaciona com seres tão pequenos. Em Cristo Jesus, nós temos o privilégio de adentrarmos confiantemente à presença dEle. O caminho do trono divino está aberto a todo o crente por meio do Filho de Deus, Jesus Cristo. É um privilégio e um maravilhoso presente desfrutarmos da presença de Deus.
COMENTÁRI
INTRODUÇÃO
Nesta lição vamos estudar como Deus se revelou a Jó e dialogou com o patriarca (Caps. 38 — 41). Esse episódio marca o ápice do Livro de Jó, pois mostra a quebra do silêncio divino. Ao longo desse estudo veremos que as respostas de Deus não são precisas, segundo a objetividade que os humanos esperam. Jó, portanto, é desafiado a comparar sua habilidade e sabedoria com as divinas e a responder quem, de fato, age com justiça no mundo.
PONTO CENTRAL Deus se revela ao ser humano.
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A fragilidade humana e a soberania divina — O sofrimento e a restauração de Jó
Comentarista: José Gonçalves
Capítulo 12 - Quando Deus Revela-se ao Homem
REVELAÇÃO E DEUS
É um fato bíblico incontestável que Deus sempre se revelou na história humana. Aqui neste texto, é destacada a revelação de Deus a Jó, que, sem dúvida, marca o ápice da narrativa sobre a prova de Jó. Em primeiro lugar, deve ser destacado que há várias outras narrativas no texto bíblico que mostram teofanias onde Deus revela-se ao homem de forma maravilhosa. Exemplos podem ser vistos em Abraão, Moisés, Samuel e muitos outros personagens bíblicos. Vemos aspectos da revelação divina e como os homens reagiram diante dela em todas essas narrativas. Foram momentos numinosos que, da mesma forma como aconteceu com Jó, provocaram profundo impacto na vida desses personagens bíblicos.
Em Gênesis 12, temos a chamada de Abraão. Ali, vemos como o Senhor, em um ato soberano da sua vontade, revela-se ao patriarca quando ele ainda vivia em Ur dos caldeus. No seu grande discurso perante as autoridades religiosas de Jerusalém, Estêvão faz referência a essa revelação de Deus a o antigo patriarca e destaca outros detalhes que ajudam na sua compreensão:
O Deus da glória a pareceu a Abraão, nosso pai, estando na Mesopotâmia, antes de habita r em Harã, e disse -lhe: Sai da tua terra e dentre a tua parentela e dirige-te à terra que eu te mostrar. Então, saiu da terra dos caldeus e habitou em Harã . E dali, depois que seu pai faleceu, Deus o trouxe para esta terra em que habitais agora. E não lhe deu nela herança, nem ainda o espaço de um pé; mas prometeu que lhe daria a posse dela e, depois dele, à sua descendência, não tend o ele filho. (At 7.2-5)
O termo grego ophthe (At 7.2), traduzido aqui como “apareceu”, tem o sentido de “revelar-se”. Deus revelou-se a Abraão e chamou-o para fazer parte d o seu grande plano de redenção. No relato de Gênesis 12, a inclusão do mundo todo nessa revelação está explícita nas palavras “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3).
Deus revela -se ao homem e firma u m pacto de salvação com ele. Tempos depois, esse mesmo Deus que se re velou ao patriarca hebreu também se revelou a Moisés (Ê x 3). A narrativa é uma das mais impressionantes da Bíblia, visto que a teofania veio acompanhada de fenômenos sobrenaturais que s e manifestaram na esfera física. Moisés contemplou uma sarça em chamas, mas que não se consumia. E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto e veio ao monte d e Deus, a Horebe. E apareceu-lhe o Anjo do Senhor em uma chama de fogo,
no meio de uma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia. E Moisés disse: Agora me virarei para lá e verei esta grande visão, porque a sarça se não queima. E, vendo o Senhor que se virava para lá a ver, bradou Deus a ele do meio da sarça e disse: Moisés! Moisés! E ele disse: Eis -me aqui. E disse: Não te chegues para cá; tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus d e Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus. (Êx 3.1 -6).
A Septuaginta usa o mesmo termo grego ophethe para traduzir o hebraico wayyêrā, com o sentido d e “aparecer”.⁸¹ Estamos diante de uma revelação soberana de Deus na história tanto na chamada de Abraão co mo também na chamada de Moisés. Assim como aconteceu com Abraão, a vida de Moisés não seria mais a mesma.
Outro caso que destaca a revelação direta de Deus aconteceu com Samuel, que viria a tornar -se u m dos maiores profetas do Antigo Testamento. Nessa passagem, temos uma referência tanto ao “ocultar-se” como ao “revelar-se” d e Deus. É um fato que, como aconteceu com Abraão e Moisés, embora os propósitos difiram entre si, Deus revelou-se de forma especial a Samuel.
E o jovem Samuel servia ao Senhor perante Eli. E a palavra do Senhor era de muita valia naqueles dias; não havia visão manifesta. E sucedeu, naquele d ia, que, estando Eli deitado no seu lugar (e os seus olhos s e começavam já a escurecer, que não podia ver) e estando também Samuel já deitado, antes que a lâmpada de Deus se apagasse no templo do Senhor, em que estava a arca de Deus, o Senhor chamou a Samuel, e disse ele: Eis -me aqui. (1 Sm 3.1-4).
É interessante notar que o texto mostra um “ocultar -se” de Deus antes do “revelar-se” dEle. O cronista destacou a passagem “a palavra do Senhor era de muita valia naqueles dias; não ha via visão manifesta” como uma referência clara a esse ocultar -se ou afastar-se de Deus. Na verdade, a ideia é que Deus estava lá, porém calado ou em silêncio. Pelo contexto do período dos juízes, a razão para tal é explicada em ter mos da anarquia reinante no sistema tribal (Jz 21.25): “Naqueles dias, não havia rei em Israel, porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos”. Aqui, o pecado é dado como a causa dessa “ ausência” de Deus através da sua Palavra.
É possível, portanto, fazer um paralelo entre as diversas teofanias bíblicas e o caso de Jó. Como ficou demonstrado, Deus às vezes “se oculta” ou fica em “silêncio”. No caso de Jó, esse “ocultar” não aconteceu como uma reação divina ao pecado de Jó, mas como parte de um plano pessoal e relacional. Deus permite o mal e oculta -se, mesmo s em deixar de estar presente, para trazer a Jó lições do seu supremo conselho. Havia, portanto, um desígnio em tudo quanto o patriarca viveu e sentiu. Nesse aspecto, Eliú não está equivocado quando disse para Jó que Deus nunca deixou de revelar-se: “Antes, Deus fala u ma e duas vezes; porém ninguém atenta para isso” (33.14). Jó também está correto quando diz experimentar o “ocultar-se” de Deus: “Eis que, se me adianto, ali não está; se torno para trás, não o percebo. Se opera à mão esquerda, não o vejo; encobre-se à mão direita, e não o diviso” (23.8-9); “Ah! Quem me dera u m que me ouvisse! Eis que o meu intento é que o Todo -poderoso me responda e que o meu adversário escreva um livro” (31.35). Deus às vezes escolhe ocultar -se ou ficar em silêncio, mesmo sem deixar de estar presente. Talvez estejamos diante d e um paradoxo, mas é assim que a leitura bíblica conduz -nos a interpretar.
JÓ E OS PROFETAS
Para falar sobre o “revelar-se de Deus” na história humana, necessariamente é preciso fazer a inserção d e u m importante personagem dentro desse processo: o profeta. Neste livro, já foi feito um paralelo entre Jó e o pathos e o ethos nos profetas (cf. cap.1). Aquilo que Jó experimentou de forma sublime, o “revelar-se de Deus”, os profetas viveram de forma intensa. Nesse aspecto, os profetas sempre causaram grande fascínio sobre aqueles que se propõem a estudar a s suas vidas e obras. El es eram os arautos de Deus para o povo de Israel. A instituição profética no Antigo Testamento é por demais importante e, por isso, não pode ser ignorada por quem se propõe conhecer a história bíblica. Hes chel (2012) observa que a pior desgraça que poderia existir para um judeu era o silêncio profético.
Hans W. Wolff (1983) destaca que a vida e a obra dos profetas revestem-se de grande importância . Primeiramente, Wolff destaca que a atenção dos profetas estava voltada para o futuro e que, em um segundo momento, os profetas viam o futuro como algo inextrincavelmente ligado ao presente. Isso significa que eles moviam as suas próprias vidas, juntamente com os seus contemporâneos, para a luz brilhante do futuro.
O alerta dado pelos profetas servia de a viso quando a vida moral, espiritual e social não ia bem. Abraham Joshua Heschel (1907 –1972), rabino austro-americano, escreveu sobre a importância dos profetas. Heschel (2014) destacou que o significado dos profetas de Israel não reside apenas no que eles disseram, mas também no que foram. Para Heschel, não se pode compreender completamente o que os profetas pretendiam dizer no contexto de hoje, a menos q ue se tenha algum grau de consciência do que lhes aconteceu. Os momentos que passaram nas suas vidas não estão agora disponíveis e não podem tornar-se objeto de análise científica. Ainda segundo Heschel (2014, p. 12): “A palavra do profeta é um grito na noite. Enquanto o mundo dorme despreocupa do, o profeta sente o golpe vindo do céu”. Nos profetas, como destacou Andrés Torres Queiruga (2010, p. 57):
Se apalpa com maior clareza o processo revelador em ação. O caráter imediato do contato com Deus impressiona. Sua palavra sai ainda viva e ardente da relação com a divindade: como foi indicado, foi neles que se forjou definitivamente a concepção da revelação como “palavra de Deus”.
Convém d estacar que o estudo da instituição profética, ta nto no aspecto carismático como no social, conforme definiu Leon J. Wood (1983, p. 10), pode ser visto a partir de três grupos. Primeiramente, há os profetas anteriores à monarquia, cujo interesse era impedir o povo d e participar do culto idolátrico dos cananeus. Em segundo lugar, há os profetas do período monárquico, que não escreveram, cujo interesse era estabelecer contato com indivíduos. Por último, o terceiro grupo, há os profetas escritores, cuja mensagem é dirigida a toda a nação e ao povo em geral. Essa visão de conjunto, sem dúvida, ajuda na compreensão dos profetas.
A revelação de Deus no contexto hebreu é mais be m compreendida quando contrastada com outras formas de revelações nos antigos povos vizinhos de Israel. Esse contraste pode ser visto não apenas na forma, mas, sobretudo, na função. José Luis Sicre (2007, pp. 24,25) destaca que, nas culturas limítrofes a Israel, a consulta ao oráculo parte de indivíduos ou povos, enquanto que esse processo acontece de forma invertida em Israel. O profeta hebreu não agia como um adivinho, dando resposta a gosto do consulente. Eles anunciavam os oráculos ou mensagens que sabiam ter recebido de Iavé. Segundo Sicre (2007, p. 28) “não se contentam em responder às questões que interessa m a quem os consulta, mas adiantam-se em proclamar em nome do Senhor uma palavra cheia de repercussões para o tempo presente”. Esse é o modo de Deus revelar-se na história e que também revela o modus operandi da profecia bíblica.
Os paralelos entre a teofania vivida por Jó e a revelação profética fica evidente. Tanto Jó como os profetas foram profundamente impactados pela presença divina. Mesmo se m dar uma resposta direta a Jó, pelo menos nos termos que o leitor imaginaria, porém convidando-o a contemplar o desígnio divino na criação, Jó fora arrebatado diante desse revelar-se de Deus: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos” (42.5).
Experiência semelhante acontecia com os profetas diante da revelação de Deus a eles, que experimentavam uma realidade divina. Segundo Walter Eichrodt (1961, vol. 1, p. 345 , apud Waltke 2 015, p. 9 04) os profetas têm u ma experiência assustadora com esse poder, o que os leva ao abandono radical de tudo que até então consideravam bom para eles, uma experiência da qual os relatos de seus respectivos chamados dão testemunho eloquente.
Walter Eirichrodt (1961, vol. 1 , p. 345) destaca que: Não há um deles que não tenha recebido essa nova certeza acerca de Deus, de tal maneira q ue todo o seu modo de vida anterior — os pensamentos e planos com que até agora vinha ajustando seu relacionamento com o mundo — foi esmigalhado e substituído por um poderoso imperativo que o forçou a lançar-se a algo que a té então não havia nem mesmo considerado como possibilidade. Suas predições ameaçadoras sobre o fim da nação e do povo originam-se todas na mesma convicção dominante de que o irrompimento de um poder hostil está ameaçando as bases da ordem presente.
O SENHOR RESPONDEU A JÓ – O DESÍGNIO DIVINO
“Depois disto, o Senhor respondeu a Jó de um redemoinho [...]” (38.1). O texto diz que o Senhor respondeu a Jó (38.1). Um fato que tem chamado a atenção de alguns intérpretes (Atkinson, 1991; Schonberger, 2011) é a mudança do nome D eus (hb. elohim) para Iavé (Iahweh). Depois do prólogo, é a primeira vez que esse nome divino volta a aparecer. Schonberger destaca:
Aqui ecoa o tema da presença e da ausência de Deus, de seu se r revelável e do seu ser-oculto. Perante seu sofrimento e o dos seres humanos, Jó havia sofrido e se queixado do silêncio e da ausência de Deus. Deus, de acordo com sua percepção, “não estava lá”. Era, para ele, não encontrável: “ Se for ao Oriente, não está ali: ao Ocidente, não o encontro. Quando ele age no norte, eu não o vejo; se me volto para o meio-dia, ele permanece invisível (23.8-9). Deus silencia. Não presta atenção à súplica d o humilhado (cf. 24.12). Tendo como pano de fundo essa percepção, agora entra em cena uma mudança. Iahweh fala. Ele responde. Estava ele ausente até agora? Em sua fala, ele vem ao encontro de Jó como alguém que, até então, não estava “lá”? O texto deixa essas questões abertas. Aliás, os discursos de Eliú haviam mostrado que alguém pode estar presente sem dizer algo (cf. 32.6-7).
“Quem é este que obscurece os meus planos com palavras sem conhecimento?” (38.2, NAA). A palavra “planos” traduz, aqui, o termo hebraico etsah, cujo sentido é “desígnio”.⁸² Deus censura a Jó por fazer críticas sem conhecer nada dos seus desígnios ou propósitos. Como observa Schonberger (2011, p. 206), no contexto de Jó, o desígnio de Deus refere-se a uma “organiz ação divina do mundo”. Em outras palavras, Jó, evidentemente, por conta d a sua provação, passou a enxergar o mundo por meio das lentes d o seu sofri mento, e não do seu propósito maior. “O mundo de Jó havia-se reduzido a um único ponto: seu indizível sofrimento. E a partir d esse ponto ele julgava todo mundo e Deus” (Schonberger, 2011, p. 213). Nesse aspecto, Jó já havia descrito a terra como sendo um caos (3.4-10). Deus, então, desafia-o por meio de várias perguntas retóricas sobre a ordem que há no Universo e como ela atende ao seu propósito soberano. Mediante essas perguntas, que chegam a 40, Deus quer mostrar a Jó o “seu não saber” (Schonberger, 20 11, p. 206). Não teria, portanto, Jó agido com presunção ao questionar o Criador?
No capítulo 3, observamos que Jó mergulhou no seu dilema numa “falta de sentido”. Hoje se falaria que ele “ficou sem c hão”. Mas o que Deus queria é que ele voltasse a enxergar que havia um sentido muito maior na sua existência e no seu sofrimento. Havia, portanto, um desígnio que Jó esta va deixando de ver. Quando se perde o propósito maior da vida, fatalmente se ca i numa espécie de vazio existencial. No seu livro Surpreendido pelo Sentido (Hagnus, 2015), Alister McGrath (2015, p. 2 5) destaca o seguinte:
Precisamos de u m mapa mental da realidade que permita nos posicionar, ajudar-nos a encontrar nosso caminho ao longo da estrada da vida. Precisamos de lentes, óculos, que ponham em foco claro as questões fundamentais sobre a natureza humana, o mundo e Deus. E precisamos de uma forma de checar s e a realidade garantida a cada um de nós é apenas um minúsculo fragmento de uma verdade muito maior que está além d e nós. Conforme Paulo comenta de forma excelente: “Agora vemos como por um espelho, de modo obscuro” (1 Co 13.12). A fé cristã declara que existe um mapa confiável e que este nos ajuda a nos posicionar em relação às grandes questões da vida. Assim também destaca Schonberger (2011, p. 207):
Dessa forma, já desde o começo d o discurso d e Deus evidencia -se que Deus não se volta para a miséria d e Jó mediante o fato de simplesmente tomá-lo para si, consolá-lo e curá-lo. Deus desafia Jó a u m “combate do reconhecimento” (vv.2-3), para uma dura, mas libertadora purificação da consciência.
O restante do livro de Jó realça rá ainda mais a grandeza de Deus no seu a to criador. A ideia é mostrar que o mundo não é um cosmos que se transformou em caos, mas u m caos que se transformou em mundo. A imagem da criação em Gênesis está em mente. Deus criou tudo d e forma perfeita e boa, e até mesmo as trevas, como símbolo do caos, são expulsas pela presença da luz (Gn 1.3-5). Jó, portanto, se quer fazer um julgamento correto, deve corrigir o seu foco. Ele achava que sabia, mas, de fato, sabia pouco ou quase nada.
Schonberger (2011, p. 211) faz u m interessante paralelo entre o que está exposto nesse capítulo de Jó e o que escreveu Immanuel Kant na sua Crítica da Razão Pura (1781). Schonberger acredita que a frase de Kant (“Devo, portanto, suprimir o saber, a fim d e ceder espaço para a fé”) encontra paralelo nos discursos de Deus no livro de Jó. Não se trata, entretanto, de “suprimir” a razão no sentido de anulá-la, mas de pô-la no seu devido lugar. Em outras palavras, a razão precisa reconhecer os seus limites, não podendo usurpar aquilo que é território da fé. Jó, portanto, devia mover-se da razão à contemplação.
Como ser racional, o homem não pode desfazer-se da razão. A razão, portanto, não pode ser descartada por conta da revelação. Evidentemente, o que deve ser destacado é que a razão não pode transformar-se em racionalismo. Como sistema filosófico, o racionalismo promove o ceticismo e nega a revelação. Quando a razão torna -se a régua por meio da qual se quer medir todos os outros fenômenos do Universo, então temos um mau uso da razão. Assim como muitos cientistas modernos, Jó precisava ir além do seu simples conhecimento empírico. Às vezes, o simples saber racional converte-se em um não saber. Isso acontece quando a capacidade d e julgar está ofuscada — no caso de Jó, pelo seu intenso sofrimento; no caso d a ciência positiva, por conta da natureza pecaminosa dos seus agentes que a ofuscou. Nesse aspecto, a razão constitui -se um não saber quando usurpa, por exemplo, o lugar da Revelação.
No caso de Jó, Stadelmann (1997, p. 107) destaca:
que a teofania é uma experiência espiritual d a presença de Deus, que vem ao encontro d o homem não por meio de fenômenos
naturais, mas por uma ação específica de Deus nas faculdades intelectivas do homem para lhe dar a conhecer Seus desígnios a respeito dele e da humanidade.
No contexto bíblico, a teofania tem o propósito de realçar a transcendência de Deus e, por isso, vem muitas vezes acompanhada de fenômenos, como, por exemplo, a tempestade. É do meio da tempestade que Deus fala a Jó. Se, por um lado, como observa Stadelmann (p. 107), a tempestade mostra um Deus inacessível, por outro lado, a palavra divina aproxima Jó desse Deus. Dessa forma, Stadelmann (1997, p. 108) destaca o seguinte:
A resposta chega a Jó unicamente por revelação, não por dedução racional. Quando analisa a condição humana de modo diferente de como fez até então, Jó vai descobrindo a sabedoria divina que dinamiza a criação por dentro e faz dela o habitat dos seres animados. A terra é como um templo de dimensões gigantescas onde ressoam aclamações jubilosas dos filhos de Deus (vv. 4 -7). O mar com suas ondas parece uma criança recém -nascida qu e a mãe embala em seus braços (vv. 8-11).
Deus revelou-se, e Jó sentiu-se maravilhado diante da sua excelsa glória. Humilhado diante do Altíssimo, Jó viu-se diante do sentido da vida. Para o homem que teme a Deus e desvia -se do mal, há um desígnio e um propósito naquilo que parece uma simples provação. Nas palavras do apóstolo: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm 8.28).
A fragilidade humana e a soberania divina
— O sofrimento e a restauração de Jó
O Desafio Divino. 38:1 - 40:2.
Jó 38 38:1-3. De um redemoinho (v. 11. Este veículo característico da teofania (cons. Sl. 18: 7 e segs.; 50:3; Ez. 1:4, 28; Naum 1:3 ; Hc. 3; Zc. 9:14) deriva para dramatizar a revelação falada que o acompanhava. Quem é este que escurece os meus desígnios? (v. 2). O absurdo de Jó criticar as resoluções divinas está na respectiva identidade de ambos. A criatura criticando o Criador! Cinge, pois os teus lombos como homem (v. 3a). A imagem do desafio divino foi extraída do antigo esporte popular da luta do cinturão. A figura é especialmente aplicável a este contexto porque esse tipo de luta também era usado como prova nu tribunal, e é por meio de provas que o caso de Jó está sendo resolvido.
38:4 - 39:30. A prova para a qual o Criador desafia Sua criatura é o teste da sabedoria. Muitas das perguntas divinas tratam do poder executivo, mas o conceito de sabedoria do V.T. inclui o talento do artista. Chama-se a atenção para a sabedoria insondável do Criador exibida por toda parte - na terra (38: 4-21, nos céus (38:22-38) e no reino animal (38:39 - 39:30), a seqüência da narrativa sendo, de maneira generalizada, a mesma que este Orador adotou em Gênesis 1. Jó fica cada vez mais impressionado com a imensidão de sua própria ignorância e impotência.
38:4-21. Onde estavas tu? O conhecimento que Jó tinha da terra estava limitado pelo tempo e espaço. Esta seção começa e termina com referências á não existência de Jó na criação (vs. 4, 21; cons. 12; contraste com "Sabedoria" em Pv. 8:22 e segs.). Eis a sua ignorância sobre como a terra foi estabelecida (Jó 38: 47) ou o mar encerrado (vs. 8- 1li, sobre como os dias da terra estão controlados pelo siclo da madrugada e das trevas (vs. 12-15, 19-21). Jó também não sondara as profundezas do mar nem medira a largura da terra (vs. 16-18).
38:22-38. Podes estabelecer a sua influência sobre a terra? (v. 33b). Para se qualificar como diretor e juiz da vida humana sobre a terra, devese ter capacidade de governar os corpos celestiais que governam a terra (cons. Gên. 1:14-18). Observe a repetida menção da influência do céu atmosférico e astral sobre os negócios da terra (Jó 38:23, 26, 27, 33, 34, 38). Mas Jó não tem o controle sobre as águas acima no que se refere a se, onde, quando ou como elas se precipitarão. 0 relâmpago não se apresentará diante dele como um servo obediente (v. 35); nem tem ele a mais remota influência sobre os sinais periódicos dos céus (vs. 31, 32).
38:39 - 39:30. Novamente nesta seção sobre a criação animada, o propósito é convencer Jó de sua incompetência para o papel de governador do mundo, enquanto magnífica à sabedoria dAquele que realmente é o Governador da criação (cons. 12:7). A atividade criativa e providencial de Deus envolve as criaturas selvagens além do controle humano, como exatamente, na esfera inanimada, abrange a vastidão além do conhecimento humano (cons. 38:26, 27). Leões e corvos não são aproveitáveis nem igualmente sujeitos à benevolência do homem (38:39- 41).
Jó 39
Nem as cabras monteses recebem o cuidado solícito do criador de gado (39:1-4) O homem não pode colocar o jumento selvagem e esquivo (39: 5-8) nem o boi selvagem e indomesticável (39:9-12) 9Jb o seu jugo. Até a estúpida avestruz zomba dos orgulhosos cavaleiros (39:13-18), enquanto o cavalo, por seu lado, zomba dos exércitos humanos e da vanglória de Lameque (39:19-25; cons. Gn. 4:22-24). O último esboço dirige os olhos de Jó para cima, para o trono do Criador - para o falcão e a águia rapaces, à espera de que Deus os chame para a Sua festa de julgamento, com sua presa de homens rebeldes, reis e capitães, cavalos e cavaleiros (Jó 39:26-30; cons. Ez. 39:17; Ap. 19:17 e segs.). Eis aqui a vaidade máxima de todos os esforços da sabedoria humana - que o homem se reduz a alimento da criação sub-humana- "Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios" (I Co. 1:27a). Até os animais selvagens riem-se dos esforços culturais do homem (vs. 7, 18, 22).
Jó 40
40:1, 2. Acaso quem usa de censuras contenderá com o Todopoderoso? (v. 2a). O primeiro "encontro" da prova está para ser decidido. Deus exige que Jó admita a derrota. Isto ficaria ainda mais claro de acordo com a tradução refletida em algumas versões antigas: "0 que contende com o Todo-poderoso se renderá? "
2) A Submissão de Jó. 40:3-5.
4a. Sou indigno. A sabedoria extraordinária do Criador impressionou a Jó tão profundamente que ele não mais quer discutir os caminhos divinos como o fizera mais de uma vez (v. 5). Muito menos se aproximará de Deus como um príncipe (cons. 31:37). As atitudes de Jó começam a adornar novamente a doutrina da sabedoria que ele confessa (cons. 28:8).
3) O Desafio Divino Renovado. 40:6 – 41:34.
40:6, 7. Um dos alvos da luta dos cintos era arrancar o cinto do oponente, mas uma prova nem sempre terminava com tal "queda". Assim Jó deve, figuradamente, amarrar o cinto novamente e recomeçar a prova. Sua submissão inicial (40:3-5) era boa mas apenas o início de seu arrependimento. Ele devia reconhecer não apenas a irracionalidade mas também a pecaminosidade da crítica ao Todo-poderoso.
40:8-14. Ou tens braço como Deus? (v. 92). O poder redentor de Deus através do qual Ele salva o Seu povo e julga seus inimigos é freqüentemente retratado como um braço estendido e uma grande mão (cons. v. 14b). A crítica de Jó ao governo de Deus, especialmente sua jactância de que venceria a imaginária oposição do Senhor à sua justificação, era, em princípio, uma usurpação da prerrogativa divina do governo do mundo, um desejo ardente de conhecimento igual ao divino do bem e do mar (cons. Gn. 3: 5), uma autodeificação. Que Jó provê sua capacidade de executar a sentença condenatória contra os homens perversos, cuja prosperidade lhe parece injusta (Jó 40:10-13). Então Deus adorará de acordo com o culto de Jó, reconhecendo que ele possui o poder divino do juízo redentor pelo qual pode justificar e salvar a si mesmo (v. 14).
40:15 - 41:34. (Texto heb. 40:15 – 41:26). Uma vez que Jó não pode obviamente subir ao trono celestial para experimentar o seu poder de julgar os perversos, Deus propõe um teste mais exeqüível. O motivo da divindade convocando um animal invencível para lutar contra um herói humano encontra paralelo na mitologia antiga. (Cons. Épica de Gilgamesh, na qual Ishtar envia o touro celeste contra Gilgamesh.) Na arte mesopotâmia, além disso, o touro celeste foi representado usando o cinturão da luta. O beemote (40:15 e segs.) identifica-se comumente com o hipopótamo; o leviatã (41:1 e segs.; texto heb. 40: 25 e segs.), com o crocodilo. Ambos se encontram juntos na arte egípcia. Não é necessário demonstrar-se a presença do hipopótamo ou crocodilo na área do Jordão de antigamente, uma vez que yarden (40:23b), ao que parece, é um substantivo comum significando "rio" (cons. paralelo no v. 23a). Muitas outras identificações já foram sugeridas; recentemente, por exemplo, identificou-se o beemote com o crocodilo e o leviatã com a baleia. Se o beemote pode com sucesso ser identificado com o crocodilo (cons. 40:17, 24a, Heb.), deve-se considerar se toda a passagem não descreve apenas uma criatura, isto é, o leviatã. A designação, beemote, tomada como plural intensivo, "a besta por excelência", poderia ser um epíteto como obra-prima dos feitos de Deus (v. 19a). Observe reivindicações superiores semelhantes para o leviatã (41:33, 34). Certos detalhes descritivos não se enquadram em nenhuma criatura real. Isto tem induzido a opinião que aqui não se tem em mente criaturas zoológicas, mas monstros do caos mitológico concebidos à semelhança do hipopótamo e do crocodilo. Então 40:15 e segs. poderiam ser uma elaboração simbólica do desafio precedente para subjugar os homens rebeldes (40:9-14). Compare o uso do dragão como símbolo de Satanás em Apocalipse. Como seria apropriada uma intimação a que Jó lutasse com o príncipe dos rebeldes convencidos!
Jó 41
Aplicável ao contexto como é esta interpretação mítica, a passagem torna-se mais naturalmente compreendida como figura de criaturas reais pintadas com algumas pinceladas altamente figurativas (como 41:19 e segs. por exemplo). Observe especialmente que Deus apresenta beemote como alguém que eu criei contigo (40:15b). Eis aí o verdadeiro ponto alto da passagem: Jó tem de descobrir por meio de sua incapacidade de derrotar até mesmo uma criatura igual a ele, a loucura de aspirar o trono do Criador. A conclusão a fortiori torna-se explícita em 41:10b. Quem é, pois, aquele que pode erguer-se diante de mim? A absoluta transcendência divina contradiz o pretendido direito de Jó de declarar-se contra Deus porque impede a possibilidade de Jó ter dado algo a Deus: Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois o que está debaixo de todos os céus é meu (41:11).
Uma vez que a ocasião desta demonstração extensa do poder de Deus foi quando Ele atraiu Jó para uma prova de tribunal, a demonstração foi explicitamente oferecida como defesa da justiça divina. Do mesmo modo, foi introduzida pela pergunta: Acaso anularás tu, de fato, o meu juízo? Ou me condenarás, para te justificares? (40:8; cons. 38:2). Não que o atributo da justiça possa ser abstratamente deduzido do atributo da onipotência. Antes, a atenção é dirigida para as obras grandiosas e divinas como testemunhas forçadas de Deus – não simplesmente de um atributo mas do próprio Deus; o Deus que se revelou ao homem de dentro e de fora, por meio de revelação generalizada e especial; o Deus vivo, infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade; O Deus cuja veracidade e justiça eram a pressuposição do julgamento de Jó por meio de provas, que jura por si mesmo porque não pode jurar por alguém maior do que Ele.
Jó (Comentário Bíblico Moody)
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