terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Lição 10 - Lições Bíblicas Adultos - 4º Trim./2020 - CPAD

TEXTO ÁUREO

Ou não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?” 

(Jó 31.4).

VERDADE PRÁTICA

Ao olhar retrospectivamente para o passado, lembre o quanto Deus trabalhou nele.

Jó 29.1-5; 30.1-5; 31.1-5.

Jó 29

1 — E, prosseguindo Jó em sua parábola, disse:

2 — Ah! Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me guardava!

3 — Quando fazia resplandecer a sua candeia sobre a minha cabeça, e eu, com a sua luz, caminhava pelas trevas;

4 — como era nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha tenda;

5 — quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus meninos, em redor de mim;

Jó 30

1 — Mas agora se riem de mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.

2 — De que também me serviria a força das suas mãos, força de homens cuja velhice esgotou-lhes o vigor?

3 — De míngua e fome se debilitaram; e recolhiam-se para os lugares secos, tenebrosos, assolados e desertos.

4 — Apanhavam malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento eram raízes dos zimbros.

5 — Do meio dos homens eram expulsos (gritava-se contra eles como contra um ladrão),

Jó 31

1 — Fiz concerto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?

2 — Porque qual seria a parte de Deus vinda de cima, ou a herança do Todo-Poderoso desde as alturas?

3 — Porventura, não é a perdição para o perverso, e o desastre, para os que praticam iniquidade?

4 — Ou não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?

5 — Se andei com vaidade, e se o meu pé se apressou para o engano.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.

I. Mostrar que Jó lembra os tempos passados quando era visto e reconhecido socialmente por todos;

II. Contrastar o estado passado de Jó com o presente, quando se tornara motivo de escárnio;

III. Elucidar a insistência de Jó na defesa de sua inocência.

INTERAGINDO COM O PROFESSOR

Nesta lição perceberemos que Jó faz uma retrospectiva de sua vida. Ele pôde ver o quanto foi abençoado, embora o momento presente contrariasse todo o seu passado. Infelizmente, o “presente” de Jó teve mais força para embaçar o seu passado. Ele não conseguia recuperar a esperança.

É muito importante fazermos esse exercício retrospectivo, mas sem, contudo, perder a esperança. O que Deus fez em nosso passado deve-nos trazer a esperança para o presente. Tudo isso só é possível uma vez que estamos em Cristo. Do ponto de vista humano é impossível recuperar a esperança diante da tragédia. Todavia, na força do Espírito Santo, podemos recuperá-la.

INTRODUÇÃO

O capítulo 31 encerra da seguinte forma: “Acabaram-se as palavras de Jó” (Jó 31.40). Trata-se de uma retrospectiva nostálgica do passado Jó (Jó 31.29-31). Por isso, nesta lição, veremos a lembrança de Jó acerca de sua prosperidade material e espiritual, de sua adoração a Deus e das bênçãos que o Todo-Poderoso concedeu à sua casa; mas, agora, em oposição ao momento de escárnio e vergonha que ele passa no presente. Nesse sentido, Jó não aceita que as coisas terminem assim e, portanto, ele deseja se apresentar diante de Deus para defender a sua causa.

PONTO CENTRAL

Conforme Deus fez no passado, Ele pode fazer algo novo.

Lição 10: A última defesa de Jó

LIÇÕES BÍBLICAS CPAD—A fragilidade humana e a soberania divina



Capítulo 10 - A última defesa de  Jó   

UM OLHAR EM TRÊS DIREÇÕES 

    O  longo  debate  entre  Jó  e  os  seus  a migos  terminou  com  um primoroso  discurso  de  Jó  s obre  a  sabedoria  (Jó  2 8).  Um  no vo  ciclo  está para ter início. Todavia, antes que El iú entre em cena (cap. 32), Jó faz a sua última  defesa  em  prol  da  sua  inocência .  Os  capítulos  2 9–31  apresentam esse  solilóquio  de  Jó  como  composto  de  três  partes:  (1)  um  olhar  para   o passado; (2) uma reflexão do seu estado presente; e (3) um olhar para u m futuro que ainda se mostra aberto e incerto. 

    Schonberg (2011, p. 148) destaca: 

    O  grande  discurso  conclusivo  de  Jó  articula-se  em  três  partes.  A perspectiva condutora parece ser a sucessão cronológica de passado –  presente  –  futuro:  em  primeiro  lugar,  ele  lança  um  olhar retrospectivo  para  um  passado  abençoado,  para  os  dias  de  s eus primeiros anos , quando a amizade de Deus pairava sob re s ua tenda (29).  A  seguir,  volta  o  olhar  para  o  seu  horrend o  presente ,  quando seu interior ferve, seus ossos ardem em febre (30). E, por fim, dirige seu  olha r  para   frente,  para  um  futuro  aberto  e  incerto  (31):  existe alguém  que  o  escuta  (31.35)?  Jó  desafia  o  Todo-Poderoso  a  uma  resposta  (31.35-40). Seu  grande  discurso  conclusivo  acaba  aqui.  Por isso é que é chamado também de “o discurso de desafio” de Jó. 

    A  patrística  (Odem,  2010)  não  via  nas  palavras  de  Jó  (29–31)  uma mera lamentação nostálgica do seu anterior estado de glória que não mais existia  agora,  mas  uma  prova  da   sua  piedade,  q ue  ainda  conseguia enxergar  a  divina  providência   (Crisóstomo).  Ela  também  via  como  uma exortação  à  benevolência  e  à  bondade  (Gregório)  e  como  uma  prova definitiva  da  integridade  de  Jó  (Crisóstomo,  Isodad,  Juliano  Arriano). Como era característica da exegese medieval, a patrística interpretava essa defesa de Jó por meio do método alegórico. Dessa forma, viam a expressão “portas da cidade” como se referindo às boas ações, que são lembradas no céu (At 10.4), em contraste com “portas da morte”, que arrasta a alma para a destruição.

    OLHANDO PELO RETROVISOR

    E,  prosseguindo  Jó  em  sua  parábola,  disse:  Ah!  Quem  me  der a  ser como  eu  fui  nos  meses  passados,  como  nos  dias  em  que  Deus  me guardava!  Quando  fazia  resplandecer  a  sua  candeia  sobre  a  minha cabeça,  e  eu,  com  a  sua  luz,  caminhava  pelas  trevas;  como  era  nos dias da  minha  mocidade, quando o  segredo  de  Deus estava sobre a minha  tenda;  quando  o  Todo-Poderoso  ainda  estava  comigo,  e  os meus meninos, em redor de mim; quando lavava os meus passos  em  manteiga, e da rocha me corriam ribeiros de azeite; quando saía para  a  porta  da  cidade  e  na  praça  fazia  preparar  a  minha  cadeira.  Os moços  me  viam  e  se  escondiam;  e  os  idosos  se  levantavam  e  se punham em  pé;  os  príncipes continham  as  suas  palavras e  p unham a  mão  sobre  a  boca;  a  voz  d os  chefes  se  escond ia,  e  a   sua  língua  se pegava  ao  seu  paladar;  ou -  vindo-me  algum  ou vido,  me   tinha  por bem-aventurado; vendo-me algu m olho, dava testemunho de mim.

    UM PASSADO DE GLÓRIA

   “E,  prosseguindo  Jó  em  sua  parábola, disse:  Ah!  Quem  me d era ser como  eu   fui  nos  meses  passados,  como  nos  dias  em  que  Deus  me guardava!”  (29.1,2).  Jó  dá  início  à s  suas  lembranças  recordando  o  seu relacionamento  com  Deus.  “Como  nos  dias  em  que  Deus  me  guardava!” (v.  2).  No  passado,  Jó  sentia-se  cuidado  e  protegido  por  Deus.  Nesse aspecto,  a  lâmpada  do  Senhor  estava  sempre  sobre  a  sua  cabeça  (v.  3). Tudo  isso  agora  fazia  parte  de  um  passado  distante.  Agora,  ele  sentia-se abandonado  por  Deus,  pelos  amigos  e  pela  comunidade.  Sem  dúvida, uma trágica lembrança. Staldeman (1997, p. 104) destaca: 

         O  retrospecto  sobre  a  felicidade  da  vida  passada  não  é  fuga  da realidade,  mas representa  um depoimento  importante que coincide com  a   experiência  humana  de  que  a  infelicidade  é  motivo  d e diversas formas de mal-estar. A isso junta-se uma reflexão s obre a fé na bondade de  Deus que s e denominou apaixonado pelo homem  e, portanto,  não  pode  ficar  alheio  ao  drama  existencial  dos  seres humanos.  Por  isso,  Jó  apresenta  à  consideração  de  Deus  a  dura realidade da vida e o sofrimento humano. Anteriormente, Jó gozava de uma vida feliz e apreciava a prosperidade como dom divino, cu ja fruição consolidava a amizade e a união com Deus (vv. 1-6).

    Jó recorre à linguagem metafórica para realçar as lembranças que e le mantinha  vívidas  do  seu  antigo  estado.  Naqueles  dias  passados,  ele lavava  os  seus  pés  com  leite,  enquanto  via  o  azeite  abundar  na  sua  casa. “Quando  lavava  os  meus  passos  em  manteiga,  e  da  rocha  me  corriam ribeiros  de  azeite”  (29.6).  A  figura  representa  uma  vida  em  total prosperidade.  Jó  era  próspero,  e  essa  prosperidade  advinha  do  seu relacionamento  com  Deus.  Se  a  sua  vida  sempre  f ora  firmada  na fidelidade e integridade, por que, então, o seu atual estado de miséria?

   No  capítulo  22.6-8,  Elifaz  acusara  a   Jó  de  cometer  injustiça  social. Nas  suas  recordações,  Jó  mostra  que  nada  d isso  era  fato.  O  oposto,  sim, era verdade. Jó tivera uma vida social intensa. Primeiramente, ele gozava de  grande  prestígio  na  sua  comunidade,  sendo  um  homem  deveras respeitado. Quando entrava na cidade, os líderes “punham  a mão sobre a boca”  (29.9).  Todos  o  reverenciavam.  Jó  tornara-se  o  centro  das  atenções (v.  1 1).  Jó,  portanto,  era  um  homem  muito  honrado  em  virtude  da  sua relevante expressão social. Todos o estimavam e queriam desfrutar do seu prestígio e amizade.

    EM DEFESA DOS  POBRES (29.12 -25)

   Porque  eu  livrava  o  miserável,  que  clamava,  como  também  o  ó rfão que  não  tinha  quem  o  socorresse.  A  bênção  do  que  ia  perecendo  vinha sobre  mim,  e  eu  fazia  que  rejubilasse  o  coração  da  viúva.  Cobria-me  de justiça,  e  ela   me  servia  de  veste;  como  manto  e  diadema  era  o  meu  juízo. Eu era o olho do cego e os pés d o coxo; dos necessitados era pai e as causas de  que  não  tinha  conhecimento  inquiria  com  diligência;  e  quebrava  os queixais  do  perverso  e  dos  seus  dentes  tirava  a   presa.  E   diz ia:  no  meu ninho expirarei e multiplica rei os meus d ias como a a reia. A minha raiz s e estendia  junto às  águas,  e o  orvalho fazia  assento sobre  os  meus  ramos; a minha  honra  s e  renovava  em  mim,  e  o  meu  arco  se  reforçava  na  minha mão.  Ouvindo-me,  esperavam  e  em  silêncio  atendiam  ao  meu  conselho. Acabada  a  minha  palavra,  não  replicavam,  e  minhas   razões  destilavam sobre  eles;  porque  me  esperavam  como  à   chuva;  e  abriam  a  boca  como  à chuva tardia. Se me ria para eles, não o criam e não faziam abater a  luz do meu  rosto;  se  eu  escolhia  o  seu  caminho,  assentava -me  como  chefe;  e habitava  como  rei  entre  a s  suas  tropas,  como  aquele  que  consola  os  que pranteiam. “porque eu livrava o miserável, que clamava, como também o órfão que não tinha quem o socorresse” (29.12) . Um fato a ser destacado e que  se  ajusta  ao  contexto  do  livro  de  Jó  é  que  a   sua  prosperidade  e felicidade  eram  fruto  da  bênção  de  Deus.  Eram,  portanto,  de  natureza relacional. Deus, pela sua graça, abençoara a Jó e  a tudo  quanto ele tinha. Por  outro  lado,  a  devoção  de  Jó  era  o  reflexo  de  u ma  vida d e  gratidão.  O relacionamento  sadio  que  ele  possuía  com  o  seu  Deus  impulsionava-o  a uma  vida  de  piedade  e  justiça  social.  Dessa  forma,  ele  estava  disposto  a livrar  “o  miserável,  que  clamava,  como  também  o  órfão  que  não  tinha quem o  socorresse” (v.  1 2). Tudo  mudara  agora.  Nada disso  existia  mais. Jó,  juntamente  com  o  seu  passado,  parecia  ter  caído  no  esquecimento  de Deus.

  Convém  destacar  que  a  questão  da  justiça  social  em  Jó  é  tema recorrente  na  teologia  contemporânea  (Rossi,  2017;  Storniolo,  2018).  Na sua mais recente obra, Luiz Alexandre Solano Rossi (2017) trata da Origem do  Sofrimento  do  Pobre  no  contexto  d o  livro  d e  Jó.  A  análise  de  Rossi contrasta  com  aquilo  que  popularmente  já  se  denominou  de  Teologia  da Prosperidade.  Nesse  aspecto,  no  entendimento  de  Rossi,  o  livro  de  Jó funciona como uma  antiteologia. Rossi (2017, p. 8) escreve:

    Utilizo  neste  livro  a  experiência  de  Jó  como  uma  referência  para mostrar  como  a  teologia   (ou  um  tipo  de  teologia)  pode  ser relacionada facilmente a essa prática da recompensa. Essa teologia é costumeiramente  denominada  d e  teologia  da  retribuição.  Para  a teologia da retribuição, Deus concede riqueza para alguns e pobreza para  todos  os  outros.  A  partir  dessa  premissa,  os  ricos  são  ricos  e continuarão ricos porque eles são justos, enquanto que os pobres são pobres  e  possivelmente  continuarão  sendo  pobres  por que  eles  não  confiam  na  justiça  de  Deus,  ou,  ainda  pior,  porque  eles   são pecadores.  Jó,  através  de  seus  discursos ,  que  também  poderíamos considerar  como  contradiscursos,  procura  dar  uma  resposta  às questões fundamentais presentes no texto bíblico considerando esse tipo de teologia. A experiência de Jó proclama desde o seu início que não  há  relação  alguma  entre  pecado  e  sofrimento  e  entre  virtude  e recompensa.

     Em outra obra, O Livro de Jó: a falsa religião e a amizade enganadora (Paulus,  2005),  Rossi  comenta  in  loco  o  papel  social  desempenhado  pelo patriarca Jó. Na análise de Rossi, a defesa da  justiça social por parte de Jó não  pode  ser  entendida  como  um  mero  assistencialismo  do  tipo  dar esmolas.  Na  sua  análise,  Jó  defendia,  de  fato,  o  direito  dos  me nos favorecidos,  contrariamente  a o  que  Elifaz  dissera  antes.  Rossi  (2005, 139,140) declara:   O  tema  a  partir  do  v.12  é  a  justiça.  Livrar  o  pobre  e  o  órfão  de  sua necessidade  não  é  aqui  nem  em  outras  partes  do  livro  de  Jó  um simples  ato  de  esmola,  mas  sim  um  ato  de  justiça.  O  livro  d á  como certo  o  direito  de  o  pobre  ter  o  que  necessita  para  viver adequadamente  e  que  uma  pessoa  rica,  detentora  do  que  poderia sustentar  a  vida  do  pobre,  constitui  uma  violação  à  justiça  e  não simplesmente  uma  indiferença.  Se  todos  podiam  ouvir  Jó  na homenagem  que  a  sociedade  lhe  prestava  é  porque  na  prática cotidiana ele se conformava às exigências do direito e da justiça para as  pessoas  necessitadas  ao  redor  dele,  contrariamente  às  alegações de Elifaz (22.6 - 9). Jó fez-se o defensor dos fracos e dos pobres, como exige  a  lei  do  goel  (libertador).  Ele  mesmo  é  u m  exemplo  do libertador que solicita para sua causa!⁷²

    Não  há  dúvida d e  que  Jó  era  um  defensor  do  pobre, da  viúva  e  do órfão.  Porém,  é  preciso  certo  grau  de  cautela  para   não  transportar  para dentro  do  texto  uma  ideologia  social  contemporânea.

   À  luz  da  teologia bíblica, a leitura de Jó  transcende em muito o mero discurso social. Não é que ele não seja relevante, pois é relevante sim;⁷³ todavia, a mensagem de Jó não pode ser resumida a  essa temática. Quando o livro de Jó é visto por esse  prisma,  torna -se  apenas  uma  alegoria  d e  u ma  sociedade  oprimida  e marginalizada  economicamente.

   Dessa  forma,  Storniolo  entende  que  o livro de Jó representa  ¾ da humanidade, criada para a vida  e a felicidade. Empobrecidos e enfraquecidos, ¾ da humanidade se acham tragicamente à beira da morte como de uma escorregadia margem de precipício. Assim sendo, a  questão levantada desde o início do livro de Jó é grave para ¾ da humanidade! Quais as dúvidas  que são  levantadas contra ele? E  quem as levanta?  Quem  é  o  satã  que  lança  a  suspeita  religiosa  e  em  nome  dela  empobrece  e  enfraquece  a  maior  parte  da  humanidade,  deixando -a  às portas da morte? 

     Visto dessa forma, o livro d e Jó não passa de um panfleto co m ideias socialistas,  o  que  não  condiz  com  a  rica  mensagem  do  livro.  Embora  as questões  sociais  possam  ser  discutidas  a  partir  do  livro  de  Jó,  a  questão contemplada por ele é muito mais relevante. Não pode ser visto como um conflito de classes onde a nobreza e o proletariado estão em conflito, nem tampouco  um  contraste  entre  comunismo  e  capitalismo.  Essas  são ideologias  moderna s  que  são  frequentemente  trans portadas  para  d entro do  texto.  Jó  transcende  em  muito  a  tudo  isso.  Sem  dúvida,  ele  combate a barganha,  fruto  da  lei  da  retribuição,  mas  esse  combate  dá -se  na  esfera relacional. A religião verdadeira não se firma em um sistema de troca, nem tampouco  de  serviços   prestados,  mas  única  e  exclusivamente  na  relação de um Deus que ama e em um ser humano que é grato por ser fruto desse amor.  Em  outras  palavras,  firma -se  na  graça   e  na  resposta  que  o  ser humano dá a ela.

    A TENSÃO DO ESTADO PRESENTE (30.1-15)

    Mas  agora  se  riem  de  mim  os  de  menos  idade  do  que  eu,  e  cujos pais  eu  teria  desdenhado  de  pôr  com  os  cães  do  meu  rebanho.  De que também me serviria a força d as suas mãos, força de homens cuja velhice  esgotou-lhes  o  vigor?  De  míngua  e  fome  se  debilitaram;  e recolhiam-se para os  lugares secos, tenebrosos, assolados e desertos. Apanhavam  malvas  junto  aos  arbustos,  e  o  seu  mantimento  eram raízes dos zimbros. Do  meio dos  homens eram  expulsos (gritava-se

P á g i n a  | 171  contra  eles  como  contra  um  ladrão),  para  habitarem  nos  barrancos dos  vales  e  nas  cavernas  da  terra  e  das  rochas.  Bramavam  entre  os arbustos e ajuntavam-se debaixo das urtigas. Eram filhos de doidos e filhos de gente sem nome e da terra eram expulsos. Mas agora sou a sua canção e lhes sirvo de provérbio. Abominam-me, e fogem para longe de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir. Porque Deus desatou a  sua  corda e  me  oprimiu;  pelo que  sacudiram de  si  o  freio perante  o  meu  rosto. À  direita se  levantam  os  moços; empurram os meus  pés  e  preparam  contra  mim  os   seus  caminhos  d e  destruição. Desbaratam-me  o  meu  caminho;  promovem  a   minha  miséria;  uma gente  que  não  tem  nenhum  ajudador.  Vêm  contra  mim  como  por uma  grande  brecha  e  revolvem-se  entre  a  assolação.  Sobrevieram -me  pavores; como vento  perseguem a minha  honra, e  como  nuvem passou a minha felicidade.

    Jó  fizera  u m  inventário  do  seu  passado  de  glória  e  verificou  que ficaram  apenas  boas  lembranças  dele.  O  seu  estado   atual  era  de  miséria. A sua  situação não era  diferente  de outros deserdados que  não possuíam nem  mesmo  um  lugar  para  ficar.  Ele  estava  em  conflito  com  todos.  Até mesmo  Deus,  que  deveria  ficar  ao  seu  lado ,  parecia  opor-se  a  ele.  Jó, embora combalido, deseja urgentemente sair daquela situação. Ele parece encontrar-se sem forças, mas não sem fé. Stadelmann (1 997, p. 105 ) destaca que:

   A atitude de Jó diante do sofrimento é a de busca da ajuda de Deus para  poder  sair  do  seu  próprio  isolamento  e  enfrentar  a  dura realidade da  vida. Em face dos sofrimentos físicos e  morais, ele não se  encara  como  vítima  de  misteriosa  potência  maléfica  ou  do capricho  do  destino,  mas   reafirma  a  existência  de  um  Deus  único, Senhor do mundo e da história , que intervém na vida humana. Desta concepção  religiosa  decorre  a   confiança  na   presença  de  Deus,  que ajuda o enfermo na provação do sofrimento, ao passo que a ausência de Deus é a causa de decepção e amargura (vv. 20 -31).

    DOR INTERIOR (30.16-23)

   Há  autores  (Schonberger,  2011)  que  destacam  que,  nesse  ponto,  Jó contempla  o  seu  estado  não  mais  à  luz  da  sua  situação  exterior  — a sociedade  rigidamente  hierarquizada  —,  mas,  sim,  a  partir  da  sua  dor corporal  e  espiritual.  Nesse  aspecto,  o  s eu  interior  está  em  ruínas  (30.16). A cada dia, a sua situação física piora cada vez mais. A poesia em Jó 3 0.16-23 retrata com letras vívidas essa realidade. Veja:

    E  agora  derrama-se  em  mim  a  minha  alma;  os  dias  da  aflição  s e apoderaram de mim.  De noite,  se me traspassam os meus ossos, e o mal  que  me  corrói  não  descansa.  Pela  grande  força  do  meu  mal  se demudou  a  minha  veste,  que,  como  a  gola  da  minha  túnica,  me cinge.  Lançou-me  na  lama,  e  fiquei  semelhante  ao  pó  e  à  cinza.

Clamo  a   ti,  mas  tu  não  me  respondes;  estou  em  pé,  mas  para  mim não  atentas.  Tornaste-te  cruel  contra  mim;  com  a  força  da  tua  mão resistes  violentamente.  Levantas-me  sobre  o  vento,  fazes-me cavalgar sobre ele e derretes-me o ser. Porque eu sei que me levará s à  morte  e  à  casa  d o  ajuntamento  destinada  a  todos  os  viventes.  “Clamo  a  ti,  mas  tu  não  me  respondes; estou  em  pé,  mas  para  mi m não atentas” (30.20).

    Sem  dúvida,  Jó  sente-se  atingido  por  conflitos  de  natureza psicossomática.  Ele  nada  sabe  dos  bastidores  da  sua  prova  e  nada  sabe sobre as causas secundárias da sua tentação. N a  sua mente, era Deus quem estava  opondo-se  a  ele  (vv.  18-19;  20-23).  Não  é  difícil  entender  o  dilema de Jó de fora do livro.

   Schonberger (2011, p. 155) destaca:

    Quando Deu s, em razão de um desígnio elevado (alto concílio), não inteligível  pelos  seres  humanos,  não  houve  os  pedidos  de  seus santos,  eles  parecem  ser  desprezados  e  rejeitados  por  Deus.  Na realidade,  porém,  opera-se  neles  u ma  transformação.  E les  parecem perder, mas na  verdade ganham. Cresce o anseio (desiderium) deles; a  partir  do  desejo,  cresce  o  conhecimento  (intellectus),  deste  brota um  amor  a inda  mais  ardente  por  Deus  (in  Deum  ardetior  affec tus apeitur).

       CORPO DOENTE, ALMA FERIDA (30.24-31)

    Mas  não  estenderás  a   mão  para  um  montão  de  terra,  se  houver  clamor nele na sua desventura? Porventura, não chorei sobre aquele que  estava  aflito,  ou  não  s e  angustiou  a  minha  alma  pelo necessitado? Todavia, aguardando eu o bem, eis que me veio o mal; e,  esperando  eu  a  luz,  veio  a  escuridão.  O  meu  íntimo  ferve  e  não está  quieto;  os  dias  da   aflição  m e  surpreenderam.  Denegrido  ando, mas  não do  sol;  levantando-me  na  congregação, clamo por  socorro. Irmão  me  fiz  d os  dragões,  e  companheiro  dos  avestruzes. Enegreceu-se  a  minha  pele  sobre  mim,  e  os  meus  ossos  estão queimados  do  calor.  Pelo  que  se  tornou  a  minha  harpa  em lamentação, e a minha flauta, em voz dos que chora m.

    Os  versículos  24  a  31  do  capítulo  30  terminam  a  segunda  parte  do grande  discurso  da  defesa  d e  Jó.  Como  havia  feito  no  capítulo  29,  Jó  traz novamente à  tona reflexões d o seu  passado de g lória  e o  seu  atual estado de miséria. Na sua retrospectiva teológica, Jó lembra que se compadecera dos  sofredores  e,  por  isso,  estendera-lhes  a  mão.  A  sua   motivação  fora correta,  de  ordem  interior,  reflexo  do  seu  caráter  j usto.  Todavia,  foram  a “desgraça” e a “escuridão”  que lhe sobreveio (v. 26). Não  ha via alívio para ele, mas somente “aflição” (v. 27). Ele experimentou o desprezo por parte dos  amigos  e  o  silêncio  por  parte  de  Deus  (vv.  19.13 -20;  30.20).  Jó  sente  o seu  íntimo  ferver  (v.  27).  Aqui  a lguns  autores  (Schonberger,  2011) destacam q ue é preciso leva r-se em conta dois aspectos da provação de Jó: um  lado  exterior  e  outro  interior.  O  seu  corpo  está  em  d ecomposição, consumido pela doença, e ele parece não mais alimentar esperança  de ser curado (vv. 31,35). Por outro lado, o seu dilema interior, que procura uma resposta para  o  silêncio de D eus, continua vivo.  “Eis que  o  meu intento  é que o Todo-poderoso me responda [...]”.

    O FUTURO EM ABERTO (31.1-12)

    Fiz concerto com os meus olhos; como, pois, os  fixaria numa virgem? Porque  qual  seria  a  parte  d e  Deus  vinda  de  cima,  ou  a  herança  do  Todo -Poderoso desde as alturas? Porventura, não é a perdição para o perverso, e  o  desastre,  para  os  que  pra ticam  iniquidade?  Ou  não  vê  ele  o s  meus caminhos e não conta todos os meus passos? Se andei com vaidade, e se o  meu  pé  se  apressou  para  o  engano  (pese -me  em  balanças  fiéis,  e  saberá Deus  a  minha  sinceridade); se  os  meus  passos  se  desviaram d o  caminho, e  se  o  meu  coração  segue  os  meus  olhos ,  e  se  às  minhas  mã os  se  apegou alguma coisa, então, semeie eu, e outro coma, e seja a minha descendência arrancada até à raiz. Se o meu coração se deixou seduzir por uma mulher, ou  se  eu  andei  rondando  à  porta  do  meu  próximo,  então,  moa  minha mulher para outro, e outros  se encurvem sobre ela. Porque isso seria uma infâmia e  delito,  pertencente aos  juízes. Porque  é  fogo  que  consome até  à perdição e desarraigaria toda a minha renda. 

     “Fiz  concerto  com  os  meus  olhos;  como,  pois,  os  fixaria  numa virgem? [...] Se retive o que os pobres desejavam ou fiz desfalecer os olhos da  viúva”  (31.1,16).  A  última  defesa  de  Jó  está  chegando  ao  seu  final.  O futuro continua em aberto e incerto. Jó continua determinado na defesa da sua  inocência.  Ele  não  se  conforma  com  a  acusação  de  que  estava escondendo algum pecado, como disseram os seus amigos. O seu discurso agora  envolve  questões  de  natureza   ética  tanto  na  esfera  social  como  na comportamental.  Jó  lembra,  por  exemplo,  que  viveu  dentro  dos parâmetros de uma ética sexual e social.

   Convém dizer  que  a  reflexão  ética  no mundo  antigo  é uma  herança dos gregos.⁷⁴ Os pré-socráticos buscavam u m princípio formador de todas as  coisas,  a  arché,  acreditando  que  a  mesma  poderia  ser  encontrada  na água,  no  vento  ou  no  fogo.  Embora  já  se  perceba  um  avanço  na  reflexão filosófica  nesse  estágio  do  pensamento  grego,  todavia  ainda  prevalece  a teogonia⁷⁵ mítica e as justificativas cosmológica s para explicar a existência dos fenômenos. Aranha (1992, p. 75) observa que:

   (...)  esta  busca  da  arché,  do  princípio  ou  fundamento  das  coisas, transformou-se  na  questão  central  para  os  pré-socráticos.  As respostas  foram  múltiplas   e  divergentes:  para  alguns  era  a  água, para outros, o ar, para outros, a inda, o fogo ou os quatro elementos. E,  com  esta  diversidade  d e  respostas,  rompe-se  a   atitude  mítica, monolítica  e  dogmática,  embora  o  conteúdo  da  reflexão  filosófica permaneça  muito  semelhante  ao  mito,  pois  a  estrutura  de entendimento do mundo é semelhante. 

    É com a filosofia clássica  que o homem, e não mais o cosmos, ocupa o  centro  d as  atenções.  A  teogonia  e  a  cosmologia  são  substituídas  pela antropologia.  Os  filósofos  clássicos,  Sócrates  (469–  399  a.C),  Platão  (428–348  a.C.)  e  Aristóteles  (384–322  a .C.),  põem  o  homem  no  centro  das  suas discussões.  É,  sobretudo,  em  Platão  e  em  Aristóteles  que  a  reflexão  ética ganha  maior  expressão.  A  ética  platônica  busca  um  princípio  universal unificador que  possa  conduzir a  vida do  homem na  polis. Nesse aspecto, a reflexão filosófica de Platão é mais  de natureza política, quando busca o bem  do  viver  coletivo.  É,  também,  uma  ética   idealista,  vis to  que  o  seu princípio ordenador está  no mundo das  ideias, e  não  no  mundo sensível. Pegoraro (2008, p. 35) destaca  o seguinte:

   O  pensamento  ético-político  é  a  alma  de  todo  projeto  de  Platão presente em cada diálogo [...] o que enaltece e enobrece a política d e Platão  é  que  ela,  no  fundo,  quer  uma  só  coisa:  uma  sociedade  e  um cidadão  justo,  ou   seja,  a   harmonia  social  alcançada  pela  perfeição moral  dos  cidadãos.  A  dominação  e  a  riqueza  não  são  objetivos  do estado  platônico.  A  meta  central  do  estado  é  tornar  os  cidadãos melhores;  estabelecer  uma  ordem  justa  na  qual  cada  cidadão  possa participar  no  bem  público  e  levar  uma  existência  justa,  sábia  na medida de suas capacidades.  

      Por outro lado, a ética aristotélica também busca o mesmo princípio universal,  porém  deslocando  o  seu  eixo,  que,  em  vez   de  fundamentar-se no  mundo  ideal,  fixa-se  no  mundo  real, na  realidade  sensível do  mundo. Pegoraro  (2008,  p.  57)  destaca  que  a  ética  aristotélica  visa  dois  pontos centrais,  quais  sejam:  (1)  a  formação  do  cidadão  para  a  justiça  e  (2)  o gerenciamento  do  bem  comum  entre  todos  os  cidadã os  por  meio  de  u m governo  constituído  para  esse  fim.  Dessa  forma,  Pegoraro  (2008,  p.  57 ) ainda  destaca  que,  para  Aristóteles,  não  basta  o  homem  viver,  mas  viver bem,  e  viver  bem  implica  a  prática  da  ética  pessoal  (prática  das  virtudes morais)  e  da  convivência  social  segundo  a  justiça  sob  a  direção  d e  um legislador  justo  e  equitativo.  É  a ssim  que  se  realiza  a  meta  da  ética  e  da política do corpo e de cada cidadão.

   Em  tempos  modernos,  o  filósofo  Immanuel  Kant  (1724–1804) procurou  expor  de  forma  sistematizada  a   existência  de  uma  ética universal.  Mediante  o  seu  imperativo  categórico,  ele  defendeu  que  toda  ação  deveria  ter  por  objetivo  aquilo  que  pudesse  ser  convertido  em  uma lei  universal.  Segundo  Kant  (2007,  p.  33 ),  “Devo  proceder  sempre  de maneira que  eu possa  querer também que a  minha  máxima se  torne u ma lei universal”. Essa máxima kantiana  ficou conhecida  como “imperativo categórico”.⁷⁶ A ética kantiana , portanto, por fundamentar-se no “dever”, é  uma  ética  de  natureza  deontológica.⁷⁷  Para  Comparato  (2016,  p.  293),  o racionalismo ético kantiano possui três características essenciais:    

      Elas  são  universais,  na  medida  em  que  vigoram  para  todos  os homens,  em  todos  os  tempos.  São  absolutos,  pois  não  comportam exceções  ou  acomodações  de  qualquer  espécie:  o  dever  de  dizer  a verdade,  por  exemplo,  há  de  ser  cumprido,  não  obstante  os resultados d anosos qu e d aí possam advir, para si ou para os  outros. Eles  são,  finalmente,  formais,  no  sentido  de  que  devem  ser  vistos como  puras  formas  de  dever  ser,  vazias  de  todo  conteúdo:  os mandamentos  éticos  devem  ser  obedecidos,  não  porque  digam respeito  a  bens  ou valores  dignos  de  consideração  ou  respeito,  mas simplesmente porque são conforme à razão.

     Mesmo  vivendo  centenas de  anos  antes da  reflexão  ética feita  pelos gregos  e  pela  filosofia  ocidental  contemporânea,  Jó  antecipa -se  na  sua compreensão  dos  valores  que  devem  nortear  uma  vida  justa  e  piedosa. Não  há  nenhum  chão  ético  que  seja  seguro  pisar  se  a  noção  de  valor  não for  levada  em  conta. Quando  não  há  valores absolutos  como  aqueles que Jó  viveu  e  defendeu,  a  ética  torna-se  mero  relativismo. A  ética  defendida por  Jó  reveste-se  de   universalidade  porque  se  firma  nu m  princípio igualmente  universal  e  imutável  —  Deus,  que  é  a  fonte  da  sua  reflexão ética. Isso é importante porque o livro de Jó mostra uma  fé monoteísta, de um Deus que se revelou na história e que é a origem d e tudo o que  é justo, belo  e  bom.  Esse  monoteísmo  ético  presente  em  Jó  —  e,  posteriormente, nos  profetas  hebreus  —  diferencia-se,  por  exemplo,  de  outras  culturas antigas  (Wood,  1993).⁷⁸  Enquanto  a  crença  dos  povos  antigos fundamentava-se  em  diversas  divindades  —  o  que  gerava  valores contrastantes,  conflitantes  e  fragmentários  —,  o  monoteísmo  bíblico firmava-se  unicamente  no  Deus  único  e  verdadeiro,  o  qual  se  revelou   na história. Trata-se, portanto, de uma ética de caráter universal. 

  A fragilidade humana e a soberania divina

 — O sofrimento e a restauração de Jó 

  José Gonçalves



f) O Protesto Final de Jó. 29:1 - 31:40.

  Jó (Comentário Bíblico Moody)

  Jó 29 O compromisso com os amigos termina; agora, o encontro com Deus fica em primeiro plano. Em um monólogo final Jó resume a sua causa. O discurso direto de 30:20-23 indica que é uma parte da apelação ininterrupta de ló para com Deus. Este discurso é uma reiteração da lamentação inicial de ló, consideravelmente temperada por ter passado pelo fogo do grande debate. É uma trilogia, consistindo de uma descrição da anterior exaltação de Jó (cap. 29), uma descrição de sua presente humilhação (cap. 30) e um protesto final de inocência (cap. 31).

 1-25. Jó começa esta exposição de sua extraordinária história onde o Livro de ló a começa – nos prósperos meses passados (v. 2a). Nos dias do meu vigor (v. 4a); não mocidade (E.R.C.). Jó começa com o ponto central do assunto (como também o livro) – o íntimo laço de aliança existente entre ele e Deus (cons. 1:1). Aqueles abençoados dias do passado, que agora despertam tantas saudades em ló, não eram exatamente os de um paraíso abundante (v. 6), mas continham os favores amigos de Deus (cons. Sl. 25:14), do qual essa prosperidade fluía (vs. 2- 5). Quando eu saía para a porta (v. 7a). Estando as propriedades de Jó localizadas junto à cidade, ele era ativo nos negócios civis e judiciais. A porta e a "praça" adjacente eram o local do fórum da cidade.

  O papel importante que o patriarca desempenhava no conselho e no tribunal parecia-lhe agora o aspecto mais significativo do seu passado (vs. 7-17, 21-25), quando visto da sua presente luta pessoal pela justiça. A última palavra, que lhe fora tão relutantemente concedida no presente debate, antes sempre fora seu direito incontroverso (vs. 21-23), quando se assentava como um rei entre seus companheiros (v. 25). A ironia consistia em que, ele que fora o celebrado defensor dos pobres e oprimidos (vs. 11-17), o bem-amado confortador dos aflitos (v. 25c), recebera agora, em sua angústia, a negativa de uma audiência de seus amigos (cons. esp. cap. 22) e, aparentemente, de Deus. Eu me cobria de justiça, e esta me servia de veste (v. 14a). A causa justa encarnou-se em ló, o qual, impávido, apesar do abatimento e das dificuldades (v. 24),  brandia a espada da justiça para livrar os inocentes dos homens predatórios (v. 17a; cons. Is. 11:2-5; Sl. 72:12-14). Uma das bênçãos do paraíso perdido de Jó fora sua alegre esperança de dias prolongados no seio de sua família (Jó 29:18), de honra (20a) e de força (20b) constantemente renovada (v.19). Jó agora conta a triste decomposição dessas esperanças (cap. 30 ).

Jó 30

  30:1-31. A repetição de Mas agora . . . Mas agora ... Agora (vs. 1, 9, 16) destaca eficazmente o tema quando Jó contrasta o presente árido e turbulento com o passado cheio de paz. O rei dos conselheiros torna-se objeto do desprezo dos tolos (vs. 1-15). O amável favor divino tornara-se em crueldade (vs. 16-23).

 1-15. A extrema desonra de Jó aparece no fato de que até os homens mais baixos olhavam para ele de cima. Descrevendo sua desgraça (vs. l-8; cons. 24:5 e segs.), o sofredor sugere com hábil dissimulação sua própria condição ainda pior. Assim despido de toda dignidade e confiança era esta estirpe bestializada (vs. 68) de párias famintos (vs. 3-5), que Jó, apesar de toda a sua simpatia para com os socialmente inferiores (cons. 29:12 e segs.; 31:15), não confiaria nem mesmo aos seus anciãos mais velhos a responsabilidade normalmente outorgada aos cães dos pastores (v. 1b). Homens cujo vigor já pereceu (v. 2b). Eles têm falta até de resistência física para servirem de mercenários. Mas agora até os mais jovens (v. 1a) dessa ralé olham para Jó como se fosse o alvo certo de suas ridículas canções (v. 9). Nenhuma exibição de desrespeito é demasiada mesquinha para eles (v. 10; cons. 17:6) quando com maldade descontrolada (v. 11b) maquinam tormentos (v. 12 e segs.) contra este burguês arruinado, agora um pária desamparado no domínio do seu monte de lixo.

 16-23. Muito mais desesperador para o patriarca do que a crueldade dos homens é a de Deus (v. 21a), que parece fitar inexpressivamente (v. 20b) para sua implorante vítima. Deus persegue Jó (v. 21b) com aflições Jó (Comentário Bíblico Moody) 55 físicas continuamente (vs. 16b, 17), humilhantemente (vs. 18, 19), sem misericórdia (vs. 20, 21), violentamente (v.22), até a sepultura (v. 23). Embora Jó deixe aqui de seguir as implicações lógicas e apropriar-se do conforto de seus pensamentos recentemente expressos quanto à sabedoria, humana e divina (cap. 28), deve-se lembrar que ele não é de pedra mas um homem de carne e ainda assim esmagado pelos amplexos da serpente.

 24-31. Um grito melancólico conclui as reflexões de Jó sobre sua humilhação e desamparo. Gritar por socorro no meio do desespero é coisa natural (v. 24), especialmente quando a calamidade é contrária a todas as expectativas (vs. 25, 26; cons. 29:15 -20). Em um turbilhão emocional (v. 27), Jó geme diante do mundo (v. 28) como um chacal que uiva ou uma avestruz alta (v. 29). Com uma febre mortal a consumi-lo (v. 30), ele representa de antemão uma nênia em preparação de seu sepultamento (v. 31).

 Jó 31

 31:1-40. Jó protesta sua inocência o tempo todo. Aqui, elaboradamente formulado, esse protesto se transforma no clímax de sua peroração. Na forma, é um juramento retroativo de lealdade à aliança (cons. v. 1a). Em tais juramentos o orador invoca maldições sobre si mesmo para comprovar violações do código moral (cons., por exemplo, o Juramento dos Soldados Heteus, ANET, 353, 354). Até as figuras dos exemplos existentes de tais juramentos antigos correspondem como de Jó (por exemplo, perda de colheitas, trabalho duro, fratura de ossos, lavoura infestada de mato. Veja vs. 8, 10, 22, 40). O quadro, portanto, é o do vassalo convencional declarando sua lealdade às várias estipulações que file foram impostas, atônito porque o seu soberano o afligira com maldições e não com as bênçãos da aliança (cons. Dt. 28:18, 31, 35 ). Jó tem a impressão de que Deus abandonou o seu papel de suserano protetor e estranhamente se tornou o inimigo de um vassalo obediente.

 1-8. Jó começa negando pecados escondidos no coração – concupiscência (v. 1), trapaça (v. 5), cobiça (v. 7). Nisto exibe profunda penetração na espiritualidade da lei divina (cons. o Sermão do Monte, Mt. 5; 6; 7). Sua profunda preocupação com o iminente juízo do Suserano vem à tona freqüentemente (vs. 2-4; cons. 11, 12, 14, 23, 28), mais notavelmente em suas automaldições (v. 8; cons. Dt. 28: 30c, 33). Com estas referências às sanções penais da aliança Jó torna solene o seu juramento de inocência. Mesclado do reverente temor de Jó para com o seu Juiz está seu anseio confiante de comparecer diante dEle, eloqüentemente proclamado nos vs. 35-37 e mais simplesmente aqui (v. 6).

 9-23. O patriarca também repudia pecados públicos contra seus próximos adultério (v. 9), maus tratos dispensações a empregados (v.13), negligência das obrigações sociais de caridade para com os necessitados (vs. 16, 17, 19-21). Automaldições estão ligadas à primeira e última cláusulas condicionais desta seção. Além disso, Jó nega vigorosamente, reforçando suas negativas: o adultério, denunciando severamente tal abuso (vs. 11,12); o abuso com servos, contando com a investigação divina (v. 14) e reconhecendo a origem comum das criaturas (v. 15); e falta de caridade, afirmando positivamente o oposto (v. 18) e confessando o seu temor a Deus (v. 23).

 24-27. A acusação de hipocrisia e iniqüidade secreta que os conselheiros lançaram contra ele, por falta de evidência dos supostos crimes de Jó, já foram negados através dos seus protestos. Agora a repudia diretamente, negando pecados ocultos em seu relacionamento com Deus, seus inimigos e estranhos. Nem a ilusão das riquezas (vs. 24, 25), nem a fascinação dos cultos pagãos às entidades celestes (vs. 26, 27) conseguiram engodá-lo em idolatria dissimulada, a transgressão da exigência mais fundamental da lealdade a Deus (v. 28). Malícia secreta contra inimigos (v. 29) ele a nega firmemente (v. 30). Os íntimos da casa, conhecedores de sua vida particular, podem garantir que ele não teve má vontade de conceder hospitalidade ao forasteiro (vs. 31 e 32). Resumindo, ele nega sob juramento qualquer semelhança com Adão, que tentou encobrir o seu pecado (v. 33; cons. 13:20; Gn. 3:7-10). Jó não deve temer o escrutínio público da sociedade (Jó 31:34) ou de Deus (v. 35 e segs.). Em total contraste ao temor e fuga de Adão quando da aproximação do Senhor. Jó deseja apaixonadamente confrontar-se com Deus (v. 35a; cons. 13:3, 22; 23:3-9; 30-20). Eis aqui a minha defesa assinada (v. 35b). Dramatizando a desejada audiência com Deus, Jó representa a defesa que ele acabou de oferecer como um documento legal assinado e selado. Então, com arrogância consumada, ele declara como desfilará diante de Deus como um príncipe (v. 37b), coroado com o próprio rolo de sua iniciação (vs. 35c e 36) que se transformará em um emblema de honra para ele, sendo refutada acusação por acusação (v. 37a).

  38-40. O ímpio desafio que acabou de ser proferido (vs. 35-37), enquanto respondia à condição "Se, como Adão" (vs. 33, 34), forma uma refutação tão satisfatória de todo o catálogo de pecados e uma conclusão tão grandiloqüente para todo o discurso que muitos mestres consideram os versículos 38-40 anticlimáticos e como estando fora de lugar. Quanto ao estilo, entretanto, o autor de Jó é apaixonado pelo penúltimo clímax (cons. por exemplo 3: 23 e segs.;14:15 e segs.). E materialmente este último pecado (vs. 38,39) e esta última imprecação (v. 40) seguem naturalmente a alusão à queda de Adão (v. 33 e segs.), pois Jó aqui invoca a maldição primeva elementar com fundamento (Gn. 3:17, 18; cons. Gn. 4:11,12).

  Os protestos de inocência de Jó acompanharam o ritmo de sua percepção aprofundante das exigências divinas de santidade. Mas agora sua exibição de notável penetração nas exigências morais divinas denunciam uma igualmente notável profundidade de justiça própria. Tal cegueira para com a depravação e ilusão do seu próprio coração não negam a genuinidade da obra redentora divina em Jó. Mas constitui uma séria necessidade espiritual que deve ser sanada – conforme Eliú estava para destacar (cap. 32 e segs.) – um dos propósitos de Deus (embora não fosse o propósito principal) ao determinar os sofrimentos de Jó.

                                               Jó (Comentário Bíblico Moody)


               

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