TEXTO
ÁUREO
“Ou não vê
ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?”
(Jó 31.4).
VERDADE
PRÁTICA
Ao olhar retrospectivamente para o passado, lembre o quanto Deus trabalhou nele.
Jó 29.1-5; 30.1-5; 31.1-5.
Jó
29
1
— E,
prosseguindo Jó em sua parábola, disse:
2
— Ah!
Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me
guardava!
3
— Quando
fazia resplandecer a sua candeia sobre a minha cabeça, e eu, com a sua luz,
caminhava pelas trevas;
4
— como
era nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha
tenda;
5 — quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus meninos, em redor de mim;
Jó
30
1
— Mas
agora se riem de mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria
desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.
2
— De
que também me serviria a força das suas mãos, força de homens cuja velhice
esgotou-lhes o vigor?
3
— De
míngua e fome se debilitaram; e recolhiam-se para os lugares secos, tenebrosos,
assolados e desertos.
4
— Apanhavam
malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento eram raízes dos zimbros.
5 — Do meio dos homens eram expulsos (gritava-se contra eles como contra um ladrão),
Jó
31
1
— Fiz
concerto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?
2
— Porque
qual seria a parte de Deus vinda de cima, ou a herança do Todo-Poderoso desde
as alturas?
3
— Porventura,
não é a perdição para o perverso, e o desastre, para os que praticam
iniquidade?
4
— Ou
não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?
5 — Se andei com vaidade, e se o meu pé se apressou para o engano.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.
I.
Mostrar que Jó lembra os tempos passados quando era visto e reconhecido
socialmente por todos;
II.
Contrastar o estado passado de Jó com o presente, quando se tornara motivo de
escárnio;
III. Elucidar a insistência de Jó na defesa de sua inocência.
INTERAGINDO
COM O PROFESSOR
Nesta
lição perceberemos que Jó faz uma retrospectiva de sua vida. Ele pôde ver o
quanto foi abençoado, embora o momento presente contrariasse todo o seu
passado. Infelizmente, o “presente” de Jó teve mais força para embaçar o seu
passado. Ele não conseguia recuperar a esperança.
É
muito importante fazermos esse exercício retrospectivo, mas sem, contudo,
perder a esperança. O que Deus fez em nosso passado deve-nos trazer a esperança
para o presente. Tudo isso só é possível uma vez que estamos em Cristo. Do
ponto de vista humano é impossível recuperar a esperança diante da tragédia.
Todavia, na força do Espírito Santo, podemos recuperá-la.
INTRODUÇÃO
O capítulo 31 encerra da seguinte forma: “Acabaram-se as palavras de Jó” (Jó 31.40). Trata-se de uma retrospectiva nostálgica do passado Jó (Jó 31.29-31). Por isso, nesta lição, veremos a lembrança de Jó acerca de sua prosperidade material e espiritual, de sua adoração a Deus e das bênçãos que o Todo-Poderoso concedeu à sua casa; mas, agora, em oposição ao momento de escárnio e vergonha que ele passa no presente. Nesse sentido, Jó não aceita que as coisas terminem assim e, portanto, ele deseja se apresentar diante de Deus para defender a sua causa.
PONTO CENTRAL
Conforme Deus fez no passado, Ele pode fazer algo novo.
Lição
10: A
última defesa de Jó
LIÇÕES
BÍBLICAS CPAD—A fragilidade humana e a soberania divina
Capítulo
10 - A última defesa de Jó
UM OLHAR EM TRÊS
DIREÇÕES
O
longo debate entre
Jó e os
seus a migos terminou
com um primoroso discurso
de Jó s obre
a sabedoria (Jó 2
8). Um
no vo ciclo está para ter início. Todavia, antes que El
iú entre em cena (cap. 32), Jó faz a sua última
defesa em prol
da sua inocência .
Os capítulos 2 9–31
apresentam esse solilóquio de
Jó como composto
de três partes:
(1) um olhar
para o passado; (2) uma reflexão
do seu estado presente; e (3) um olhar para u m futuro que ainda se mostra
aberto e incerto.
Schonberg (2011, p. 148) destaca:
O
grande discurso conclusivo
de Jó articula-se
em três partes.
A perspectiva condutora parece ser a sucessão cronológica de passado
– presente –
futuro: em primeiro
lugar, ele lança
um olhar retrospectivo para
um passado abençoado,
para os dias
de s eus primeiros anos , quando
a amizade de Deus pairava sob re s ua tenda (29). A
seguir, volta o
olhar para o seu horrend o
presente , quando seu interior
ferve, seus ossos ardem em febre (30). E, por fim, dirige seu olha r
para frente, para
um futuro aberto
e incerto (31):
existe alguém que o
escuta (31.35)? Jó
desafia o Todo-Poderoso
a uma resposta
(31.35-40). Seu grande discurso
conclusivo acaba aqui.
Por isso é que é chamado também de “o discurso de desafio” de Jó.
A
patrística (Odem, 2010)
não via nas
palavras de Jó
(29–31) uma mera lamentação
nostálgica do seu anterior estado de glória que não mais existia agora,
mas uma prova
da sua piedade,
q ue ainda conseguia enxergar a
divina providência (Crisóstomo). Ela
também via como
uma exortação à benevolência
e à bondade
(Gregório) e como
uma prova definitiva da
integridade de Jó
(Crisóstomo, Isodad, Juliano
Arriano). Como era característica da exegese medieval, a patrística
interpretava essa defesa de Jó por meio do método alegórico. Dessa forma, viam
a expressão “portas da cidade” como se referindo às boas ações, que são
lembradas no céu (At 10.4), em contraste com “portas da morte”, que arrasta a
alma para a destruição.
OLHANDO PELO RETROVISOR
E, prosseguindo Jó
em sua parábola,
disse: Ah! Quem
me der a ser como
eu fui nos
meses passados, como
nos dias em
que Deus me guardava!
Quando fazia resplandecer
a sua candeia
sobre a minha cabeça,
e eu, com
a sua luz,
caminhava pelas trevas;
como era nos dias da
minha mocidade, quando o segredo
de Deus estava sobre a minha tenda;
quando o Todo-Poderoso
ainda estava comigo,
e os meus meninos, em redor de
mim; quando lavava os meus passos
em manteiga, e da rocha me
corriam ribeiros de azeite; quando saía para
a porta da
cidade e na
praça fazia preparar
a minha cadeira.
Os moços me viam
e se escondiam;
e os idosos
se levantavam e se
punham em pé; os
príncipes continham as suas
palavras e p unham a mão
sobre a boca;
a voz d os
chefes se escond ia,
e a sua
língua se pegava ao
seu paladar; ou - vindo-me algum
ou vido, me tinha
por bem-aventurado; vendo-me algu m olho, dava testemunho de mim.
UM PASSADO DE GLÓRIA
“E, prosseguindo Jó
em sua parábola, disse: Ah!
Quem me d era ser como eu
fui nos meses
passados, como nos
dias em que
Deus me guardava!” (29.1,2).
Jó dá início
à s suas lembranças
recordando o seu relacionamento com Deus.
“Como nos dias
em que Deus
me guardava!” (v. 2).
No passado, Jó sentia-se cuidado
e protegido por
Deus. Nesse aspecto, a lâmpada do
Senhor estava sempre
sobre a sua
cabeça (v. 3). Tudo
isso agora fazia
parte de um
passado distante. Agora,
ele sentia-se abandonado por
Deus, pelos amigos
e pela comunidade.
Sem dúvida, uma trágica lembrança.
Staldeman (1997, p. 104) destaca:
O retrospecto
sobre a felicidade
da vida passada
não é fuga
da realidade, mas representa um depoimento
importante que coincide com a experiência
humana de que a infelicidade
é motivo d e diversas formas de mal-estar. A isso
junta-se uma reflexão s obre a fé na bondade de
Deus que s e denominou apaixonado pelo homem e, portanto,
não pode ficar
alheio ao drama
existencial dos seres humanos. Por
isso, Jó apresenta
à consideração de
Deus a dura realidade da vida e o sofrimento humano.
Anteriormente, Jó gozava de uma vida feliz e apreciava a prosperidade como dom
divino, cu ja fruição consolidava a amizade e a união com Deus (vv. 1-6).
Jó recorre à linguagem metafórica para
realçar as lembranças que e le mantinha
vívidas do seu antigo estado.
Naqueles dias passados,
ele lavava os seus
pés com leite, enquanto
via o azeite
abundar na sua
casa. “Quando lavava os
meus passos em
manteiga, e da
rocha me corriam ribeiros de
azeite” (29.6). A
figura representa uma
vida em total prosperidade. Jó
era próspero, e
essa prosperidade advinha
do seu relacionamento com
Deus. Se a
sua vida sempre
f ora firmada na fidelidade e integridade, por que, então,
o seu atual estado de miséria?
No capítulo 22.6-8,
Elifaz acusara a
Jó de cometer
injustiça social. Nas suas
recordações, Jó mostra
que nada d isso
era fato. O
oposto, sim, era verdade. Jó
tivera uma vida social intensa. Primeiramente, ele gozava de grande
prestígio na sua
comunidade, sendo um homem
deveras respeitado. Quando entrava na cidade, os líderes “punham a mão sobre a boca” (29.9).
Todos o reverenciavam. Jó
tornara-se o centro
das atenções (v. 1 1).
Jó, portanto, era
um homem muito
honrado em virtude
da sua relevante expressão social.
Todos o estimavam e queriam desfrutar do seu prestígio e amizade.
EM DEFESA DOS POBRES (29.12 -25)
Porque eu livrava
o miserável, que clamava, como
também o ó rfão que
não tinha quem
o socorresse. A
bênção do que
ia perecendo vinha sobre
mim, e eu
fazia que rejubilasse
o coração da
viúva. Cobria-me de justiça,
e ela me servia de
veste; como manto
e diadema era
o meu juízo. Eu era o olho do cego e os pés d o coxo;
dos necessitados era pai e as causas de
que não tinha
conhecimento inquiria com
diligência; e quebrava
os queixais do perverso
e dos seus
dentes tirava a
presa. E diz ia:
no meu ninho expirarei e
multiplica rei os meus d ias como a a reia. A minha raiz s e estendia junto às
águas, e o orvalho fazia
assento sobre os meus
ramos; a minha honra s e
renovava em mim,
e o meu
arco se reforçava
na minha mão. Ouvindo-me,
esperavam e em
silêncio atendiam ao
meu conselho. Acabada a
minha palavra, não
replicavam, e minhas
razões destilavam sobre eles;
porque me esperavam
como à chuva;
e abriam a
boca como à chuva tardia. Se me ria para eles, não o
criam e não faziam abater a luz do
meu rosto; se
eu escolhia o
seu caminho, assentava -me
como chefe; e habitava
como rei entre
a s suas tropas,
como aquele que
consola os que pranteiam. “porque eu livrava o miserável,
que clamava, como também o órfão que não tinha quem o socorresse” (29.12) . Um
fato a ser destacado e que se ajusta
ao contexto do
livro de Jó
é que a
sua prosperidade e felicidade
eram fruto da
bênção de Deus.
Eram, portanto, de
natureza relacional. Deus, pela sua graça, abençoara a Jó e a tudo
quanto ele tinha. Por outro lado,
a devoção de
Jó era o
reflexo de u ma
vida d e gratidão. O relacionamento sadio
que ele possuía
com o seu
Deus impulsionava-o a uma
vida de piedade
e justiça social.
Dessa forma, ele
estava disposto a livrar
“o miserável, que
clamava, como também
o órfão que
não tinha quem o socorresse” (v. 1 2). Tudo
mudara agora. Nada disso
existia mais. Jó, juntamente
com o seu passado, parecia
ter caído no
esquecimento de Deus.
Convém
destacar que a
questão da justiça
social em Jó
é tema recorrente na
teologia contemporânea (Rossi,
2017; Storniolo, 2018).
Na sua mais recente obra, Luiz Alexandre Solano Rossi (2017) trata da
Origem do Sofrimento do
Pobre no contexto
d o livro d e
Jó. A análise
de Rossi contrasta com
aquilo que popularmente
já se denominou
de Teologia da Prosperidade. Nesse
aspecto, no entendimento
de Rossi, o
livro de Jó funciona como uma antiteologia. Rossi (2017, p. 8) escreve:
Utilizo neste
livro a experiência
de Jó como
uma referência para mostrar
como a teologia
(ou um tipo
de teologia) pode ser
relacionada facilmente a essa prática da recompensa. Essa teologia é
costumeiramente denominada d e
teologia da retribuição.
Para a teologia da retribuição,
Deus concede riqueza para alguns e pobreza para
todos os outros.
A partir dessa
premissa, os ricos
são ricos e continuarão ricos porque eles são justos,
enquanto que os pobres são pobres e possivelmente
continuarão sendo pobres
por que eles não
confiam na justiça
de Deus, ou,
ainda pior, porque
eles são pecadores. Jó, através de
seus discursos , que
também poderíamos considerar como
contradiscursos, procura dar
uma resposta às questões fundamentais presentes no texto
bíblico considerando esse tipo de teologia. A experiência de Jó proclama desde
o seu início que não há relação
alguma entre pecado
e sofrimento e
entre virtude e recompensa.
Em
outra obra, O Livro de Jó: a falsa religião e a amizade enganadora
(Paulus, 2005), Rossi
comenta in loco
o papel social
desempenhado pelo patriarca Jó.
Na análise de Rossi, a defesa da justiça
social por parte de Jó não pode ser
entendida como um
mero assistencialismo do tipo
dar esmolas. Na sua análise,
Jó
defendia, de fato,
o direito dos me
nos favorecidos, contrariamente a o
que Elifaz dissera
antes. Rossi (2005, 139,140) declara: O
tema a partir
do v.12 é
a justiça. Livrar
o pobre e
o órfão de sua
necessidade não é aqui nem
em outras partes
do livro de
Jó um simples ato de esmola,
mas sim um
ato de justiça.
O livro d á
como certo o direito
de o pobre
ter o que
necessita para viver adequadamente e
que uma pessoa
rica, detentora do
que poderia sustentar a vida do
pobre, constitui uma
violação à justiça
e não simplesmente uma
indiferença. Se todos
podiam ouvir Jó na
homenagem que a sociedade lhe
prestava é porque
na prática cotidiana ele se
conformava às exigências do direito e da justiça para as pessoas necessitadas
ao redor dele,
contrariamente às alegações de Elifaz (22.6 - 9). Jó fez-se o defensor
dos fracos e dos pobres, como exige
a lei do
goel (libertador). Ele
mesmo é u m
exemplo do libertador que
solicita para sua causa!⁷²
Não há
dúvida d e que Jó
era um defensor
do pobre, da viúva
e do órfão. Porém,
é preciso certo
grau de cautela
para não transportar
para dentro do texto
uma ideologia social
contemporânea.
À luz
da teologia bíblica, a leitura de
Jó transcende em muito o mero discurso
social. Não é que ele não seja relevante, pois é relevante sim;⁷³ todavia, a
mensagem de Jó não pode ser resumida a
essa temática. Quando o livro de Jó é visto por esse prisma,
torna -se apenas uma
alegoria d e u ma
sociedade oprimida e marginalizada economicamente.
Dessa forma, Storniolo
entende que o livro de Jó representa ¾ da humanidade, criada para a vida e a felicidade. Empobrecidos e enfraquecidos,
¾ da humanidade se acham tragicamente à beira da morte como de uma escorregadia
margem de precipício. Assim sendo, a
questão levantada desde o início do livro de Jó é grave para ¾ da
humanidade! Quais as dúvidas que
são levantadas contra ele? E quem as levanta? Quem
é o satã
que lança a
suspeita religiosa e em nome
dela empobrece e
enfraquece a maior
parte da humanidade,
deixando -a às portas da
morte?
Visto dessa forma, o livro d e Jó não
passa de um panfleto co m ideias socialistas,
o que não
condiz com a
rica mensagem do
livro. Embora as questões
sociais possam ser discutidas a
partir do livro
de Jó, a
questão contemplada por ele é muito mais relevante. Não pode ser visto
como um conflito de classes onde a nobreza e o proletariado estão em conflito,
nem tampouco um contraste
entre comunismo e
capitalismo. Essas são ideologias moderna s
que são frequentemente trans portadas para d
entro do texto. Jó
transcende em muito
a tudo isso.
Sem dúvida, ele
combate a barganha, fruto da
lei da retribuição,
mas esse combate
dá -se na esfera relacional. A religião verdadeira não
se firma em um sistema de troca, nem tampouco
de serviços prestados,
mas única e
exclusivamente na relação de um Deus que ama e em um ser humano
que é grato por ser fruto desse amor.
Em outras palavras,
firma -se na graça
e na resposta
que o ser humano dá a ela.
A TENSÃO DO ESTADO PRESENTE (30.1-15)
Mas agora se
riem de mim
os de menos
idade do que
eu, e cujos pais
eu teria desdenhado
de pôr com
os cães do
meu rebanho. De que também me serviria a força d as suas
mãos, força de homens cuja velhice
esgotou-lhes o vigor?
De míngua e
fome se debilitaram;
e recolhiam-se para os lugares
secos, tenebrosos, assolados e desertos. Apanhavam malvas
junto aos arbustos,
e o seu
mantimento eram raízes dos zimbros.
Do meio dos homens eram
expulsos (gritava-se
P
á g i n a | 171 contra
eles como contra
um ladrão), para
habitarem nos barrancos dos
vales e nas
cavernas da terra
e das rochas.
Bramavam entre os arbustos e ajuntavam-se debaixo das
urtigas. Eram filhos de doidos e filhos de gente sem nome e da terra eram
expulsos. Mas agora sou a sua canção e lhes sirvo de provérbio. Abominam-me, e
fogem para longe de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir. Porque Deus
desatou a sua corda e
me oprimiu; pelo que
sacudiram de si o
freio perante o meu
rosto. À direita se levantam
os moços; empurram os meus pés
e preparam contra
mim os seus
caminhos d e destruição. Desbaratam-me o
meu caminho; promovem
a minha miséria;
uma gente que não
tem nenhum ajudador.
Vêm contra mim
como por uma grande
brecha e revolvem-se
entre a assolação.
Sobrevieram -me pavores; como
vento perseguem a minha honra, e
como nuvem passou a minha
felicidade.
Jó
fizera u m inventário
do seu passado
de glória e
verificou que ficaram apenas
boas lembranças dele.
O seu estado
atual era de
miséria. A sua situação não era diferente
de outros deserdados que não
possuíam nem mesmo um lugar para
ficar. Ele estava
em conflito com
todos. Até mesmo Deus,
que deveria ficar
ao seu lado ,
parecia opor-se a
ele. Jó, embora combalido, deseja
urgentemente sair daquela situação. Ele parece encontrar-se sem forças, mas não
sem fé. Stadelmann (1 997, p. 105 ) destaca que:
A
atitude de Jó diante do sofrimento é a de busca da ajuda de Deus para poder
sair do seu
próprio isolamento e
enfrentar a dura realidade da vida. Em face dos sofrimentos físicos e morais, ele não se encara
como vítima de
misteriosa potência maléfica
ou do capricho do
destino, mas reafirma
a existência de um Deus
único, Senhor do mundo e da história , que intervém na vida humana.
Desta concepção religiosa decorre
a confiança na
presença de Deus,
que ajuda o enfermo na provação do sofrimento, ao passo que a ausência
de Deus é a causa de decepção e amargura (vv. 20 -31).
DOR INTERIOR (30.16-23)
Há
autores (Schonberger, 2011)
que destacam que,
nesse ponto, Jó contempla
o seu estado
não mais à
luz da sua
situação exterior — a sociedade
rigidamente hierarquizada —,
mas, sim, a
partir da sua
dor corporal e espiritual.
Nesse aspecto, o s
eu interior está
em ruínas (30.16). A cada dia, a sua situação física
piora cada vez mais. A poesia em Jó 3 0.16-23 retrata com letras vívidas essa
realidade. Veja:
E
agora derrama-se em
mim a minha
alma; os dias
da aflição s e apoderaram de mim. De noite,
se me traspassam os meus ossos, e o mal
que me corrói
não descansa. Pela
grande força do
meu mal se demudou
a minha veste,
que, como a
gola da minha
túnica, me cinge. Lançou-me
na lama, e
fiquei semelhante ao pó e
à cinza.
Clamo a
ti, mas tu
não me respondes;
estou em pé,
mas para mim não
atentas. Tornaste-te cruel
contra mim; com
a força da
tua mão resistes violentamente. Levantas-me
sobre o vento,
fazes-me cavalgar sobre ele e derretes-me o ser. Porque eu sei que me
levará s à morte e
à casa d o
ajuntamento destinada a
todos os viventes.
“Clamo a ti,
mas tu não
me respondes; estou em
pé, mas para
mi m não atentas” (30.20).
Sem
dúvida, Jó sente-se
atingido por conflitos
de natureza psicossomática. Ele
nada sabe dos
bastidores da sua
prova e nada
sabe sobre as causas secundárias da sua tentação. N a sua mente, era Deus quem estava opondo-se
a ele (vv.
18-19; 20-23). Não
é difícil entender
o dilema de Jó de fora do livro.
Schonberger (2011, p. 155) destaca:
Quando Deu s, em razão de um desígnio
elevado (alto concílio), não inteligível
pelos seres humanos,
não houve os
pedidos de seus santos,
eles parecem ser
desprezados e rejeitados
por Deus. Na realidade,
porém, opera-se neles
u ma transformação. E les
parecem perder, mas na verdade
ganham. Cresce o anseio (desiderium) deles; a
partir do desejo,
cresce o conhecimento
(intellectus), deste brota um
amor a inda mais
ardente por Deus
(in Deum ardetior
affec tus apeitur).
CORPO
DOENTE, ALMA FERIDA (30.24-31)
Mas não estenderás
a mão para
um montão de
terra, se houver
clamor nele na sua desventura? Porventura, não chorei sobre aquele
que estava aflito,
ou não s e
angustiou a minha
alma pelo necessitado? Todavia,
aguardando eu o bem, eis que me veio o mal; e,
esperando eu a luz, veio
a escuridão. O
meu íntimo ferve
e não está quieto;
os dias da aflição m e surpreenderam. Denegrido
ando, mas não do sol; levantando-me na
congregação, clamo por socorro.
Irmão me
fiz d os dragões,
e companheiro dos
avestruzes. Enegreceu-se a minha
pele sobre mim,
e os meus
ossos estão queimados do
calor. Pelo que
se tornou a
minha harpa em lamentação, e a minha flauta, em voz dos
que chora m.
Os
versículos 24 a
31 do capítulo
30 terminam a
segunda parte do grande
discurso da defesa
d e Jó. Como
havia feito no
capítulo 29, Jó
traz novamente à tona reflexões d
o seu passado de g lória e o
seu atual estado de miséria. Na
sua retrospectiva teológica, Jó lembra que se compadecera dos sofredores
e, por isso,
estendera-lhes a mão.
A sua motivação
fora correta, de ordem
interior, reflexo do
seu caráter j usto.
Todavia, foram a “desgraça” e a “escuridão” que lhe sobreveio (v. 26). Não ha via alívio para ele, mas somente “aflição”
(v. 27). Ele experimentou o desprezo por parte dos amigos
e o silêncio
por parte de
Deus (vv. 19.13 -20;
30.20). Jó sente
o seu íntimo ferver
(v. 27). Aqui a
lguns autores (Schonberger,
2011) destacam q ue é preciso leva r-se em conta dois aspectos da
provação de Jó: um lado exterior
e outro interior.
O seu corpo
está em d ecomposição, consumido pela doença, e ele
parece não mais alimentar esperança de
ser curado (vv. 31,35). Por outro lado, o seu dilema interior, que procura uma
resposta para o silêncio de D eus, continua vivo. “Eis que
o meu intento é que o Todo-poderoso me responda [...]”.
O FUTURO EM ABERTO (31.1-12)
Fiz concerto com os meus olhos; como, pois,
os fixaria numa virgem? Porque qual
seria a parte
d e Deus vinda
de cima, ou
a herança do
Todo -Poderoso desde as alturas? Porventura, não é a perdição para o
perverso, e o desastre,
para os que
pra ticam iniquidade? Ou
não vê ele o
s meus caminhos e não conta todos os
meus passos? Se andei com vaidade, e se o
meu pé se apressou para
o engano (pese -me
em balanças fiéis,
e saberá Deus a
minha sinceridade); se os
meus passos se
desviaram d o caminho, e se
o meu coração
segue os meus
olhos , e se
às minhas mã os
se apegou alguma coisa, então,
semeie eu, e outro coma, e seja a minha descendência arrancada até à raiz. Se o
meu coração se deixou seduzir por uma mulher, ou se
eu andei rondando
à porta do meu próximo,
então, moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela. Porque isso seria uma
infâmia e delito, pertencente aos juízes. Porque é
fogo que consome até
à perdição e desarraigaria toda a minha renda.
“Fiz
concerto com os
meus olhos; como,
pois, os fixaria
numa virgem? [...] Se retive o que os pobres desejavam ou fiz desfalecer
os olhos da viúva” (31.1,16).
A última defesa
de Jó está chegando ao
seu final. O futuro continua em aberto e incerto. Jó
continua determinado na defesa da sua
inocência. Ele não
se conforma com
a acusação de
que estava escondendo algum
pecado, como disseram os seus amigos. O seu discurso agora envolve
questões de natureza
ética tanto na
esfera social como
na comportamental. Jó lembra,
por exemplo, que
viveu dentro dos parâmetros de uma ética sexual e social.
Convém
dizer que a
reflexão ética no mundo
antigo é uma herança dos gregos.⁷⁴ Os pré-socráticos
buscavam u m princípio formador de todas as
coisas, a arché,
acreditando que a
mesma poderia ser
encontrada na água, no
vento ou no
fogo. Embora já
se perceba um
avanço na reflexão filosófica nesse
estágio do pensamento
grego, todavia ainda
prevalece a teogonia⁷⁵ mítica e
as justificativas cosmológica s para explicar a existência dos fenômenos.
Aranha (1992, p. 75) observa que:
(...) esta busca
da arché, do
princípio ou fundamento
das coisas, transformou-se na
questão central para
os pré-socráticos. As respostas
foram múltiplas e
divergentes: para alguns
era a água, para outros, o ar, para outros, a inda,
o fogo ou os quatro elementos. E,
com esta diversidade
d e respostas, rompe-se
a atitude mítica, monolítica e
dogmática, embora o
conteúdo da reflexão
filosófica permaneça muito semelhante
ao mito, pois
a estrutura de entendimento do mundo é semelhante.
É com a filosofia clássica que o homem, e não mais o cosmos, ocupa
o centro
d as atenções. A teogonia e
a cosmologia são substituídas pela antropologia. Os
filósofos clássicos, Sócrates
(469– 399 a.C),
Platão (428–348 a.C.)
e Aristóteles (384–322
a .C.), põem o
homem no centro
das suas discussões. É,
sobretudo, em Platão
e em Aristóteles
que a reflexão
ética ganha maior expressão.
A ética platônica
busca um princípio
universal unificador que
possa conduzir a vida do
homem na polis. Nesse aspecto, a
reflexão filosófica de Platão é mais de
natureza política, quando busca o bem
do viver coletivo.
É, também, uma
ética idealista, vis to
que o seu princípio ordenador está no mundo das
ideias, e não no
mundo sensível. Pegoraro (2008, p. 35) destaca o seguinte:
O
pensamento ético-político é
a alma de
todo projeto de Platão
presente em cada diálogo [...] o que enaltece e enobrece a política d e
Platão é
que ela, no
fundo, quer uma
só coisa: uma
sociedade e um cidadão
justo, ou seja,
a harmonia social
alcançada pela perfeição moral dos
cidadãos. A dominação
e a riqueza
não são objetivos
do estado platônico. A
meta central do
estado é tornar
os cidadãos melhores; estabelecer
uma ordem justa
na qual cada
cidadão possa participar no
bem público e
levar uma existência
justa, sábia na medida de suas capacidades.
Por
outro lado, a ética aristotélica também busca o mesmo princípio universal, porém
deslocando o seu
eixo, que, em
vez de fundamentar-se no mundo
ideal, fixa-se no
mundo real, na realidade
sensível do mundo. Pegoraro (2008,
p. 57) destaca
que a ética
aristotélica visa dois
pontos centrais, quais sejam:
(1) a formação
do cidadão para
a justiça e
(2) o gerenciamento do
bem comum entre
todos os cidadã os
por meio de u m
governo constituído para
esse fim. Dessa
forma, Pegoraro (2008,
p. 57 ) ainda destaca
que, para Aristóteles,
não basta o
homem viver, mas
viver bem, e viver
bem implica a
prática da ética
pessoal (prática das
virtudes morais) e da
convivência social segundo
a justiça sob
a direção d e um
legislador justo e
equitativo. É a ssim
que se realiza
a meta da
ética e da política do corpo e de cada cidadão.
Em tempos modernos,
o filósofo Immanuel
Kant (1724–1804) procurou expor
de forma sistematizada
a existência de
uma ética universal. Mediante
o seu imperativo
categórico, ele defendeu
que toda ação deveria ter
por objetivo aquilo
que pudesse ser
convertido em uma lei
universal. Segundo Kant
(2007, p. 33 ),
“Devo proceder sempre
de maneira que eu possa querer também que a minha
máxima se torne u ma lei
universal”. Essa máxima kantiana ficou
conhecida como “imperativo
categórico”.⁷⁶ A ética kantiana , portanto, por fundamentar-se no “dever”, é uma
ética de natureza
deontológica.⁷⁷ Para Comparato
(2016, p. 293),
o racionalismo ético kantiano possui três características
essenciais:
Elas
são universais, na
medida em que
vigoram para todos
os homens, em todos
os tempos. São
absolutos, pois não
comportam exceções ou acomodações
de qualquer espécie:
o dever de
dizer a verdade, por
exemplo, há de ser cumprido,
não obstante os resultados d anosos qu e d aí possam
advir, para si ou para os outros.
Eles são, finalmente,
formais, no sentido
de que devem
ser vistos como puras
formas de dever
ser, vazias de
todo conteúdo: os mandamentos éticos
devem ser obedecidos,
não porque digam respeito a
bens ou valores dignos
de consideração ou
respeito, mas simplesmente porque
são conforme à razão.
Mesmo vivendo centenas de
anos antes da reflexão
ética feita pelos gregos e pela filosofia
ocidental contemporânea, Jó
antecipa -se na sua compreensão dos
valores que devem
nortear uma vida
justa e piedosa. Não
há nenhum chão
ético que seja
seguro pisar se
a noção de
valor não for levada
em conta. Quando não há valores absolutos como
aqueles que Jó viveu e
defendeu, a ética
torna-se mero relativismo. A ética
defendida por Jó reveste-se
de universalidade porque
se firma nu m
princípio igualmente universal e
imutável — Deus,
que é a
fonte da sua
reflexão ética. Isso é importante porque o livro de Jó mostra uma fé monoteísta, de um Deus que se revelou na
história e que é a origem d e tudo o que
é justo, belo e bom.
Esse monoteísmo ético
presente em Jó
— e, posteriormente, nos profetas
hebreus — diferencia-se, por
exemplo, de outras
culturas antigas (Wood, 1993).⁷⁸
Enquanto a crença
dos povos antigos fundamentava-se em diversas divindades
— o que
gerava valores
contrastantes, conflitantes e
fragmentários —, o
monoteísmo bíblico
firmava-se unicamente no
Deus único e
verdadeiro, o qual
se revelou na história. Trata-se, portanto, de uma ética
de caráter universal.
A
fragilidade humana e a soberania divina
— O sofrimento e a restauração de Jó
José Gonçalves
f) O Protesto
Final de Jó. 29:1 - 31:40.
Jó
(Comentário Bíblico Moody)
Jó 29
O compromisso com os amigos termina; agora, o encontro com Deus fica em
primeiro plano. Em um monólogo final Jó resume a sua causa. O discurso direto
de 30:20-23 indica que é uma parte da apelação ininterrupta de ló para com
Deus. Este discurso é uma reiteração da lamentação inicial de ló,
consideravelmente temperada por ter passado pelo fogo do grande debate. É uma
trilogia, consistindo de uma descrição da anterior exaltação de Jó (cap. 29),
uma descrição de sua presente humilhação (cap. 30) e um protesto final de
inocência (cap. 31).
1-25.
Jó começa esta exposição de sua extraordinária história onde o Livro de ló
a começa – nos prósperos meses passados (v. 2a). Nos dias do meu vigor (v. 4a);
não mocidade (E.R.C.). Jó começa com o ponto central do assunto (como também o
livro) – o íntimo laço de aliança existente entre ele e Deus (cons. 1:1).
Aqueles abençoados dias do passado, que agora despertam tantas saudades em ló,
não eram exatamente os de um paraíso abundante (v. 6), mas continham os favores
amigos de Deus (cons. Sl. 25:14), do qual essa prosperidade fluía (vs. 2- 5).
Quando eu saía para a porta (v. 7a). Estando as propriedades de Jó localizadas
junto à cidade, ele era ativo nos negócios civis e judiciais. A porta e a
"praça" adjacente eram o local do fórum da cidade.
O papel
importante que o patriarca desempenhava no conselho e no tribunal parecia-lhe
agora o aspecto mais significativo do seu passado (vs. 7-17, 21-25), quando
visto da sua presente luta pessoal pela justiça. A última palavra, que lhe fora
tão relutantemente concedida no presente debate, antes sempre fora seu direito
incontroverso (vs. 21-23), quando se assentava como um rei entre seus
companheiros (v. 25). A ironia consistia em que, ele que fora o celebrado
defensor dos pobres e oprimidos (vs. 11-17), o bem-amado confortador dos
aflitos (v. 25c), recebera agora, em sua angústia, a negativa de uma audiência
de seus amigos (cons. esp. cap. 22) e, aparentemente, de Deus. Eu me cobria de
justiça, e esta me servia de veste (v. 14a). A causa justa encarnou-se em ló, o
qual, impávido, apesar do abatimento e das dificuldades (v. 24), brandia a espada da justiça para livrar os
inocentes dos homens predatórios (v. 17a; cons. Is. 11:2-5; Sl. 72:12-14). Uma
das bênçãos do paraíso perdido de Jó fora sua alegre esperança de dias
prolongados no seio de sua família (Jó 29:18), de honra (20a) e de força (20b)
constantemente renovada (v.19). Jó agora conta a triste decomposição dessas
esperanças (cap. 30 ).
Jó
30
30:1-31. A repetição de Mas agora . . . Mas
agora ... Agora (vs. 1, 9, 16) destaca eficazmente o tema quando Jó
contrasta o presente árido e turbulento com o passado cheio de paz. O rei dos
conselheiros torna-se objeto do desprezo dos tolos (vs. 1-15). O amável favor
divino tornara-se em crueldade (vs. 16-23).
1-15. A
extrema desonra de Jó aparece no fato de que até os homens mais baixos
olhavam para ele de cima. Descrevendo sua desgraça (vs. l-8; cons. 24:5 e
segs.), o sofredor sugere com hábil dissimulação sua própria condição ainda
pior. Assim despido de toda dignidade e confiança era esta estirpe bestializada
(vs. 68) de párias famintos (vs. 3-5), que Jó, apesar de toda a sua simpatia
para com os socialmente inferiores (cons. 29:12 e segs.; 31:15), não confiaria
nem mesmo aos seus anciãos mais velhos a responsabilidade normalmente outorgada
aos cães dos pastores (v. 1b). Homens cujo vigor já pereceu (v. 2b). Eles têm
falta até de resistência física para servirem de mercenários. Mas agora até os
mais jovens (v. 1a) dessa ralé olham para Jó como se fosse o alvo certo de suas
ridículas canções (v. 9). Nenhuma exibição de desrespeito é demasiada mesquinha
para eles (v. 10; cons. 17:6) quando com maldade descontrolada (v. 11b)
maquinam tormentos (v. 12 e segs.) contra este burguês arruinado, agora um
pária desamparado no domínio do seu monte de lixo.
16-23.
Muito mais desesperador para o patriarca do que a crueldade dos homens é a
de Deus (v. 21a), que parece fitar inexpressivamente (v. 20b) para sua
implorante vítima. Deus persegue Jó (v. 21b) com aflições Jó (Comentário
Bíblico Moody) 55 físicas continuamente (vs. 16b, 17), humilhantemente (vs. 18,
19), sem misericórdia (vs. 20, 21), violentamente (v.22), até a sepultura (v.
23). Embora Jó deixe aqui de seguir as implicações lógicas e apropriar-se do
conforto de seus pensamentos recentemente expressos quanto à sabedoria, humana
e divina (cap. 28), deve-se lembrar que ele não é de pedra mas um homem de
carne e ainda assim esmagado pelos amplexos da serpente.
24-31. Um grito melancólico conclui as
reflexões de Jó sobre sua humilhação e desamparo. Gritar por socorro no meio do
desespero é coisa natural (v. 24), especialmente quando a calamidade é
contrária a todas as expectativas (vs. 25, 26; cons. 29:15 -20). Em um turbilhão
emocional (v. 27), Jó geme diante do mundo (v. 28) como um chacal que uiva ou
uma avestruz alta (v. 29). Com uma febre mortal a consumi-lo (v. 30), ele
representa de antemão uma nênia em preparação de seu sepultamento (v. 31).
Jó 31
31:1-40.
Jó protesta sua inocência o tempo todo. Aqui, elaboradamente formulado,
esse protesto se transforma no clímax de sua peroração. Na forma, é um
juramento retroativo de lealdade à aliança (cons. v. 1a). Em tais juramentos o
orador invoca maldições sobre si mesmo para comprovar violações do código moral
(cons., por exemplo, o Juramento dos Soldados Heteus, ANET, 353, 354). Até as
figuras dos exemplos existentes de tais juramentos antigos correspondem como de
Jó (por exemplo, perda de colheitas, trabalho duro, fratura de ossos, lavoura
infestada de mato. Veja vs. 8, 10, 22, 40). O quadro, portanto, é o do vassalo
convencional declarando sua lealdade às várias estipulações que file foram
impostas, atônito porque o seu soberano o afligira com maldições e não com as
bênçãos da aliança (cons. Dt. 28:18, 31, 35 ). Jó tem a impressão de que Deus
abandonou o seu papel de suserano protetor e estranhamente se tornou o inimigo
de um vassalo obediente.
1-8. Jó começa negando pecados escondidos no
coração – concupiscência (v. 1), trapaça (v. 5), cobiça (v. 7). Nisto exibe
profunda penetração na espiritualidade da lei divina (cons. o Sermão do Monte,
Mt. 5; 6; 7). Sua profunda preocupação com o iminente juízo do Suserano vem à
tona freqüentemente (vs. 2-4; cons. 11, 12, 14, 23, 28), mais notavelmente em
suas automaldições (v. 8; cons. Dt. 28: 30c, 33). Com estas referências às
sanções penais da aliança Jó torna solene o seu juramento de inocência.
Mesclado do reverente temor de Jó para com o seu Juiz está seu anseio confiante
de comparecer diante dEle, eloqüentemente proclamado nos vs. 35-37 e mais
simplesmente aqui (v. 6).
9-23. O patriarca também repudia pecados públicos contra
seus próximos adultério (v. 9), maus tratos dispensações a empregados (v.13),
negligência das obrigações sociais de caridade para com os necessitados (vs.
16, 17, 19-21). Automaldições estão ligadas à primeira e última cláusulas
condicionais desta seção. Além disso, Jó nega vigorosamente, reforçando suas
negativas: o adultério, denunciando severamente tal abuso (vs. 11,12); o abuso
com servos, contando com a investigação divina (v. 14) e reconhecendo a origem
comum das criaturas (v. 15); e falta de caridade, afirmando positivamente o
oposto (v. 18) e confessando o seu temor a Deus (v. 23).
24-27.
A acusação de hipocrisia e iniqüidade secreta que os conselheiros lançaram
contra ele, por falta de evidência dos supostos crimes de Jó, já foram negados
através dos seus protestos. Agora a repudia diretamente, negando pecados
ocultos em seu relacionamento com Deus, seus inimigos e estranhos. Nem a ilusão
das riquezas (vs. 24, 25), nem a fascinação dos cultos pagãos às entidades
celestes (vs. 26, 27) conseguiram engodá-lo em idolatria dissimulada, a
transgressão da exigência mais fundamental da lealdade a Deus (v. 28). Malícia
secreta contra inimigos (v. 29) ele a nega firmemente (v. 30). Os íntimos da
casa, conhecedores de sua vida particular, podem garantir que ele não teve má
vontade de conceder hospitalidade ao forasteiro (vs. 31 e 32). Resumindo, ele
nega sob juramento qualquer semelhança com Adão, que tentou encobrir o seu
pecado (v. 33; cons. 13:20; Gn. 3:7-10). Jó não deve temer o escrutínio público
da sociedade (Jó 31:34) ou de Deus (v. 35 e segs.). Em total contraste ao temor
e fuga de Adão quando da aproximação do Senhor. Jó deseja apaixonadamente
confrontar-se com Deus (v. 35a; cons. 13:3, 22; 23:3-9; 30-20). Eis aqui a
minha defesa assinada (v. 35b). Dramatizando a desejada audiência com Deus, Jó
representa a defesa que ele acabou de oferecer como um documento legal assinado
e selado. Então, com arrogância consumada, ele declara como desfilará diante de
Deus como um príncipe (v. 37b), coroado com o próprio rolo de sua iniciação
(vs. 35c e 36) que se transformará em um emblema de honra para ele, sendo
refutada acusação por acusação (v. 37a).
38-40.
O ímpio desafio
que acabou de ser proferido (vs. 35-37), enquanto respondia à condição
"Se, como Adão" (vs. 33, 34), forma uma refutação tão satisfatória de
todo o catálogo de pecados e uma conclusão tão grandiloqüente para todo o
discurso que muitos mestres consideram os versículos 38-40 anticlimáticos e
como estando fora de lugar. Quanto ao estilo, entretanto, o autor de Jó é
apaixonado pelo penúltimo clímax (cons. por exemplo 3: 23 e segs.;14:15 e
segs.). E materialmente este último pecado (vs. 38,39) e esta última imprecação
(v. 40) seguem naturalmente a alusão à queda de Adão (v. 33 e segs.), pois Jó
aqui invoca a maldição primeva elementar com fundamento (Gn. 3:17, 18; cons.
Gn. 4:11,12).
Os protestos de inocência de Jó acompanharam o ritmo de sua percepção aprofundante das exigências divinas de santidade. Mas agora sua exibição de notável penetração nas exigências morais divinas denunciam uma igualmente notável profundidade de justiça própria. Tal cegueira para com a depravação e ilusão do seu próprio coração não negam a genuinidade da obra redentora divina em Jó. Mas constitui uma séria necessidade espiritual que deve ser sanada – conforme Eliú estava para destacar (cap. 32 e segs.) – um dos propósitos de Deus (embora não fosse o propósito principal) ao determinar os sofrimentos de Jó.
Jó
(Comentário Bíblico Moody)
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