quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Lição 7 - A Teologia de Bildade: Se Há Sofrimento, Há Pecado Oculto?

 


TEXTO ÁUREO 

Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão” 

(Jó 8.4).

VERDADE PRÁTICA

A existência do sofrimento não quer dizer que haja pecado oculto.

Jó 8.1-4; 18.1-4; 25.1-6.

Jó 8

1 — Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2 — Até quando falarás tais coisas, e as razões da tua boca serão qual vento impetuoso?

3 — Porventura, perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-Poderoso a justiça?

4 — Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão.


Jó 18

1 — Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2 — Até quando usareis artifícios em vez de palavras? Considerai bem, e, então, falaremos.

3 — Por que somos tratados como animais, e como imundos aos vossos olhos?

4 — Ó tu, que despedaças a tua alma na tua ira, será a terra deixada por tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar?


Jó 25

1 — Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2 — Com ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas.

3 — Porventura, têm número os seus exércitos? E para quem não se levanta a sua luz?

4 — Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?

5 — Olha, até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos seus olhos.

6 — E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um bicho!

OBJETIVO GERAL

Mostrar que nem sempre o sofrimento é consequência de um pecado oculto, como pensava Bildade.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.

  • I. Destacar o argumento de Bildade que contrastava o pecado com o caráter santo e reto de Deus;
  • II. Explicar a concepção de Bildade que associava o pecado à quebra da moralidade religiosa;
  • III. Esclarecer a argumentação de Bildade que contrapunha a pequenez humana com a grandeza de Deus.

INTERAGINDO COM O PROFESSOR

Deus é reto e justo. Ele é santo. Nesta lição veremos a contraposição que Bildade faz do caráter de Deus com o pecado humano. Logo, se Deus é santo e justo Ele não compactua com o pecado oculto de uma pessoa. Essa é uma doutrina correta. A constatamos ao longo de toda a Escritura. Entretanto, a acusação de pecado oculto se aplicaria a Jó? O livro deixa claro que não. O problema de Jó não era o pecado oculto. Embora seu amigo Bildade o acusasse, ele estava certo de que não havia nada a esconder. O diálogo de Jó e Bildade deve nos levar a seguinte reflexão: os problemas que se abatem na vida dos servos de Deus quase sempre não podem ser explicados de forma simplista.

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

Nesta aula, estudaremos sobre a teologia do segundo amigo de Jó, Bildade. Veremos que ela apresenta o caráter justo e reto de Deus em contraposição ao suposto pecado oculto de Jó. Estudaremos também a defesa de Bildade por uma moralidade rígida, fundamentada em meros preceitos religiosos, sem, contudo, guiar-se por princípios espirituais. E, finalmente, analisaremos a ideia de que, segundo Bildade, Deus é um ser muito distante e que, devido a sua onipotência e grandeza, está muito longe do mortal. Ele, portanto, é inacessível. Ao longo de cada argumento de Bildade, veremos a contraposição de Jó.

PONTO CENTRA 

Quando há sofrimento não se quer dizer que há pecado oculto.

A fragilidade humana e a soberania divina — O sofrimento e a restauração de Jó

Comentarista: José Gonçalves

 


Capítulo 07 - A Teologia de Bildade: se Há

Sofrimento, Há Pecado Oculto?

DO SIMPLES AO COMPLEXO

      A  teologia  d os  amigos  de  Jó,  embora  se  movendo  e m  eixos  diferentes,  demonstram  possuir  uma  mesma  direção.  Todos  defendem um  tipo  de  justiça  retributiva,  que  tem  como  consequência  final  a recompensa dos bons e o castigo d os maus. É por isso que, à s vezes, o livro dá  a  impressão  de  ser  muito  repetitivo.  Esse,  porém,  é  um  recurso  que  o autor utilizou para deixar em relevo aquilo que ele queria tratar. Fouilloux et  al  (1998,  p.  138)  destaca  que  essa  é  a  novidade  e  originalidade  do  livro de  Jó,  qu e  marca  a  grande  virada  do  pensa mento  judeu  sobre  o  mal.  É  a passagem de u ma teoria  simples  — os bons  são recompensados, os  maus são  punidos    a  uma  reflexão  sobre  o  mistério  do  mal  que  ultrapass a  o entendimento humano. 

      A  teologia  d e  Bildade,  assim  como  a   do  seu  a m igo  que  o  precedeu, também  caminha  na  antiga  direção  do  pensamento  teológico.  O  seu argumento  caminha  na  direção  de  que  onde    sofri mento  sempre,  há algum  pecado  por  trás.  Na  defesa  da  sua  tese,  ele  desenvolve  o  seu argumento  teológico,  primeiramente  com  ênfase  centrada  no  caráter  de Deus.  Em  segundo  lugar,  na  defesa  da  moralidade  tradicional  e,  em terceiro lugar, na exaltação da onipotência divina.

     DEUS REVELADO  NO SEU CARÁTER JUSTO (8.1 -7) 

    Então,  respondeu  Bildade,  o  suíta,  e  disse:  Até  quando  falarás   tais coisas,  e  as  razões  da  tua  boca  serão  qual  vento  impetuoso? Porventura,  perverteria  Deus  o  direito,  e  perverteria  o  Todo- Poderoso a justiça? Se teus filhos pecara m contra ele, também ele os lançou  na  mão  da  sua  transgressão.  Mas,  se  tu  de  madrugada buscares  a  Deus  e  ao  Todo- Poderoso  pedires  misericórdia,  se  fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça. O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo.  

      “Então,  respondeu Bildade,  o  suíta,  e  disse:  Até  quando  falarás  tais coisas,  e  as  razões  da  tua  boca  serão  qual  vento  impetuoso?”  (8.1,2).  O texto  declara  que  Bildade  era  “ suíta”.  Adam  Clarke  (2014,  p.  11)  observa que há a  suposição de que ele seria descendente de  Suá, um dos filhos de Abraão  com  Quetura,  e  que  morava  na  Arábia,  denominada  na  Bíblia  de “terra oriental” (Gn 25.1-2; 6).

     “Porventura,  perverteria  Deus  o  direito,  e  perverteria  o  Todo-Poderoso a  justiça?”  (8 .3).  Bildade  está  incomodado  com  a   fala  d e  Jó.  No seu  entender,  Jó,  por  estar  sendo  afligido ,  estaria  acusando  o  Senhor  de ser  injusto.  Bildade  acredita  que    está  sendo  punido  pelo  pecado  que cometeu  e,  por  isso,  está  convencido  de  que  os  argumentos  de    não passavam  de  palavras  a o  vento.  Bildade  entendia  que,  ao  agir  assim, querendo atribuir a Deus o mal que lhe sobrevinha, Jó estaria, na verdade,  acusando o Senhor de ter pervertido o direito e a justiça. Todavia, B ildade acreditava que Deus estaria afligindo a Jó de forma justa. Se Jó estava sob julgamento divino, era porque havia uma causa para isso.

    “Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua  transgressão” (8.4).  Nesse  texto,  Bildade  causa mais  dor  e  sofrimento a    quando  envolve  os   seus  filhos  na  sua  argumentação.  Segundo Bildade,  os  filhos  de    morreram  porque  cometeram  pecado.  Deus punira-os  com  a  morte.  Ele  estava  convencido  de  que  isso    aconteceu porque  as  ações  pecaminosas  deles   haviam  transbordado.  Dessa  forma , Deus  foi  totalmente  justo  em  tê-los  matado.  Como  ficará  demonstrado posteriormente,    sentiu-se  muito  ferido  com  essas  palavras.  O  amigo nem  mesmo  lembrou  que    intercedia  pelos  seus  filhos  e  santificava -se por eles.

     “Se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a  morada  da  tua  justiça”  (8.6).  Esse  versículo  torna-se  quase  como  um refrão na teologia dos amigos de Jó. Trata-se de uma afirmação repetitiva da doutrina da retribuição, um princípio da lei de causa e efeito: “Se você for  bom,  Deus irá  abençoá-lo.  Se  fo r  mal, Deus  irá  puni-lo”.  Não    nada errado  em  exigir-se  pureza,  retidão  e  um  agir  justo  diante  d e  Deus. Certamente,  o  Senhor  agrada-se  de  quem  anda  em  santidade  e  justiça.  O problema  com  essa  argumentação  é  que  ela  insiste  na  culpa  de  Jó,  que  o texto  deixa  claro  que  era  um  homem  íntegro,  reto,  temente  a   Deus  e  que se  desviava  do  mal.  Se  essas  palavras  de  Bildade  fossem  corretas,  então nada de ruim deveria estar acontecendo a  Jó. A verdade, porém, era que a calamidade abatera-se sobre Jó sem que ele tivesse culpa por isso. 

      As  palavras  de  Bildade  — “Se  fores  puro  e  reto,  certamente,  logo despertará por ti e restaurará a  morada da tu a justiça” (8.6 ) — parecem-se muito com as palavras do seu amigo Elifaz — “Une-te, pois, a Deus, e tem paz,  e,  assim,  te  sobrevirá  o  bem”  (22.21).  A  ideia  é  que  as  ações,  quando feitas  corretamente,  produzem  méritos  diante  de  Deus.  Havia ,  portanto, na  fala  de  Bildade  um  tipo  de  meritocracia  humana.  Alguns  teólogos (Atkinson,  2010,  pp.  67,68)  enxergam  nos  discursos  dos  amigos  de    semelhança  com  a  teologia  que,  posteriormente,  seria  conhecida  como pelagianismo.⁶⁸  Grosso  modo,  o  pelagianismo  defende  que  o  homem, independentemente da  graça, pode chegar-se a Deus sozinho.

      A IMPUREZA E IMPERFEIÇÃO HUMANAS

   “Então,    respondeu  e  di sse:  Na   verdade   s ei  que  assim  é;  porque como se justificaria o homem para com Deus?” (9.1,2). Contrariamente ao pensamento  de  Bildade,    estava  convencido  de  que    vivia  uma  vida reta  diante  de  Deus.  A  insistência  de  Bildade  para  que  ele  buscasse  a pureza e  a  retidão soava aos seus  ouvidos que ele  precisava nivelar-se ao Altíssimo na sua pureza. Isso, evidentemente, Jó tinha consciência de qu e seria algo inalcançável: “Ainda que me lave com água de neve, e purifique as  minhas  mãos  com  sabão,  mesmo  assim   me  submergirás  no  fosso,  e  as minhas  próprias  vestes  me  abominarão”  (9.30,31).  Ninguém  poderia alcançar  um  estado  de  perfeição  completa,  e    tinha  consciência  disso. Viver essa santidade absoluta seria impossível, visto que quem a possui é somente  o  Senhor.  A  questão  para  Jó,  portanto,  era  outra .  O  seu  amigo insistia  que  o  seu  sofrimento  era  consequência  d e  um  pecado  não confessado,  enquanto  a  experiência  de    dizia-lhe  que  isso  não  era verdade.

   UMA FERRENHA DEFESA DA ÉTICA TRADICIONAL (18.1-6)   Então,  respondeu  Bildade,  o  suíta,  e  disse:  Até  quando  usareis artifícios  em  vez  de  palavras?  Considerai  bem,  e,  então,  falaremos. Por  que  somos  tratados  como  animais,  e  como  imundos  aos  vossos olhos?  Ó  tu,  que  despedaças  a  tua  alma  na  tua   ira,  será  a  terra deixada  por  tua  causa?  Remover-se-ão  as  rochas  do  seu  lugar?  Na verdade,  a  luz  dos  ímpios  se  apagará,  e  a  faísca  do  s eu  lar  não resplandecerá.  A  luz  se  escurecerá  nas  suas  tendas,  e  sua  lâmpada sobre ele se apagará.

    “Na  verdade,  a  luz  dos  ímpios  se  apagará,  e  a  faísca  do  s eu  lar  não resplandecerá” (18.5). Bildade posiciona-se na defesa da moral tradicional. Há  um  conteúdo  ético  embutido  por  trás  dos  seus  argumentos  de  que  a luz dos ímpios se apagará . Vivemos em um universo moral onde as ações sempre produziram consequências. Ele, portanto,  posiciona-se em defesa da  moralidade  que  herdara  dos  antepassados.  Não    dúvida  de  q ue  o rigorismo  ético  não  está  presente  apenas  no  discurso  dos  amigos  de  Jó, mas também pode ser encontrado em outras partes do Antigo Testamento.

     A  Antiga   Aliança  posiciona-se  a  favor  de  uma  moralidade  de  cunho universal.  Compreender  a  evolução  do  pensamento  ético  dentro  da revelação  hebraica  do  Antigo  Testamento  sem  dúvida  contribui  para  o entendimento do contexto de Jó. 

    UMA ÉTICA UN IVERSAL 

    A diferença existente entre a moralidade de Israel e os demais povos vizinhos pode ser explicada pelo contraste entre uma fé monoteísta vivida pelos  hebreus  e  a  crença  politeísta  vivida  pelos  demais  povos  vizinhos. Enquanto  o  monoteísmo,  centralizado  na  pessoa  de  um  Deus  único revelado  aos  hebreus,  era  um  elemento  unificador  de  um  padrão  ético absoluto  e  de  natureza  universal,  por  outro  lado  a  fragmentação  de crenças, distribuídas entre vá rias divindades, impedia esse consenso ético nos demais povos. Dessa forma, Kinlaw (2007, p. 242) destaca o seguinte: 

     Há uma qualidade absoluta na ética, resultante d o fato de que Deus é  u m  e  soberano,  sem  igual,  sem  rival.  O  politeísmo  apresentava uma base múltipla e variada para o sistema de valores dos homens, o que impedia que houvesse qualquer unidade. 

      Um    Deus     logo,  uma    vontade    conferia  unidade  a   toda  a criação.  É  exatamente  essa  ideia  de  Deus  como  a  fonte  de  todas  as  coisas criadas  que  confere  à  ética  do  Antigo  Testamento  o  caráter  de universalidade.  Kinlaw  a inda  observa  que  a  transcendência  de  Deus permitia  uma  aplicação  universal  da  lei  moral  em  Israel  que  o  tornava singular  em  todo  o  mundo  antigo.  Ante  o  Criador,  todos  os  homens  são iguais. A lei moral era aplicada tanto ao rei quanto ao plebeu mais comum. Os  mais  pobres  e  poderosos  tinham  a  mesma   responsabilidade  que  os mais  humildes  (ver  as  histórias  de  Davi  e  Natã ,  2  Samuel  12,  e  Nabote  e Acabe, 1 Rs 21). Há um só Deus e uma só lei para todos. 

      Os  pressupostos  do  monoteísmo  ético⁶⁹,  fundamental  para  a compreensão  da   ética  judaica,  são  mais  des envolvidos  no  contexto  dos profetas.  Os  profetas  foram,  sem  dúvida,  os  principais  defensores  de  um padrão moral  elevado de  cunho universal. Isso não  significa dizer  que os profetas  “ inventaram”  uma  nova  moralidade.  Na  verdade,  eles invocavam princípios éticos  há muito  implantados pela  Palavra de Deus, mas que haviam sido esquecidos ou negligenciados pelo povo de alguma forma.  A  palavra  de  Deus  era,  portanto,  a  base  da  denúncia  profética. Wurtwein  (1985,  p.  136),  por  exemplo,  d estaca  que  a   acusação  que  os profetas  proferem  denúncias  em  seu  nome  (de  Deus)  não  deve  s er compreendida primordialmente como expressão de uma consciência ética que  se  tenha  manifestado  pela  primeira  vez  com  os  profetas.  Pelo contrário,  ela  se  orienta  pela  lei,  expressão  da  vontade  de  Javé  e formulada, por exemplo, no Livro do Pacto muito antes  dos profetas.

      Os  pressupostos  judaicos  para  a  expressão  da  moralidade  de natureza universal, sem dúvida al guma, são encontrados na exigência da fé  monoteísta,  que,  por  sua  vez,  se  refletia  o  caráter  de  Deus.  Isso  ganha mais  relevância  ainda  no  contexto  dos  profetas,  pois  se  credita  a  eles  o início do monoteísmo ético. Segundo a Enciclopédia Judaica (2 007, p. 449) enquanto  o  paganismo  chega  na  unicidade  de  sua  divindade  através  do raciocínio  filosófico  e  por  considerações  ontológico-metafísicas,  a  fé bíblica  chega  à  unicidade  de  sua  divindade  por  causa  de  considerações éticas e  através de uma  visão direta sobre  o absoluto  caráter da  lei moral. Assim, o monoteísmo bíblico pode ser distinguido do monoteísmo pagão em que só ele é o monoteísmo ético. 

     Geerarhardus  Vos  (2010,  p.  253)  destaca  que  muitos  críticos acreditam  que  o  aparecimento  d o  elemento  ético  no  judaísmo  “deve  ter vindo  entre  os   dias  de  Elias  e  Eliseu,  por  u m  lado,  e  a  época  de  Amós  e Oseias por outro”. Mesmo que não se concorde com todas as alegações da crítica  bíblica  sob re  a  gênese  do  elemento  ético  no  judaísmo  (como  ficou demonstrado,  os  profetas  não  cri aram  uma  nova  ética,  mas  perpetuaram a já  existente),  todavia não  há como   negar que o  monoteísmo  ético torna -se mais evidente na boca dos profetas. Esse fato, por exemplo, é afirmado na  resposta  dada  pelo  povo  ao  sacrifício  proposto  pelo  profeta   E lias:  “O que  vendo  todo  o  povo,  caiu  sobre  os  seus  rostos  e  disse:    o  Senhor  é Deus!    o  Senhor  é  Deus!  (1   Rs  18.39).  Keil  e  Delitzsch  (2009,  vol.  1,  p. 1005)  corroboram  esse  fato,  dizendo:  “ Com  este  milagre  Deus  não somente legitimou a Elias como seu servo e profeta senão que se mostrou como Deus vivo a quem Israel devia servir [...] Deus é Deus! O verdadeiro ou  Deus  real”.  Isso  se  torna  mais  emblemático  no  caso  d e  Eliseu.  Não  há dúvida  d e  que  o  cronista  de  2  Reis  queria  destacar  esse  fato  na  cura  de Naamã,  o  oficial  sírio.  Quando  curado,  Naamã  reconheceu   diante  de Eliseu que “[...] em toda a  terra não há Deus, senão em Israel” (2 Rs 5.15).

    Wiersbe  (2008,  p.  511)  põe  em  relevo  essa  expressão  do  oficial  sírio: “Naamã havia acabado de testemunhar que só Jeová, o Deus de Israel, era o  Deus  de  toda  a  terra  (v.  15)!”.  Dessa  forma,  os  pressupostos  éticos verbalizados  nas  falas  de  Elias  e  Eliseu  são  d e  natureza  universal  e ganham relevância e expressão para a moralidade contemporânea.  

     A fé monoteísta é importante para a  moralidade, seja ela judaica seja cristã,  porque  o  seu  fundamento  não  reside  na  natureza,  como  criam  os filósofos  pré-socráticos ;  não  estava  no  mundo  das  ideias,  como  queria Platão,  nem  tampouco  na  prática  da  razão  pura,  como  defendia  Kant.  A sua base está no caráter d e Deus, que quis revelar -se ao homem. Esse é um ponto  de  grande importância quando  se busca  uma    fundamentada  em princípios.  Se  a  fonte  dos  valores  for  qualquer  coisa  fora   de  Deus (natureza, cosmos, homem, etc.), forçosamente se tornará relativista.  

     Por  ser  uma  religião  monoteísta,  o  judaísmo  desenvolveu  o  seu conceito  de  moralidade  a   partir  da  revelação  dessa  verdade.  Esse princípio,  como  ficou  demonstrado,  pode  ser  encontrado  em  diferentes períodos  da  história  bíblica,  tanto  em  Jó,  como  também  nos  antigos profetas.  Nos  dias  de  Jó,  evidentemente  havia  uma  tradição  com  forte conteúdo moral. Os valores éticos eram cultivados e passados de pai para filho.  O  capítulo  18  mostra  Bildade  acusando    de  tentar  subverter  essa moralidade  tradicional.  Bildade  entendia  que  Jó,  ao  defender -se,  não reconhecendo  que  havia  pecado,  estava  contra  o  fluxo  da  história.  Ele acreditava  que  a  punição  d os  maus  e  a  recompensa  dos  bons  era  uma verdade inquestionável e inegociável. Por outro lado, Jó está consciente de que  não  possui  nenhuma  justiça  própria  e,  por  isso,  sabe  que  precisa  de um mediador ou intercessor (19.21-24). Ele não quer mais se autojustificar. Somente  Deus  é  justo  e  puro.  Ele  sabe  que  o  seu  “Redentor  vive”  e  que, por fim, atenderá ao seu clamor.  

     EM DEFESA DA ONI POTÊNCIA DIVINA (25.1-6)

   Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse: Com  ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas. Porventura, têm número os seus exércitos?  E   para  quem  não  se  levanta  a  sua  luz?  Como,  pois,  seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher? Olha, até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos seus olhos. E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um bicho! 

     “Com ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas” (25.2). O terceiro discurso de Bildade é bem resumido e apresenta uma defesa da grandeza  de  Deus.  Bildade    sinais  de  que  está  cansado  e  de  que  não quer mais discutir com Jó. Ele está escandalizado diante da obstinação de Jó frente aos seus argumentos . Stadelma nn (1997, p. 103) destaca:       Numa síntese densa e  resumida, Bildade dá  a  versão abreviada dos argumentos apresentados pelos amigos de Jó, descrevendo os traços principais  da  epifania  de  Deus  em  contraste  com  a  contingência humana. O motivo que o levou a inserir aqui a descrição do poder e do esplendor da majestade divina foi talvez a alusão a o julgamento, no  capítulo  anterior,  ou   a  manifestação  da  perfeição  divina,  cuja imagem  de  pureza  absoluta  e  ideal  de  santidade  mostram  a  meta  a que o homem deve tender (vv. 1-6). 

      Havia uma distância intransponível entre o homem e Deus na  mente de Bildade. O homem não passava de um ser frágil e passageiro, que mais se  assemelhava  a  um  verme  (v.  6).  Dessa  forma,  até  mesmo  os  astros celestes  apresentavam  imperfeições  diante  da  majestade  divina  (v.  5 ).  Se as coisas eram assim, então o que fazia Jó  pensar diferente?  Ele achava-se como sendo de alguma importância? Nas palavras de Schonberger:  

      Efetivamente  Bildade  condensa  em  palavras,  experiências fundamentais  da  fé:  a  sublimidade  e  a   incompreensibilidade  de Deus,  a  miséria  e  a  decadência  mortal  do  ser  humano.  Também  o salmista  do  Sl  2 2  deve  confessar  de  si  mesmo:  “Quanto  a  mim,  sou verme, não  homem, riso  dos  homens e desprezo do  povo” (Sl  22.6). Se o ser humano quiser compreender a si mesmo, não pode escapar a  este  discernimento.  Contudo,  de  acordo  com  o  testemunho  da Escritura,  com  este  disc ernimento  ainda  não  se  alcança  o  fim  do reconhecimento  humano.  De  modo  que  o  salmista  também  pode dizer:  “Vós  que  temeis  a  Iavé,  louvai-o!  [...]  Temei-o,  descendência de Israel! Sim, pois ele não desprezou, não desdenhou a pobreza do pobre”  (Sl  22.23-24)  [...]  Também  aos  amigos  de    não  ficou ignorado  o  conhecimento  acerca  do  agir  salvífico  de  Deus  (cf.  5.19 - 27;  8 .20-21;  11.16-19;  22 .21-30).  No  entanto,  parece  que  não  se  abriu para  eles  nenhum acesso  próprio, interior,  a  esse  conhecimento. D e modo  que,  em  razão  de  seu  conhecimento  fechado,  no  final  eles devem  emudecer. No  entanto, onde  o  ser  humano s e cala  a  Palavra de Deus ainda se levanta.       

     DEUS ONIPOTENTE, PORÉM SEMPRE PRESENTE (26.1-4)  

Jó reage com ironia às palavras de Bildade. Dizer que Deus é grande, majestoso e tremendo a um homem moribundo e consumido pela doença não  ajuda  em  nada  (vv.  1 -4).    demonstra  ter  consciência  da transcendência divina,  não  a  nivelando à   criatura  em  nenhum  mo mento. Ele também sabe que a criação é um testemunho vivo da majestade divina. Todo o Universo é um retumbante testemunho da grandeza do Altíssimo. Jó, porém, respondeu e disse: Como ajudaste aquele que não tinha força  e sustentaste  o  braço  que  não  tinha  vigor!

    Como  aconselhaste  aquele  que não  tinha  sabedoria  e  plenamente  lhe  fizeste  saber  a  causa,  assim  como era! Para quem proferiste palavras? E d e quem é o espírito que saiu d e ti?  “Como  aconselhaste  aquele  que  não  tinha  sabedoria  e  plenamente lhe  fizeste  saber  a  causa,  assim  como  era!”  (26.3).  Como    foi  destacado, Jó dá início à sua fala ironizando as palavras de Bildade. João Crisóstomo (Oden,  2010,  p.  182)  observa  que  Bildade  não  deve  s er  reprovado  por  ter defendido  um  atributo  de  Deus,  o  que  é  normal.  No  entanto,  ele  não deveria ter condenado Jó. Era possível defender os atributos  de Deus sem acusar  o  seu  amigo.  No  seu  comentário  do  livro  de  Jó,  a  patrística  faz importantes  observações  sobre  esse  debate.  Oden  (2010,  p.  182)  comenta: em  sua  resposta,    demonstra  como  Bildade  está  acusando-o  falsamente e  sem  fundamento  ainda  que  trate  de  parecer  prudente  e  sábio (Crisóstomo, Gregório). Ao mesmo tempo, as palavras de Bildade sobre a ordem divina do mundo dão a Jó a ocasião de expressar sua compreensão e admiração pelo papel providencial de Deus sobre o universo (Juliano de Eclana,  Olimpiodoro,  Isodad,  Gregório).  A prudência  “excessiva”  se  faz evidente quando  um  se  mostra  que rer  ser  mais  prudente  do  que  o  outro. Pretender  dar  conselho  a  mesma  Sabedoria  é  um  ato  de  perversidade (Gregório). Deus tem ordenado à luz e à escuridão que ocupem seu tempo estabelecido  em  boa  harmonia  e  que  nã o  prevaleça  uma  sobre  a  outra (Isodad). Como de costume, os pais da  igreja veem nas palavras d e Jó uma mensagem  profética:  neste  discurso  anuncia  a  difusão  do  evangelho  e  a destruição do mal pelo poder de Cristo (Felipe, Efrén).

     Na análise de Jó (26.1-14), a  descrição que Bildade faz da divindade  é  imperfeita  e  incompleta.    exalta  a o  Senhor  e  reconhece  a   sua onipotência.  Ele  mostra  que  o  cosmo  criado  por  Deus,  mesmo  revelando toda a sua vastidão, contempla apenas um simples vislumbre do Criador. Jó  faz  referência  ao  domínio  de  Deus,  mas  não  se  refere  a  esse  domínio como  sendo  uma  esfera  onde  se  esconde  o  Senhor  e  onde  homem  algum pode  penetrar  (26.14).  No  Universo  criado  por  Deus  e  por  Ele  regido,  as pessoas  também  fazem  parte  do  projeto  divino.  Deus  convive  com  as pessoas  dentro  desse  seu  domínio.  Ele  não  é  um  ser  inalcançável  e inacessível  como  Bildade  defende  que  seja.  Ele  não  é  apenas  soberano;  é também  amor.  É  compaixão  e  graça.  Aconselhar um  moribundo  como  Jó simplesmente com a imagem da onipotência divina sem levar em conta  a sua compaixão provou ser ineficaz . “Como ajudaste aquele que nã o tinha força  e  sustentaste  o  braço  que  não  tinha  vigor!”  (v.  2 ).  Samuel  Terrien (1997)  destaca  que  Bildade  ignora  as  categorias  do  bem  e  do  mal,  não compreende as agonias espirituais de Jó e não percebe o s mistérios de um Deus cuja transcendência não encobre o amor. 

 ⁶⁸ Veja  uma  exposição sobre  essa doutrina na obra:  Dicionário  de Religiões, Crenças  e Ocultismo. São Paulo: Vida, 2009.

 ⁶⁹ “O  Monoteísmo  Ético  é  o   conceito  originado  no  judaísmo  segundo  o  qual  Deus  é  a base  ética  para  a  sociedade”

A fragilidade humana e a soberania divina

 — O sofrimento e a restauração de Jó

 José Gonçalves

 

A Teologia de Bildade

Introdução

    Afirmou Calvin Coolidge ser a prosperidade apenas um instrumento a ser usado, não uma divindade a ser venerada. O conselho de Coolidge não tem sido levado a sério pelo homem moderno  que,  transformado numa máquina de consumir, trata os bens materiais como se fossem estes o supremo bem da vida. Infelizmente, até os evangélicos têm-se deixado seduzir por essa deusa que, vestida de doutrina e adorna da de teologia, não precisou de muito esforço para entronizar-se entre os santos. E, assim, pôs-se a Teologia da Prosperidade a enfermar a Igreja de Cristo.

    Esse arremedo de doutrina induz os fiéis a inverterem os mais caros valores da fé cristã: o mais importante, agora, para milhões de filhos de Deus, não é o ser; e, sim: o ter. Hoje, julgamos os servos de Cristo não pelo que são, mas pelo que têm. Se muito possuem, muito lhes somos favoráveis; se pouco, pouco lhes somos favoráveis; e, se nada mais detêm, em nada lhes somos favoráveis. Assim foi o patriarca Jó avaliado por seu amigo Bildade

— um típico representante da Teologia da Prosperidade.

Talvez esteja você sendo avaliado por seus poucos haveres, ou pelas angústias que enfrenta. Não se exaspere! Você é ovelha daquEle Pastor que tem nas mãos tudo quanto necessitamos.

                 I. Quem Foi Bildade

Também  não  possuímos muitas  informações  acerca  de Bildade. Limita-se a Bíblia a informar que este amigo de Jó era  um suíta. Certamente morava ele em Canaã, ou em suas imediações, pois: a) falava uma língua aparentada a de Jó e a de seus  amigos; b) não demorou em encontrar-se com Elifaz e Zofar quando  combinaram  vir  consolar  o  patriarca;  c)  sua visão de mundo era bem parecida com a de seus dois outros companheiros. Conclui-se ter sido Bildade um semita que habitava no território cananeu, onde Suá, à semelhança de Temã, era um dos muitos pequenos reinos ali estabelecidos.

     No Livro de Jó, temos três discursos de Bildade, nos quais realça ele a prosperidade como a evidência de uma vida aprovada por Deus. Eis por que, agora, despreza a Jó; neste, vê o sinal da ira divina. No drama do patriarca, cumpria-se o que disse Ovídio:  “Enquanto o homem tem uma vida próspera, conta sempre com um numeroso grupo de amigos; tão logo a adversidade o visita, os pretensos amigos o abandonam”.

                II. A Prosperidade como Evidência da Bênção de Deus

Predecessor da Teologia da Prosperidade, afirmou Bildade

a seu amigo Jó:  “Mas, se tu de madrugada buscares a Deus e ao Todo-poderoso pedires misericórdia, se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça.  O  teu princípio,  na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo” (Jó 8.5-7).

    Como  julgar suas  declarações? Embora lógicos  em sua aparência;  apesar  de  exteriormente  aceitáveis;  e,  conquanto teologicamente consumíveis, os enunciados de Bildade não se achavam de acordo com o pensamento divino. Tais postulados em muito se assemelhavam às proposições que Satanás apresentou ao Cristo no deserto. Eram verdades fora de seu contexto; portanto, inválidas.

     Mas, o que vem a ser a Teologia da Prosperidade? Por que é ela tão perigosa?

1.  Definição. Se  nos  detivermos na História  da Igreja

Cristã,  constataremos  que,  todas  as  vezes  que  a  economia mundial é ameaçada por uma recessão, surgem teólogos que, aproveitando-se das circunstâncias, põem-se a enfatizar a posse dos bens materiais como o mais importante legado da vida.

      De início, essa ênfase parece inofensiva; é até recebida como a última revelação de Deus. Com o tempo, porém, começa a reclamar uma doutrina até se fazer teologia; daí a sua sistematização é um passo. Defini-la não é difícil; combatê-la, sim.

     Por conseguinte, é a Teologia da Prosperidade a doutrina, segundo a qual o crente, por ser filho de Deus, jamais enfrentará problemas financeiros e outras agruras, pois foi ele destinado a viver de maneira regalada; não tem de se defrontar com as provações tão comuns aos outros seres humanos.

2. As  origens  da Teologia da Prosperidade  na Igreja

Cristã. ATeologia da Prosperidade, como a conhecemos, tem as suas origens na Reforma Protestante do Século XVI. Não estou insinuando hajam sido Lutero ou Calvino proponentes dessa heresia; alguns pósteros, contudo, supervalorizando os ensinos concernentes ao trabalho e às atividades comerciais, acabaram por enveredar-se por um perigoso materialismo; pois foram incapazes  de entender a doutrina daqueles  homens  a quem Deus levantara não somente para avivar-lhe a Igreja, como também para educar os povos da Europa. Vejamos o caso específico de Calvino.

    Chegando João  Calvino  à Suíça,  deparou-se  com uma nação espiritual, moral e economicamente arruinada. Na reabilitação daquele povo dolente e já perigosamente viciado, o reformador passou a realçar o trabalho como bênção de Deus.

    Ora, se o trabalho era uma bênção (como de fato o é) por que não o seria também o seu fruto: a riqueza?

     Max Weber faz uma judiciosa análise da ética protestante que, segundo ele, acabou por gerar o capitalismo ocidental: “Uma simples olhada nas estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa mista mostrará, com notável freqüência, uma situação  que muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas e nos congressos católicos, principalmente na Alemanha:  o fato de que os homens de negócios  e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais  habilitado  técnica e  comercialmente  das modernas empresas são predominantemente protestantes”.

     Prossegue Max Weber: “Um escritor contemporâneo tentou definir a diferença de atitudes diante da vida econômica da seguinte  maneira: ‘O  católico  é  mais  quieto, tem menor impulso aquisitivo; prefere uma vida a mais segura possível, mesmo tendo menores rendimentos, a uma vida mais excitante  e  cheia  de  riscos,  mesmo  que  esta  possa  lhe  propiciar  a oportunidade de ganhar honrarias e riquezas. Diz o provérbio, jocosamente: ‘Coma ou durma bem’. Neste caso, o protestante prefere comer bem, e o católico, dormir sossegado”.

     O pastor Wilson Castro Ferreira assim analisa a influência de João Calvino no capitalismo: “Para Calvino, conforme alguns dos seus biógrafos, o mandamento que requer o descanso de um dia é tão importante na parte que ordena esse descanso,  como  na outra parte  que  ordena: ‘trabalharás  seis dias’. E no Calvinismo, especialmente, que parece verificar-se a combinação de um extraordinário capitalismo com a mais intensa forma de piedade. Max Weber vem buscar em Benjamin Franklin, nas suas curiosas máximas, a amostra da ética puritana. Embora reconheça que Benjamin Franklin não é um ortodoxo  puritano,  mas  um ‘deísta descolorido’,  é,  todavia, descendente  de  puritanos  e  a sua filosofia de trabalho  e  de economia é fruto da influência que recebera de seu pai: ‘Depois da indústria e frugalidade, nada mais contribui tanto para erguer um jovem na vida do  que a pontualidade e a retidão nos seus atos. ‘O som do seu martelo às cinco da manhã e às oito da noite,  ouvido por um credor, fá-lo complacente por mais seis meses; mas se ele o vê na mesa de bilhar, ou ouve a sua voz na taberna, quando você devia estar trabalhando, mandará buscar o dinheiro no dia seguinte”.

3.  A heresia que tem como fonte o consumo. Torcendo a doutrina de Calvino, alguns evangelistas puseram-se a construir a chamada Teologia da Prosperidade que, desde a década de 1970, vem comprometendo importantes artigos de fé, como se a vida do homem consistisse apenas nos haveres materiais.

    No exame dessa questão, evitemos os extremismos. Em primeiro lugar, o trabalho não pode ser considerado maldição declarou,  com tanta pertinência,  nos últimos dias  sobrevirão

tempos trabalhosos; porque haverá homens... avarentos... mais

amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de

piedade, mas negando a eficácia dela”’.

    Foi essa doutrina que Bildade resolveu ensinar a Jó. Pensava ele que, se o patriarca estava sofrendo era porque cometera algum pecado contra o Senhor. Pois somente os pecadores são acossados com tantos infortúnios; os justos, defendia, estão  isentos  dessas  intempéries.  Detenhamo-nos,  um  pouco mais, na doutrina de Bildade que, como pode você observar, possui muitos pontos de contato com a teologia de Elifaz.

4.  A Teologia da Prosperidade e a idolatria. Acreditavam os pagãos que, estando os deuses satisfeitos, tudo lhes iria bem; caso contrário: haveriam de amargar a fome, a sede, o frio,  o ataque dos animais. Como, porém, manifestava-se a satisfação dos deuses? Na prosperidade que concediam aos seus devotos.

    Lamentavelmente, até os próprios judeus seriam induzidos a pensar dessa maneira. No tempo  do profeta Jeremias, adoravam eles a rainha dos céus por supor que a sua felicidade proviesse dela: “Mas, desde que cessamos de queimar incenso à Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos consumidos pela espada e pela fome. Quando nós queimávamos incenso à Rainha dos Céus e lhe oferecíamos libações, fizemos-lhe bolos para a adorar e oferecemos- lhe libações sem nossos maridos?” (Jr 44.19).

     Por conseguinte,  tem a Teologia da Prosperidade como fundamento a idolatria dos bens materiais que, por seu turno, vai gerando nos que a adotam, uma avareza crônica. E o que é a avareza senão idolatria? A advertência é do apóstolo Paulo: “Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria” (Cl 3.5).

       Ill As Contradições da Teologia da Prosperidade

Além  de brincar com as palavras  e jogar com raciocínios aparentemente válidos, Bildade põe-se a invocar o testemunho dos antigos. Não agem assim os modernos proponentes da Teologia da Prosperidade? Na defesa deste aleijão doutrinário, torcem as Sagradas Escrituras, deformam a verdade, fazem uso de subterfúgios exteriormente lógicos e até citam, fora de seu contexto, o testemunho de vozes autorizadas (2 Pe 3.16).

I.  A prosperidade material nem sempre é evidência da bênção de Deus. De acordo com a História Sagrada, vêm os ímpios prosperando materialmente; às vezes, até mais que os justos  (SI  73.1-10).  O  que  dizer  da  civilização  inaugurada pelo  homicida  Caim?  A  cidade  por  ele  fundada  era, tecnologicamente, avançadíssima (Gn 4.17-22). Enquanto isso, nem notícia  temos  do  progresso  alcançado  pelos  filhos  do piedoso  Sete.  Que  riquezas  lograra Enoque?  Ou  Noé?  Ou ainda Sem? Enquanto isso, iam os descendentes do mdecoroso e irreverente Cão fundando grandes impérios: Líbia, Egito, Etiópia e os domínios de Canaã (Gn  10.1-20).

2.  As provações dos justos. O registro dos fatos que ocorreram após a era de Bildade destaca alguns homens que, apesar de sua comprovada e ímpar piedade, foram submetidos às piores  agruras.  Se  Abraão,  Isaque e Jacó  foram  abençoados com grandes riquezas, foi José vendido como escravo, e como escravo  viu-se  constrangido  às  mais  singulares  humilhações

(Gn 37.26-36). Elias, Amós e Lázaro vivenciaram necessidades básicas. O primeiro viu-se na contingência de nutrir-se do que lhe traziam os corvos (I  Rs  17.5-7). O segundo, como boieiro, alimentava-se de sicômoros (Am 7.14). E o terceiro, além da extrema pobreza, fora coberto por uma terrível chaga; e, assim, abandonado por todos, comia das migalhas que caíam da mesa do rico  (Lc 16.20-25).

3.  A evidência de uma vida piedosa. Não  quero,  com isso, ressaltar a pobreza como evidência de uma vida plena de Deus, como não o é também a riqueza; nas Sagradas Escrituras, deparamo-nos tanto com ricos piedosos quanto com pobres incrédulos e nada tementes a Deus.

     Temos  de  agir com equilíbrio  e discernimento, pois  os extremismos teológicos, quer à esquerda, quer à direita da Bíblia,  são nocivos.  Logo:  que ninguém seja julgado pelo  que tem, mas pelo que é (M t 5.16; I Tm 5.25;Tg 1.26,27). Quer

       Deus nos conceda riquezas, quer nos deixe experimentar necessidades, tenhamos em mente que Ele é soberano e, como tal,  sabe  tratar  seus  filhos  (Jr  18.1-6).  Habacuque  e  Paulo sabiam viver na abundância, e não se perturbavam na privação

(Hc 3.17-19; Fp 4.10-13).

                   IV A Justa Porção de Agur

    A Teologia da Prosperidade é diabolicamente perversa e mentirosa:  conduz os  filhos  de Deus  a buscar a riqueza,  por concluírem ser esta tão importante quanto a salvação. Alerta

     Paulo, contudo, que, os que porfiam por serem ricos, caem em muitas ciladas (I Tm 6.9). O mesmo apóstolo ainda alerta ser o dinheiro a raiz de todos os males (I Tm 6.10).

I.  A teologia da miséria. Não é a nossa intenção urdir uma teologia da miséria,  como se  esta fosse suficiente para conduzir-nos aos céus. Se o fizermos,  cairemos nas mesmas

heresias daqueles monges que, com os seus votos de pobreza,

supõem já ter logrado a riqueza celeste. Assim como há ricos

piedosos, e Jó, entre todos os ricos, pontificava por sua integridade, há também pobres ímpios  e inimigos de Deus — e não são poucos!

2.  A  porção  de  Agur.  Onde  buscar  este  equilíbrio?

Encontrá-lo-emos na petição que, certa vez, um homem chamado Agur endereçou a Deus:  “Duas coisas te pedi; não mas negues, antes que morra: afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me  do  pão  da  minha  porção  acostumada;  para  que, porventura, de farto te não negue e diga: Quem é o SENHOR?

     Ou que, empobrecendo, venha a furtar e lance mão do nome de Deus” (Pv 30.7-8).

     Noutras palavras, rogava Agur ao Senhor o pão nosso de cada dia (Mt 6.11).

    Atentemos também a esta recomendação do Senhor Jesus: “Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais  do  que  o  mantimento,  e o  corpo,  mais  do  que  a vestimenta?” (M t 6.25).

    Vejamos o que ainda diz Paulo: “Porque nada trouxemos para este mundo e manifesto é que nada podemos levar dele.

     Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes” (1 Tm 6.7,9).

Conclusão

Então, a que conclusão chegamos? É prejudicial ao crente possuir riquezas? Todavia, se a não usarmos para expandir o Remo de Deus e para minorar o sofrimento de nossos irmãos,

impiamente  agimos.  Por  isso  deve  o  rico  gloriar-se  em  seu

abatimento (Tg 1.9).

    Quer pobres, quer ricos, gloriemo-nos sempre em Deus, pois Ele fez tanto um quanto o outro. Além disso, não disse o

    Senhor que  sempre haverá pobres na terra? (Dt  15.11)  Eis por que  o  rico  tem de  ajudar o  pobre,  a fim de  que  todos tenham o mínimo necessário para viver.

    Portanto, que nenhum Bildade venha acusar os que, à semelhança de Jó, encontram-se no crisol da provação. A riqueza e a pobreza não podem servir de parâmetros para se julgar os servos daquEle que tudo possui, mas que de tudo se despojou por amar-nos com um amor eterno.

                         COMENTÁRIO DE JÓ

                         CLAUDIONOR DE ANDRADE



Jó 8

c) Primeiro discurso de Bildade. 8:1-22.

24 Bildade prova ser tão insensível quanto Elifaz em relação à miséria de Jó. Ele despreza a defesa que o sofredor faz do seu lamento, ignora sua crítica sobre a atitude pouco simpática dos seus amigos e continua dando a Jó mais conselhos iguais aos de Elifaz em nome da justiça divina (vs. 2-7) e da tradição venerável (vs. 8-19). Depois, desajeitadamente, anexa uma palavrinha de estímulo (vs. 20-22).

 2a. Até quando. Aqui não há nenhuma apreciação pelos meses de paciência; só indignação pelos poucos minutos de impaciência!

 3a. Perverteria Deus o direito? É claro que Deus não era injusto com Jó. Mas por trás da pergunta retórica de Bildade jaz o julgamento: Jó colhia os frutos do pecado. Esse aspecto da justiça divina, embora sem dúvida envolvesse o lamento de Jó, não estivera antes de tudo em seus pensamentos. O patriarca contemplara seu destino mais pela perspectiva metafísica da transcendência divina e limitação humana. Focalizando a atenção sobre o aspecto judicial, os consoladores só conseguiram intensificar a tentação do seu amigo. A teodicéia de Jó era tão inadequada quanto a deles. A razão portanto lhe dizia que Deus devia estar profundamente aborrecido com ele. Mas sua consciência se recusava a reconhecer uma transgressão proporcional ao seu sofrimento. Onde então ficava a justiça? Onde estava o bom Deus que ele conhecia?

4b. Ele os lançou no poder de sua transgressão. Uma aplicação surpreendentemente impiedosa, mas inteiramente consistente com a tese do amigo! Embora a forma seja condicional, a intenção é declarada.

Jó 18

C) Segundo Discurso de Bildade. 18:1-21.

Em sua ânsia por um advogado divino, Jó penetra mais profundamente no mistério da piedade do que seus conselheiros, cujas respostas posteriores degeneram em arengas irrelevantes sobre a desgraça dos ímpios.

 1-4. Ressentido com o pouco valor concedido por Jó à perspicácia dos seus acusadores (v. 3; cons. 17:10; 12:7), Bildade refuta na mesma moeda: Tu, que despedaças na tua ira (v. 4a), como um bruto estúpido, bramindo que Deus tem culpa (cons. 16:9). A julgar da maneira como Jó se debate mortalmente contra a ordem da criação estabelecida e contra a providência (particularmente contra a lei da retribuição invocada por seus amigos), pareceria que ele espera que o universo seja replanejado só para ele (v. 4b, c). As formas do plural nos versículos 2 e 3 são possivelmente alusões sarcásticas ao fato de Jó ter-se associado com o grupo dos justos (cons. 17: 8, 9).

 5-21. Este quadro de palavras, intitulado pelo artista as moradas do perverso (v. 21a), não é uma semelhança exata do original, mas é suficiente para que Jó o reconheça como seu retrato. Ele contempla o local da sua tenda salpicado de enxofre, símbolo da maldição perpétua de Deus (v. 15b; cons. 1:16; Gn. 19:24; Dt. 29:23). Ele se vê consumido pelo primogênito da morte (v. 13b), isto é, a enfermidade mortal; enviado apressadamente ao rei dos terrores (v. 14b), a própria morte; precipitado no esquecimento (vs. 16-19), um espetáculo de horror diante do qual o povo involuntariamente estremece (v. 20).

 

Jó 25

 c) Terceiro Discurso de Bildade. 25:1-6.

Bildade foge ao desafio de Jó (24:25). Ansioso, entretanto, para dizer alguma coisa, ele repete idéias expressas antes por Elifaz (cons. 4:17 e segs.; 15:14 e segs.) e aceitas por Jó (cons. 9:2; 14:4). A repetição inepta indica que os filósofos esgotaram seus recursos de sabedoria. O breve e frágil esforço de Bildade representa seu alento moribundo. O subseqüente fracasso de Zofar em falar representa o silêncio dos derrotados (cons. 29:22). Jó, um insignificante verme do pó, diz Bildade, comparando-o com os gloriosos corpos celestes (v. 6), não deve ter esperanças de comprovar sua inocência diante de Deus (v. 4), cuja majestade imponente prevalece universalmente (vs. 2, 3), deixando envergonhados até o resplendor da lua e das estrelas (v. 51. O discurso é reverente mas irrelevante.

                                          Jó (Comentário Bíblico Moody)


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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