Texto Áureo
Lembra-te,
agora: qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros
destruídos? Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal
segam isso mesmo.”
(Jó 4.7,8)
Verdade Prática
Embora
transcendente, Deus tem prazer em se relacionar com o homem terreno.
LEITURA BÍBLICA
EM CLASSE
Jó
4.1-8; Jó 15.1-4; 22.1-5
Jó
4
1
– Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse:
2
– Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderia conter as palavras?
3
– Eis que ensinaste a muitos, e tens fortalecido as mãos fracas.
4
– As tuas palavras firmaram os que tropeçavam e os joelhos desfalecentes
tens fortalecido.
5
– Mas agora, que se trata de ti, te enfadas; e tocando-te a ti, te perturbas.
6
– Porventura não é o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança a
integridade dos teus caminhos?
7
– Lembra-te agora qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os
sinceros destruídos?
8
– Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade, e semeiam mal, segam o
mesmo.
Jó
15
1
– Então respondeu Elifaz o temanita, e disse:
2
– Porventura proferirá o sábio à sabedoria? E encherá do vento oriental o seu
ventre,
3
– Arguindo com palavras que de nada servem, e com razões, de que nada
aproveita?
4
– E tu tens feito vão o temor, e diminuis os rogos diante de Deus.
Jó
22
1
– Então respondeu Elifaz, o temanita, dizendo:
2
– Porventura será o homem de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo o prudente
será proveitoso.
3
– Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou algum lucro em que tu
faças perfeitos os teus caminhos?
4
– Ou te repreende, pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo?
5 – Porventura não é grande a tua malícia, e sem termo as tuas iniquidades?
INTERAGINDO COM
O PROFESSOR
Neste mundo, só quem comete pecado sofre? Muitos têm uma percepção teológica parecida com a de Elifaz, conforme veremos nesta lição. A justiça retributiva, embora seja uma lei que está presente nas Escrituras Sagradas, nem sempre dá conta de toda a realidade. O Livro de Jó mostrará exatamente isso. O sofrimento que o patriarca passava nada tinha a ver com a consequência de algum pecado cometido no passado. E importante aprendermos essa lição a fim de não proferirmos julgamentos precipitados em relação ao sofrimento de um irmão ou de uma irmã em Cristo.
PONTO
CENTRAL:
Não só os pecadores sofrem.
INTRODUÇÃO
Nesta lição, estudaremos o discurso de Elifaz. Ele é o primeiro amigo de Jó a expor sua concepção teológica acerca da situação degradante em que se encontrava o homem de Uz. Nesse sentido, veremos que, para Elifaz, a justiça retributiva é certa, ou seja, só os pecadores sofrem e os justos não passam por revezes. Para ele, Jó contrariou esse ensinamento, atacou a forma religiosa de pensar e, portanto, feriu a ortodoxia que deveria guardar. Finalmente, veremos também as respostas de Jó a cada acusação de Elifaz.
CPAD – Adultos –
A Fragilidade Humana e a Soberania Divina: Lições do Sofrimento e da
Restauração de Jó
Capítulo
06 - A Teologia de Elifaz: só os Pecadores
Sofrem?
UMA
TEOLOGIA COM TRÊS EIXOS
Após
o lamento de
Jó, um dos
seus amigos , Elifaz,
o temanita, profere o seu primeiro
discurso (Jó 4 –5).
Os outros dois discursos estão nos capítulos 15 e 22. Para termos um entendimento da teologia
de Elifaz, é necessário ver os três eixos do seu pensamento teológico expostos
nesses três capítulos. Se o pensamento
teológico de Elifaz ficar resumido apenas ao que ele disse no primeiro
discurso, corre-se o risco de perder o que, de fato, esse
sábio pensava. Evidentemente
que o pilar
do seu argumento teológico está no seu
primeiro discurso. Todavia,
os outros discursos não podem ser vistos
apenas como desdobramentos do primeiro.
Na interação com Jó e, também, com os outros amigos, Elifaz introduz ideias
novas nas suas últimas falas que
permitem termos uma visão completa
daquilo que ele cria e defendia.
Fica bastante claro que, no primeiro discurso
(Jó 4–5), Elifaz faz uma defesa da justiça retributiva, que era um pensamento
comum na literatura sapiencial. No segundo discurso (Jó 15), predomina o
argumento em favor da tradição religiosa
dos seus dias .
E, no terceiro
discurso (Jó 22), é
possível vê-lo pondo em relevo a transcendência
divina. Nesses três eixos nos quais se
firmou a sua argumentação com
Jó, está a teologia
de Elifaz. A patrística, tanto
a grega quanto
a latina (Sionetti; Conti, 2010),
via o discurso de
Elifaz, ta nto d e
forma positiva como
negativa, como uma mistura de censura e estímulo. Para eles,
havia uma parte de verdade nas
palavras de Elifaz
que poderia ser
usa da como ponto
de partida para temas
morais. Por um lado,
eles destacam q ue Elifaz acusava
Jó d e estar em
pecado e que
Jó estava sofrendo
por causa da
sua culpa, o que,
evidentemente, era um equívoco. Por outro lado, a patrística entendia que
também havia nas fa
las de
E lifaz ensinamentos q ue
poderiam ser vistos como u m convite à prática das
virtudes religiosas (Simonetti e Conti, 2010, p. 58).
UMA DEFESA DA JUSTIÇA RETRIBUTIVA (4.1 -8)
Então, respondeu Elifaz, o temanita , e disse:
Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás?
Mas quem poderá
conter as palavras?
Eis que ensinaste a
muitos e esforçaste
as mãos fracas.
As tuas palavras levantaram os
que tropeçava m, e
os joelhos desfalecentes fortificaste. Mas a gora a
ti te vem,
e te enfadas;
e, tocando-te a ti,
te perturbas. Porventura, não era o teu
temor de Deus a tua confiança , e a
tua esperança, a
sinceridade dos teus
caminhos? Lembra -te, agora: qual
é o inocente
que jamais pereceu?
E onde foram
os sinceros destruídos? Segundo
eu tenho visto,
os que lavram iniquidade e semeia m o mal segam isso
mesmo.
As primeiras palavras que Elifaz dirige a
Jó destilam cordialidade à maneira oriental. Nos versículos d e 1 a 7 do
capítulo 4, Elifaz justifica por que
é necessário a
sua intervenção após
ter ouvido o
lamento de Jó (capítulo 3). Fica perceptível que Elifaz faz parte do círculo
de amigos mais íntimos de Jó,
pois demonstra conhecer
a vida e
rotina do patriarca.
Ele sabia, por exemplo, que Jó era um homem caridoso quando este
fortaleceu as mãos dos mais fracos
muitas vezes. Mas o inconformismo de Jó d iante da calamidade
que se abateu
sobre ele incomodou
Elifaz. Possivelmente por ser o
mais velho dos três, ele foi o primeiro a falar, como era o costume dos
orientais.
“Lembra-te,
agora: qual é
o inocente que
jamais pereceu? E
onde foram os sinceros
destru ídos?” (4 .7). Esse
é o ponto
de parti da da argumentação de
Elifaz e o
centro de gravidade
do primeiro eixo
da sua teologia: o
inocente não sofre,
e os justos
não passam por
revezes. Isso recebe o nome de
justiça retributiva na teologia. Deus recompensa os bons e pune
os maus. É uma espécie
de lei de ca
usa e
efeito. O vocábulo “pereceu” (4 .7)
traduz a palavra
hebraica abad, enquanto
o vocábulo “destruídos” é
a tradução de
kachad.⁶³ O primeiro
termo, além de “perecer”,
possui o sentido
de “arruinar”, enquanto
o segundo, “destruídos”, também
significa afetado, desolado
(4.7; 15.28; 22 .20).
Na teologia de Elifaz, o inocente não poderia sofrer dano algum. É
importante observar que E lifaz
usa os termos
“inocente” (hb. naki)
e “sincero”, no sentido
de reto (hb.
yashar), quando se
dirige a Jó.
Este havia sido chamado
por Deus de
yashar, isto é,
reto e justo.
Juliano de Eclano
(386 –455 d.C), na
sua o bra Suas
Explicações sobre o
livro de Jó,
4.3, via ironia nas
palavras de Elifaz.⁶⁴
Se Jó achava -se
justo, então de
onde viria o seu
sofrimento, já que
os retos não
sofrem? Elifaz estava
convencido de que “a ira destrói o louco; e o zelo
mata o tolo” (5.2).
“Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade
e semeiam o mal segam isso mesmo”
(4 .8). Elifaz reforça
o pensamento que
expôs anteriormente, agora mostrando
o reverso do
que ele dissera. Anteriormente, ele havia dito que os
justos e inocentes não sofrem; agora, ele declara que somente os maus passam
por revezes. Essa assertiva, sem dúvida,
provocava em Jó um tremendo
desconforto, pois ele sabia onde esse
argumento iria chegar.
Elifaz estaria prestes
a deduzir que
Jó estava em pecado, pois o seu
sofrimento era uma prova disso. Se ele não estivesse em pecado,
não estaria sofrendo,
pois somente os
maus passam por calamidades.
AMIGOS DISTANTES, UM DEUS OCULTO (6.1-10)
Então,
Jó respondeu e
disse: Oh! Se
a minha mágoa
retamente se pesasse, e
a minha miséria
juntamente se pusesse
numa balança! Porque, na verdade,
mais pesada seria do que a areia d os mares; por isso é
que as minhas
palavras têm sido
inconsideradas. Porque as flechas do
Todo-Poderoso estão em mim, e o
seu ardente veneno, o bebe o meu
espírito; os terrores
de Deus s e
armam contra mim. Porventura, zurrará
o jumento montês
junto à relva ?
Ou berrará o boi junto
ao seu pasto? Ou comer-se-á sem sal o que
é insípido? Ou haverá gosto na clara do ovo? A minha alma recusa tocar
em vossas palavras, pois são
como a minha
comida fastienta. Quem
dera que se cumprisse o meu
desejo, e que Deus me desse o que espero! E que Deus quisesse
quebrantar-me, e soltasse
a sua mão,
e acabasse comigo! Isto
ainda seria a
minha consolação e
me refrigeraria no meu
tormento, não me
poupando ele; porque
não repulsei as palavras do Santo.
“Então,
Jó respondeu e diss
e: Oh!
Se a minha
mágoa retamente se pesasse,
e a minha miséria junta mente
se pusesse numa balança!
Porque, na verdade, mais pesada seria do que a are ia dos mares; por
isso é que as minhas palavras têm sido inconsideradas” (6.1 -3).
Na sua primeira resposta a
Elifaz, Jó diz
que a sua
situação havia -se tornado
um fardo muito pesado.
Jó era um
homem angustiado, e,
em vez de
ajudar, Elifaz disse-lhe que “o zelo
mata o tolo”
(5.3). Isso era
matar de vez
quem já estava morrendo. As
palavras de Jó, portanto, devem ser vistas a
partir da sua angustiante situação. A expressão “inconsideradas” ou
“precipitadas” (AR) usada neste versículo traduz o hebraico luwa e reflete, no
caso d e Jó, mais a forma
impetuosa de ele
falar. Era a
linguagem do aflito.
Era a mesma linguagem
usada pelo salmista.
Daniel Estes (2013,
p. 1318) observa o seguinte:
O
termo hebraico traduzido como “angústia”, ka‘as, tem o senso de irritação ou
desespero. Nos salmos de lamento, as pessoas adversas se voltam
para Deus em
seus ka’as para
implora r por sua intervenção em
favor deles (Sal.
6:7; 10:14), mas
o mesmo termo
é usado em Provérbios
12:16 para advertir
que “os insensatos mostram logo a sua ira.” Elifaz advertiu em 5:2 que ka’as mata o tolo,
mas Jó aqui a firma qu e seu desespero o leva a falar impetuosamente
(6:3). O
leitor deve, portanto,
levar em conta
suas fortes emoções, porque às vezes fazem Jó expressar seus sentimentos à custa d e ver as coisas claramente.
Jó
observa que não pode
contar com os seus
amigos. Eles não estão
dispostos a compartilhar
com ele os
seus sentimentos. “Assim
também vocês não me ajudaram em nada; veem os meus males e ficam com
medo” (6.21, NAA). Ele
sente-se, portanto, que
está sozinho. “Meus
irmãos aleivosamente me trata ram”
(6.15). A fala
de Elifaz indicava
isso. Elifaz havia dito
que o Todo-Poderoso
era quem estava
disciplinando Jó (5.17). De
fato, Jó via
como se flechas
enviadas por Deus
tivessem sido encravadas nele (6
.4). Jó conhecia Deus como a causa primária de todas as coisas. Se
algo aconteceu, é
porque ele causou
ou permitiu; contudo,
ele desconhecia as causas
secundárias que agiam
nos bastidores. Nem
tudo era ação direta de Deus. O Diabo estava na trama. Por ignorar esses
fatos, o patriarca acreditava
que o veneno
que sorvia vinha
de flechas atiradas por Deus. O silêncio de Deus deixa-o
inquieto, aflito e questionador. Mas, mesmo assim, Jó não deixou de clamar a
Deus: “Lembra-te d e que a minha vida é como o vento” (7.7). Andrés Glaze (2005, p. 166) destaca:
Apesar de
se sentir rejeitado
por Deus , ele
de alguma forma acreditava que
o Todo -Poderoso não
seria indiferente à
sua vida, porque, apesar de suas
calamidades, ele ainda era um homem justo.
Nisso, ele deu um grande passo em direção a um raio de luz que lhe daria
esperança novamente (1 9:25-27).
Por enquanto, Jó está apenas no começo de
uma longa jornada, mas ele já
percebe que terá
de dar esses
passos sozinho. Os
amigos não estariam ao
seu lado. A
fala do amigo
Elifaz já sinalizou
nessa direção. Deus não
lhe falara nada.
Daqui para frente,
ele terá que
se apoiar nos valores
espirituais e morais
que Deus havia -lhe
dado e que
o tinham mantido de pé durante
toda a vida .
O PESO DA TRADIÇÃO RELIGIOSA (15.1-10)
Então,
respondeu Elifaz, o
temanita, e disse:
Porventura, dará o sábio, em resposta, ciência de vento? E
encherá o seu ventre de vento oriental,
arguindo com palavras
que d e nada
servem e com
razões que de nada aproveitam? E
tu tens feito
vão o temor
e diminuis os rogos diante de Deus. Porque a tua boca declara a tua iniquidade; e tu escolheste
a língua dos astutos. A
tua boca te
condena, e não
eu; e os teus lábios
testificam contra ti. És tu,
porventura, o primeiro homem que
foi nascido? Ou
foste gerado antes
dos outeiros? Ou ouviste
o secreto conselho
de Deus e
a ti somente
limitaste a sabedoria? Que sabes tu, que nós não saibamos?
Que entendes, que não haja em nós? Também
há entre nós encanecidos e idosos, muito
mais idosos do que teu pai.
“E
tu tens feito
vão o temor
e diminuis os
rogos diante de
Deus” (15.4). Na sua
réplica, Elifaz critica-o
por achar que
as palavras d e Jó
depõem contra a tradição religiosa.
Todas as religiões
possuem as suas crenças e
os seus dogmas.
Dizendo isso d e
outra forma, toda
religião possui a sua
tradição. Segundo Wiliam
Coker (1984, p. 70
1), tradição é a Crença, valor
e costume transmitidos
de uma geração
para outra para preservar a continuidade da
cultura ou da
instituição, e prover
a cada geração que
surge a influência
estabilizadora de sua
herança. A tradição provê u m entendimento
dos fundamentos d a comunidade
e das relações entre o indivíduo e o grupo no qual
participa.
Allen
e Hughes (1998)
d estacam que todos
nós somos frutos
de alguma tradição.⁶⁵ Quem
professa alguma crença,
quer queira quer
não, possui alguma tradição religiosa, mesmo aqueles que acham que não
tem nenhuma. Nesse aspecto,
dentro do cristianismo
histórico, há u ma tradição
católica e outra
protestante. Dessa forma,
convém dizer que a
tradição não é
um mal em
si. Há boas
tradições, assim como
também há tradições ruins.
As tradições funcionam,
portanto, como uma
espécie de paradigma que
dá forma àquilo
que as pessoas
creem ou aceitam
como válido. Portanto, é
muito difícil romper
contra uma tradição
ou cos tume há muito
tempo enraizado numa
cu ltura. Essa tradição
acaba por criar aquilo
que Charles Taylor
(2010) denomina de “imaginário
social”, uma forma a crítica
de enxergar as
coisas.⁶⁶ Não é
propriamente uma cosmovisão, u ma
forma mais completa
de enxergar as
coisas, mas uma visão
fragmentada dos fa tos.
Nesse contexto, alguém
pode defender as suas crenças e pontos de vista mesmo que
nunca tenha refletido s obre eles.
Era
exatamente isso que
estava acontecendo no
contexto de Jó. É
nesse aspecto que
o livro de
Jó vem como
uma quebra de
modelo ou paradigma. “Será que
você ouviu o conselho secreto de D eus e detém toda a sabedoria ? O que você
sabe, que nós não sabemos? O que você entende, que nós não entendemos?” (Jó
15.8,9, NAA). Essas são palavras de Elifaz. Para ele,
era uma verdade
inconteste que Deus
recompensava os bons e
sempre punia os maus. Isso era uma tradição firmemente estabelecida. Jó não
nega essa tradição, mas está convicto,
pela sua experiência, de que ela estava, no mínimo, incompleta e de que não s e
ajustava ao seu caso. É esse o motivo do seu embate com os seus amigos, que,
firmados numa tradição milenar,
estavam convencidos da
veracidade das suas
crenças. Romper contra tudo isso
era remar contra a correnteza. Mesmo sabendo dos riscos, Jó continua no
contrafluxo da tradição. Convém, porém, destacar, como já ficou sublinhado
neste texto, que
isso não quer
dizer que não houvesse
nada certo e
que tudo estava
errado com o
pensa mento teológico dos amigos
de Jó. Significa
dizer que eles
conheciam apenas uma
parte dofatos, não tendo a inda a
visão do todo. Isso Deus estava tr azendo por meio do longo sofrimento de
Jó.
EM
BUSCA DA JUSTIÇA (16.18-22)
Ah!
terra, não cubras
o meu sangue;
e não haja
lugar para o meu
clamor! Eis que também, a gora, está a minha testemunha no céu, e o meu fiador,
nas alturas. Os
meus amigos são
os que zombam
d e mim; os meus
olhos se desfazem
em lágrimas diante
de Deus. Ah! Se
alguém pudesse contender com
Deus pelo homem, como
o filho do homem
pelo seu amigo!
Porque, decorridos poucos
anos, eu seguirei o caminho por
onde não tornarei.
Os
capítulos 16 e
17 são reservados
para as repostas
de Jó ao segundo
discurso de Elifaz.
Alguns escritores antigos
viam na fala
de Jó: “Deus me entrega aos
ímpios e me faz cair nas mãos dos perversos” (16.11, NAA) uma
referência à paixão
d e Cristo (Mc
15.28; Mt 27.4 6).⁶⁷
Ainda nesse capítulo, no
versículo 19, Jó
refere-se à necessidade
d e ter alguém que
intermediasse um encontro
dele com Deus.
Isso aponta para a
mediação de Cristo
e será exposto
d e forma mais
clara no capítulo
19.25. O fato é que Jó via-se encurralado pelo seu amigo, qu e o responsabilizava
pela situação que
estava passando sem
levar em conta
o que ele
dizia. Jó tinha a
certeza de que
um mediador imparcial
e justo, que
parasse para ouvir a
sua defesa, sem
dúvida alguma ficaria
do s eu lado.
Ele faria o oposto
do seu amigo
que o acusava
de forma injusta
sem nem mesmo entrar
no mérito dos seus argumentos .
Daniel Estes (2013,
p. 3204) observa:
Jó quer que uma testemunha advogue sua
inocência (cf. 9 :33; 19:25), enquanto
Abraão apela a
Javé por seu
sobrinho Ló em
Gênesis 18. Mesmo que
ele não tenha
id eia de que
Javé já falou
em seu nome contra
o adversário no
prólogo, Jó se
apega à esperança
de qu e ele terá um advogado para testemunhar por ele
no céu. A interpretação cristã
posterior lê a
obra mediadora d e
Cristo nesta declaração
e, também em Jó
19:25–27, mas Jó
não tem a
vantagem de conhecer essa revelação subsequente.
TRANSCENDÊNCIA
SEM IMANÊNCIA (22.1-3;12)
Então,
respondeu Elifaz, o
temanita, e disse:
Porventura, o homem será
d e algum proveito
a Deus? Antes,
a si mesmo
o prudente será proveitoso. Ou
tem o Todo -Poderoso prazer
em que tu
sejas justo, ou lucro
algum em qu e
tu faças perfeitos
os teus caminhos?
[...] Porventura, Deus nã o está na altura dos céus? Olha para a altura
das estrelas; quão elevadas estão!
No seu terceiro discurso, Elifaz expõe uma
defesa da transcendência de Deus
(Jó 22). O
conceito que ele
possuía da grandeza
d e Deus não destoa
daquele que encontramos
em outras porções
das Escrituras. O problema com a
argumentação de Elifaz não diz
respeito ao conteúdo da sua doutrina, mas, sim, à forma como era interpretada e aplicada por ele. Elifaz, então, usa esse conceito de
transcendência para humilhar e rebaixar Jó. Para ele, Deus é onipotente,
grandioso e majestoso e, devido a isso, não deveria rebaixar-se
para dar atenção
a um pecador
como Jó, que
deveria reconhecer o seu lugar de insignificância e conformar-se com o
julgamento punitivo do Senhor sob re ele.
“Porventura,
Deus não está
na altura dos
céus? Olha para
a altura das estrelas;
quão elevadas estão!”
(22.12). Fica bastante
claro que Elifaz argumenta em defesa da
transcendência de Deus,
que é a doutrina que destaca
a supremacia divina
em relação ao Universo cri ad o.
Nesse aspecto, Harris (1984, p. 703) destaca:
Duvidar
da transcendência de
Deus é duvidar
de seu caráter.
Sem nenhuma base de
juízo absoluto, não
se pode condenar
a conduta humana [...] a transcendência divina significa que sobre o homem
e sobre tudo aquilo
qu e é terreno
está o Criador,
Preservador, Cuidador, que dá
as leis e
é um juiz
independente. O homem
é dependente deste Deus
para sua própria
existência e suas ações
estão sujeitas a o
escrutínio e avaliação
de Deus. Porque
Deus é transcendente e
livre para atuar
em e sob re
a sua criação
sem ser assimilado ou subjugado
por ela.
Deus é o “totalmente outro”. Contudo, há
um perigo quando não se compreende corretamente a transcendência de Deus.
Corre-se o risco de a crença em Deus
ser transformada nu m
simples deísmo. Nas palavras
de Willis (citado por
Harris, 1984, p.
362), “Deus, uma
vez que criou
o universo, se apartou
dele”. Dizendo isso
de uma forma
mais simples, quando é
destacado apenas o atributo da
transcendência divina — por
exemplo, a sua
soberania —, Deus
é transformado num
déspota, u m carrasco que
age sob re a
sua criação sem sentimento algum.
Jó vai contrapor-se a isso.
“Mas
ele s abe o
meu caminho [...]”
(23.10). Mesmo sabendo
que Deus estava oculto
e em silêncio,
Jó tinha a
consciência de que
o Senhor era um ser relacional.
Deus não estava distante a ponto de não conhecer o seu caminhar. Harris (1984,
p. 362) destaca:
É confortante crer que Deus está presente em toda a
sua criação em forma única
e pessoal. É
sua singularidade que
provoca nossa adoração e
é sua personalidade
que nos permite
crer em suas promessas d e
graça, em sua direção e
cuidado. Acima de
tudo, é a certeza de sua santidade que o coloca como
o juiz moral do universo. Porque Ele é santo, espera que nós também sejamos santos. E esta é a maior prova d e sua imanência : Deus
presente na vida de cada um dos membros de seu povo.
Se
a transcendência divina
descamba para o
deísmo quando mal compreendida, por
outro lado uma
compreensão equivocada da imanência
divina pode desemboca r
no panteísmo e
politeísmo. De uma forma simples, Deus não está tão distante da sua criação (transcendência)
a ponto
de não se
relacionar com ela,
mas também não
está tão próxima (imanência) a ponto
de misturar -se com ela .
Portanto, o contraste
entre o entendimento de
Elifaz, que via
Deus de forma
transcendente, com a resposta de Jó, que o via também de forma imanente, permite que se veja onde a teologia estava sendo mal
aplicada. Uma teologia errada conduz a uma crença igualmente
errada.
A Fragilidade
Humana e a Soberania Divina:
Lições do Sofrimento e da Restauração de Jó
CAPÍTULO 10
Teologia de Elifaz
Introdução
O
evangelista americano Stanley Jones, analisando
a ação da graça divma no coração
humano, faz esta belíssima
confissão: “A graça
me comprou. A graça me ensinou. A graça me prendeu. Agora
a graça me possui”. Se hoje nos achamos afeitos a esta maravilhosa doutrina,
até ao Século XVI, muito sofreram os cristãos por desconhecer a eficácia, o alcance e a transcendência da graça de Deus
na regeneração, na justificação e na santificação daqueles
que, pela fé, recebem a Cristo
Jesus.
Não pense você hajam sido os teólogos
romanos os únicos a posicionarem-se contra a doutrina da graça. Era a teologia de Elifaz em tudo semelhante às apostilas da Santa Sé. O
molesto amigo de Jó ensinava comprazer-se Deus com um relacionamento meramente
comercial. Se lhe agradarmos; se lhe fizermos o que nos pede; se lhe atendermos
às demandas, nenhum mal permitirá Ele venha sobre nós. Doutra forma, insinuava
Elifaz, como nos haveremos diante de suas cobranças?
Infelizmente, não são poucos os que servem
a Deus, tendo como motivação esta teologia tão nociva. Conforme veremos mais
adiante, o fato de servirmos fielmente a Deus não nos torna imunes às lutas, às
dificuldades e às provações. Pelo contrário! Somos, às vezes, mais atribulados
do que os ímpios. Mas, que importa? Se Cristo está ao nosso lado, haveremos de
nos regozijar até nas adversidades. Esta é a obra da graça!
I.
Quem Era Elifaz
Como
todo oriental, mantivera-se Elifaz calado até aquele instante em sinal de respeito e simpatia pelo amigo. Sete dias permanecera ele e seus dois
outros companheiros diante de Jó. Emudecidos, quedaram-se num eloqüente
mutismo. O que poderiam dizer-lhe? Que consolo haveriam de ministrar- lhe se a
própria consolação já não tinha voz nem presença? Em certas ocasiões, como
afirmou Rui Barbosa nas exéquias de Machado de Assis, o melhor discurso é o
silêncio absoluto. No entanto, como conter
as palavras? Como segurar a frase que já se refaz em períodos de ansiedade?
Tivera Elifaz mantido o silêncio inicial,
não causaria tantos males a Jó. George Eliot zanga-se com tais falastrões:
“Abençoado o homem que, não tendo nada a
dizer, se abstém de demonstrá-lo em palavras”. Buscando
consolar a Jó, acrescenta-lhe amargura
sobre amargura. Insinua que, se o
patriarca sofria, era porque algum desaire cometera contra Deus. Mas
quem era ele? Como veio a inserir-se num drama tão singular?
1. Quem era Elifaz.
Elifaz
é um nome que, em hebraico, traz um forte emblema: Meu Deus é forte. Infere-se
daí tenham sido seus pais gente de reconhecida piedade. Pertencia ele ao seleto
grupo de gentios que, apartados embora da comunidade de Israel, não se deixaram
contaminar pela idolatria que, pouco a pouco, ia corrompendo a descendência de
Sem. Até aquele momento, porém, não lograra a sua fé transcender o terreno do
natural.
Além de sua amizade com Jó, a única coisa
que de Elifaz sabemos é a sua procedência. Era originário de Temã que, segundo
se pode apurar, ficava no território que viria a ser ocupado pelos filhos de
Edom. Alguns comentaristas são de opinião
de que esse diminuto reino não passava de um encrave localizado no Norte
da Arábia Pétrea.
O fato de haver Elifaz discursado em
primeiro lugar revela sua avançada idade e posição social. Talvez fosse até o
regente de Temã. Mostra-nos isto também que Jó era um homem bem relacionado.
Entre os seus amigos, reis e príncipes.
2. Elifaz: teólogo ou filósofo?
Dos
discursos de Elifaz, conclui-se
não ter sido ele um teólogo como Enoque, Noé ou Jó. Se algum conhecimento
possuía de Deus, não provinha este de uma relação experimental com o
Todo-Poderoso; era fruto de suas
especulações. Longe de mim desmerecer tal conhecimento; Deus
no-lo deixou, a fim de que nos aproximemos dEle (Rm 1. 18-21). Foi o que Paulo
declarou aos filósofos epicureus e estóicos no Areópago de Atenas (At
17.22-32).
Por não possuir um conhecimento revelado
de Deus, pôs- se Elifaz a condenar a Jó através de uma teologia casuística e
viciada (Jó 42.7). Acerca dos pronunciamentos de Elifaz e de seus companheiros,
posiciona-se Donald Stamps: “Embora as palavras
dos três amigos de Jó estejam registradas nas Escrituras, nem tudo que
eles disseram é absolutamente
correto. O Espírito Santo
registrou suas palavras, mas não as inspirou. No fim do livro, o próprio Deus
declarou que boa parte daquilo que
eles falaram não era bom
(42.7,8). Algumas afirmações deles são realmente verdadeiras, e são
repetidas no N T (e.g., parte do que
Elifaz diz em
5.13, acha-se em
I Co 3.19). A teologia e a cosmovisão básicas
desses conselheiros eram falhas. Eles criam (a) que os verdadeiros justos
sempre prosperarão, ao passo que os transgressores sempre sofrerão, e (b) inversamente,
a pobreza e o sofrimento sempre subentendem pecado, ao passo que prosperidade e
sucesso subentendem retidão. Deus revelou posteriormente que tal atitude é
errônea, e que o ponto de vista deles era “loucura” (42.7-9)”.
II.
A Teologia do
Ordálio
O
que teria pensado Elifaz naqueles sete dias de absoluto silêncio em que se
quedara a contemplar a ruína do mais piedoso homem daquele tempo? Dado à
reflexão; acostumado a meditar longamente sobre os problemas da vida; afeito às
grandes operações intelectuais, veio a concluir: somente um inimigo de Deus e
da humanidade haveria de ser submetido a um sofrimento tão singular.
Tenho a impressão de que Elifaz
considerava a provação de Jó como se fora um ordálio divino.
I. A prova do ordálio. Além de ser utilizado
como prova judicial na Idade Média, era o ordálio admitido como a expressão máxima do juízo divino. E
funcionava mais ou menos assim: pairasse alguma dúvida sobre a inocência de um
réu era este lançado, por exemplo, num caudaloso rio; se lograsse escapar, tinham-no
por inocente. Há na Lei de
Moisés um recurso judicial que
pode ser visto
como ordálio: as
águas amargosas dadas à mulher,
cujo marido estivesse duvidando de sua fidelidade (Nm. 5.19-23). Fosse a mulher
inocente, as águas nenhum dano lhe fariam; culpada, muito padeceria em
conseqüência de seu pecado. Conquanto ainda praticado em algumas tribos
africanas, o ordálio de há muito já não é aceito como prova judicial.Por
conseguinte, via Elifaz a prova a que Jó era submetido como se fora o ordálio
dos ordálios; desse julgamento o patriarca não sairia incólume. Aliás, todo
aquele sofrer já era o cast igo de Deus
sobre Jó. E se este não se arrependesse,
certamente haveria de ser destruído como muitos antes dele o foram.
2. A teologia de Elifaz. Detenhamo-nos
nalguns trechos do discurso de
Elifaz: “Lembra-te, agora: qual é
o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos? Segundo
eu tenho visto, os que lavram iniqüidade e semeiam o mal segam isso mesmo. Com
o hálito de Deus perecem; e com o assopro da sua ira se consomem” (Jó 4.7,8).
Em
linhas gerais, defendia Elifaz: se formos fiéis a Deus, e se lhe prestarmos a
adoração que Ele nos requer, seremos
abençoados de tal forma, que nenhuma desventura nos atingirá. Mas se não lhe
atendermos as demandas, e se lhe ignorarmos as leis, seus juízos nos acharão.
O que é isto senão um escambo? Em linguagem popular: um toma-lá-dá-cá.
Ressaltava Elifaz contentar-se Deus com um relacionamento meramente comercial
com o ser humano.
F. B. Meyer comenta a teologia de
Elifaz: “À luz desse pensamento, as
calamidades sofridas por Jó pareciam provar que aquele homem que todos tinham
considerado um modelo de perfeição não era o que se supunha. De acordo com essa
filosofia, bastava que ele confessasse o seu pecado, e tudo voltaria ao normal
e o sol tornaria a brilhar no seu caminho”.
Como chegara Elifaz à semelhante ilação?
Já contaminado teologicamente pela idolatria que grassava entre os filhos de
Sem, presumia ele que o Todo-Poderoso poderia ser aplacado como o eram os
ídolos. De conformidade com a teogonia gentílica, requeriam
os deuses de seus
adoradores: serviços, honras e
oferendas. Se oferendados, contentar-se-iam com os seus devotos;
protegê-los-ia. Se honrados, aprazar-se-iam de seus fiéis; abençoá-los-ia. Se adorados,
deleitar-se-iam na companhia de seus crédulos; com estes habitaria e com estes
andaria. E se ousasse alguém magoá-los? De imediato seria alvo da mais ardente
ira.
Longe de se ocuparem com a moral de seus
devotos, os ídolos urgiam destes apenas uma coisa: irrestrita submissão.
Afinal, eram os tais deuses mais debochados e imorais que os seus adoradores.
Não era Dionísio o deus do vinho? Por que condenar os ébrios? E Afrodite, não
era a deusa do amor carnal e concupiscente? Por
que reprovar os
adúlteros e fornicários? Não era
Marte o deus da guerra? Por que estigmatizar os assassinos? Na Grécia, os pais,
conquanto exortassem aos filhos a que venerassem aos deuses, advertia-os a não
lhes imitarem as ações. Matthew Henry, lançando pesados reptos contra a
idolatria, é mais do que categórico: “Os ídolos são chamados falsos porque
desfiguram a Deus”. E o que fazia Elifaz naquele momento senão afear ao Todo-Poderoso?
Demudava-o de tal forma, como
se o Senhor não passasse de um
comerciante qualquer.
Se os deuses das gentes contentam-se com
um relacionamento mercantil com seus adoradores, o Deus único e
verdadeiro exige de
cada um de
seus filhos um
culto racional e comprovadamente amoroso.
3. Uma teologia sofismática. Qual a fonte da
teologia de Elifaz? Não nascera ela em Deus; originara-se naquele ser que, pela
terra, punha-se a andejar e a reparar nos filhos dos homens. Narra Elifaz um
fato mui curioso que, indiretamente, declina-lhe o berço da doutrina:
“Entre pensamentos de visões da
noite, quando cai sobre os homens o sono profundo, sobreveio-me o
espanto e o
tremor, e todos
os meus ossos estremeceram.
Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos da
minha carne; parou ele, mas não conheci a sua feição; um vulto estava diante
dos meus olhos; e, calando-me, ouvi uma voz que dizia: Sena, porventura, o homem
mais justo do que Deus? Seria, porventura, o varão mais puro do que o seu
Criador?” (Jó 4.13-17).
Que espírito era esse? Não era certamente o
Espírito de Deus. Se nos detivermos nas epístolas paulinas, verificaremos que
muitos são os espíritos, cuja função é espalhar heresias e apostasias. Ao jovem
pastor Timóteo, adverte o apóstolo: “Mas o
Espírito expressamente diz
que, nos últimos
tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores
e a doutrinas de demônios” (I Tm 4.1).
Onde
atuam tais espíritos? Nos institutos bíblicos, nas universidades evangélicas, nas classes de
Escola Dominical e nos púlpitos de nossas igrejas. Embora ortodoxas; apesar de
teologicamente conservadoras; não
obstante primarem pela
correção doutrinária, são
as nossas instituições
eclesiásticas constantemente assaltadas por tais espíritos. Hoje, um
desvio teológico de pouca monta; ninguém protesta, buscando preservar a
confraria teológica. Amanhã, uma heresia não muito vultosa; ninguém verbera,
pois não foram afetados os dogmas básicos. Mais adiante, surge uma apostasia;
ninguém se insurge contra o erro, porque o mais importante, agora, é preservar
a unidade. E, finalmente, acabam sufocando de vez a Palavra de Deus; ninguém se
levanta para socorrer a sã doutrina, pois acham-se todos comprometidos com o
erro.
Confessa Elifaz que “um espírito passou por diante de mim”. O
substantivo que serve para designar o
Espírito de Deus é aqui usado para identificar o sinistro personagem:
ruah. Isto significa que, no
exercício do ministério, temos
de agir com redobrada vigilância
e prudência para não nos prendermos por
tais espíritos. Atentemos
para este detalhe:
Elifaz não conseguiu identificar o espírito, nem logrou conferir-lhe as
feições: “não conheci a sua feição”. O verbo hebraico nakar conclama estes
outros verbos: discernir, identificar, reconhecer e divisar. Portanto,
estejamos devidamente aparelhados, a fim de identificar os espíritos que agem
em nossos arraiais. Além da Bíblia, que
é nossa única regra de fé e prática, temos o dom de discernir os espíritos
(I Co
12.10). Que a exortação do apóstolo do amor seja considerada seriamente:
“Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus,
porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (I Jo 4.1).
Induzido pelo erro, e já usando e abusando
dos sofismas, Elifaz conclui: apenas os que desagradam a Deus sofrem; se Jó
estava sofrendo, logo: contra Deus pecara. Desconhecia ele, por
acaso, a história de Abel? (Gn 4.4-8) Ou o drama vivido por Enoque que, por
trezentos anos, profetizou num mundo que em nada diferia do inferno? (Gn
5.22-24) Ou por acaso ignorava o fato de o patriarca Noé haver construído a
arca sob os impropérios de uma geração que se achava completamente tomada pelo
demônio? (2 Pe 2.5) Registra a História Sagrada que homens, dos quais não era
digno o mundo, acabaram singularmente perecendo (Hb 11.37,38).
Então, como pôde Elifaz jogar com as
palavras, a fim de atribular ainda mais a Jó? Seus sofismas não resistem ao menor
dos exames.
4.
Uma teologia perversa. Elifaz ultrapassa todos os limites do
bom senso; chega a tratar o patriarca
de injusto e louco (Jó
5.1-5). Suas acusações não terminam aí; atingem- lhe a própria família.
Se esta havia perecido, então um só era o culpado: Jó. Como se haver numa
situação tão difícil? Como suportar tão graves incriminações? Como tolerar esse
arremedo de teologia?
Ill A Resposta de Jó
Diante
de um discurso tão sentencioso, responde o patriarca: “Oh! Se a minha mágoa
retamente se pesasse, e a minha miséria juntamente se pusesse numa balança!
Porque, na verdade, mais pesada seria do que a areia dos mares; por isso é que
as minhas palavras têm sido inconsideradas” (Jó 6.1-3).
I. Jó pede uma balança. O que requeria o
patriarca de seus amigos? Que o ouvissem com atenção, e com justiça lhe
pesassem as palavras e as queixas. Reivindicava ele uma balança na qual lhe
fosse avaliada a miséria; pois suas palavras haviam sido inconsideradas por
eles.
Será
que Elifaz desconhecia
a justiça de Jó? Ou a
sua piedade? Tomara jamais caiamos nas garras de um juiz como esse temanita!
Contaminado por um espírito impiedosamente positivista, demonstra Elifaz ser incapaz de julgar um
caso, como o do patriarca, pelo espírito das leis que o Todo-Poderoso
estabeleceu para aperfeiçoar os seus filhos, levando-os a alcançar a estatura
de completos varões.
Não julguemos as coisas por sua aparência; avaliemo-las em
sua essência.
2. A
teologia da aflição.
Quão distante encontrava-se Elifaz da justiça divina! Lemos nos Salmos que
muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas (SI 34.19).
Cristo mesmo alerta-nos que, no mundo, teremos aflições (Jo 16.33). Escrevendo
aos coríntios, afirmou Paulo: “Porque,
como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também a nossa
consolação sobeja por meio de Cristo” (2 Co 1.5).Não queremos, com isso, lançar
as bases de uma teologia da aflição. O que intentamos realçar é a supremacia da
graça divina; ela é mais do que suficiente para consolar-nos em todas as
agruras.
IV A Graça de Deus - 0
Antídoto contra a Teologia de Elifaz
À semelhança de muitos religiosos de nossos
dias, acreditava Elifaz que o homem,
penitenciando-se e tudo fazendo
por agradar a Deus, jamais será atingido por quaisquer calamidades. Supunha ele
ser possível agradá4o com boas obras, e
com boas obras levá-lo a afastar
de nós as angústias
e as tribulações. O que diz a
Bíblia?
I. A imperfeição
das obras humanas. Ignorava Elifaz que, por mais perfeitas que nos sejam
as obras, jamais poderemos nos justificar diante de Deus, pois não passam estas
de trapos de imundície (Is 64.6).
Em consonância com Isaías, pergunta Miquéias: “Com que me apresentarei
ao SENHOR e me inclinarei ante o Deus altíssimo? virei perante ele com
holocaustos, com bezerros de um ano?” (Mq 6.6).
Como poderá o homem justificar-se diante
de Deus? E a pergunta que nos faz Jó? (Jó 25.4)Temos, aqui, uma das mais
importantes indagações teológicas
de todos os
tempos. O homem não necessita praticar obra alguma para alcançar
o favor de Deus nem para ser justificado diante dEle. Só nos é
necessária uma única coisa: aceitar a Jesus, e confiar cm seus méritos como
nosso único e suficiente Salvador.
Através de Cristo, seremos vistos por Deus como se jamais houvéramos cometido
qualquer pecado ou iniqüidade; seremos declarados justos com base
na justiça de Cristo,
a única justiça válida diante do
justo e santo Deus (Rm 5.1-8).
Conclusão
Conclui-se,
pois, estar totalmente equivocada a teologia mercantilista de Elifaz. Nossa
comunhão com Deus não é um mero e vulgar e imoral toma-lá-dá-cá. Se os homens
se contentam com escambos,
nosso Deus, não;
Ele não se
vende nem se deixa comprar: sua graça é sempre abundante; é o imerecido
favor por excelência.Sua graça é mais do que suficiente! Salva-nos, proporcionando-nos
as mais doces consolações. Isto não significa estejamos imunes às tribulações.
Certamente elas virão. Todavia, em tudo e, por tudo, seremos consolados.
Aleluia!
COMENTÁRIO
DE JÓ CLAUDIONOR DE ANDRADE
1) Primeiro
Ciclo de Debates. 4:1 – 14:22.
a) Primeiro
Discurso de Elifaz. 4:1 - 5:27.
Jó 4
4:1. Como o mais
velho dos amigos (cons. 15:10) aparentemente e, portanto, possuidor da
sabedoria mais amadurecida, Elifaz recebe a dignidade da precedência em todas
as séries de discursos (cons. 42:7). Ele estabelece o clima do conselho dos
amigos, apresentando sua teoria sobre o pecado e o sofrimento, aplicando-a ao
caso de Jó. A suposição fundamenta, mas falsa, de Elifaz é que a justiça
invariavelmente produz bem-estar, e a injustiça o infortúnio, e que existe uma
proporção direta entre o pecado e o sofrimento. Primeiro ele se dirige ao
desânimo de Jó (4:2-11), depois à sua impaciência (4:12 – 5:7) e finalmente
aconselha-o a arrepender-se (5:8-27). 2-11.
Quem, todavia, poderá conter as palavras? (v. 2b). Durante sete dias os sábios
ficaram observando as calamidades na vida de ló sem oferecer unta palavra de
consolo. Quando Jó se queixou, entretanto, os confortadores não puderam
abster-se de reprová-lo. Assim, através de todo o decorrer do debate, seus
olhos estiveram fixos no temporário escorregão de Jó para a impaciência,
enquanto sua anterior exibição prolongada de paciência desapareceu por completo
de sua perspectiva. Reprovaram a Jó como se ele tivesse entregado os pontos ao
primeiro sabor da adversidade: Sendo tu atingido, te perturbas (v. 5b).
Segundo eu tenho
visto
(v. 8a; cons. 5:3). A autoridade da teoria de Elifaz está na experiência. Ele
esposa o ponto de vista tradicional dos sábios orientais porque é o que tem
observado na vida. Por exemplo, suas estatísticas mostram que calamidade
extrema segue-se à perversidade extrema (vs. 8-11). Só os pecadores arrogantes
que passam a vida semeando o mal, colhem a morte entre as calamidades. Perecem
como a erva ressequida pelo sopro quente do vento do desejo (v. 9) ou como uma
ninhada de leões ferozes dispersos por um golpe súbito (vs. 10,11). Sua
observação também confirma o inverso: Acaso já pereceu algum inocente? (v. 7a).
Embora os justos experimentem certa medida de sofrimento, jornais são
destruídos por meio da aflição. Com estas observações Elifaz deduz sua lei do
pecado e sofrimento, e ele presume que essa lei deve governar universalmente a
história humana. Infelizmente, u método de Elifaz de arquitetar a doutrina da
providência é falível. Pois a verdadeira teologia descansa sobre a autoridade
da revelação divina, não sobre limitadas observações humanas e especulações
falíveis. Infelizmente também, conforme Jó destaca mais tarde, até as
observações e estatísticas de Elifaz são inexatas (cons. 21: 17 e segs.).
Doutrina vil só pode
oferecer conforto vão. Porventura não é o teu temor de Deus aquilo em que
confias, e a tua esperança a retidão dos teus olhos? (4: 6). Elifaz não duvida
da justiça essencial de Jó. Portanto, esperando arrancá-lo de seu abatimento,
ele lhe assegura que por causa de sua piedade, ele não perecerá. Mas esta
avaliação favorável de alguém que foi humilhado é inconsistente com a teoria do
próprio Elifaz. Para ser consistente ele deveria considerar Jó como o mais
desprezível filho de Belial. Pois a agonia do patriarca é tão grande que ele
cobiça apaixonadamente a morte da qual Elifaz, declarando ser a pior calamidade
que pudesse sobrevir aos incrédulos, diz que ele está imune. Mais tarde, quando
Elifaz já elaborou sua posição mais consistentemente, ele acusa Jó de
hipocrisia e criminalidade. No seu primeiro discurso, contudo, desprezando a
severidade excepcional dos sofrimentos de Jó, ele o classifica entre os
pecadores generalizadamente moderados, homens justos moderadamente sofredores e
apenas fica perplexo diante de suas lamúrias não imoderadas.
Jó
levantou uma questão sobre a sabedoria da providência divina. Elifaz se opõe
com o argumento de que os homens decaídos, piedosos ou incrédulos, estão
carentes de sabedoria e justiça e, portanto, incompetentes para criticar a
Providência (4:12-21). Eles são, além disso, alvos justos de todos os
infortúnios que sobrevêm aos mortais (5:1-7).
12. Uma palavra se
me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Como fonte
suplementar de seus conhecimentos, Elifaz refere-se impressionantemente a uma
revelação especial que lhe foi concedida em uma visão noturna (v. 15) de
arrepiar os cabelos. Sua narrativa da misteriosa aparição e voz (vs. 15, 16)
serve para o revestir de um manto profético. (Com referência a semelhantes
aspectos de teofanias testemunhadas por Abraão, Moisés e Elias, veja Gn. 15:12;
Nm. 12:8; I Reis 19:12). O conteúdo da alegada revelação está em Jó 4:17-21,
seria porventura o mortal justo diante de Deus?
17. Seria a o homem puro diante do seu Criador? A tradução da E.R.C. também é gramaticalmente possível e fornece uma réplica adequada para o desafio feito ao governo de Deus implícito na lamentação de Jó. Se, comparando-se com a sabedoria divina, até a sabedoria dos anjos é imperfeita (v. 18), certamente os homens que vivem e morrem e não atingem a sabedoria (v. 21b) não estão qualificados para se assentarem e julgarem os caminhos de Deus. Analisando a inferioridade do homem diante dos anjos, em termos de sua mortalidade, Elifaz faz eco ao veredito divino contra o corpo do homem que é pó (v. 19; cons. Gn. 3:19). Em comparação com a vida angélica, a vida humana, como a traça (Jó 4:19, 20), é transitória. A morte do homem é como o colapso de uma tenda quando suas cordas são desatadas (v. 21).
Jó 15
a)
Segundo Discurso de Elifaz. 15:1-35. Como um ciclo de debates pode alienar
amigos! O gentil Elifaz até se esquece das civilidades introdutórias. Tudo é
novamente censuras e advertências. O filósofo expõe sua sensibilidade
profissional à descortesia de Jó (cons. 37 12:2, 3, 7 e segs.; 13:1, 2, 5, 12),
retornando à sua própria sabedoria relativa e à de Jó cada vez que introduz uma
nova acusação (cons. v. 1 e segs., 7 e segs., 17 e segs.).
1-6. Ciência de vento (v. 2a). Literalmente. Cons, com o paralelo vento orientar (v. 2b), isto é, o violento e sufocante vento do deserto. As reivindicações de Jó quanto à sabedoria são desfiguradas por seus discursos bombásticos (v.3). Torna vão o temor de Deus, e diminuis a devoção a ele devida (v. 4). As explosões imprudentes de Jó são mais que imoderadas, pois depreciam o temor de Deus, e assim solapam a religião. A língua dos astutos (v. 5b). Possivelmente uma alusão à serpente "sagaz" (mesma palavra) de Gn. 3:1. A culpa de Jó explica suas palavras (v. 5) e suas palavras provam sua culpa (v. 6).
Jó 22
a) Terceiro
Discurso de Elifaz. 22:1-30.
A
conclusão inerente à teoria dos três amigos desde o começo e cada vez mais
amplamente exposta, agora está completamente desmascarada. Esta acusação direta
de Jó foi sua única alternativa da capitulação depois que Jó considerou a
negativa de que a justiça é uniformemente discernível na maneira pela qual Deus
trata os homens. O fato lamentável é que os amigos endossaram a opinião que
Satanás tinha de Jó, isto é, que ele era um hipócrita. Pensando em defender
Deus, eles se transformaram em advogados de Satanás, insistindo que aquele a quem
Deus indica como Seu servo pertencia ao diabo.
2-11. Uma vez que o
Deus Todo-suficiente não pode ser ajudado ou prejudicado por atos humanos, a
resposta para os sofrimentos de Jó não se encontra nEle (vs. 2, 3). Certamente
Jó não está sendo punido pela piedade: Ou te repreende pelo teu temor de Deus
(v. 4a). Dessas premissas negativas Elifaz extrai sua conclusão positiva em uma
triste traição à verdade e à fraternidade. Porventura não é grande a tua malícia?
(v. 5a). Por isso estás cercado de laços (v. 10a). Por falta de evidências
reais, Elifaz encontra a chave da natureza exata dos crimes de Jó em sua antiga
riqueza – sua acumulação devia estar contaminada por abuso desumano dos pobres
e dos fracos (vs. 6-9). Contrariando esta drástica super-simplificação do
dilema de Jó, o Prólogo revelou para o leitor, é claro, que a resposta se
encontra em Deus, o qual, ainda que Todo-suficiente em si mesmo, glorifica-se
nas Suas obras e tinha decretado a provação de Jó para o louvor de Sua
sabedoria redentora.
12-20. E dizes: Que
sabe Deus? (v. 13a). Presumindo que lê os pensamentos secretos de Jó, Elifaz
coloca blasfêmias na sua boca, contrárias aos sentimentos que ele realmente
expressou (vs. 12.14). O argumento fictício é, então, insatisfatoriamente
respondido, apelando ao juízo divino excepcional sobre a geração do Dilúvio (15
e segs.; cons. Gn. 6:1-7; 8:21, 22).
21-30. As últimas
palavras de Elifaz, insistindo na volta para Deus com esperança de paz e bênçãos,
fazem-nos lembrar que, apesar de tudo, ele era um amigo na família da fé. Não
obstante, esta consolação está viciada por seu espírito farisaico e sua
implícita repetição de falsas acusações. Em sua maneira distorcida essas
promessas eram proféticas quanto ao resultado. Observe especialmente 22:30. E
livrará até ao que não é inocente; um, será libertado, graças à pureza de tuas
mãos. Cons. intercessão de Jó em favor dos amigos (42:7-9)
Jó (Comentário Bíblico Moody)
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