domingo, 25 de outubro de 2020

Lição 5 - O Lamento de Jó

                   


Texto Áureo

“Porque antes do meu pão vem no meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água.”

(Jó 3.24)

                                          Verdade Prática

O sofrimento pode nos levar a situação de extrema angústia, mas não devemos perder a esperança no agir de Deus.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Jó 3.1-26

1- Depois disto, abriu Jó a boca e amaldiçoou o seu dia.

2- E Jó, falando, disse:

3- Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!

4- Converta-se aquele dia em trevas;

5- Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; e, ali, repousam os cansados. negros vapores do dia o espantem!

6- A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número dos meses!

7- Ah! Que solitária seja aquela noite e suave música não entre nela!

8- Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, que estão prontos para fazer correr o seu pranto. 

9- Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha: e não veja as pestanas dos olhos da alva!

10- Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos a canseira.

11- Por que não morri eu desde a madre e, em saindo do ventre, não expirei?

12- Por que me receberam os joelhos E por que os peitos, para que mamasse?

13- Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e, então, haveria repouso para mim

14- com os reis e conselheiros da terra que para si edificaram casas nos lugares assolados,

15- ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata

16- Ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz!

17- Ali, os maus cessam de perturbar e, ali, repousam os cansados. 

18- Ali, os presos juntamente repousam e não ouvem a voz do exator.

19- Ali, está o pequeno e o grande, e O servo fica livre de seu senhor.

20- Por que se dá luz ao miserável e vida aos amargurados de ânimo,

21- que esperam a morte, e ela não vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos;

22- que de alegria saltam, e exultam, achando a sepultura?

23- Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?

24- Porque antes do meu pão vem O meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água.

25- Porque 0 que eu temia me veio, e o que receava me aconteceu.

26- Nunca estive descansado, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbação.

INTERAGINDO COMO PROFESSOR

A lição desta semana esclarece que Jó desejou intensamente a morte. Ao desejá-la, o patriarca tem como objetivo dar fim ao ciclo de sofrimento que Satanás lhe impôs. Constataremos nesta lição que, apesar de ele desejar morre não buscou o suicídio. Nesse aspecto, a vida de Jó nos passa uma mensagem muito importante, mostrando-nos que, mesmo diante do mais terrível sofrimento, o patriarca não ousou entrar numa “jurisdição” que pertence somente a Deus.

Ele, indiretamente, nos transmite a importante mensagem de que o único que pode decidir acerca do início e do fim da vida é o Deus Altíssimo.

PONTO CENTRAL:

O lamento de Jó revela toda Sua dor como ser humano.

INTRODUÇÃO

Na lição anterior vimos de perto o drama vivido por Jó. Uma série de calamidades se abateu sobre ele de forma catastrófica. Do estado de riqueza e prosperidade, Jó passou a viver na adversidade; seus amigos foram para consolá-lo, mas ficaram sem palavras ao contemplarem seu debilitado estado de saúde. Entretanto, depois de sete dias, ele rompeu o silêncio com um lamento que veio do fundo da alma.

Nesse lamento Jó mirou o dia de seu nascimento e, através de três perguntas, desabafou tudo o que sentia naquele momento: Por que nasci? Por que não nasci morto? Por que ainda continuo vivendo? Nesta lição veremos a reação humana diante do sofrimento. Perceberemos que não há qualquer indício de que Satanás tivesse alcançado êxito diante de Jó. Na perspectiva do patriarca, se Deus era a causa de sua vida, deveria também ser a causa de sua morte, pois se dEle vinha o bem, também deveria vir o mal.

CPAD – Adultos – A Fragilidade Humana e a Soberania Divina: Lições do Sofrimento e da Restauração de Jó

 


            O OMBRO AMIGO 

     Antes  de    levantar  o  seu  lamento,  ele  recebeu  a   vis ita  dos  seus amigos (Jó 2.11-13). Sensibilizados com as calamidades que sobrevieram a Jó,  os  seus  três  amigos,  Elifaz,  Bildade  e  Zofar,  vieram  visitá-lo.  Não  há nada  no  texto  que  demonstre  que  esses  amigos  não  estivessem  movidos de  boas  intenções  nessa  visita.  Todavia,  à  medida  que  o  debate  acontece entre eles e Jó, o clima de animosidade fica evidente. Nesse momento, eles queriam  “condoer-se”  com  o  patriarca  que  perdera  tudo,  inclusive  a saúde. Daniel Estes (2013, p. 684) destaca o seguinte:

O  termo  hebraico  para  “amigo”  (rea)  refere-se  a  um  vizinho,  um amigo ou um colega. Pelos discursos subsequentes, parece evidente que  esses  três  homens  sã o  colegas  intelectuais  de    como professores de sabedoria. No entanto, a intenção principal deles em se encontrar com Jó não é acadêmica, mas pastoral, pois eles passam a simpatizar com ele para que possam lhe confortar.

     No momento de sofrimento e angústia, todos precisam de uma mão amiga.  Chorar  com  os  que  choram  é  um  mandamento  bíblico  (ver  Rm 12.15). Não existe fé robusta fora da comunidade. Talvez u ma das maiores tragédias  do  cristianismo  contemporâneo  esteja  na  ausência  da fraternidade  entre  irmãos.    grandes  e  majestosas  catedrais,  todavia abarrotadas  de  cristã os  que  se  sentem  vazios  e  sozinhos .  Não    dúvida de  que  existe  muita  gente  nas  igrejas,  porém  pouco  calor  humano  nos relacionamentos.  O  número dos desigrejados  ou  cristãos  indeterminados  aumenta  a   cada  dia.  Talvez  precisássemos  diminuir  de  tamanho  para crescermos  em  comunhão.  Como  Jó,  todos  passam  por  áreas  cinzenta s onde a única coisa que se torna visível é a presença de um amigo.

            PACIÊNCIA X PERSEVERANÇA 

     Uma  leitura  rápida  no  capítulo  3  demonstra  que  a  reação  de  Jó diante  da  segunda  prova  é  bem  diferente  d aquela  adotada  na  primeira. Nos  capítulos 1  e  2,  vê-se  um Jó  resigna do  e conformado com  tudo o  que lhe  sobrevém.  Entretanto,  a  partir  do  capítulo  3,    continua  resignado, porém não demonstra o mesmo conformismo de antes. De fato, quando o apóstolo  Tiago  faz  referência  a    na  sua  carta,  ele  destaca  mais  a  sua perseverança do que a sua paciência . Esse fato é claramente demonstrado pelo u so da  palavra grega hupomoné, usada em Tiago 5.11, cujo sentid o é mais bem compreend ido como perseverança, e não paciência.⁵⁴ Jó foi mais perseverante  do  que  paciente.  Ele  é  resignado,  mas  não  conformado.  Ele está  pronto  a  questionar  por  que  tudo  aquilo  está  sobre vindo  sobre  ele. Entretanto,  isso  não  significa  dizer  que    uma  ruptura  na  narrativa  do texto e que  esse Jó não tem  nada a ver com o  primeiro. Só há um Jó.  Nem significa  dizer  também  que    perdeu  a    e  amaldiçoou  a  Deus  como Satanás havia dito. Nada disso aconteceu e nem é sugerido pela narrativa. O  que,  d e  fato,  acontece  é  que  Jó,  desconhecendo  a  trama  diabólica,  não tem  explicação  racional  e  teológica  para  tudo  o  que  lhe  sobreveio.  Isso  o  leva a questionar tudo e a todos.

     Após  o  primeiro  ciclo  de  provas,    está   exausto  e  querendo entender a  razão do seu sofrimento.⁵⁵ Por não saber dos bastidores da sua prova,    via  tudo  aquilo  como  se  fosse  uma  ação  direta  de  Deus.  Isso, evidentemente,  aumentava  o  seu  drama  e  intensificava   o  seu  lamento.  O lamento  de  Jó,  todavia,  não  deve  ser  visto  como  algo  escandaloso  e  fora de  contexto. Na  verdade,  a  narrativa,  de  uma forma  nua  e  crua,  mostra o lado  humano  de  Jó;  ou  seja,    não  é  um  super-homem,  que  está  imune aos problemas  e vicissitudes  da vida. Não!  Pelo  contrário! Jó mostra  toda a  sua  humanidade  quando  está  disposto  a  questionar  e  a  entender  os  dilemas  da  vida  para  os  quais  não  tem  explicação.  É  esse  o    que  tem inspirado  a  tantos  e  permitido  que  o  sofredor,  o  afligido  e  o  oprimido identifiquem-se com a sua causa. É esse Jó que o capítulo  3 apresenta. No primeiro lamento, ele questiona por que havia sido concebido ou nascido; no  segundo,  por  que  não  havia  nascido  morto  e,  no  terceiro,  por  que continuava  vivo.  Contudo,  debaixo  de  intenso  conflito  psicológico,  jamais pensou em dar cabo da própria vida.    

               POR QUE NASCI? (3.1-10) 

      Depois  disto,  abriu    a  boca  e  amaldiçoou  o  seu  dia.  E  Jó,  falando, disse:  Pereça  o  d ia  em  que  nasci,  e  a  noite  em  q ue  se  disse:  Foi concebido um homem! Converta-se aquele dia  em trevas; e Deus , lá de  cima,  não  tenha  cuidado  d ele,  nem  resplandeça  sobre  ele  a  luz! Contaminem-no  as  trevas  e  a  sombra  da  morte;  habitem  sobre  ele nuvens; negros vapores do dia o espantem! A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número d os meses! Ah! Que solitária seja  aquela noite  e suave  música não  entre nela!  Amaldiçoem-na  aqueles  que  amaldiçoa m  o  dia,  que  estão prontos  para  fazer  correr  o  seu  pranto.  Escureçam-se  as  estrelas  do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha; e não veja as pestanas dos  olhos  da  alva!  Porquanto  não  fechou  a s  portas   do  ventre,  nem escondeu dos meus olhos a canseira.  

      “Depois disto, abriu Jó a boca e amaldiçoou o seu dia” (3.1). Depois de  sete  dias  e  sete  noites  na  presença  dos  seus  amigos,  que  nada  lhe disseram (2.13), Jó abriu a boca em um profundo lamento. Ele amaldiçoou o  dia  do  seu  nascimento.⁵⁶    era  um  homem  em  conflito!  De  um  lado, estavam  os  seus  amigos  representando  a  teologia  tradicional, fundamentada numa lei de causa e efeito. O justo não sofre nem passa por adversidades;  se  sofre  e  não  prospera,  é  porque  pecou.  Por  outro  lado,  a teologia  de    também  conflitava  com  a  sua  experiência.  Ele  sabia  ser íntegro  e  reto,  todavia  estava  sofrendo!  Será  que  Deus  o  teria  rejeitado  e abandonado? Nas  palavras de Andrés Glaze (2005, p. 249):

      O  patriarca  sentia-se  rejeitado  por  Deus.  No  entanto,  em  seu lamento,  ele  não  pediu  uma  restituição  do  que  havia  perdido,  mas  buscou  desesperadamente  direção  e  coragem  para  viver.  Por  causa de  sua  tribulação,  ele  ansiava  pela  morte  e,  ao  mesmo  tempo,  a  temia.  Os  fundamentos  ortodoxos  de  sua  crença  haviam  sido destruídos: sem sentir  a presença d e Deus e com sua grande dor, ele não  encontrou  motivos  para  viver.  Ele  lutou  com  uma  aparente contradição dolorosa: a fé indicava que Deus sempre foi sábio e justo em seus desígnios; de su a experiência, a  razão sugeria que Deus, em sua maneira de trabalhar, era arbitrário e injusto.

     Aqui  estava  o  dilema  d e  Jó.  A  sua  teologia  dizia  uma  coisa,  mas  a sua experiência dizia outra. Os seus amigos a inda não haviam falado, mas, sem  dúvida,    conhecia  a   forma  de  pensar  deles,  que  não  era  muito diferente  da  sua  até  então.  Era  um  consenso  na  teologia  tradicional daqueles dias  que  Deus  sempre  recompensa  os  bons,  mas  pune  os  maus. Isso  ficará mais  claro  quando começa  o  debate de    com  os  seus amigos, mas o que Jó estava experimentando agora conflitava  com essa teologia . 

     “Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um  homem!”  (3 .3).⁵⁷  O  verbo  hebraico  abad,  traduzido  aqui  como “pereça”,  possui  o  sentido  d e  destruir.  É  traduzido  dessa  forma  em Levítico 23.30, quando o Senhor pro mete destruir quem trabalhasse no dia da  expiação.⁵⁸  Essa  forma  de  lamento  não  era  incomum  dos  povos  do Antigo  Oriente.  Jeremias,  por  exemplo,  também  fez  um  l a mento semelhante. Assim como Jó, Jeremias sentiu-se rejeitado — Jeremias, pelo seu próprio povo, e Jó, pelo seu próprio Deus.

      Maldito  o  dia  em  que  nasci;  o  dia  em  que  minha  mãe  me  d eu  à  luz não  seja  bendito.  Maldito  o  homem  que  d eu  as  novas  a  meu  pai, dizendo: Nasceu-te u m filho;  alegrando-o com  isso  grandemente. E seja esse homem como as cidades que o Senhor destruiu sem que s e arrependesse;  e  ouça  ele  clamor  pela  manhã  e,  ao  tempo  do  meio-dia,  um  alarido.  Por  que  não  me  matou  desde  a   madre?  Ou  minha mãe não foi minha sepultura? Ou não ficou grávida perpetua mente? Por  que  saí  da  madre  para  ver  trabalho  e  tristeza  e  para   que  se consumam os meus dias na confusão? (Jr 20.14-18)

     “Converta-se  aquele  dia  em  trevas;  e  Deus,    de  cima,  não  tenha cuidado  dele,  nem  resplandeça s obre  ele  a  luz!”  (3 .4).  O  sofrimento de  Jó era  intenso.  Toda  angústia  e  sofrimento  não  existiriam  se  ele  não  tivesse sido  concebido.  Isso,  de  fato,  poderia  existir  se  o  dia   do  seu  nascimento pudesse  ser  apagado.  O  seu  desejo  era  que  aquele  dia  houvesse  se convertido em trevas, que equivalia a dizer: “Seja apagado do calendário ” (Clarke, 2014, p. 4). O seu desejo era que esse d ia, tendo sido apagado, não fizesse falta no calendário de Deus para  completar os dias do ano.

     “Contaminem-no  as  trevas  e  a  sombra  da  morte;  habitem  sobre  ele nuvens; negros vapores do d ia o espantem!”  (3.5). O sentido deste texto é destacado  por  Daniel  Estes  (2018,  p.  810):  A  frase  hebraica  é  uma expressão superlativa que significa literalmente “sombra da morte”, como no Salmo 23:4.  Aqui, Jó se refere a uma  sombra especialmente escura que dominaria  e  obscureceria  de  vista  o  d ia  de  seu  nascimento,  assim  como um eclipse solar total transforma  a luz do d ia em escuridão.    usa  o  verbo  gaal  (reclame),  cujo  sentido  é  “resgatar”  ou  “agir como  parente”.  Esse  vocábulo  é  aplicado  a  um  parente  que  tem  o  direito de reclamar uma herança ou vingar a morte de um consanguíneo (Clarke, 2014, p. 4).

     Jó deseja que as densas trevas tivessem esse direito s obre o dia em  que  ele  foi  concebido.  Dessa  forma,  esse  d ia  jamais  teria  raiado  ou existido. Em outra s palavras, ele não queria resgate algum por aquele dia, que,  no  seu  entender,  jamais  deveria  ter   existido.  A  linguagem  é  poética, procurando capta r todo o drama e lamento do patriarca.

      “A escuridão tome  aquela noite,  e não se  goze  entre os d ias do ano, e  não  entre  no  número  dos  meses!”  (3.6).  Albert  Barnes  (2015,  p.  2077) destaca o seguinte:  

    A  palavra  “escuridão”,  no  entanto,  não  expressa  bem  a  força  do original. A palavra ôphel é poética e denota trevas mais intensas do que  é  denotada  pela  palavra  que  geralmente  é  traduzida  como “trevas”  chôshek.  São  trevas  acompanhadas  de  nuvens  e  de tempestades.  Herder  entende  isso  como  significado,  que  as  trevas devem tomar conta daquela noite e levá-la embora, para que não se junte  a os  meses  do  ano.  Mas  o  verdadeiro  sentido  é  que    desejou ser  mergulhado  em  trevas  tão  profundas,  que  nenhuma  estrela surgisse sobre ele; nenhuma luz fosse vista.

     “Amaldiçoem-na  aqueles  que  amaldiçoam  os  dias,  que  são  peritos em  suscitar  o  leviatã”  (3.8,  Almeida  Recebida).    recorre  àqueles  que poderiam despertar o leviatã, um monstro marinho da cultura semítica. O termo  ocorre  seis  vezes  no  texto  hebraico  e  é  traduzido  às  vezes  como serpente, dragão e crocodilo (Jó 3.8; 41,1; Sl 74.14; Is 27.1).⁵⁹ Acreditava -se ser  um  monstro  dos  mares  com  poderes  de  engolir  os  d ias  e  as   noites.  A Septuaginta  traduz  como  ketos,  com  o  sentido  de  “criatura  marinha enorme” (Muraoka, 2009, pp. 396,397). Na cultura semítica, é considerado uma das primeiras criaturas criadas por Deus. É interpretada d essa forma na  tradução  dos  LXX  em  Gênesis  1.21.  Na  sua  linguagem  poética,  Jó desejava  que  o  leviatã  pudesse  dar  fim  ao  dia  do  seu  nasci mento,  pois , dessa forma, o seu sofrimento não existiria.⁶⁰ 

    “Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a  luz, e não venha;  e  não  veja  as  pestanas  dos  olhos  da  alva!”  (Jó  3.9).  O  versículo  9 encerra a primeira seção sobre o lamento de Jó: Por que nasci? E ra o desejo de    que  as  estrelas  da  alva,  entendida  pelos  intérpretes  como  sendo  o planeta Vênus e Mercúrio (Champlin, 2001, p. 1875) não tivessem brilhado na noite da sua concepção. Na sua linguagem poética, Jó compara o nascer do dia a  uma pessoa que, ao despertar pela manhã, abre as suas pálpebras e vê as luzes do dia raiando. O desejo de Jó era que não houvesse nenhum luzeiro  no  Universo  para  reluzir  os  seus  raios  sobre  o  fatídico  dia  do  seu nascimento.

      “Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos a canseira” (3.10). Alguns autores entendem a expressão “fechou as portas  do  ventre”  como  representando  o  momento  da  concepção  (Zuck, 1981,  p.  29),  enquanto  outros  entendem  como  uma  referência  ao nascimento  (Andersen,  2008,  p.  103).  Todavia,  como  destaca  Ande rsen acertadamente,  seja  como  for,  o  sentido  está   em    desejar  nunca  ter nascido.

     Como    foi  destacado  neste  livro,  antes  de  qualquer  crítica  que  se faça a Jó pelo seu questionamento, é necessário entender o mundo cultural no  qual    vivia.    vivia  e  r espirava  uma  cultura  da  honra,  onde  ser desonrado  era  pior  do  que  a   morte.  Era  exatamente  o  que  estava acontecendo  ou  iria  acontecer  com  maior  intensidade  com  Jó.  Como  u m homem bom, justo, piedoso e temente a Deus podia ser submetido a  uma situação  vexatória  daquelas?  Estaria  ele  vivendo  uma  espiritualidade  ou religiosidade  de  fachada?  O  que  as  pessoas  pensariam  dele?  E  os  seus amigos? Para um homem honrado, isso doía mais do  que a própria morte.  

       POR QUE NÃO NASCI MORTO? (3.11 -19)

      Por  que  não  morri  eu  desde  a  madre  e,  em  saindo  do  ventre,  não expirei?  Por  que  me  receberam  os  joelhos?  E  por  que  os  peitos,  para  que mamasse?

     Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e, então, haveria repouso  para  mim,  com  os   reis  e  conselheiros  da  terra  que  para  si edificavam  casas  nos  lugares  assolados,  ou  com  os  príncipes  que  tinham ouro,  que  enchiam  a s  suas  casas  de  prata;  ou,  como  aborto  oculto,  não existiria; como as crianças que nunca viram a luz. Ali, os maus cessam de perturbar;  e,  ali,  repousam  os  cansados.  A li,  os  presos  juntamente repousam e não ouvem a voz do  exator. Ali, está o  pequeno e o grande, e o servo fica livre d e seu senhor.  “Por  que  não  morri  eu  desde  a  madre  e,  em  saindo  do  ventre,  não expirei?”  (3.11).  As  questões  de  ordem  retórica  têm  continuidade  no argumento  d e  Jó.  Ele  questionara   por  que  havia   sido  concebido,  e  agora ele indaga por que não nasceu morto. D esse ponto em diante, Jó não mais amaldiçoa,  mas  questiona.  O  primeiro  questionamento  é  por  que  não morreu ao nascer. A expressão hebraica   

    (3.11)  possui  o  sentido  de  “natimorto”,  isto  é,  alguém  que    nasce morto. A morte, portanto, era vista como uma libertação da dor.

      “Porque    agora  jazeria  e  repousaria;  dormiria,  e,  então,  haveria repouso  para  mim,  com  os  reis  e  conselheiros  da  terra   que  para  si edificavam casas nos lugares assolados” (3.13,14). Não se deve pensar aqui que    não  tivesse  perspectiva  com  a  vida  pós-morte.  Em  outra  parte  do seu livro, Jó demonstra acreditar na vida eterna (Jó 19.25). Na verdade, Jó vê  a  morte  aqui  como  u m  grande  nivelador  social  (Estes,  2013,  p.  823).  

     Todos  são  iguais  no  túmulo.  Tanto  reis  como  príncipes  e  plebeus  são iguais na sepultura . Não importa o que fizeram em vida.

      “ou,  como  aborto  oculto,  não  existiria;  como   as  crianças  que  nunca viram a luz” (3.1 6). A palavra hebraica nephel possui o sentido de aborto. É  traduzida  dessa  forma  no  Salmo  58.8  e  em  Eclesiastes  6.3.    cita  o aborto,  mas   não  faz  uma  defesa  dele.  Alguns  escritores  acreditam  que  o texto paralelo de Eclesiastes 6.3  apoiaria a prática do nephel (aborto).⁶¹

               POR QUE CONTINUO VIVO ? (3.20-26)

       Por  que  se    luz   ao  miserável,  e  vida  aos  amargurados   de  ânimo, que esperam a morte, e ela não vem; e cavam em procura dela mais do  que  de  tesouros  ocultos;  q ue  de  alegria  saltam,  e  exultam, achando  a   sepultura?  Por  que  se    luz  ao  homem,  cujo  caminho  é oculto, e  a quem Deus  o encobriu?  Porque antes do  meu pão  vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água. Porque o que  eu  temia  me  veio,  e  o  que  receava  me  aconteceu.  Nunca  es tive descansado,  nem  sosseguei,  nem  repousei,  mas  veio  sobre  mim  a perturbação.

       “Por que  se dá  luz ao  miserável, e  vida aos amargurados de  ânimo, que  esperam  a  morte,  e  ela  não  vem;  e  cavam  em  procura  dela  mais  do que  de  tesouros  ocultos”  (3.20,21).  Aqui  tem  início  o  terceiro  bloco  de questionamentos  de  Jó.  Agora,  ele   pergunta  a  si  mesmo  por  que continuava  vivo.  O  sofrimento  faz  com  que  o  aflito  e  o  amargurado  de alma  desejem  a  morte  como  uma  forma  de  livra mento.  Isso  não  é incomum  em  pessoas  que  experimenta m,  por  exemplo,  grandes  dores físicas  e  até  mesmo  psicológicas.  Todavia,  convém  dizer  que  querer  a morte  para  ver-se  livre  da  aflição  é  bem  diferente  de  da r  fim  à  própria vida.  Alguns  homens  de  Deus  na  Bíblia,  como  Jonas  e  Elias,  desejaram morrer  quando  foram  submetidos  a   grandes  tensões,  mas  nenhum  deles pensou em tirar a própria vida, pois a vida para esses profetas era um dom de  Deus  e  somente  Ele  poderia  tirá-la.  Deus  seria  sempre  o  agente  dessa ação,  e  não  eles  próprios.  Jonas  disse:  “Peço -te,  pois,  ó  Senhor,  tira-me  a minha  vida,  porque  melhor  me  é  morrer  do  que  viver”  (Jn  4.1);  de  E lias está  dito:  “ [...]  e  pediu  em  seu  ânimo  a  morte  e  disse:    basta,  ó  Senhor; toma  a gora  a  minha  vida,  pois  não  sou  melhor  do  que  meus  pais”  (1   Rs 19.4). Como Jó, esses homens experimentara m momentos desesperadores ou  grandes  conflitos psicológicos,  mas continuaram lutando pela  vida.  O suicídio nunca deveria ser visto como um bem (At 16.27,28). Biblicamente, ele é sempre um mal. Em primeiro lugar, é um mal para quem o comete e, também, um mal para os familiares de quem se  suicidou. Jackson (2011, p. 61) destaca o seguinte:

      Em  toda  a  Bíblia,  o  suicídio  nunca  é  apresentado  como  uma  opção para  o  crente. Pelo  contrário,  é  o  incrédulo quem  escolhe  o  suicídio para escapar de ser morto pelos inimigos (cf. 1 Sm 31). Escolher viver enquanto  se  deseja  morrer  é  u ma coisa  (ver  Jr  8.3;  Ap  9 .6). Tomar  a questão  em  suas  próprias  mãos  é  outra  completamente  diferente. Dado  o  estado  mental  de  Jó,  deve  ter  havido  algo  mais  na  sua compreensão da realidade que o impediu de dar esse passo. 

       Um problema que precisa ser levado em conta em relação a o suicídio é  a  questão  relacionada à   responsabilidade moral.  Não    dúvida de  que o  suicídio  é  um  a tentado  contra  a  própria  vida,  que  é  um  dom  de  Deus (Gn  9.6).  Nesse  caso,  parece  impossível  escapar-se  da  responsabilidade moral.  Todavia,  alguns  teólogos  parecem  argumentar  que  não  há responsabilidade  moral  no  caso  de  u m  suicida  porque,  segundo acreditam, não há  consciência moral por parte de quem pratica tal ato.⁶² 

      “Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?” (3.23). No capítulo 1 do livro de Jó, Satanás argumentara que a  fidelidade  de    dava-se  em  razão  de  uma  cerca  que  Deus  havia  posto em volta dele. Deus protegia a Jó (1.10). Agora, Jó faz uma reclamação no sentido  contrário.  Ele  cria  que  estava  preso  d entro  das  muralhas  do sofrimento.  A  angústia  cercava-o  de  todos  os  lados.  Por  desconhecer  os bastidores  da  tentação,    cria  que  Deus  seria  quem  o  prendera.  O patriarca reclama e questiona, mas  não blasfema.

             A Fragilidade Humana e a Soberania Dívina

                José Gonçalves


                                 


Capítulo  9

Jó Amaldiçoa o Dia do seu Nascimento

Introdução

A jornalista evangélica Andréia Di Mare perguntou-me, quando eu finalizava este livro, quanto tempo durara a provação de Jó. Confesso que, até aquele momento, não havia atinado ainda sobre o assunto. Reparei então que, se lermos atentamente a história do patriarca, haveremos de constatar que a tribulação do paciente servo de Deus pode haver se estendido por quase um ano. Levemos em conta alguns fatores.

    Desde que as calamidades começaram a se abater sobre Jó, até à chegada de seus amigos, temos pelo menos três semanas.  Pois  Elifaz,  Bildade  e Zofar tiveram  de  se  deslocar  de longínquas regiões até à terra de Uz. Aqui chegando, quedaram- se emudecidos por sete dias; faltavam-lhes palavras para consolar alguém que não podia ser consolado.

  Finda  aquela semana,  pôs-se Jó  a  falar.  Suas  primeiras alocuções foram de amarga maldição contra o dia de seu nas c imento.  Se  o  Diabo  esperava  fosse  o  patriarca dirigir  suas invectivas  contra Deus,  enganara-se.  Em  momento  algum, portou-se Jó de maneira blasfema e irreverente em relação ao Senhor Deus.

     A pergunta da irmã Di Mare é uma resposta mui oportuna; revela que o perseverante varão, antes de endereçar todos aqueles  reptos  contra o  seu natalício, suportara pelo menos um mês de resignada dor. Embora não saibamos exatamente quantos dias durou a sua prova, de uma coisa temos certeza: foi mais do que podia suportar um ser meramente humano.

           I. Jó Amaldiçoa o seu Dia Natalício

Até este momento, comportara-se Jó de maneira irrepreensível. Diante de todas aquelas tormentas, tivera ele a necessária humildade e  ousadia de lançar-se  em terra,  e adorar  a Deus. O autor sagrado adianta que, em tudo isso, não pecara ele contra o Senhor (Jó 1.22).

   Mas, agora, já desfigurado pela doença e já em tudo uma pavorosa ruína, põe-se a amaldiçoar o seu dia natalício. E ele o faz diante de seus três amigos: Elifaz, Bildade e Zofar.

I.                  Jó amaldiçoa o dia do seu nascimento.

Atentemos ao que narra o autor sagrado:  “Depois disto, abriu Jó a boca e amaldiçoou o  seu dia” (Jó  3.1).  O  verbo amaldiçoar usado, nesta passagem, é mui significativo em hebraico: qâlal denota as seguintes ações: tratar com menosprezo, desprezar.

   Com a palavra, o patriarca Jó:

   “Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!  Converta-se  aquele  dia em trevas;  e Deus, lá de  cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz! Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; negros vapores do dia o espantem! A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número dos meses!” (Jó 3.3-6).

   Sim, ele amaldiçoa enfaticamente o dia de seu nascimento. Em momento algum, porém, desfere qualquer palavra contra o Senhor, conforme salienta F. B. Meyer: “Jó abre a boca com uma maldição. Mas ela não era contra Deus, como Satã espe rava. A palavra hebraica é diferente  da que  ele  emprega (Jó2.9). Ele não amaldiçoa Deus, mas o dia do seu nascimento, e pede que sua existência despojada e sofredora possa terminar o mais depressa possível. As palavras de Jó são muito proveitosas para todos aqueles cujo caminho é oculto. A alegria da vida se foi? Todavia seus deveres permanecem. Continuemos nestes e o caminho nos levará de volta à luz”.

     Na noite em que Jó nasceu, houve não somente luz, como música: “Ah! Que solitária seja aquela noite e suave música não entre  nela!” (Jó  3.7).  Entretanto,  almeja agora não somente apagar aquela luz que lhe iluminou o nascedouro, como sufocar a melodia que lhe embalou os primeiros instantes na terra.Sofocleto  chegou  a  considerar  o  seu  aniversário  como aquele pesado tributo a que era obrigado a pagar para continuar existindo. Em contrapartida, Moisés, diante da brevidade da vida humana; ante os sofrimentos que nos cercam; defronte de todos os enfados e canseiras que nos rodeiam; e já em frente ao inexorável da existência, uma só coisa pediu ao Senhor:  “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio” (SI 90.12). Que estou eu sugerindo? Não era sábio o coração de Jó? Então, por que amaldiçoa o dia de seu natalício?

     Seria razoável todo aquele amargor? Responderia ele que sim,  como Jonas  o  fez  diante  da  aboboreira  ressequida (Jn4.9). No auge do crisol, todas as coisas nos parecem razoáveis e lógicas. Mas, passada a tormenta, percebemos quão ilógicos nos portamos (Jó 42.3).  E em nossa ilogicidade que mostra Deus toda a beleza de sua razão.

    2.  Os  amaldiçoadores  profissionais. 

Buscando  tornar ainda mais forte a imprecação que lançava contra o dia de seu nascimento,  deseja  agora  o  patriarca  que  um  amaldiçoador profissional ajude-o a cobrir de impropérios a noite em que veio  à luz:  “Amaldiçoem-na aqueles  que amaldiçoam o  dia, que estão prontos para fazer correr o seu pranto” (Jó 3.8).

    Se Jó deseja esconjurar a noite, por que busca os préstimos daqueles que anatematizam o dia? Infelizmente, muitos são os amaldiçoadores profissionais. Sem carteira assinada e sem contrato formal de trabalho, ajuntam-se em sindicatos para regulamentar suas imprecações e defender seus esconjuros. Competentes em seu ofício, sempre acabam por imprecar o próprio Deus.Não se ajunte aos tais. Por mais difícil que lhe seja a situação, lembre-se de Paulo.

   Não obstante os sofrimentos, as provações e as angústias que sobre si recaíam, ainda encontrava forças para exortar os fiéis: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (I Ts 5.18).

    Thomas Goodwin mostra quão belo e inefável é o agradecer:  “As mais doces bênçãos são conseguidas com oração e usufruídas com ação de graças”. O que estamos insinuando? Que não  era Jó agradecido  a Deus?  No  entanto,  é nos momentos de grande tormento que devemos tributar as mais exaltadas  ações  de graças  àquEle que,  segundo  a sua soberania, pode tanto nos dar a vida, como nos tirar a existência.

             II. A Alma Amargurada Requer

Coisas nada RazoáveisEnquanto amaldiçoava o seu natalício, Jó pôs-se a requerer de Deus algumas coisas que, se atendidas, colocariam em risco a própria harmonia da criação. Infelizmente, é assim mesmo que agimos ao sentir a ardência do crisol. Nesses instantes, a oração parece lógica e a  petição,  razoável;  depois,  nem lógicos  nem razoáveis se nos mostram os insistentes rogos.

      I.  A mecânica celeste.

     Em primeiro lugar, pede Jó ao Senhor que altere a mecânica celeste: “Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha; e não veja as pestanas dos olhos da alva!” (Jó  1.9). Fosse Deus ouvir a petição de seu servo, haveria de tirar ao sol toda a claridade, e à terra, o movimento de rotação; a astronomia perderia a sua estabilidade.

     Se é o sol que alumia a maioria das estrelas; se é o sol que lhes empresta não somente a luz, mas igualmente a beleza e a poesia; se é  o sol,  cujos raios,  incidindo sobre outros corpos celestes, transforma-os em referências aos viajores que, singrando os mares, ou rompendo os limites dos continentes, necessitam de orientação sempre segura; se é o sol que governa o dia, e à noite, faz-se representar pela lua e pelas  estrelas que pontilham os céus, por que haveria o Senhor de escurecê-lo?

    Não satisfeito, reivindica o patriarca a Deus: “Converta- se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz!” (Jó 3.4). Sabe o que representa tal prece? A paralisação completa da terra, tornando-lhe  sem efeito  o  movimento  de rotação,  através  do  qual são gerados os dias e as noites. Naquele longo dia de Josué, o planeta não sofreu grandes prejuízos por haver o Todo-Pode- roso agido miraculosa e providencialmente (Js 10.12). Suponhamos, porém, haja qualquer diminuição ou aumento na rotação da terra; imaginemos que essas alterações durem apenas desprezíveis  segundos  seja para mais,  seja  para menos;  que conseqüências sofreria a terra?

    Se a rotação do planeta se fizer mais lenta, haverá um aumento considerável na temperatura, tornando a vida aqui insuportável; se mais rápida, haveremos de registrar ventos de até dois mil quilômetros por hora. E como seriam insuportáveis as noites  mais longas,  e mais  compridos os  dias! Eis  por que o Senhor, em sua infinita sabedoria, criou leis fixas a fim de que a vida na terra fosse viável (Gn 1.15-18; SI 136.8; Jr 33.20).

     Entretanto, requer Jó modifique o Senhor tais leis, para que se apague da história o seu natalício. Não ouvira o Senhor a Josué tornando longo aquele dia em Gibeão? E por que deixaria de atender ao pedido de Jó  que, na galeria dos santos, acha-se entre os três maiores? E os graus no relógio de Acaz? Não retrocederam dez pontos na sombra? (2 Rs 20.11). Por que teria Jó o seu ofício indeferido?

     Embora transcenda o sobrenatural, Deus opera racional e logicamente, no terreno do natural: não pode contrariar as leis que Ele mesmo criou. E se por acaso as suspende, não age de maneira absurda;  põe-se a atuar,  então, no  território das coisas impossíveis. Se cremos, de fato, em milagre, temos de considerar razoável o  instituto  das  impossibilidades que  fazem-se possíveis no âmbito divino. Afirmou, certa vez, o pastor José Wellington Bezerra da Costa que Deus é especialista em coisas impossíveis. Aleluia!

    Não podemos ignorar, outrossim, a licença poética com que o  atribulado Jó pôs-se a amaldiçoar o dia de seu nascimento.  Ilógico  o  seu poema?  Nada racional  o  seu  cântico?

     Quando metidos em lutas, reivindicamos coisas tão irrazoáveis a Deus que, fosse Ele ouvir-nos, comprometeria de vez a harmonia da criação e haveria de nos pôr em risco a alma.

    Os  judeus  ortodoxos  costumam  orar:  “Senhor,  jamais ouças a oração dos viajantes, a fim de que não morramos de fome”. Pois todos os que viajam rogam a Deus: “Senhor, que hoje não chova”. Você sabe quantas orações dessas são feitas todos os dias? E a lavoura como haveria de vingar?

      2.  As leis da biologia.

    Em seguida, insta o patriarca ao Senhor a que modifique as leis da biologia:  “Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos  a canseira” (Jó 3.10). Por que tal petição? Não se haviam casado os pais de Jó? Não haviam coabitado? Então, por que Jó não haveria de ser concebido? Já pensou fosse o Senhor impedir o nascimento  de todos os atribulados? O mundo  estaria assolado e desértico. Pois, conforme diz o salmista, o homem nasce para o enfado (SI 90.10).

    Ora, se não impediu o Senhor o nascimento de Caim; se não fechou o útero que acalentaria a Ninrode; se não cerrou a madre àquele  faraó  que tanto  fustigaria os israelitas;  se não tornou estéril a concepção  do Herodes que mataria os inocentes, procurando assassinar o menino Jesus; se não frustou a geração de" monstros como Nero, Stalin, Hitler, Mao Tsé-tung e Pol Pot, como impedir que um santo, como Jó, fosse dado à luz? Parece-lhe isto razoável?

    E quanto  aos que sofrem, não seria melhor fossem eles abortados?  Abortar  um  Noé?  Um  Davi?  Um  Lázaro  de Betânia?  Como  seria  o  mundo  miserável  fossem  tais  vidas sacrificadas  no  nascedouro  da vida  E o  Senhor Jesus? Não experimentou Ele o sofrimento dos sofrimentos? E se aborta  do,  onde estaríamos?  Mas,  graças  a Deus, porque o  castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e por suas pisaduras fomos sarados.

     Não  estamos insinuando seja  o aborto um ser humano incompleto;  é um ser humano  tão  pleno  quanto  eu  e você. Todavia,  se não  tem o  embrião a  oportunidade de nascer e formar-se,  como haverá de  servir  a Deus em sua plenitude? Até o próprio Cristo, sendo Ele verdadeiro Deus e verdadeiro homem,  teve  de naturalmente  nascer,  embora sobrenaturalmente concebido, a fim de que nEle fosse cumprido todo o plano redentor de Deus.

     Querido irmão, Deus não precisa alterar a mecânica celeste nem contrariar as leis biológicas para resolver o seu problema. Tem Ele um modo próprio e bem particular para tratar conosco e resolver-nos todos os problemas. Não se desespere!

     III. 0  que Aconteceria se a Petição de Jó  Fosse Ouvida

   Ainda bem que Deus não nos ouve todas as orações. Caso o fizesse, seriamos as mais infelizes das criaturas (Tg 4.1-3). Em seu grande e infinito amor, Ele, às vezes, acena-nos com um sim; outras,  sinaliza-nos com um não; e, ainda,  como se nos fora exercitar na paciência,  tão somente  diz-nos:  espere (SI  40.1).  Levemos  sempre  em  conta  a  sua  soberana  e inquestionável vontade (Rm 12.2).

     E se Deus, sabendo de antemão que Jó lhe apresentaria semelhante rogo, resolvesse não lhe permitir a concepção? Seriamos hoje mais pobres espiritual, teológica e literariamente. Pois o Livro de Jó é uma das maiores obras-primas de todos os tempos. Além disso, consideremos o problema que o livro sagrado elucida-nos acerca do sofrimento do justo. E o exemplo do patriarca? Como achar semelhante paradigma de integridade, paciência e amor provado?

   Cerceado pela dor, o patriarca rogou a Deus que lhe riscasse  da história o  dia de  seu nascimento.  O  que Jó  talvez ignorasse, naquele momento de repassadas angústias, era que tanto o dia de seu natalício quanto o daquela agonia haviam sido feitos por Deus. Portanto, que se regozijasse neles! Em sua epístola aos filipenses, Paulo, em diversas ocasiões, exorta seus leitores a se alegrarem no Senhor (Fp 4.4).

     O Cristianismo é a religião da alegria e do regozijo. Aleluia!

     IV Este É o Dia que Fez o Senhor

    O dramaturgo inglês William Shakespeare declara através de  um  de  seus  personagens:  “Um  dia  assim  tão  feio  e  tão bonito, não vi jamais”. Assim também o dia da provação de Jó. Um dia que, apesar de feio, mostrava-se bonito. Embora naquele momento de provação, o patriarca tudo achasse desfigurado e cinzento, a verdade é que, aos olhos de Deus, havia uma indescritível beleza em toda aquela dor,  e um colorido em todo aquele ardentíssimo crisol. Acredito que, dia como aquele de Jó, ser humano jamais veria.

     Em  sua sabedoria espiritual, Jó  aceitou resignadamente todas as provações que lhe enviara o Senhor. Se havia recebido o dia da abastança, por que recusaria o dia da carência? Se no primeiro havia alegria, por que não haveria regozijo no segundo? Aliás, é o que professa o salmista.  Louvando ao Senhor pelo fato de o haver livrado de todos os seus adversários, canta o rei Davi: “Este é o dia que fez o SENHOR; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (SI 118.24).

     O que significa regozijar-se? É uma alegria que excede todas  as  alegrias;  uma  alegria transcendente  e  que não  se  acha condicionada por nenhuma circunstância. O pensador japonês Toyohiko Kágawa revela,  em meio  às  aflições,  a grandeza da alegria que lhe ia na alma: “Apesar de estar cronicamente doente, sou capaz de viver como uma pessoa normal, porque tenho alegria — alegria à noite, alegria de dia, alegria na oração”. Sim, o que significa regozijar-se? Canta mais uma vez o salmista:  “Este é o  dia que fez o  Senhor. Regozijemo-nos  e alegremo-nos nele”. Ouça a eufonia hebréia: zeh-haíom asahYaveh nagilah venisemeah bo. O verbo semeah traz as seguintes conotações: regozijar-se, alegrar-se  intensamente,  entreter-se. Portanto,  é possível regozijar-se mesmo no pior temporal; logo após, enviará o Senhor a bonança. Em Deus, somos de contínuo surpreendidos pela alegria.

                        Conclusão

    Talvez esteja você, em razão de alguma tribulação, maldizendo o dia do seu nascimento. Em todas as coisas, regozije- se em Deus. Não permita que a tristeza lhe tome o coração, nem lhe roube a alma.

     Jó muito sofreu. Se num momento, veio ele a amaldiçoar o dia do seu nascimento, disto se arrependeu no pó e na cinza. E, assim, Deus o reabilitou, pois jamais proferiu qualquer palavra contra o Senhor.

      Todos os nossos dias são preciosos ao Senhor. Que aprendamos a contá-los a fim de que alcancemos corações sábios.

                         COMENTÁRIO DE JÓ CLAUDIONOR DE ANDRADE

 



Jó 3

B. A Impaciência de Jó. 3:1-26.

 Entre as alturas da serenidade espiritual do prólogo e do epílogo, estende-se o abismo da agonia espiritual de ló. A descida e a subida do abismo ficam marcadas por mudanças súbitas e dramáticas de temperamento espiritual. Estas foram descritas em breves passagens transicionais (isto é, caps. 3; 42:1-6). O primeiro delas descreve o mergulho assustadoramente abrupto da paciência às profundezas do abatimento.

1. Amaldiçoou o seu dia. O que transformou as submissos doxologias de ló em incontidas imprecações? Teria a sua resistência espiritual se esgotado pelos dias e noites de desespero físico? Ou teria, à vista dos distintos companheiros de sua antiga prosperidade, revivido nele as honras desaparecidas e a felicidade do passado? Ou será que o rosto dos seus amigos, horrorizados, cheios de piedade inexprimível, refletiam de maneira horrível a feiúra do seu presente? A chave não se encontraria na identidade dos seus amigos que eram "homens sábios?" A presença taciturna desses filosóficos intérpretes da vida não poderiam deixar de levar Jó a filosofar sobre a sua trágica experiência. Mas quanto mais intensamente procurava uma explicação para ela, mais ansiosamente cônscio ele se tornava da parede misteriosa que o aprisionava. À procura do por que, ele logo perdeu o Caminho. Obcecado pelo terror de ter sido abandonado por Deus, ele amaldiçoou sua vida desamparada. Nem a esta altura nem mais tarde Jó cumpriu as predições satânicos de que renunciaria a Deus com uma maldição. Amaldiçoando a sua própria existência, entretanto, Jó, realmente, atreveu-se a discutir com o Soberano que a decretara. Tudo o que não é de fé é pecado; portanto, eis aí a necessidade do arrependimento de Jó (cons. 42:1-6) para renovar a sua paz com Deus.

 3-10. A inevitável presente miséria de Jó obstrui as lembranças dos felizes anos passados quando ele lamenta o fato de ter nascido. Que o Todo-Poderoso não o faça se lembrar do dia em que nasceu (v. 4), mas que reclamem-no as trevas e a sombra de morte (v. 5a). Se a noite de sua conceição pudesse ser apagada do calendário do tempo (v. 6), ou o monstro marinho (v. 8b, ASV, leviatã, símbolo mitológico do inimigo da ordem cósmica) pudesse engoli-lo no caos.

 11-19. Por que? Imprecação explosiva produz lamentação de autopiedade. Por que, já que fora concebido e nascera, não ficara entre os abortos ou natimortos (vs. 11, 16)? Até o confinamento da negra sepultura – ainda não provérbio entre os homens desprezíveis e loucos, participaria da sorte comum dos reis e príncipes (vs, 14, 15); ali todos aqueles que são afligidos pelos "maus" e pelos senhores encontram alívio das perturbações humanas (vs. 17-19).

20-26. Por que, não tendo nascido morto, mas tendo sido bem recebido e nutrido (v.12), sua vida miserável teve de continuar? Quando a lamentação se aproxima do fim, Jó finalmente anuncia seu problema básico : Por que Deus concedeu a luz da vida ao homem cujo caminho é oculto, e a quem Deus cercou de todos os lados (v. 23; cons, v. 20). A palavra que Satanás usou para descrever Jó como "cercado com sebe" por todos os lados com o favor de Deus (1:10), agora Jó usa referindo-se a alguém que está "tolhido" por Deus através de trevas e desfavores.

 III. Juízo : O Caminho da Sabedoria Obscurecido e Iluminado.

                                         4:1 – 41:34.

A.   O Veredito dos Homens. 4:1-37:24.

Considerando que o diálogo de Jó com seus amigos relacionava-se mais com a lamentação de Jó do que diretamente com suas calamidades, a missão dos amigos assume mais os ares de um julgamento do que de consolo pastoral e continua assim progressivamente em cada sucessivo ciclo de discursos. (Em relação à estrutura cíclica do diálogo, veja o Esboço acima.) Os amigos assentaram-se como em um conselho de anciãos para julgarem o ofensor clamoroso. A avaliação da culpa de Jó envolve discussão dos aspectos mais amplos do problema da teodicéia, mas sempre com o caso particular de Jó e a condenação à vista. Portanto, para Jó o debate não consiste em um estudo imparcial e acadêmico do sofrimento em geral, mas uma nova e dolorosa fase dos seus sofrimentos. Os amigos são enganados por seu apego à tradicional teoria, ajudando e favorecendo a Satanás em sua hostilidade contra Deus, e obscurecendo o caminho da sabedoria para Jó, o servo de Deus. Mas o debate serve para silenciar esta sabedoria do mundo e assim prepara o iluminada pela glória da ressurreição de Cristo – parecia muito melhor do que a sua existência. Ali Jó, um pária e um caminho para a apresentação da via de acesso da aliança para a sabedoria, que são apresentados nos discursos de Eliú e o Senhor. Novamente, no apelo que Jó faz dos vereditos humanos ao supremo tribunal, expresso em seu apaixonado anseio de expor o seu caso diante do Senhor, o debate busca a manifestação visível de Deus.

                                 Jó (Comentário Bíblico Moody)

 


 

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