Texto Áureo
“E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu
tornarei para lá; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do
SENHOR.”
(Jó 1.21)
Verdade
Prática
A despeito das grandes provações que se abatem em nossa vida, à luz do exemplo de Jó, devemos permanecer fiel ao Senhor.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE
Jó
1.13-22; 2.6-8
Jó 1:13-22
13- Certo dia, quando os filhos e as filhas de Jó estavam num banquete,
comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho,
14- um mensageiro veio dizer a Jó: “Os bois estavam arando, e os jumentos
estavam pastando por perto,
15- e os sabeus atacaram e os levaram embora. Mataram à espada os
empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “
16- Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse:
“Fogo de Deus caiu do céu e queimou totalmente as ovelhas e os empregados, e eu
fui o único que escapou para lhe contar! “
17- Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse:
“Vieram caldeus em três bandos, atacaram os camelos e os levaram embora.
Mataram à espada os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “
18- Enquanto ele ainda estava falando, chegou ainda outro mensageiro e
disse: “Seus filhos e suas filhas estavam num banquete, comendo e bebendo vinho
na casa do irmão mais velho,
19- quando, de repente, um vento muito forte veio do deserto e atingiu os
quatro cantos da casa, que desabou. Eles morreram, e eu fui o único que escapou
para lhe contar! “
20- Ao ouvir isso, Jó levantou-se, rasgou o manto e rapou a cabeça. Então
prostrou-se no chão em adoração,
21- e disse: “Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o
deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor “.
22- Em tudo isso Jó não pecou nem de nada culpou a Deus.
6-O Senhor disse a Satanás: “Pois bem, ele está nas suas mãos; apenas
poupe a vida dele”.
7- Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas
terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça.
8- Então Jó apanhou um caco de louça com o qual se raspava, sentado entre
as cinzas.
INTERAGINDO
COM 0 PROFESSOR
Nesta lição veremos a calamidade que se abateu sobre
a vida de Jó. A partir desse drama temos a oportunidade de refletir a respeito
do sofrimento e o modelo de comportamento que o cristão deve ter para a própria
vida diante das adversidades. A realidade de Jó, muitas vezes, pode tornar-se
um espelho na vida de muitos cristãos. 0 que nos deve levar a reagir conforme o
que o Senhor Jesus ensinou aos seus discípulos.
Em nenhum momento nosso Senhor negou que teríamos sofrimento na vida. Nesse aspecto, a grande diferença entre quem tem confiança em Cristo está na forma que se passa pelo caminho do sofrimento. Assim, Jó é um grande exemplo de fé e paciência para os cristãos.
PONTO CENTRAL:
O sofrimento se abate sobre o justo
CONCLUSÃO
Nesta lição vimos o drama de Jó, que foi provado de uma forma dura no seu trabalho, família e saúde. Somente um homem com uma fé inabalável mantém sua lucidez diante de tantas catástrofes. Somente o Senhor pode manter o fiel de pé diante de calamidades dessa natureza. O Diabo chegou ao ponto máximo de pressão contra Jó, mas não conseguiu executar o seu intento. O patriarca permaneceu de pé diante da provação.
CPAD –A Fragilidade Humana e a Soberania Divina: Lições do Sofrimento e
da Restauração de Jó
Capítulo 04 – O Drama de Jó
E
sucedeu um dia, em que seus filhos e
suas filhas comiam e bebiam vinho na casa d e seu irmão primogênito, que veio
um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto
a eles; e eis
que deram sobre
eles os sabeus,
e os tomaram,
e aos moços feriram ao fio da espada; e eu somente
escapei, para te trazer a nova. Estando este ainda falando, veio outro e disse:
Fogo d e Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só
eu escapei, para te trazer a nova. Estando ainda este falando, veio outro e
disse: Ordenando os caldeus
três bandos, deram
sobre os camelos,
e os tomaram, e aos moços feriram
a o fio da espada; e só eu escapei, para te
trazer a nova.
Estando ainda este
falando veio outro
e disse: Estando teus filhos e tu
as filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis que um
grande vento sobreveio dalém do deserto, e
deu nos quatro
cantos da casa,
a qual caiu
sobre os jovens, e
morreram; e só
eu escapei, para te
trazer a nova. Então, Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou
a sua cabeça, e se lançou em terra, e
adorou, e disse:
Nu saí d o
ventre de minha
mãe e nu tornarei
para lá ; o
Senhor o deu
e o Senhor
o tomou; bendito
seja o nome do
Senhor. Em tudo
isto Jó não
pecou , nem atribuiu
a Deus falta alguma. (Jó 1.13-22)
UMA CONDIÇÃO HUMANA
O rabino
Abraham Shabot (2018,
p. 1483) destaca
que Jó foi
o “ser humano que mais sofreu na
história humana”. Poucas vozes discordaria m dessa assertiva.
É impossível ler
o prólogo do
livro de Jó
sem sentir o drama que passou esse patriarca. Jó, de
fato, sofreu muito. Todavia, não é apenas a realidade do sofrimento q ue deve
ser levada em conta no drama de Jó. A falta de explicação lógica para a
existência desse sofrimento, sem dúvida,
a gravou ainda mais
a sua dor.
Como nu m piscar
de olhos, Jó perde tudo o que havia construído e
juntado ao longo do tempo, restando-lhe muita dor e muitas perguntas sem respostas.
Ao colocar
o sofrimento em relevo,
o livro de
Jó mostra, com
isso, que o sofrimento
é uma realidade
da condição humana.
Não apenas Jó, mas também todos os humanos sofrem em um
grau maior ou menor. Não há como fugir
dessa condição. Fugir
dela seria fugir
de nós mesmos. Talvez por isso que o livro de Jó tenha
sido usado pastoralmente ao longo da
História da Igreja.
Gregório Magno (540–604
d.C), por exemplo, enxergava a
Jó como uma
figura do cristão
que está dedicado
ao seu progresso espiritual
e que chega
à perfeição mediante
as aflições e a s
provas da vida.⁴⁰ No contexto neotestamentário, o apóstolo Tiago toma Jó como
exemplo de resignação no qual os de mais crentes precisam inspirar-se (Tg
5.11).
DESTRUIÇÃO
DA CADEIA PRODUTIVA
“e
eis que deram
sobre eles os
sabeus, e os
tomaram, e aos
moços feriram ao fio da espada; e eu somente escapei, para te trazer a
nova” (1.15). No diálogo
que teve com
Deus, o Diabo
havia dito que Jó
estava protegido por uma cerca
(1.10). Satanás insinua
que, se essa cerca
não existisse, Jó
não seria o
que era. O
verbo hebraico suk, traduzido na ARA como cerca , é usado
com o sentido de proteger.⁴¹
Aparece ainda em
Jó 3.23 e
38.8. A ideia
d e proteção está
presente em todas essas
passagens. Satanás argumentou
que Deus cercara
a Jó protetoramente. A narrativa
do livro permite a dedução que essa
cerca estava posta em volta dos negócios de Jó, da sua família e dele
mesmo. O
salmista afirmou possuir
algo semelhante. “Tu me
cercaste em volta e puseste sobre mim a
tua mão” (Sl 139.5).
Na sua
soberania e com um propósito muito mais grandioso do que as mesquinhas
intenções d o maligno,
Deus permitiu que
esse obstáculo entre Jó e Satanás
fosse transposto, mesmo que isso
tenha acontecido de forma
temporária. Após Satanás
obter a permissão
de Deus para
o seu intento, os
problemas de Jó
tiveram início. Em
primeiro lugar, Jó
viu a incursão de ladrões contra
os seus rebanhos. A primeira incursão foi feita pelos sabeus,
uma tribo nômade.
Segundo Robert Alden
(1993, p. 1282), os
sabeus eram saqueadores
nômades descendentes de
Seba, neto de Abraão
(Gn 25:3). Eventualmente, eles
se estabeleceram na
parte mais meridional da
península arábica. Seba se tornou uma nação rica na época de Salomão.
O fato de
os sabeus serem
piratas indica um
tempo anterior ao da famosa rainha
de Sabá (1
Rs 10; 2
Cr 9). De Marib, capital
de Sabá, até onde achamos que Jó
morava, havia mais de mil quilômetros.
Eles a
tacaram o patrimônio de Jó e levaram primeiramente os bois e as jumentas. A
cadeia produtiva de Jó começou a
entrar em colapso. Sem dúvida,
os trabalhos no
campo foram interrompidos, acontecendo
o mesmo com a
produção de carne
e de leite.
Os que haviam
sido encarregados desse negócio pagaram com a vida.
“[...]
Fogo d e Deus caiu do
céu, e queimou as
ovelhas e os moços,
e os consumiu” (1.16).
Primeiramente os bois, as jumentas e os moços , agora a s
ovelhas e os moços.
Numa cultura agropastoril,
isso foi, sem dúvida,
um duro golpe
nos negócios de Jó.
O texto diz que
“fogo de
Deus” causara o
desastre. O desastre
fora grande, pois o
versículo 3 a firma que Jó possuía 7 mil ovelhas. Todas morreram em
consequência desse fogo. A expressão “fogo de Deus caiu do céu” é motivo de
debates entre os
teólogos. No século
V, Hesíquio de Jerusalém
(450), por exemplo,
negava tratar-se d e
um fenômeno atmosférico, mas
algo apenas parecido
e que fora
causado pelo próprio Diabo.
Portanto,
é o diabo mesmo, sob a aparência de fogo, quem caiu s obre os rebanhos
de ovelhas, pretendendo
forçar a Jó
blasfemar contra Deus, como
se fosse Ele quem destruía, desde os altos céus, os bens do justo.⁴²
Hesíquio,
portanto, nega que o Diabo possua poderes sobre as forças da natureza.⁴³ Com
isso, Hesíquio parece não querer transformar o Diabo num ser
onipotente, nem tampouco
Deus em agente
do mal. Por ou
tro lado, muitos outros
teólogos acreditam que
Satanás, tendo recebido
a permissão de Deus,
para provar Jó,
exerceu domínio s obre
esses fenômenos naturais. Elmer
B. Smick (1998,
p. 883), por
exemplo, destaca que a
expressão “ fogo de
Deus” é uma
maneira linguística de
descrever algo que veio do céu, sem, contudo, significar que Deus seja a
fonte nesse contexto. Da mesma
forma, Lutzer (2014,
pp. 44,45), ao
destacar que a natureza está sob maldição (Gn 3.17),
afirma:
Segue-se, então,
que Satanás poderia,
de fato, estar
envolvido em desastres naturais.
Temos um exemplo disso no livro de Jó, quando Deus deu permissão a Satanás para
destruir os filhos de Jó. Agindo segundo a direção de Deus e com
certas limitações, Satanás usou um raio
para matar o
rebanho e os
servos, e um
vento poderoso matou os dez filhos de Jó (Jo 1).
Assim
também, Michael Guinan (2017, p. 215) enxerga Satanás como o agente desses
ataques: “força s de destruição humana (sabeus e caldeus) e naturais
(raio e furacão)
são soltas pelo
Adversário, reduzindo o universo
de Jó ao
caos”. O sentido
desse texto e
o resumo dessas concepções teológicas são
expressos nas palavras de Fausset (1994,
p. 392): “o príncipe dos
ares recebeu per missão
para exercer controle
sobre esses
P á g i n a |
75 agentes destruidores”. Isso
significa que Deus
permitiu, não que determinou. Lutz er (2014, p. 47) destaca
o seguinte:
Muitos
teólogos que concorda m
que Deus está
no controle da natureza
enfatizam q ue Ele
não determina desastres
naturais, mas apenas permite
que aconteçam. Entender
a diferença entre
essas palavras é útil, especialmente visto q ue no livro de Jó Deus
permitiu que Satanás provo casse desastres para testar Jó. Contudo, lembre -se
de que o Deus que permite que desastres naturais aconteçam podia
escolher não permitir.
No próprio ato
de permitir que aconteçam,
Ele demonstra que
estão dentro dos
limites da sua
providência e vontade. O Diabo não
tem permissão para
agir além dos
limites estabelecidos por Deus. “[...] Estando ainda este falando, veio
outro e disse: Ordenando os caldeus três bandos, deram sobre os camelos, e os
tomaram, e aos moços feriram ao fio da espada; e só eu escapei, para te trazer
a nova” (1.17). Champlin (2001, p. 1868) destaca:
Os
caldeus ou chasdim
eram descendentes de
Naor, irmão d e Abraão
(Gn 22.20,22), os
quais se estabeleceram
na parte leste
d o país. Xenofonte (Cyropaedia,
1 .3.11) observou que
os caldeus eram
muito cruéis. Sabe-se que
esse povo se
misturou a árabes
vagabundos e, como eles, vivia do saque e do
assassinato.
Por sua
vez, Roy Zuck
(1981, p. 20)
corrobora esse fato quando
diz que “eram habitantes
ferozes e saqueadores
da Mesopotâmia.
Possivelmente vindos do
norte, em contraste
com os sabeus
vindos do sul.” Zuck
ainda destaca que
esses a taques foram
de surpresa . Aqui,
a ação de Satanás
atinge os meios
que Jó utilizava
para o transporte
de mercadorias: os camelos.
O texto de
Jó 1.3 afirma
que ele possuía
3 mil desses animais. Em termos
de hoje, não seria exagero dizer que Jó igualar- se-ia aos
grandes empresários do
ramo de transportes,
que, nas suas logísticas, utilizam dezenas de carretas
no transporte terrestre. Com tantos animais
juntos, os caldeus
u saram de estratégia
para alcançar o seu
intento: dividiram-se em
três grupos. João
Crisóstomo (347–407) in
loco no seu Comentario al Libro de Job, 1.17, destaca:
Não se
deve pensar que também estes golpes vieram de Deu s e que, além disso,
o demônio aumenta
desmensuradamente a magnitude da tragédia com a diversidade das
notícias . Desta maneira, se Jó em seu estremecimento diz que é Deus quem o
golpeia e, que, portanto, é preciso suportar”,
o Diabo lhe
reponde: mas observa,
também os homens te
ferem, não é
somente Deus quem
luta contra ti”.
Veja quão grande é
o poder do
Diabo e como
pôs em movimento
tanta gente ou como dotou de uma forma visível os demônios.
VENTOS SOBRE A FAMÍLIA
“[...] Estando
ainda este falando
veio outro e
disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo
vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis
que um grande
vento sobreveio dalém do deserto,
e deu
nos quatro cantos
da c asa, a
qual caiu sobre
os jovens, e morreram; e
só eu escapei, para te
trazer a nova” (1.18,19). Na série de
ataques que Jó
havia sofrido até
então, nenhum havia
sido tão doloroso como
esse. Perder bois,
jumentas, camelos e
até mesmo escravos, que
faziam parte das posses d os
seus donos, sem
dúvida causou-lhe sofrimento e
tristeza. Todavia, tudo
isso era, de
certa forma, suportável. Não eram os seus entes queridos. Entretanto,
com a família foi
diferente. Ela fazia
parte d a vida
de Jó. No Antigo Oriente, isso também valia para a cultura
semita. A ideia de família diferia muito daquela adotada posteriormente
na cultura ocidental.
Wolff
(2007) mostra a importância antropológica
do indivíduo no contexto social do mundo antigo a
partir da família judaica. Segundo
ele, no antigo Israel, o indivíduo é primeiramente membro da sua família. Ela é
chamada casa ou casa paterna. Dessa forma, até quatro gerações podiam
conviver nessa grande
família. Wolff (2007 ,
p. 324) lembra
que , nessa grande família,
além dos homens,
há as mulheres
associadas por casamento e as
filhas não casadas, ademais escravos e escravas, agregados e trabalhadores
estrangeiros. Se considerarmos que o número de filhos era grande, de modo que
um israelita com 20 anos facilmente era pai, com 40 anos, avô
e com 60
anos, bisavô e
que os irmãos
mais novos do
chefe da família, junto
com seus descendentes,
podiam fazer parte
da grande família, entendemos
facilmente que essa
grande família fornecesse
50 homens ao exército (1 Sm
8.12).
Em segundo
lugar, a s grandes
famílias são membros
de um clã. Wolff
(p. 324) destaca
que, à luz
do registro bíblico,
cerca de 20
famílias formavam um clã.
A chefia desse clã estava
a cargo dos anciãos, que também
exerciam jurisdição (1
Rs 21.8ss.).
Em terceiro
lugar, o clã
estava unido a uma tribo. As tribos formavam uma comunidade que morava
com os seus clãs
na mesma região.
À frente de
cada tribo, havia
um príncipe. Em quarto
lugar, a comunidade
das tribos chamava-se
“Israel” ou “casa de
Israel”. Essa “casa
de Israel”, como
o povo de
Iavé, formava uma unidade.
No período tribal,
um “juiz” com
capacidade carismática libertava
o povo.
Em quinto
lugar, no período monárquico, ao qual Wolff (p.
325) denomina de
período estatal, a
instância jurídica suprema
era ocupada pelo rei. Essa estruturação
familiar no contexto
do antigo Israel, evidentemente quando
vista no seu
estágio mais primitivo,
sem dúvidas mantinha alguma
similaridade com a
família vivida nos
dias de Jó.
Isso permite termos uma
noção do quanto
Jó sofreu ao
perder de uma
só vez todos os
seus filhos. O
homem que sempre
viveu em família agora
passa a viver sozinho. A cada ataque, a situação ficava cada vez mais
dramática, e o sofrimento de Jó só crescia.
Assim como o “fogo do céu” caiu
para destruir a fazenda de Jó, um “tornado
satanicamente orientado” (Champlin,
2001, p. 1868)
foi arremessado contra a sua família. Craig Keener (2 018) acredita qu e
há base bíblica para afirmar
que, sob certas
circunstâncias e quando
tem permissão para isso,
Satanás exerce influência
sobre fenômenos naturais, como, por
exemplo, provocar o “
vento do
deserto” (Jó 1.18,19).
Keener (2018, p. 206) narra um fato em que um fenômeno aparentemente
natural (a queda de
uma árvore) teria
destruído a sua
vida e a
de outras pessoas se Deus não os tivesse protegido.
Mesmo em se tratando de um fenômeno aparentemente natural, Keener diz não ter
dúvidas de que o Diabo estava por
trás daquela ação.
Segundo ele, a
sua convicção sobre
esse fato foi formada a partir d a leitura do livro de
Jó.
Então certo
dia estava lendo Jó
1 no hebraico
na minha devocional, e subitamente captei o que
havia lido muitas vezes antes: Satanás enviou um vento forte, fazendo uma casa ruir
sobre os filhos de Jó (Jó 1.12,19). Eu havia
escrito um comentário
de Apocalipse, em
que uma figura
maligna traz fogo do céu (Ap
13.13). Mas de algum modo isso
havia permanecido desconectado de minha
teologia sobre o real poder do
mal.⁴⁴ O que essas narrativas do livro de Jó mostram é que
não podemos subestimar as forças malignas.
O fato é
que o maligno,
mesmo que de
forma limitada, pode causar
danos físicos e materiais
sob certas circunstâncias. Por
outro lado, também não se pode
superestimá-las.
O que
não deve ser
esquecido é que,
sob quaisquer circunstâncias, quem teme a Deus estará
sempre protegido. Essa maneira de
enxergar as coisas evita a
presunção de achar
que Satanás é
um ser inoperante,
que não oferece mais
nenhum risco (ver
2 Co 2.11;
Lc 22.31 -34). Isso
também evita que se
caia num dualismo ,
onde Deus e
Satanás estão medindo forças um
com o outro
em pé de
igualdade. Como já foi demonstrado nesse texto, o Diabo é u m s er
cria do. Não é autoexistente, nem onipotente e muito menos todo-poderoso. Somente
Deus detém esses atributos.
“[...] e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor. Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (1.21 -22). Os ventos soprados por Satanás sobre os negócios de Jó e a sua família, sem dúvida, além de terem um poder devastador, também foram avassaladores. O objetivo era ver o patriarca blasfemar d e Deus. Mesmo diante de tanto sofrimento, Jó não blasfemou de Deus. “Jó demonstrou que é possível a devoção sem receber nada em troca. É possível a fidelidade a Deus à parte das bênçãos divina s. O que Deus havia falado sobre Jó era verdade” (Zuck, 1981, p. 21). Jó creu que Deus estava no controle e que, portanto, deveria submeter-se à vontade soberana dEle. Deus, portanto, deveria continuar sendo louvado.
PELE POR PELE (2.6-8)
[Ele] ainda
retém a sua
sinceridade, havendo-me tu
incitado contra ele, para o
consumir sem causa. Então, Satanás respondeu ao Senhor e disse:
Pele por pele,
e tudo quanto
o homem tem
dará pela sua vida.
Es tende, porém, a
tua mão, e
toca-lhe nos ossos
e na carne,
e verás se não
blasfema de ti
na tua face!
E disse o
Senhor a Satanás: Eis
que ele está
na tua mão;
poupa, porém, a
sua vida. Então,
saiu Satanás da presença
do Senhor e
feriu a Jó
de u ma chaga
maligna, desde a planta do pé até
ao alto da cabeça. E Jó, tomando um
pedaço de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da
cinza. “[...]
Pele
por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida” (2.4). Tendo
perdido o primeiro
round — pois
Satanás alegara que Jó
blasfemaria, e isso
não aconteceu —,
agora o Diabo
parte para outra ofensiva. Ele insinua que Jó só manteve a sua fidelidade porque foram os
outros que sofreram,
e não ele diretamente. Se
Jó fosse tocado
na sua própria carne, então toda
aquela fidelidade cairia por terra. Aqui, o Diabo vale-se d e u
m ditado
popular da época,
“pele por pele”,
que os comerciantes costumavam
usar. Champlin (2001,
p. 1870) destaca
que a ênfase recai sobre o valor
de um couro animal. A pele de um animal valia dinheiro. Portanto,
o corpo de
um homem é
a coisa mais
valiosa que ele possui, e tocar no corpo é a essência de
tudo quanto o homem valoriza.
Juliano de Eclana, na sua Explicación del
Libro de Jó 2.4, observa que o argumento de Satanás consistia em dizer que a
tentação de Jó não havia sido
grande o bastante,
visto que Jó ha
via sido
provado com coisas exteriores, e não a sua própria pessoa.
Com efeito, acrescenta que Jó, como geralmente fazem todos os homens, havia suportado com dissimulação a perda dos bens para não pôr
em perigo a salvação ao falar
ofensivamente contra Deus (Od en, Thomas, 2010, p. 47).
“Então, saiu Satanás da presença do Senhor
e feriu a Jó de uma chaga maligna,
desde a planta
do pé até
ao alto da cabeça” (2.7).
Não há dúvidas d e
que Jó sofreu
psicologicamente quando perdeu
os seus bens e,
principalmente, os seus
familiares. Isso, todavia,
não foi suficiente para arrefecer
a sua fé. Agora, o Diabo toca no corpo de Jó com o
objetivo de forçá-lo
a pecar contra
Deus. Jó tem
o seu corpo coberto por feridas, descritas aqui
como úlceras malignas.⁴⁵ Tanto o Antigo
quanto o Novo Testamento demonstram que Satanás possui poder
para causar doenças.
O evangelho de
Lucas, por exemplo, narra a
história da mulher
que era encurvada
de vido ao fato
de possuir um espírito
de enfermidade (Lc
13.10-17). Isso, entretanto, não significa
dizer que todas
a s doenças estejam
diretamente relacionadas a uma atuação demoníaca.
“Então, sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (2.9). O drama de Jó aumentava à medida que a tentação também crescia em intensidade. Agora é a sua esposa que está envolvida no drama. Algumas traduções trazem “amaldiçoa” em vez de “blasfema”. No hebraico, temos a palavra barak, que possui o sentido de prostrar-se, abençoar.⁴⁶ Muito já foi dito sobre essa expressão da mulher de Jó. Há os que a demonizam por essa ação, enquanto outros a inocentam. Aqueles que saem em defesa d a mulher de Jó argumentam que a palavra hebraica barak possui o sentido de abençoar, não amaldiçoa r ou blasfemar. Dessa forma, Pedrosa e Kunz (2016, pp. 119,120) destacam que, a partir do texto hebraico, poderia ser entendido que a mulher de Jó de fato aconselhou seu marido a abençoar a Deus, reconhecendo que Ele queria tirar-lhe a vida como última providência, mais do que interpretar que ela, nu m ato de fragilidade emocional e loucura, disse ao seu marido para amaldiçoar a Deus e morrer. A resposta para esta dúvida foi achada no contexto que envolve todo o sofrimento de Jó, a partir de suas perdas até a conclusão maravilhosa do livro, quando Deus o cobre de bênçãos depois da sua profunda provação. Mas, ainda que “amaldiçoa” seja a tradução correta de sua afirmação, isso não tira o mérito da sabedoria mostrada por esta mulher no decorrer do livro, pois o contexto da obra e o reconhecimento final por ela recebido de Jó e de Deus deixam bem claro que foi uma esposa sábia e que aceitou a repreensão com submissão.
Muitos
intérpretes acreditam que o sentido
“abençoar”, e não o seu antônimo “amaldiçoar”,
deve ser mantido.⁴⁷
Esse entendimento fundamenta-se
no fato de a palavra hebraica barak (bênção) estar grafada no texto
hebraico de Jó 2.9 em
vez do seu
antônimo qalal, que
significa maldição. Todavia, há dois fatos a considerar contra esse
entendimento do texto. O primeiro, como destacou Abraham Shabot (2018, p. 1487),
é que o uso de barak
(abençoar) em vez
de qalal (amaldiçoa r)
é um eufemismo hebraico para
dizer-se o contrário
do que se
quer afirmar.⁴⁸
A razão
está na recusa de u m escriba judeu usar os termos “amaldiçoar ou blasfemar”
em relação a
Deus. Isso pod e
ser visto, por
exemplo, no uso
do termo barak (abençoar)
em Jó 1.5:
“porque dizia Jó:
Porventura, pecaram meus filhos
e blasfemaram de
Deus no seu coração”.
Se barak possuísse
o sentido de abençoar
nesse texto, como
querem alguns intérpretes,
não haveria necessidade de Jó ficar preocupado com os seus filhos ao ponto de oferecer sacrifícios
em favor deles.
Se eles tivessem
apenas glorificado a Deus,
não haveria necessidade
desses sacrifícios. O
mesmo argumento vale para Jó
1.11, onde também aparece a palavra
barak com o sentido de amaldiçoar
ou blasfemar: “Mas
estende a tua
mão, e toca -lhe
em tudo quanto tem, e verás se
não blasfema de ti na tua face!” (Jó 1.11 ). Aqui, mais uma vez, a
palavra barak é usada
como antônimo de
abençoar. Não teria sentido ver
Satanás argumentando que
a queda de
Jó aconteceria em consequência de ele ter abençoado a Deus.
Fora do livro de Jó, mas ainda dentro do texto bíblico, a palavra
barak é usada eufemisticamente também em 1 Reis 21.10,13. Em ambos os
versículos, a palavra hebraica barak tem o
sentido de blasfemar.
Não teria sentido
algum dizer que
Nabote foi morto porque
bendisse ou abençoou
a Deus.⁴⁹ Nesses
versículos, barak
(abençoar), exatamente o
mesmo termo d e
Jó 2.9, é usado
eufemisticamente com o sentido de blasfemar.⁵⁰
Em
segundo lugar, se
a mulher de
Jó tivesse, de fa
to, a penas o aconselhado
a “bendizer” a Deus ao
invés de “ amaldiçoar”, não
teria sentido Jó dizer que ela falava como uma louca qualquer (Jó 2
.10). Não há loucura alguma em
alguém aconselhar outro
a bendizer a
Deus. Não há dúvida d e que a mulher de Jó ficou
submetida a um tremendo sofrimento e,
com isso, tenha
ficado fragilizada emocionalmente. Nesse
sentido, um dos Pais
da Igreja, Hesíquio
de Jerusalém (450
d.C.), acreditava que o
Diabo achou nesse conflito vivido pela mulher d e Jó uma porta para atacar o
patriarca. Veja:
Como
o traidor havia
sido vencido em
todas as batalhas
e havia fracassado em
todas as suas
tentativas, havia sido
impedido em todos os
seus enredos, todas
suas redes haviam
sido despedaçadas e ha via
perdido em todos
seus estratagemas , depois
de haver destruído os bens
de Jó, depois
da morte de
seus numerosos filhos, depois de
haver ferido seu
corpo com golpes,
como último recurso e,
como o Diabo
pensava, o mais
dilacerante de todos,
enfrentou a Jó com sua
própria esposa.⁵¹ Da mesma forma, Agostinho de Hipona
(354–430):
Uma Eva entregue para a sedução, sua esposa foi reservada para servir ao Diabo, não para confortar o marido e propõe-lhe a blasfêmia. Ele não cedeu.⁵² Assim também Gregório (540–604): [Satanás] conquistou o ânimo da esposa, escada do marido. [Jó] falando retamente deu uma lição a que, instigada pela serpente, falou perversamente.⁵³ Esse procedimento do Diabo não deveria causar estranheza, nem tampouco levar alguém a pensar que a mulher de Jó fosse incapaz de dizer essas palavras. Esse modus operandi de Satanás repete-se, por exemplo, no caso do apóstolo Pedro. Logo após a confissão de que Jesus era o Cristo de Deu s, Pedro é instigado pelo Diabo a tentar tirar Jesus do caminho da Cruz (Mt 16.22 -23). Certamente, Pedro ainda é lembrado pelo que disse, mas nem por isso deixou de ser perdoado e amado por Deus. A mulher de Jó, evidentemente, falou sem um pingo de reflexão, mas, posteriormente, foi restaurada por Deus.
A Fragilidade
Humana e a Soberania Dívina
José Gonçalves
Capítulo 5
As Sete Calamidades de Jó
Introdução
Ao analisar os atentados perpetrados contra os
Estados Unidos em II de setembro de 2001, o historiador britânico
Paul Johnson foi
solene e apocalíptico: “Há
acontecimentos tão únicos
e assombrosos que passam a
sinalizar as grandes viradas da história. Os ataques terroristas contra Nova
York e Washington tiveram um efeito tão devastador sobre as vidas, as
propriedades e o orgulho americanos que não admira que os Estados Unidos tenham
recorrido imediatamente à história para dar sentido ao que estavam
presenciando”.
Na derrubada das Torres Gêmeas,
perceberam os americanos que a sua economia, posto que soberba e
imperial, era tão frágil como a estrutura daqueles edifícios que,
sobranceiros, pontificavam em Manhatan. E no ataque ao Pentágono,
convenceram- se de que a segurança absoluta é um mito. Não foi preciso mais do
que doze fanáticos, neoliticamente armados, para destruir os altares sobre os
quais entronizara-se a nação mais poderosa da terra.
Enquanto
os americanos tentavam sepultar os seus mortos, iam exumando interrogações e
anseios e traumas que julgavam enterrados desde o ataque japonês a Pear Harbor
em sete de dezembro de 1941. Eles jamais poderiam ter imaginado que toda a sua
rotina viria a ser violentamente alterada num único dia; numa única hora, tudo desabou
ao seu redor. Se num momento havia a mais perfeita doutrina de segurança; no
outro, uma consumada heresia; se num instante, os fundamentos da economia
mostravam-se mais do que solidificados;
no outro, achava-se tudo a tremer e a prenunciar tempos difíceis.
Em meio às calamidades, a agonia de uma indagação: Por que temos de sofrer tais coisas? Esta foi a pergunta que fez Jó ao se ver ilhado naquelas calamidades que foram caindo sobre os seus bens, sobre a sua família e sobre si próprio. Sete calamidades desabaram sobre Jó; seria possível uma provação mais completa?
I. Calamidades Sociais
Quem mora no Rio de Janeiro, sabe o que significam
as calamidades sociais: assaltos, seqüestros, estupros, homicídios,
guerrilhas, subversão da
ordem pública etc.
Haja vista o narcotráfico que, espalhando sua metástase
por todas as camadas da sociedade, vai
dizimando gratuita e
debochadamente milhares de vidas. No exato momento em que desenvolvia
este tópico, amargava o Rio uma de suas mais graves e vergonhosas crises.
Depois de se haverem rebelado num presídio de segurança máxima, os chefões do
crime organizado ordenaram o imediato fechamento de vários bairros e
logradouros públicos.
Nesses
bairros e vilas condenados a uma periferia injusta, discricionária e desumana,
residem muitos piedosos servos de Deus; gente que, apesar das dificuldades, faz
questão de ostentar um autêntico e bravo testemunho cristão. Naquelas vielas sem
fim; naqueles casebres
suspensos nos morros
e afavelados nos mangues; naqueles territórios que, sociológica,
política e militarmente, constituem um Estado à parte do Estado, presenciam os
santos de nosso Senhor cenas que, de tão dantescas, parecem ter saltado de
algum conto de terror para inspirar este cântico de John Milton: “Seguiu-se,
então, a violência, a opressão, e a lei da espada”.
Senhor, por que estes teus queridos têm de passar por tamanhas aflições?
I.
O festim da calamidade.
Quão negligentes não andavam os filhos de
Jó! Enquanto o mundo desmoronava, banqueteavam-se; e estando já o inimigo às
portas, agiam irresponsável e indolentemente:
“Sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho
na casa do irmão primogênito, que veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois
lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles; de repente, deram sobre eles os
sabeus, e os levaram, e mataram aos servos a fio de espada; só eu escapei, para
trazer-te a nova” (Jó I.I3-I5).
Ao
contrário do que imaginavam os filhos de Jó, aquele dia seria diferente de
todos os outros dias; um dia que haveria de ser eternizado na História Sagrada;
um dia separado por Deus, a fim de que, passados mais de cinco mil anos, viéssemos
a lembrar-nos dele; um dia de advertências
e de avisos solenes. Entretidos em seus delitos e pecados, seriam
aqueles jovens surpreendidos pelo improviso das horas por virem.
Nascera
aquela manhã como outra qualquer. Já acordando o sol na hora aprazada, e já
despertando os animais e pássaros que, como só acontece num rosicler tão belo,
compra- ziam-se em lirismo e poesias.
No prelúdio daquela manhã, toda a alimária pôs-se a
louvar a Deus com os seus mugidos, trinados e assonantes balidos. Nas
propriedades de Jó, que se confundiam com alinha do horizonte, tudo já estava
avezado para mais uma jornada de trabalho que, de sol a sol, dava o tom
vigoroso e produtivo daquelas empresas.
De
sua casa, repassava Jó
as derradeiras instruções
aos capatazes e feitores que, atentos, adiantavam-se para amanhar o solo
e tanger as criações. Toda a gente a seu
serviço saía animada, a fim de
percorrer mais uma etapa naquele azáfama. E
os seus filhos? Embora dia
útil, inutilmente desfaziam-se num daqueles intermináveis
banquetes. Tinha-se a impressão de que, para
aqueles jovens, todo
dia era um eterno
e descompromissado feriado. Até podemos idear a vergonha que sentia o
patriarca. Se trabalhava, os filhos folgavam. Se punha os servos na lida, os
filhos consumiam-se num ócio maligno. Se alguém supõe ser o ócio algo criativo,
jamais leu a história de Jó. Somente dois grupos cultuam o ócio: os que seguem
o Diabo e os que o imitam.
O autor sagrado assim critica os filhos de Jó;
subrepticiamente os censura: “Sucedeu um
dia, em que seus filhos e suas
filhas comiam e
bebiam vinho na
casa do irmão primogênito” (Jó L I3). Naqueles vinhos
clarificados e envelhecidos, deleitavam-se eles em seus vícios precoces; zombavam dos esforços do pai; e aos
jornaleiros deste mostravam que, embora não trabalhassem, tudo possuíam. Já imaginou todas aquelas
propriedades em mãos
tão irresponsáveis e dolentes? Tudo haveria de arruinar-se numa
única estiagem. E o irmão mais
velho? Ao contrário
daquele primogênito da parábola de Jesus, comportava-se
dissipadoramente. Se o pródigo saiu a esbanjar a sua herança, este primogênito,
mesmo sem sair, arruinava a sua parte na herança e o que
lhe não cabia por direito.
Enquanto folgavam; enquanto davam vivas aos deuses da gente pagã; enquanto se enredavam em todas as abominações e pecados, ia-lhes o horizonte toldando-se como aquelas tardes carregadas de improvisos do Oriente Médio. Narcotizados pelo álcool, não sabiam estarem os sabeus prestes a invadir a propriedade do pai.
2.
Os sabeus.
Descendentes
de Sebá, neto
de Cam e bisneto de Noé (Gn 10.7), habitavam o Norte da Etiópia, de onde
saíam a roubar
povos indefesos e
nações desprotegidas. De pilhagem
em pilhagem, foram eles acumulando proverbial riqueza (Is 45.14). Os
sabeus eram tão violentos e implacáveis que, por onde passavam, deixavam um rastro de destruição. Afamados
por sua elevada estatura, constituíam-se numa praga aos povos da Península do
Sinai e de Canaã (Is 45.14). Eram um povo marginal; não conheciam lei nem
ordem. Nenhuma importância emprestavam às convenções internacionais.
Dois
grupos de sabeus foram identificados na Etiópia e na Somália: os semitas e os
camitas, cujos descendentes ainda podem ser rastreados no chamado Chifre da
África. Não sabemos, porém, a que grupo o autor sagrado se refere. Talvez a
ambos, pois ambos fortemente caldearam entre si, formando uma assustadora
nação.
Os beduínos árabes que cruzam os desertos do Oriente Médio, praticando o escambo e realizando pequenos negócios, são também considerados descendentes dos sabeus dos tempos de Jó. À semelhança daqueles, estes também não são afeitos ao trabalho sedentário. Vivem a montar e a desmontar suas tendas naquelas dunas que, se de dia escaldantes, são gélidas à noite. Se eles embrenham-se naqueles desertos, como encontrá-los?
3.
Os sabeus atacam as propriedades
de Jó.
Eram os sabeus já bem conhecidos em Canaã devido à
violência e ao oportunismo de suas pilhagens. Até aquele momento, contudo, não
haviam feito qualquer incursão às propriedades de Jó, por se acharem estas sob
a proteção do Senhor; era como se Ele as tivesse cercado de sebes (Jó
I.10).Tinha-se a impressão de que todas as fazendas e sítios do patriarca
estavam sob a proteção de altos e terríveis muros de espinhos. Ante estes, os
inimigos espantavam-se; sabiam que o Todo-Poderoso achava-se de prontidão para
repelir os que se
aproximavam das possessões de Jó.
Um dia,
porém, sentiram-se os sabeus livres para invadir as terras do patriarca. E,
daqui, levam-lhe os bois e as jumentas, e passam ao fio da espada os que lhe
tangiam os rebanhos (Jó 1.5). Já
imaginou uma tragédia dessas
na vida de um pecuarista? Estoicamente, porém, o
patriarca Jó sofre aquele prejuízo. Afinal, se tudo recebera de Deus conforme
ele mesmo o confessará, por que murmurar contra o Todo-Poderoso se, agora,
põe-se Ele a reaver quanto lhe confiara?
Relata o
autor sagrado que, vindo um mensageiro, colocou Jó a par do acontecido. Tanto
em hebraico como em grego, a palavra usada para mensageiro é a
mesma para anjo. Mensageiro, portanto, é
alguém, quer angélico, quer terrestre, encarregado de transmitir uma notícia.
Durante as tragédias que se abateram sobre Jó, quatro mensageiros humanos
transmitiram-lhe a suma de todas as suas tragédias.
Pode ser que você seja uma vítima da violência. Quer urbana, quer rural, deixa-nos profundos traumas. Alguns têm suas terras tomadas por demagogos (I Rs 21.15). Outros são alvos de assaltos e seqüestros (Lc 10.30). E ainda outros têm seus entes queridos covarde e impiedosamente assassinados (At 12.1,2). E exatamente neste momento que não podemos evitar a pergunta: “Por que Deus o permite?” A única coisa que sabemos é que todos os atos de Deus são atos de profundo e inexplicável amor.
II Calamidades Sobrenaturais
Não há como descrever a segunda tragédia que se abateu sobre Jó. Do ponto de vista do mensageiro que lhe trouxe a notícia, parecia algo vindo diretamente do Todo-Poderoso: “Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei, para te trazer a nova” (Jó I.16).
I.
O fenômeno.
Tratava-se de
um raio? Ou de uma combustão que, embora
descida do céu, não provinha de Deus? (Ap 13.13). De qualquer forma, não era aquele
um fenômeno natural; assemelhava-se ao fogo que calcinou as impenitentes Sodoma
e Gomorra (Gn 19.24).
A expressão hebraica esh Elohim é interpretada por alguns hermeneutas como algo natural. Todavia, de acordo com a observação daquele mensageiro, tratava-se de algo vindo não propriamente do céu, mas do mesmo Deus. E isto sem dúvida viria agravar ainda mais aquele homem que, piedoso e santo, via-se agredido não somente pelas coisas naturais como pelo Senhor. Ora, se o Todo-Poderoso achava-se lutando contra ele, o que lhe competia fazer?
2.
O prejuízo.
O fogo acabou por destruir os rebanhos que restavam
ao patriarca. Sua ruína,
agora, era completa. Além dos animais, perdera também
toda a gente que estava a seu serviço com exceção daquele mensageiro que lhe
relatou o acontecido.
O que isto
nos lembra senão aquelas pragas que, séculos mais tarde, haveriam de se abater
sobre o Egito? No país dos faraós, dez pragas; sobre o Jó, sete calamidades.
Que paralelo, contudo, entre o rei egípcio e o patriarca? Se o primeiro tinha o
coração necrosado pelo orgulho, o segundo era um homem sensível à voz de Deus,
e tudo fazia por agradá-lo. Se
este diante do Senhor tremia, aquele, por julgar-se também senhor,
desafiava a soberania
daquele único e grande
Senhor. Não obstante, seria faraó
irremediavelmente quebrantado, ao passo que Jó far-se-á alvo de todas as
benesses do amoroso Deus.
Você já foi vítima de algo sobrenatural? De repente, alguma coisa inexplicável destrói-lhe todos os bens, deixando-o endividado e sem perspectivas. Como agir nessas circunstâncias? Não se desespere! O nosso Deus está no comando de tudo.
III. Calamidades Políticas
Além das calamidades sociais, vê-se Jó obrigado a
sofrer as desgraças da política. Definida embora como a arte de bem governar os
povos, a política nem sempre se deixa
guiar por esse ideal. Voltaire, num momento de profunda decepção, declarou: “A política tem a sua fonte antes na perversidade
do
que na grandeza do espírito humano”. Infelizmente, é
o que vem acontecendo tanto no âmbito doméstico quanto no internacional. E foi
uma perversidade dessas que,
ideologicamente aparatada, veio acrescentar angústia às angústias de Jó.
Paradoxalmente,
usa Satanás, agora, um dos povos mais cultos e ilustrados de todos os tempos:
os caldeus, a fim de fustigar a Jó.
Demonstra este fato
que, na arena política, a única lógica é a ausência lógica. Nesta
arena asselvajada, nações cultas fazem-se bárbaras, e nações bárbaras nobre e
sabiamente agem. Aliás, as guerras mais cruéis foram desencadeadas justamente
por nações tidas como pérolas da civilização: no Oriente, a reflexiva
Babilônia; no Ocidente, as filosóficas Grécia e Roma; na Europa, as
inquiridoras França e Alemanha. E o que dizer do fleumático Japão? Ou da
moderada China? Sim, na arena política,
os povos todos são nivelados pelo
sangue que é derramado profusamente na areia.
Sendo a guerra o desastre da política, acabaria esta por surpreender o patriarca Jó em suas provações. Declarou, certa feita, Mao Tsé-Tung, um dos mais odiados tiranos de todos os tempos: “A política é guerra sem derramamento de sangue, enquanto que a guerra é política com derramamento de sangue”. Contra o patriarca Jó fez-se a política uma grande e incontrolável calamidade através dos caldeus.
I.
Quem eram os caldeus.
Assim eram
designados os povos que residiam ao
longo do curso inferior do Tigre e do Eufrates, e que, com o passar dos tempos,
acabariam por fundar vários reinos, sendo Babilônia o principal deles.
Descendentes de Sem, destacaram-se os caldeus em diversos ramos dos saber: matemática, astronomia, medicina, artes bélicas. Eram também famosos por dominarem as ciências ocultas e os sortilégios (Dn 4.7). Abraão, o pai da nação hebréia, era um caldeu proveniente de Ur (Gn 11.28). Em 586 a.C., os caldeus destruíram Jerusalém e o SantoTemplo, e deportaram para a região de Sinear os filhos de Judá (Dn 1.1,2).
2. Os caldeus atacam Jó.
Como ficasse Uz na confluência de várias rotas
internacionais de grande importância estratégica, era o seu território ocasionalmente
invadido por forças hostis. E os caldeus, à semelhança dos homens de Sabá,
transitando do Oriente para o Ocidente, atraídos sempre por fartas e generosas
pilhagens, são instigados por Satanás a invadir o país.
Até
àquele dia, ainda que cobiçassem as propriedades de Jó, que se perdiam naqueles
longes férteis e em todos aqueles pródigos infinitos, não se haviam atrevido a
saqueá-las, por estarem os anjos de Deus a guarnecer cada alqueire do patriarca.
Mas, agora, os muros de sebes, que os separavam daquelas possessões, são
retirados, deixando-lhes livre o caminho para o despojo. O fato é assim narrado
pelo autor sagrado: “Dividiram-se os
caldeus em três bandos, deram sobre os camelos, os levaram e mataram aos servos
a fio de espada; só eu escapei, para trazer-te a nova” (Jó I.I7).
Da narrativa
sagrada, é-nos permitido
supor que eles, envolvidos numa guerra com algum
potentado da região, invadiram as fazendas
de Jó para abastecer
seus exércitos e reaparelhá-los. Tal prática, aliás, é bastante comum em tempos de guerra. Haja vista os
persas que, em suas
incursões, exauriam por completo os recursos dos povos que se achavam em
seu caminho. Conta Heródoto que os exércitos da Pérsia, de uma feita, a fim de
suprir seus exércitos de água potável, chegaram
a secar todo um rio.
Além dos insumos
básicos, necessitavam os caldeus de camelos e de outras montarias para substituir
as que já se encontravam cansadas. Eram os camelos utilizados tanto para cargas
como para o transporte de tropas devido à sua surpreendente resistência física.
Os
caldeus organizaram-se para atacar a Jó: dividiram-se em três bandos (Jó 1.7).
O que temos aqui senão uma estratégia militar? Contra o patriarca até um
exército se levantou.
Quantos
servos de Deus não são apanhados por revoluções, surpreendidos
por levantes armados e
acossados pela guerra? Quando da
Segunda Guerra Mundial, milhares de santos foram cruelmente perseguidos pelos
nazistas. O corajoso pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoefer, por exemplo,
foi encarcerado e executado pelos verdugos de Hitler por não se curvar aos seus
desmandos e arbitrariedades. E o que diremos dos filhos de Israel friamente
assassinados pela Alemanha? Seis milhões de judeus pereceram naqueles campos de
extermínio que, espalhados pela Europa, iam recebendo o sangue da nação que mais
contribuiu para o engrandecimento espiritual, moral e cultural do mundo.
Muitos desses israelitas, encaminhados à morte, lembraram-se certamente da
história de Jó.
Neste exato momento, muitos santos estão sendo torturados e mortos quer nos países totalitários, quer nos países fundamentalistas. Mas, vestidos de branco e com palmas nas mãos, em breve serão recepcionados pelo Senhor Jesus.
IV Calamidades Meteorológicas
Distraídos com o banquete na casa do irmão mais velho, os filhos de Jó ainda não se haviam apercebido das calamidades que se esbatiam contra a família. A desgraça, porém, não demoraria em lhes sair ao encalço. E que desgraça seria esta? A meteorologia! Se por um lado nos beneficia; por outro, pode levar-nos à completa ruína. E, não raro, utiliza-se o Senhor de seus fenômenos para castigar os filhos dos homens.
1. O tufao que matou os filhos de Jó.
Registra o
autor sagrado: “Eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos
quatro cantos da casa, a qual caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu
escapei, para te trazer a nova” (Jó I.I9). A expressão hebraica utilizada para
descrever o fenômeno é mui significativa: ruah gedolah. O substantivo, também
usado para identificar o Espírito Santo, denota um vento irresistivelmente
forte; algo que jamais poderia ser contido pelo homem: um arrasador tufão.
O fenômeno em muito se parece com aqueles furacões que, no Oriente Médio, soprando dalém do deserto, rapidamente alcançam as áreas habitadas, deixando em sua passagem, um rastro de destruição. De um vento assim, ouvimo-lhe a voz, mas não sabemos exatamente de onde vem, nem para onde vai. Seria aquele vento natural? Ou algo sobrenatural como aquele fogo que caiu do céu? Tão impetuoso era aquele vento que, de acordo com a narrativa bíblica, atingiu em cheio a casa onde se encontravam os filhos de Jó, derrubando-a sobre eles. Sobreviveu apenas o mensageiro que relatou a tragédia ao patriarca.
2. Deus e a meteorologia.
Não controla o Todo-Poderoso os fenômenos meteorológicos? Então, por que
haverá de permitir que tais forças se levantem contra os seus servos?
O fato de sermos crentes não significa estejamos livres dos raios ultravioletas do Sol nem dos respingos da chuva (M t 5.45), nem que venhamos a escapar, necessariamente, das calamidades da natureza. Em conseqüência da seca, agricultores piedosos eventualmente perdem promissoras colheitas; pecuaristas tementes a Deus vêem, de vez em quando, seu gado quedar sem vida por causa da estiagem. E aqueles homens e mulheres que, apesar de sua intensa vida de oração, não logram salvar os filhinhos de uma inundação súbita e implacável?
V Calamidades Físicas
Não
obstante todas essas clamidades, Jó ainda retém a sua integridade (Jó 2.10). O
Diabo, todavia, alega ao Senhor que,
enquanto Jó estiver saudável,
manter-se-á firme na fé; mas,
enfermo: virá certamente a renegá-la. Veja quão sentencioso e ousado é o
Maligno: “Pele por pele, e tudo quanto o
homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a tua mão, e toca-lhe nos ossos e
na carne, e verás se não blasfema de ti na tua face!” (Jó 2.4,5).
Demonstrando
quão fiel era o seu servo, o Senhor então permite ao adversário enfermar a
carne de Jó, desde que não lhe tire a vida: “Então, saiu Satanás da presença do
SENHOR e feriu a Jó de uma chaga maligna, desde a planta do pé até ao alto da
cabeça. E Jó, tomando um pedaço de telha para raspar com ele as feridas,
assentou-se no meio da cinza” (Jó 2.6,7).
I. A doença de Jó.
Que doença era aquela? O texto bíblico descreve-a como uma chaga maligna; uma doença
de tal forma terrível, cuja etiologia até hoje não pôde ser detectada. Seria a
lepra em seu mais adiantado estádio? O fato de o patriarca se
coçar com um
caco de telha
sugere que todo o seu
corpo ficou não somente inchado, mas coberto de uma crosta supurante. Eis por
que seus amigos tiveram dificuldades em reconhecê-lo (Jó 2.12). Além disso, o hálito
tornara-se-lhe insuportável, evidenciando uma rápida metástase (Jó
19.17). Tão aflitiva era a condição física de Jó que a esposa chegou a
sugerir-lhe a eutanásia (Jó 2.9).
J. D.
Michaelis, tomando por base a descrição do texto bíblico, diagnostica a doença
de Jó como elefantíase: “Ela começa pela erupção de pústulas, que têm a forma
de nódulos, daí o seu nome latino lepra
nodosa. Em seguida, à semelhança
do cancro, passa a cobrir toda a superfície do corpo, corroendo-o de tal modo
que todos os seus membros começam a se separar uns dos outros. Os pés e as
pernas incham-se de tal forma que se cobrem de crostas e coágulos até se
assemelharem às pernas dos elefantes.
Eis por que a doença se chama elefantíase. O rosto incha-se; a voz torna-se
fraca. A doença termina por tornar o paciente completamente mudo”.
No
Dicionário Médico da Família de Gegraf-Maltese, a elefantíase é
assim descrita: “Moléstia
caracterizada por espessamento do
tecido cutâneo e subcutâneo, principalmente dos membros inferiores e, com menor
freqüência, do escroto, da vulva e do abdome. A elefantíase manifesta-se por
tumefação anormal dos tecidos.
E atribuída à estase
venosa originada por alterações
da circulação linfática. Existem duas formas: a provocada por ação patogênica de
germes (estreptococos) e a devida a um verme”.
Seria
esta a enfermidade de Jó? De qualquer forma, foi o patriarca constrangido a
suportar as dores mais terríveis e os piores desconfortos a que um ser humano
jamais fora submetido. Entretanto, reteve a sua integridade. Muitos são os servos
de Deus que estão a sofrer as mais terríveis enfermidades. Uns, a semelhança de
Ezequias, enfrentam um tumor maligno que, pouco a pouco, vão lhes consumindo as
forças e o que lhes resta das
humanas feições. Outros,
como o Lázaro
da história narrada pelo Senhor Jesus,
jazem cobertos de uma chaga que os tornam repulsivos, embora
espiritualmente sejam os mais
puros dos homens.
Outros, ainda, tal
como o jovem pastor Timóteo,
vêem-se às voltas com uma doença no estômago que os fustiga com fortes
ânsias.Talvez esteja você a sofrer as
mais insuportáveis dores. Durante as
vigílias da noite, quando todos se acham a repousar, está você
a revolver-se no leito
sem achar uma posição confortável. Nestas horas, você
pergunta ao Médico dos médicos: “Por que eu? Por acaso, não te sou fiel desde a
mocidade? Então por que todo este sofrer?” Não posso dizer-lhe se esta doença
é para a vida
ou para a morte.
De uma coisa, porém,
tenho certeza: é para
a glória de Deus. Se é para a morte, por que o Senhor Jesus não o
leva agora para o céu, poupando-o de todo o tormento? Se você está nas mãos do
Oleiro, Ele sabe quando exatamente o levará. Nem antes, nem depois. No momento
certo, Ele o guindará às regiões celestes. Mas, se esta doença é para a vida,
haverá você de levantar-se deste leito, e o nome do Senhor será em tudo exaltado.
Aleluia!
VI. Calamidades Domésticas
Estava Jó para enfrentar ainda outros problemas. Se
externamente via-se às voltas com a violência social, com a guerra sempre cruel
e com as forças da meteorologia, agora estará ele enfrentando um problema doméstico:
o desequilíbrio emocional, espiritual e moral da esposa. Vendo-lhe esta a chaga que lhe tomara o
corpo; percebendo que, sob a ótica humana, não lhe restava nenhuma esperança a
não ser a morte, propõe lhe uma medida extrema: “Ainda conservas a tua
integridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 1.8).
Apesar de
todos os males que se haviam abatido sobre Jó, preservava ele a integridade de
sua fé. Não culpou a ninguém; não
amaldiçoou a Deus, nem de Deus
veio a duvidar.
Em tudo, íntegro. Como, porém, enfrentar uma mulher que, qual cotejar
ininterrupto e persistente, acrescentava-lhe desconforto às dores
e traumas às
feridas? Sim, como enfrentar uma mulher que, ao invés de buscar
a Deus, propõe-lhe uma medida extrema:
“Amaldiçoa a Deus e morre”?
O que ela
queria? Que o esposo, apostatasse-se da fé e desistisse da vida? Suge- ria-lhe
a eutanásia? Quantos pacientes terminais não são incitados ao chamado
suicídio assistido! Para fundamentar tais crimes, há todo
um aparato filosófico
e até teológico. Tais iniciativas, contudo, acabam sempre por gerar crimes monstruosos
como o holocausto nazista.O que responde Jó à esposa? “Falas como qualquer doida; temos recebido o
bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os
seus lábios” (Jó I.IO).Temos aqui não meramente uma resposta a um problema
doméstico, mas um enunciado teológico de imensurável grandeza. Em primeiro
lugar, o patriarca professa a existência num Deus que se interessa pelos seres
humanos, que lhes dá o quando basta à existência, e que, em sua soberania,
intervém, provando-nos e até nos tirando o necessário para que tenhamos a
suficiência de sua graça.
Enfrenta
você problemas com o seu cônjuge? Ame-o ainda mais; demonstre-lhe mais carinho.
Conquiste-o sem palavras, sendo eloqüente nas
ações. Não desista de sua esposa,
marido; não desista de seu marido, mulher. Não permita que essa desventura
temporária lhe destrua a ventura de uma vida a dois que pode ser eterna.
VII. Calamidades Teológicas
Dentre todas as ciências, é a teologia a rainha das
ciências; é o mais alto dos saberes; Deus é a sua fonte de conhecimento. É a
teologia também um inesgotável manancial de consolações: mostra-nos estar o
Senhor preocupado com o homem, pois de tal maneira o amou que
até o seu Unigênito entregou a
fim de proporcionar-nos eterna
salvação. Logo, como faz
questão de ressaltar Martinho Lutero,
a teologia não consiste em especulação; ela é consolação e prática.
Infelizmente,
nem sempre a teologia faz-se conforto, principalmente quando tratada por gente
inepta e eivada de atitudes que não recorrem ao verdadeiro conhecimento de
Deus. Foi por isto que o escritor Elbert Hubbard decepcionou-se com
teologia: “A teologia é uma tentativa de
explicar um assunto por pessoas que não o entendem. O objetivo não é dizer a
verdade, mas satisfazer o consulente”. Temos a impressão de que Hubbard
referia-se aos amigos de Jó:
Elifaz, Bildade e Zofar. Todos os três teólogos; presumidos e
enfatuados teólogos; através de sua doutrma, fustigaram ao patriarca. Na verdade,
foram eles a sétima calamidade que teve de sofrer o mais justo e piedoso homem
daquela época.
Mas é a teologia calamidade? No silvo da serpente
sim; fazendo teologia, induziu nossos pais à apostasia. Nos lábios de Balaão,
sim; entretecendo uma teologia falaz; e permissiva, levou Israel a cear com os
idólatras, e a prostituir-se com as midianitas.
Na boca de
Coré, sim; urdindo teologia, armou a rebelião no arraial hebreu. Na boca do
Diabo, sim; trabalhando a teologia e citando as Escrituras, tentou a Cristo,
buscando desviá-lo da cruz. E os amigos de Jó? Usando argumentos
aparentemente verdadeiros; utilizando-se de uma lógica viciada; evocando
premissas falsas; reivindicando postulados que, se verdadeiros aqui, são ali
falsificados, diziam falar por Deus, mas Deus os desconhecia; alegavam possuir
o verdadeiro conhecimento de Deus, mas se achavam em profunda ignorância.
Nos
capítulos ainda por virem, estaremos enfocando com mais vagar os discursos de
Elifaz, Bildade e Zofar; e veremos por que foram as teologias destes amigos de Jó
tão inimigas da verdade. Pior que uma teologia falsa é uma teologia meio
verdadeira. E o patriarca, em sua calamidade, teve de sofrer a calamidade
que, pareça embora teologia, não passa de uma ímpia especulação.
Conclusão
Como reagir a todas essas calamidades? Jó sabia
perfeitamente que, apesar da angústia daquela hora, havia um Deus no céu que
a tudo contemplava. Assim,
pôde ele manter-se íntegro; não negou a fé, nem optou pelo caminho que,
para alguns, parece o mais fácil: o suicídio.
A prova
a que nos submete Deus, por mais dolorosa e desconfortável, redunda sempre num crescimento
espiritual que acaba por descortinar-nos todas as belezas do amor divino.
Por isso, não se deixe abater pelas calamidades que, ultimamente, recaíram
sobre si. Ele não permitirá seja você tentado além de suas forças; o escape não
tardará.
Por enquanto, basta-lhe saber que, em sua tribulação, muitas são as vidas que se acham a consolar-se em Deus. Ora, se a sua provação constitui-se em conforto para os que o cercam, quanto mais o livramento completo do Senhor! Num momento de ardente crisol, escreveu J. H. Jowett: “Deus não nos consola para que vivamos uma vida cômoda, senão para que sejamos um consolo para os outros”.
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