segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Lição 4 - O Drama de Jó

 


Texto Áureo

“E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR.”

(Jó 1.21)

Verdade Prática

A despeito das grandes provações que se abatem em nossa vida, à luz do exemplo de Jó, devemos permanecer fiel ao Senhor.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE 

Jó 1.13-22; 2.6-8 

Jó 1:13-22

13- Certo dia, quando os filhos e as filhas de Jó estavam num banquete, comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho,

14- um mensageiro veio dizer a Jó: “Os bois estavam arando, e os jumentos estavam pastando por perto,

15- e os sabeus atacaram e os levaram embora. Mataram à espada os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “

16- Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse: “Fogo de Deus caiu do céu e queimou totalmente as ovelhas e os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “

17- Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse: “Vieram caldeus em três bandos, atacaram os camelos e os levaram embora. Mataram à espada os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “

18- Enquanto ele ainda estava falando, chegou ainda outro mensageiro e disse: “Seus filhos e suas filhas estavam num banquete, comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho,

19- quando, de repente, um vento muito forte veio do deserto e atingiu os quatro cantos da casa, que desabou. Eles morreram, e eu fui o único que escapou para lhe contar! “

20- Ao ouvir isso, Jó levantou-se, rasgou o manto e rapou a cabeça. Então prostrou-se no chão em adoração,

21- e disse: “Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor “.

22- Em tudo isso Jó não pecou nem de nada culpou a Deus.

Jó 2:6-8

6-O Senhor disse a Satanás: “Pois bem, ele está nas suas mãos; apenas poupe a vida dele”.

7- Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça.

8- Então Jó apanhou um caco de louça com o qual se raspava, sentado entre as cinzas.

INTERAGINDO COM 0 PROFESSOR

Nesta lição veremos a calamidade que se abateu sobre a vida de Jó. A partir desse drama temos a oportunidade de refletir a respeito do sofrimento e o modelo de comportamento que o cristão deve ter para a própria vida diante das adversidades. A realidade de Jó, muitas vezes, pode tornar-se um espelho na vida de muitos cristãos. 0 que nos deve levar a reagir conforme o que o Senhor Jesus ensinou aos seus discípulos.

Em nenhum momento nosso Senhor negou que teríamos sofrimento na vida. Nesse aspecto, a grande diferença entre quem tem confiança em Cristo está na forma que se passa pelo caminho do sofrimento. Assim, Jó é um grande exemplo de fé e paciência para os cristãos.

PONTO CENTRAL:

O sofrimento se abate sobre o justo

CONCLUSÃO

Nesta lição vimos o drama de Jó, que foi provado de uma forma dura no seu trabalho, família e saúde. Somente um homem com uma fé inabalável mantém sua lucidez diante de tantas catástrofes. Somente o Senhor pode manter o fiel de pé diante de calamidades dessa natureza. O Diabo chegou ao ponto máximo de pressão contra Jó, mas não conseguiu executar o seu intento. O patriarca permaneceu de pé diante da provação.

CPAD –A Fragilidade Humana e a Soberania Divina: Lições do Sofrimento e da Restauração de Jó



Capítulo 04 – O Drama de Jó 

      E sucedeu um dia, em que seus filhos  e suas filhas comiam e bebiam vinho na casa d e seu irmão primogênito, que veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a  eles; e  eis  que  deram  sobre  eles  os  sabeus,  e  os  tomaram,  e  aos  moços feriram ao fio da espada; e eu somente escapei, para te trazer a nova. Estando este ainda falando, veio outro e disse: Fogo d e Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei, para te trazer a nova. Estando ainda este falando, veio outro e disse: Ordenando  os  caldeus  três  bandos,  deram  sobre  os  camelos,  e  os tomaram, e aos moços feriram a o fio da espada; e só eu escapei, para te  trazer  a  nova.  Estando  ainda  este  falando  veio  outro  e  disse: Estando teus filhos e tu as filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis que um grande vento sobreveio dalém do  deserto,  e  deu  nos  quatro  cantos  da  casa,  a  qual  caiu  sobre  os jovens,  e  morreram;  e    eu  escapei, para  te  trazer a  nova. Então,  Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em  terra,  e  adorou,  e  disse:  Nu  saí  d o  ventre  de  minha  mãe  e  nu tornarei  para  lá ;  o  Senhor  o  deu   e  o  Senhor  o  tomou;  bendito  seja  o nome  do  Senhor.  Em  tudo  isto    não  pecou ,  nem  atribuiu  a  Deus  falta alguma. (Jó 1.13-22)

                   UMA CONDIÇÃO HUMANA  

    O  rabino  Abraham  Shabot  (2018,  p.  1483)  destaca  que    foi  o  “ser humano que mais sofreu na história humana”. Poucas vozes discordaria m dessa  assertiva.  É  impossível  ler  o  prólogo  do  livro  de    sem  sentir  o drama que passou esse patriarca. Jó, de fato, sofreu muito. Todavia, não é apenas a realidade do sofrimento q ue deve ser levada em conta no drama de Jó. A falta de explicação lógica para a existência desse sofrimento, sem dúvida,  a gravou  ainda  mais  a  sua  dor.  Como  nu m  piscar  de  olhos,  Jó perde tudo o que havia construído e juntado ao longo do tempo, restando-lhe muita dor e muitas perguntas sem respostas. 

      Ao  colocar  o  sofrimento  em  relevo,  o  livro  de    mostra,  com  isso, que  o  sofrimento  é  uma  realidade  da  condição  humana.  Não  apenas  Jó, mas também todos os humanos sofrem em um grau maior ou menor. Não há  como  fugir  dessa  condição.  Fugir  dela  seria  fugir  de  nós  mesmos. Talvez por isso que o livro de Jó tenha sido usado pastoralmente ao longo da  História  da  Igreja.  Gregório  Magno  (540–604  d.C),  por  exemplo, enxergava  a    como  uma  figura  do  cristão  que  está  dedicado  ao  seu progresso  espiritual  e  que  chega  à  perfeição  mediante  as  aflições  e  a s provas da vida.⁴⁰ No contexto neotestamentário, o apóstolo Tiago toma Jó como exemplo de resignação no qual os de mais crentes precisam inspirar-se (Tg 5.11).

           DESTRUIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA  

     “e  eis  que  deram  sobre  eles  os  sabeus,  e  os  tomaram,  e  aos  moços feriram ao fio da espada; e eu somente escapei, para te trazer a nova” (1.15).  No  diálogo  que  teve  com  Deus,  o  Diabo  havia  dito  que  Jó estava  protegido  por  uma  cerca  (1.10).  Satanás  insinua  que,  se  essa cerca  não  existisse,     não   seria  o  que  era.  O  verbo  hebraico  suk, traduzido na ARA como cerca , é usado com o sentido de proteger.⁴¹  Aparece  ainda  em    3.23  e  38.8.  A  ideia  d e  proteção  está  presente em  todas  essas  passagens.  Satanás  argumentou  que  Deus  cercara  a Jó protetoramente. A  narrativa do livro permite a dedução  que essa cerca estava posta em volta dos negócios de Jó, da sua família e dele mesmo.  O  salmista  afirmou  possuir  algo  semelhante.  “Tu  me cercaste em volta  e puseste sobre mim a tua mão” (Sl 139.5).  

     Na sua soberania e com um propósito muito mais grandioso do que as  mesquinhas  intenções  d o  maligno,  Deus  permitiu  que  esse  obstáculo entre    e  Satanás  fosse  transposto,  mesmo  que  isso  tenha  acontecido  de forma  temporária.  Após  Satanás  obter  a  permissão  de  Deus  para  o  seu intento,  os  problemas  de    tiveram  início.  Em  primeiro  lugar,    viu  a incursão de ladrões contra os seus rebanhos. A primeira incursão foi feita pelos  sabeus,  uma  tribo  nômade.  Segundo  Robert  Alden  (1993,  p.  1282), os  sabeus  eram  saqueadores  nômades  descendentes  de  Seba,  neto  de Abraão  (Gn  25:3).  Eventualmente,  eles  se  estabeleceram  na  parte  mais meridional da península arábica. Seba se tornou uma nação rica na época de  Salomão.  O  fato  de  os  sabeus  serem  piratas  indica  um  tempo  anterior ao  da  famosa  rainha  de  Sabá  (1  Rs  10;  2  Cr  9).  De  Marib,  capital  de  Sabá, até onde achamos que Jó morava, havia mais de mil quilômetros.  

    Eles a tacaram o patrimônio de Jó e levaram primeiramente os bois e as  jumentas. A  cadeia produtiva  de Jó  começou a  entrar em colapso. Sem dúvida,  os  trabalhos  no  campo  foram  interrompidos,  acontecendo  o mesmo  com  a  produção  de  carne  e  de  leite.  Os  que  haviam  sido encarregados desse negócio pagaram com a vida. 

 “[...]  Fogo d e Deus  caiu  do  céu,  e  queimou as  ovelhas  e  os moços,  e  os consumiu” (1.16). Primeiramente os bois, as jumentas e os moços , agora  a s  ovelhas  e  os  moços.  Numa  cultura  agropastoril,  isso  foi, sem  dúvida,  um  duro  golpe  nos  negócios  de  Jó.  O  texto  diz  que “fogo  de  Deus”  causara  o  desastre.  O  desastre  fora  grande,  pois  o versículo 3 a firma que Jó possuía 7 mil ovelhas. Todas morreram em consequência desse fogo. A expressão “fogo de Deus caiu do céu” é motivo  de  debates  entre  os  teólogos.  No  século  V,  Hesíquio  de Jerusalém  (450),  por  exemplo,  negava  tratar-se  d e  um  fenômeno atmosférico,  mas  algo  apenas  parecido  e  que  fora  causado  pelo próprio Diabo.  

       Portanto, é o diabo mesmo, sob a aparência de fogo, quem caiu s obre os  rebanhos  de  ovelhas,  pretendendo  forçar  a    blasfemar  contra Deus, como se  fosse Ele quem  destruía, desde os  altos céus, os bens do justo.⁴² 

        Hesíquio, portanto, nega que o Diabo possua poderes sobre as forças da natureza.⁴³ Com isso, Hesíquio parece não querer transformar o Diabo num  ser  onipotente,  nem  tampouco  Deus  em  agente  do  mal.  Por  ou tro lado,  muitos  outros  teólogos  acreditam  que  Satanás,  tendo   recebido  a permissão  de  Deus,  para   provar  Jó,  exerceu  domínio  s obre  esses fenômenos  naturais.  Elmer  B.  Smick  (1998,  p.  883),  por  exemplo,  destaca que  a  expressão  “ fogo  de  Deus”  é  uma  maneira  linguística  de  descrever algo que veio do céu, sem, contudo, significar que Deus seja a fonte nesse contexto.  Da  mesma   forma,  Lutzer  (2014,  pp.  44,45),  ao  destacar  que  a natureza está sob maldição (Gn 3.17), afirma: 

      Segue-se,  então,  que  Satanás  poderia,  de  fato,  estar  envolvido  em desastres naturais. Temos um exemplo disso no livro de Jó, quando Deus deu  permissão a Satanás  para  destruir os  filhos de  Jó. Agindo segundo a direção de Deus e com certas limitações, Satanás usou um raio  para  matar  o  rebanho  e  os  servos,  e  um  vento  poderoso  matou os dez filhos de Jó (Jo 1).  

      Assim também, Michael Guinan (2017, p. 215) enxerga Satanás como o agente desses ataques: “força s de destruição humana (sabeus e caldeus) e  naturais  (raio  e  furacão)  são  soltas  pelo  Adversário,  reduzindo  o universo  de    ao  caos”.  O  sentido  desse  texto  e  o  resumo  dessas concepções teológicas são expressos  nas palavras de Fausset (1994, p. 392): “o  príncipe  dos  ares  recebeu  per missão  para  exercer  controle  sobre  esses

P á g i n a  | 75  agentes  destruidores”.  Isso  significa  que  Deus  permitiu,  não  que determinou. Lutz er (2014, p. 47) destaca o seguinte: 

     Muitos  teólogos  que  concorda m  que  Deus  está  no  controle  da natureza  enfatizam  q ue  Ele  não  determina  desastres  naturais,  mas apenas  permite  que  aconteçam.  Entender  a  diferença  entre  essas palavras é útil, especialmente visto q ue no livro de Jó Deus permitiu que Satanás provo casse desastres para testar Jó. Contudo, lembre -se de que  o Deus que permite  que desastres naturais aconteçam podia escolher  não  permitir.  No  próprio  ato  de  permitir  que  aconteçam, Ele  demonstra  que  estão  dentro  dos  limites  da  sua  providência  e vontade.  O  Diabo  não  tem  permissão  para   agir  além  dos  limites estabelecidos por Deus. “[...] Estando ainda este falando, veio outro e disse: Ordenando os caldeus três bandos, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos moços feriram ao fio da espada; e só eu escapei, para te trazer a nova” (1.17). Champlin (2001, p. 1868) destaca:  

      Os  caldeus  ou  chasdim  eram  descendentes  de  Naor,  irmão  d e Abraão  (Gn  22.20,22),  os  quais  se  estabeleceram  na  parte  leste  d o  país. Xenofonte  (Cyropaedia,  1 .3.11)  observou  que  os  caldeus  eram  muito cruéis.  Sabe-se  que  esse  povo  se  misturou   a  árabes  vagabundos  e,  como eles, vivia do saque e do assassinato. 

        Por  sua  vez,  Roy  Zuck  (1981,  p.  20)  corrobora  esse  fato  quando  diz que  “eram  habitantes  ferozes  e  saqueadores  da  Mesopotâmia. Possivelmente  vindos  do  norte,  em  contraste  com  os  sabeus  vindos  do sul.”  Zuck  ainda  destaca  que  esses  a taques  foram  de  surpresa .  Aqui,  a ação  de  Satanás  atinge  os  meios  que    utilizava  para  o  transporte  de mercadorias:  os  camelos.  O  texto  de    1.3  afirma  que  ele  possuía   3  mil desses animais. Em termos de hoje, não seria exagero dizer que Jó igualar- se-ia  aos   grandes   empresários  do  ramo  de  transportes,  que,  nas  suas logísticas, utilizam dezenas de carretas no transporte terrestre. Com tantos animais  juntos,  os  caldeus  u saram  de  estratégia  para  alcançar  o  seu intento:  dividiram-se  em  três  grupos.  João  Crisóstomo  (347–407)  in  loco no seu Comentario al Libro de Job, 1.17, destaca:

      Não se deve pensar que também estes golpes vieram de Deu s e que, além  disso,  o  demônio  aumenta  desmensuradamente  a  magnitude da tragédia com a diversidade das notícias . Desta maneira, se Jó em seu estremecimento diz que é Deus quem o golpeia e, que, portanto, é  preciso  suportar”,  o  Diabo   lhe  reponde:  mas  observa,  também  os homens  te  ferem,  não  é  somente  Deus  quem  luta  contra  ti”.  Veja quão  grande  é  o  poder  do  Diabo  e  como  pôs  em  movimento  tanta gente ou como dotou de uma forma visível os demônios.

                        VENTOS SOBRE A FAMÍLIA

     “[...]  Estando  ainda  este  falando  veio  outro  e  disse:  Estando  teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis  que  um  grande  vento sobreveio dalém do  deserto, e  deu  nos   quatro  cantos  da  c asa,  a  qual  caiu  sobre  os  jovens,  e morreram; e  só eu  escapei, para  te  trazer a  nova” (1.18,19). Na  série de  ataques  que    havia  sofrido  até  então,  nenhum  havia  sido  tão doloroso  como  esse.  Perder  bois,  jumentas,  camelos  e  até  mesmo escravos,  que  faziam  parte  das  posses  d os  seus  donos,  sem  dúvida causou-lhe  sofrimento  e  tristeza.  Todavia,  tudo  isso  era,  de  certa forma, suportável. Não eram os seus entes queridos. Entretanto, com a  família  foi  diferente.  Ela  fazia  parte  d a  vida  de  Jó.  No  Antigo Oriente, isso também valia para a  cultura  semita. A ideia de família diferia muito daquela adotada posteriormente na cultura  ocidental.

     Wolff  (2007)  mostra  a  importância  antropológica  do  indivíduo  no contexto social do mundo  antigo a  partir da  família judaica. Segundo ele, no antigo Israel, o indivíduo é primeiramente membro da sua família. Ela é chamada casa ou casa paterna. Dessa forma, até quatro gerações podiam conviver  nessa  grande  família.  Wolff  (2007 ,  p.  324)  lembra  que ,  nessa grande  família,  além  dos  homens,    as  mulheres  associadas  por casamento e as filhas não casadas, ademais escravos e escravas, agregados e trabalhadores estrangeiros. Se considerarmos que o número de filhos era grande, de modo que um israelita com 20 anos facilmente era pai, com 40 anos,  avô  e  com  60  anos,  bisavô  e  que  os  irmãos  mais  novos  do  chefe  da família,  junto  com  seus  descendentes,  podiam  fazer  parte  da  grande família,  entendemos  facilmente  que  essa  grande  família  fornecesse  50 homens ao exército (1  Sm 8.12). 

     Em  segundo  lugar,  a s  grandes  famílias  são  membros  de  um  clã. Wolff  (p.  324)  destaca  que,  à  luz  do  registro  bíblico,  cerca  de  20  famílias formavam  um  clã.  A  chefia  desse  clã  estava  a   cargo  dos  anciãos,  que também  exerciam  jurisdição  (1  Rs  21.8ss.).

    Em  terceiro  lugar,  o  clã  estava unido a uma tribo. As tribos formavam uma comunidade que morava com os  seus  clãs  na  mesma  região.  À  frente  de  cada  tribo,  havia  um  príncipe. Em  quarto  lugar,  a  comunidade  das  tribos  chamava-se  “Israel”  ou  “casa de  Israel”.  Essa  “casa  de  Israel”,  como  o  povo  de  Iavé,  formava  uma unidade.  No  período  tribal,  um  “juiz”  com  capacidade  carismática libertava o povo.

     Em quinto lugar, no período monárquico, ao qual Wolff (p.  325)  denomina  de  período  estatal,  a  instância  jurídica  suprema  era ocupada pelo rei.  Essa  estruturação  familiar  no  contexto  do  antigo  Israel, evidentemente  quando  vista  no  seu  estágio  mais  primitivo,  sem  dúvidas mantinha  alguma  similaridade  com  a  família  vivida  nos  dias  de  Jó.  Isso permite  termos  uma  noção  do  quanto    sofreu  ao  perder  de  uma     vez todos  os  seus  filhos.  O  homem  que  sempre  viveu  em  família agora  passa a viver sozinho. A cada ataque, a situação ficava cada vez mais dramática, e o sofrimento de Jó só crescia.  Assim como o “fogo do  céu” caiu para destruir a fazenda de Jó, um “tornado  satanicamente  orientado”  (Champlin,  2001,  p.   1868)  foi arremessado contra a sua família. Craig Keener (2 018) acredita qu e há base bíblica  para  afirmar  que,  sob  certas  circunstâncias  e  quando  tem permissão  para  isso,  Satanás  exerce  influência  sobre  fenômenos  naturais, como,  por  exemplo,  provocar  o  “ vento  do  deserto”  (Jó  1.18,19).  Keener (2018, p. 206) narra um fato em que um fenômeno aparentemente natural (a  queda  de  uma  árvore)  teria  destruído  a  sua  vida  e  a  de  outras  pessoas se Deus não os tivesse protegido. Mesmo em se tratando de um fenômeno aparentemente natural, Keener diz não ter dúvidas de que o Diabo estava por  trás   daquela  ação.  Segundo  ele,  a  sua  convicção  sobre  esse  fato  foi formada a partir d a leitura do livro de Jó.

       Então  certo  dia  estava  lendo Jó  1  no  hebraico  na  minha devocional, e  subitamente captei o  que  havia lido  muitas  vezes antes: Satanás  enviou um vento forte, fazendo uma casa ruir sobre os filhos de Jó (Jó 1.12,19). Eu havia  escrito  um  comentário  de  Apocalipse,  em  que  uma  figura  maligna traz fogo do  céu (Ap 13.13). Mas  de algum modo isso havia  permanecido desconectado de  minha  teologia sobre  o  real  poder  do  mal.⁴⁴ O  que  essas narrativas do livro de Jó mostram é que não podemos subestimar as forças malignas.  O  fato  é  que  o  maligno,  mesmo  que  de  forma  limitada,  pode causar  danos  físicos e  materiais   sob  certas circunstâncias.  Por  outro  lado, também não se pode superestimá-las.

      O  que  não  deve  ser  esquecido  é  que,  sob  quaisquer  circunstâncias, quem teme  a Deus estará  sempre protegido. Essa  maneira de enxergar as coisas  evita  a  presunção  de  achar  que  Satanás  é  um  ser  inoperante,  que não  oferece  mais  nenhum  risco  (ver  2  Co  2.11;  Lc  22.31 -34).  Isso  também evita  que  se  caia  num  dualismo ,  onde  Deus  e  Satanás  estão  medindo forças  um  com  o  outro  em    de  igualdade.  Como    foi  demonstrado nesse texto, o Diabo é u m s er cria do. Não é autoexistente, nem onipotente e muito menos todo-poderoso. Somente Deus detém esses atributos.

       “[...] e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor  o  deu  e  o  Senhor  o  tomou;  bendito  seja  o  nome  do  Senhor. Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a  Deus falta alguma” (1.21 -22).  Os ventos soprados por  Satanás sobre  os negócios de    e a  sua  família,  sem  dúvida,  além  de  terem  um  poder  devastador,  também  foram  avassaladores.  O  objetivo  era  ver  o  patriarca  blasfemar  d e Deus. Mesmo diante de tanto sofrimento, Jó não blasfemou de Deus. “Jó demonstrou que é possível a devoção sem receber nada em troca. É  possível  a  fidelidade  a  Deus  à  parte  das  bênçãos  divina s.  O  que Deus havia  falado sobre  Jó era  verdade” (Zuck,  1981,  p. 21).  Jó creu que  Deus  estava no  controle  e  que,  portanto, deveria  submeter-se  à vontade  soberana  dEle.  Deus,  portanto,  deveria  continuar  sendo louvado.  

                           PELE POR PELE (2.6-8)  

            [Ele]  ainda  retém  a  sua  sinceridade,  havendo-me  tu  incitado  contra ele, para o consumir sem causa. Então, Satanás respondeu ao Senhor e  disse:  Pele  por  pele,  e  tudo  quanto  o  homem  tem  dará  pela  sua vida.  Es tende,  porém,  a  tua  mão,  e  toca-lhe  nos  ossos  e  na  carne,  e verás  se  não  blasfema  de  ti  na  tua  face!  E  disse  o  Senhor  a  Satanás: Eis  que  ele  está  na  tua  mão;  poupa,  porém,  a  sua  vida.  Então,  saiu Satanás  da  presença  do  Senhor  e  feriu  a    de  u ma  chaga   maligna, desde a  planta do pé até ao alto da cabeça. E  Jó, tomando um pedaço de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da cinza.   “[...]

             Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida” (2.4).  Tendo  perdido  o  primeiro  round    pois  Satanás  alegara  que  Jó blasfemaria,  e  isso  não  aconteceu  —,  agora   o  Diabo  parte  para  outra ofensiva. Ele insinua que Jó só  manteve a sua fidelidade porque foram os outros  que  sofreram,  e  não  ele  diretamente.  Se    fosse  tocado  na  sua própria carne, então toda aquela fidelidade cairia por terra. Aqui, o Diabo vale-se  d e  u m  ditado  popular  da  época,  “pele  por  pele”,  que  os comerciantes  costumavam  usar.  Champlin  (2001,  p.  1870)  destaca  que  a ênfase recai sobre o valor de um couro animal. A pele de um animal valia dinheiro.  Portanto,  o  corpo  de  um  homem  é  a  coisa  mais  valiosa  que  ele possui, e tocar no corpo é a essência de tudo quanto o homem valoriza.

      Juliano de Eclana, na sua Explicación del Libro de Jó 2.4, observa que o argumento de Satanás consistia em dizer que a tentação de Jó não havia sido  grande  o  bastante,  visto  que    ha via  sido  provado  com  coisas exteriores, e não a sua própria pessoa. Com efeito, acrescenta que Jó, como geralmente fazem todos os  homens, havia suportado com   dissimulação a perda dos bens para não pôr em perigo a  salvação ao falar ofensivamente contra Deus (Od en, Thomas, 2010, p. 47).

      “Então, saiu Satanás da presença do Senhor e feriu a Jó de uma chaga maligna,  desde  a  planta  do    até  ao  alto  da  cabeça”  (2.7).  Não  há dúvidas  d e  que    sofreu  psicologicamente  quando  perdeu  os  seus bens  e,  principalmente,  os  seus  familiares.  Isso,  todavia,  não  foi suficiente para arrefecer a sua fé. Agora, o Diabo toca no corpo de Jó com  o  objetivo  de  forçá-lo  a  pecar  contra  Deus.    tem  o  seu  corpo coberto por feridas, descritas aqui como  úlceras malignas.⁴⁵ Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento demonstram que Satanás possui  poder  para  causar  doenças.  O  evangelho  de  Lucas,  por  exemplo, narra  a  história  da  mulher  que  era  encurvada  de vido  ao  fato  de possuir  um  espírito  de  enfermidade  (Lc  13.10-17).  Isso,  entretanto, não  significa  dizer  que  todas  a s  doenças  estejam  diretamente relacionadas a uma atuação demoníaca.  

       “Então,  sua  mulher  lhe  disse:  Ainda  reténs  a  tua  sinceridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (2.9). O drama de Jó aumentava à medida que a tentação  também crescia em  intensidade. Agora é  a sua esposa que está envolvida  no  drama.  Algumas  traduções  trazem  “amaldiçoa”  em  vez  de “blasfema”. No  hebraico,  temos  a  palavra  barak,  que  possui  o  sentido  de prostrar-se,  abençoar.⁴⁶  Muito    foi   dito  sobre  essa  expressão  da  mulher de Jó. Há os que a demonizam por essa ação, enquanto outros a inocentam. Aqueles que saem em defesa d a mulher de Jó argumentam que  a palavra hebraica  barak  possui  o  sentido  de  abençoar,  não  amaldiçoa r  ou blasfemar. Dessa forma, Pedrosa e Kunz (2016, pp. 119,120) destacam que, a  partir  do  texto  hebraico,  poderia  ser  entendido  que  a  mulher  de    de fato  aconselhou   seu  marido  a  abençoar  a  Deus,  reconhecendo  que  Ele queria  tirar-lhe  a  vida  como  última  providência,  mais  do  que  interpretar que ela, nu m ato de  fragilidade emocional e  loucura, disse ao seu marido para amaldiçoar a Deus e morrer. A resposta para esta dúvida foi  achada no  contexto  que  envolve  todo  o  sofrimento  de  Jó,  a  partir  de  suas  perdas até  a  conclusão  maravilhosa  do  livro,  quando  Deus  o  cobre  de  bênçãos depois  da   sua  profunda  provação.  Mas,  ainda  que  “amaldiçoa”  seja  a tradução  correta  de  sua  afirmação,  isso  não  tira  o  mérito  da  sabedoria mostrada por  esta mulher  no  decorrer  do  livro,  pois o  contexto da  obra  e o reconhecimento final por ela recebido de Jó e de Deus deixam bem claro que foi uma esposa sábia e que aceitou a repreensão com submissão. 

     Muitos intérpretes acreditam que  o sentido “abençoar”, e  não  o seu antônimo  “amaldiçoar”,  deve  ser  mantido.⁴⁷  Esse  entendimento fundamenta-se no fato de a palavra hebraica barak (bênção) estar grafada no  texto  hebraico  de    2.9  em  vez  do  seu  antônimo  qalal,  que  significa maldição. Todavia, há dois fatos a considerar contra esse entendimento do texto. O primeiro, como destacou Abraham Shabot (2018, p. 1487), é que o uso  de  barak  (abençoar)  em  vez  de  qalal  (amaldiçoa r)  é  um  eufemismo hebraico  para  dizer-se  o  contrário  do  que  se  quer  afirmar.⁴⁸ 

      A  razão  está na recusa de u m escriba judeu usar os termos “amaldiçoar ou blasfemar” em  relação  a  Deus.  Isso  pod e  ser  visto,  por  exemplo,  no  uso  do  termo barak  (abençoar)  em    1.5:  “porque  dizia  Jó:  Porventura,  pecaram  meus filhos  e  blasfemaram  de  Deus  no  seu   coração”.  Se  barak  possuísse  o sentido  de  abençoar  nesse  texto,  como  querem  alguns  intérpretes,  não haveria necessidade de Jó ficar preocupado com os  seus filhos ao ponto de oferecer  sacrifícios  em  favor  deles.  Se  eles  tivessem  apenas  glorificado  a Deus,  não  haveria  necessidade  desses  sacrifícios.  O  mesmo  argumento vale para Jó 1.11, onde também aparece  a palavra barak com o sentido de amaldiçoar  ou  blasfemar:  “Mas  estende  a  tua  mão,  e  toca -lhe  em  tudo quanto tem, e verás se não blasfema de ti na tua face!” (Jó 1.11 ). Aqui, mais uma  vez, a  palavra barak  é  usada  como  antônimo  de  abençoar.  Não teria sentido  ver  Satanás  argumentando  que  a  queda  de    aconteceria  em consequência de ele ter abençoado a Deus. Fora  do livro de Jó, mas  ainda dentro do texto bíblico, a palavra barak é usada eufemisticamente também em 1 Reis 21.10,13. Em ambos os versículos, a palavra hebraica barak tem o  sentido  de  blasfemar.  Não  teria  sentido  algum  dizer  que  Nabote  foi morto  porque  bendisse  ou  abençoou  a  Deus.⁴⁹  Nesses  versículos,  barak (abençoar),  exatamente  o  mesmo  termo  d e    2.9,  é  usado eufemisticamente com o sentido de blasfemar.⁵⁰

       Em  segundo  lugar,  se  a  mulher  de    tivesse,  de  fa to,  a penas  o aconselhado  a   “bendizer”  a  Deus  ao  invés  de  “ amaldiçoar”,  não  teria sentido Jó dizer que ela falava como uma louca qualquer (Jó 2 .10). Não há loucura  alguma  em  alguém  aconselhar  outro  a  bendizer  a  Deus.  Não  há dúvida d e que a mulher de Jó ficou submetida a um tremendo sofrimento e,  com  isso,  tenha  ficado  fragilizada  emocionalmente.  Nesse  sentido,  um dos  Pais  da  Igreja,  Hesíquio  de  Jerusalém  (450  d.C.),  acreditava  que  o Diabo achou nesse conflito vivido pela mulher d e Jó uma porta para atacar o patriarca. Veja:

       Como  o  traidor  havia  sido  vencido  em  todas  as  batalhas  e  havia fracassado  em  todas  as  suas  tentativas,  havia  sido  impedido  em todos  os  seus  enredos,  todas  suas  redes  haviam  sido  despedaçadas e  ha via  perdido  em  todos  seus  estratagemas ,  depois  de  haver destruído os  bens  de  Jó,  depois  da  morte  de  seus  numerosos  filhos, depois  de  haver  ferido  seu  corpo  com   golpes,  como  último  recurso e,  como  o  Diabo  pensava,  o  mais  dilacerante  de  todos,  enfrentou  a Jó com sua própria  esposa.⁵¹    Da mesma forma, Agostinho de Hipona (354–430):

       Uma  Eva  entregue  para  a  sedução,  sua  esposa  foi  reservada  para servir ao Diabo, não para confortar o marido e propõe-lhe a blasfêmia. Ele não  cedeu.⁵²  Assim  também  Gregório  (540–604):  [Satanás]  conquistou  o ânimo da esposa, escada  do marido. [Jó] falando retamente deu uma lição a que, instigada pela  serpente, falou perversamente.⁵³ Esse procedimento do  Diabo  não  deveria  causar  estranheza,  nem  tampouco  levar  alguém  a pensar  que  a   mulher  de    fosse  incapaz   de  dizer  essas  palavras.  Esse modus operandi  de  Satanás  repete-se,  por  exemplo,  no  caso  do  apóstolo Pedro.  Logo  após  a  confissão  de  que  Jesus  era  o  Cristo  de  Deu s,  Pedro  é instigado  pelo  Diabo  a  tentar  tirar  Jesus  do  caminho  da  Cruz  (Mt  16.22 -23). Certamente, Pedro ainda é lembrado pelo que disse, mas nem por isso deixou  de  ser  perdoado  e  amado  por  Deus.  A  mulher  de  Jó, evidentemente, falou sem um pingo de reflexão,  mas, posteriormente, foi restaurada por Deus.

A Fragilidade Humana e a Soberania Dívina

José Gonçalves

 


Capítulo  5

As Sete Calamidades de Jó

Introdução

Ao analisar os atentados perpetrados contra os Estados Unidos em II de setembro de 2001, o historiador  britânico  Paul  Johnson  foi  solene  e apocalíptico:  “Há  acontecimentos  tão  únicos  e  assombrosos que passam a sinalizar as grandes viradas da história. Os ataques terroristas contra Nova York e Washington tiveram um efeito tão devastador sobre as vidas, as propriedades e o orgulho americanos que não admira que os Estados Unidos tenham recorrido imediatamente à história para dar sentido ao que estavam presenciando”.

     Na  derrubada das Torres  Gêmeas,  perceberam os americanos que a sua economia, posto que soberba e imperial, era tão frágil como a estrutura daqueles edifícios  que,  sobranceiros,  pontificavam   em Manhatan. E no ataque ao Pentágono, convenceram- se de que a segurança absoluta é um mito. Não foi preciso mais do que doze fanáticos, neoliticamente armados, para destruir os altares sobre os quais entronizara-se a nação mais poderosa da terra.

    Enquanto os americanos tentavam sepultar os seus mortos, iam exumando interrogações e anseios e traumas que julgavam enterrados desde o ataque japonês a Pear Harbor em sete de dezembro de 1941. Eles jamais poderiam ter imaginado que toda a sua rotina viria a ser violentamente alterada num único dia; numa única hora, tudo desabou ao seu redor. Se num momento havia a mais perfeita doutrina de segurança; no outro, uma consumada heresia; se num instante, os fundamentos da economia mostravam-se mais do  que solidificados; no outro, achava-se tudo a tremer e a prenunciar tempos difíceis.

     Em meio às calamidades, a agonia de uma indagação: Por que temos de sofrer tais coisas? Esta foi a pergunta que fez Jó ao se ver ilhado naquelas calamidades que foram caindo sobre os seus bens, sobre a sua família e sobre si próprio. Sete calamidades desabaram sobre Jó; seria possível uma provação mais completa?

          I. Calamidades Sociais

Quem mora no Rio de Janeiro, sabe o que significam as calamidades sociais: assaltos, seqüestros, estupros, homicídios, guerrilhas,  subversão  da  ordem  pública  etc.  Haja  vista  o narcotráfico que, espalhando sua metástase por todas as camadas  da sociedade,  vai  dizimando  gratuita  e  debochadamente milhares de vidas. No exato momento em que desenvolvia este tópico, amargava o Rio uma de suas mais graves e vergonhosas crises. Depois de se haverem rebelado num presídio de segurança máxima, os chefões do crime organizado ordenaram o imediato fechamento de vários bairros e logradouros públicos.

      Nesses bairros e vilas condenados a uma periferia injusta, discricionária e desumana, residem muitos piedosos servos de Deus; gente que, apesar das dificuldades, faz questão de ostentar um autêntico e bravo testemunho cristão. Naquelas vielas  sem  fim;  naqueles  casebres  suspensos  nos  morros  e afavelados nos mangues; naqueles territórios que, sociológica, política e militarmente, constituem um Estado à parte do Estado, presenciam os santos de nosso Senhor cenas que, de tão dantescas, parecem ter saltado de algum conto de terror para inspirar este cântico de John Milton: “Seguiu-se, então, a violência, a opressão, e a lei da espada”.

      Senhor,  por que  estes  teus  queridos  têm de  passar por tamanhas aflições?

          I.  O festim da calamidade.

      Quão negligentes não andavam os filhos de Jó! Enquanto o mundo desmoronava, banqueteavam-se; e estando já o inimigo às portas, agiam irresponsável e indolentemente:  “Sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho na casa do irmão primogênito, que veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles; de repente, deram sobre eles os sabeus, e os levaram, e mataram aos servos a fio de espada; só eu escapei, para trazer-te a nova” (Jó I.I3-I5).

    Ao contrário do que imaginavam os filhos de Jó, aquele dia seria diferente de todos os outros dias; um dia que haveria de ser eternizado na História Sagrada; um dia separado por Deus, a fim de que, passados mais de cinco mil anos, viéssemos a lembrar-nos dele; um dia de advertências  e de avisos solenes. Entretidos em seus delitos e pecados, seriam aqueles jovens surpreendidos pelo improviso das horas por virem.

     Nascera aquela manhã como outra qualquer. Já acordando o sol na hora aprazada, e já despertando os animais e pássaros que, como só acontece num rosicler tão belo, compra- ziam-se em lirismo  e  poesias.  No  prelúdio  daquela manhã, toda a alimária pôs-se a louvar a Deus com os seus mugidos, trinados e assonantes balidos. Nas propriedades de Jó, que se confundiam com alinha do horizonte, tudo já estava avezado para mais uma jornada de trabalho que, de sol a sol, dava o tom vigoroso e produtivo daquelas empresas.

    De sua  casa,  repassava Jó  as  derradeiras  instruções  aos capatazes e feitores que, atentos, adiantavam-se para amanhar o  solo  e  tanger  as criações. Toda a gente  a seu  serviço  saía animada, a fim de percorrer mais uma etapa naquele azáfama. E  os seus  filhos? Embora dia útil,  inutilmente  desfaziam-se num daqueles intermináveis banquetes. Tinha-se a impressão de  que,  para  aqueles  jovens,  todo  dia  era  um  eterno  e descompromissado feriado. Até podemos idear a vergonha que sentia o patriarca. Se trabalhava, os filhos folgavam. Se punha os servos na lida, os filhos consumiam-se num ócio maligno. Se alguém supõe ser o ócio algo criativo, jamais leu a história de Jó. Somente dois grupos cultuam o ócio: os que seguem o Diabo e os que o imitam.

    O  autor sagrado assim critica os filhos de Jó; subrepticiamente os censura:  “Sucedeu um dia, em que seus filhos e suas  filhas  comiam  e  bebiam  vinho  na  casa  do  irmão primogênito” (Jó L I3). Naqueles vinhos clarificados e envelhecidos, deleitavam-se eles  em seus vícios precoces; zombavam dos  esforços do pai;  e  aos jornaleiros deste mostravam que, embora não trabalhassem,  tudo possuíam. Já imaginou todas  aquelas  propriedades  em  mãos  tão  irresponsáveis  e dolentes? Tudo haveria de arruinar-se numa única estiagem. E o  irmão  mais  velho?  Ao  contrário  daquele  primogênito  da parábola de Jesus, comportava-se dissipadoramente. Se o pródigo saiu a esbanjar a sua herança, este primogênito, mesmo sem  sair,  arruinava a sua parte na herança e  o  que lhe não cabia por direito.

   Enquanto folgavam; enquanto davam vivas aos deuses da gente pagã; enquanto se enredavam em todas as abominações e pecados, ia-lhes o horizonte toldando-se como aquelas tardes carregadas de improvisos do Oriente Médio. Narcotizados pelo álcool, não sabiam estarem os sabeus prestes a invadir a propriedade do pai.

     2.  Os  sabeus. 

Descendentes  de  Sebá,  neto  de  Cam  e bisneto de Noé (Gn  10.7), habitavam o Norte da Etiópia, de  onde  saíam  a  roubar  povos  indefesos  e  nações desprotegidas.  De pilhagem em pilhagem,  foram eles  acumulando proverbial riqueza (Is 45.14). Os sabeus eram tão violentos  e  implacáveis que,  por onde passavam,  deixavam um rastro de destruição. Afamados por sua elevada estatura, constituíam-se numa praga aos povos da Península do Sinai e de Canaã (Is 45.14). Eram um povo marginal; não conheciam lei nem ordem. Nenhuma importância emprestavam às convenções internacionais.

      Dois grupos de sabeus foram identificados na Etiópia e na Somália: os semitas e os camitas, cujos descendentes ainda podem ser rastreados no chamado Chifre da África. Não sabemos, porém, a que grupo o autor sagrado se refere. Talvez a ambos, pois ambos fortemente caldearam entre si, formando uma assustadora nação.

    Os beduínos árabes que cruzam os desertos do Oriente Médio, praticando o escambo e realizando pequenos negócios,  são  também  considerados  descendentes  dos  sabeus  dos tempos de Jó. À semelhança daqueles, estes também não são afeitos ao trabalho sedentário. Vivem a montar e a desmontar suas  tendas  naquelas  dunas  que,  se  de  dia  escaldantes,  são gélidas à noite. Se eles embrenham-se naqueles desertos, como encontrá-los?

        3.  Os sabeus atacam as propriedades  de Jó. 

Eram os sabeus já bem conhecidos em Canaã devido à violência e ao oportunismo de suas pilhagens. Até aquele momento, contudo, não haviam feito qualquer incursão às propriedades de Jó, por se acharem estas sob a proteção do Senhor; era como se Ele as tivesse cercado de sebes (Jó I.10).Tinha-se a impressão de que todas as fazendas e sítios do patriarca estavam sob a proteção de altos e terríveis muros de espinhos. Ante estes, os inimigos espantavam-se; sabiam que o Todo-Poderoso achava-se de prontidão para repelir os  que  se  aproximavam  das possessões de Jó.

      Um dia, porém, sentiram-se os sabeus livres para invadir as terras do patriarca. E, daqui, levam-lhe os bois e as jumentas, e passam ao fio da espada os que lhe tangiam os rebanhos (Jó  1.5).    imaginou uma  tragédia  dessas  na vida  de  um pecuarista? Estoicamente, porém, o patriarca Jó sofre aquele prejuízo. Afinal, se tudo recebera de Deus conforme ele mesmo o confessará, por que murmurar contra o Todo-Poderoso se, agora, põe-se Ele a reaver quanto lhe confiara?

     Relata o autor sagrado que, vindo um mensageiro, colocou Jó a par do acontecido. Tanto em hebraico como em grego,  a  palavra usada para mensageiro  é  a mesma para  anjo. Mensageiro, portanto, é alguém, quer angélico, quer terrestre, encarregado de transmitir uma notícia. Durante as tragédias que se abateram sobre Jó, quatro mensageiros humanos transmitiram-lhe a suma de todas as suas tragédias.

     Pode ser que você seja uma vítima da violência. Quer urbana,  quer rural, deixa-nos profundos traumas. Alguns  têm suas terras tomadas por demagogos (I Rs 21.15). Outros são alvos de assaltos e seqüestros (Lc 10.30). E ainda outros têm seus  entes  queridos  covarde  e  impiedosamente assassinados (At 12.1,2). E exatamente neste momento que não podemos evitar a pergunta:  “Por que Deus o permite?” A única coisa que sabemos é que todos os atos de Deus são atos de profundo e inexplicável amor.

           II Calamidades Sobrenaturais

Não há como descrever a segunda tragédia que se abateu sobre Jó. Do ponto de vista do mensageiro que lhe trouxe a notícia,  parecia  algo  vindo  diretamente  do Todo-Poderoso: “Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei, para te trazer a nova” (Jó I.16).

          I.  O fenômeno.

 Tratava-se de um raio? Ou de uma combustão que,  embora descida do céu, não provinha de Deus? (Ap 13.13). De qualquer forma, não era aquele um fenômeno natural; assemelhava-se ao fogo que calcinou as impenitentes Sodoma e Gomorra (Gn 19.24).

     A expressão hebraica esh Elohim é interpretada por alguns hermeneutas  como  algo  natural. Todavia,  de  acordo  com a observação daquele mensageiro, tratava-se de algo vindo não propriamente do céu, mas do mesmo Deus. E isto sem dúvida viria agravar ainda mais aquele homem que, piedoso e santo, via-se agredido não somente pelas coisas naturais como pelo Senhor.  Ora,  se  o Todo-Poderoso  achava-se  lutando  contra ele, o que lhe competia fazer?

          2.  O prejuízo.

O fogo acabou por destruir os rebanhos que  restavam  ao  patriarca.  Sua ruína,  agora,  era  completa. Além dos animais, perdera também toda a gente que estava a seu serviço com exceção daquele mensageiro que lhe relatou o acontecido.

    O que isto nos lembra senão aquelas pragas que, séculos mais tarde, haveriam de se abater sobre o Egito? No país dos faraós, dez pragas; sobre o Jó, sete calamidades. Que paralelo, contudo, entre o rei egípcio e o patriarca? Se o primeiro tinha o coração necrosado pelo orgulho, o segundo era um homem sensível à voz  de Deus,  e  tudo  fazia por agradá-lo.  Se  este diante do Senhor tremia, aquele, por julgar-se também senhor, desafiava  a  soberania  daquele único  e  grande  Senhor.  Não obstante, seria faraó irremediavelmente quebrantado, ao passo que Jó far-se-á alvo de todas as benesses do amoroso Deus.

     Você já foi vítima de algo sobrenatural? De repente, alguma coisa inexplicável destrói-lhe todos os bens, deixando-o endividado e sem perspectivas. Como agir nessas circunstâncias? Não se desespere! O nosso Deus está no comando de tudo.

    III. Calamidades Políticas

Além das calamidades sociais, vê-se Jó obrigado a sofrer as desgraças da política. Definida embora como a arte de bem governar os povos,  a política nem sempre se deixa guiar por esse ideal. Voltaire, num momento de profunda decepção, declarou:  “A política tem a sua fonte antes na perversidade do

 

que na grandeza do espírito humano”. Infelizmente, é o que vem acontecendo tanto no âmbito doméstico quanto no internacional.  E  foi uma perversidade  dessas  que,  ideologicamente aparatada, veio acrescentar angústia às angústias de Jó.

     Paradoxalmente, usa Satanás, agora, um dos povos mais cultos e ilustrados de todos os tempos: os caldeus, a fim de fustigar a Jó.  Demonstra  este  fato  que,  na  arena política,  a única lógica é a ausência lógica. Nesta arena asselvajada, nações cultas fazem-se bárbaras, e nações bárbaras nobre e sabiamente agem. Aliás, as guerras mais cruéis foram desencadeadas justamente por nações tidas como pérolas da civilização: no Oriente, a reflexiva Babilônia; no Ocidente, as filosóficas Grécia e Roma; na Europa, as inquiridoras França e Alemanha. E o que dizer do fleumático Japão? Ou da moderada China? Sim, na arena política,  os povos  todos são nivelados pelo sangue que é derramado profusamente na areia.

     Sendo a guerra o desastre da política,  acabaria esta por surpreender o patriarca Jó em suas provações. Declarou, certa feita, Mao Tsé-Tung, um dos mais odiados tiranos de todos os tempos: “A política é guerra sem derramamento de sangue, enquanto que a guerra é política com derramamento de sangue”.  Contra  o  patriarca Jó  fez-se  a  política uma grande  e incontrolável calamidade através dos caldeus.

      I.  Quem eram os  caldeus.

Assim  eram designados  os povos que residiam ao longo do curso inferior do Tigre e do Eufrates, e que, com o passar dos tempos, acabariam por fundar vários reinos, sendo Babilônia o principal deles.

     Descendentes de Sem,  destacaram-se os  caldeus  em diversos  ramos  dos  saber:  matemática,  astronomia,  medicina, artes bélicas. Eram também famosos por dominarem as ciências ocultas e os sortilégios (Dn 4.7). Abraão, o pai da nação hebréia,  era um  caldeu proveniente  de Ur (Gn  11.28). Em 586 a.C., os caldeus destruíram Jerusalém e o SantoTemplo, e deportaram para a região de Sinear os filhos de Judá (Dn 1.1,2).

      2. Os caldeus atacam Jó.

Como ficasse Uz na confluência de várias rotas internacionais de grande importância estratégica, era o seu território ocasionalmente invadido por forças hostis. E os caldeus, à semelhança dos homens de Sabá, transitando do Oriente para o Ocidente, atraídos sempre por fartas e generosas pilhagens, são instigados por Satanás a invadir o país.

     Até àquele dia, ainda que cobiçassem as propriedades de Jó, que se perdiam naqueles longes férteis e em todos aqueles pródigos infinitos, não se haviam atrevido a saqueá-las, por estarem os anjos de Deus a guarnecer cada alqueire do patriarca. Mas, agora, os muros de sebes, que os separavam daquelas possessões, são retirados, deixando-lhes livre o caminho para o despojo. O fato é assim narrado pelo autor sagrado:  “Dividiram-se os caldeus em três bandos, deram sobre os camelos, os levaram e mataram aos servos a fio de espada; só eu escapei, para trazer-te a nova” (Jó  I.I7).

     Da  narrativa  sagrada,  é-nos  permitido  supor  que  eles, envolvidos numa guerra com algum potentado da região, invadiram  as  fazendas  de Jó  para  abastecer  seus  exércitos  e reaparelhá-los. Tal prática, aliás,  é bastante comum em tempos de guerra.  Haja vista os  persas  que,  em suas  incursões, exauriam por completo os recursos dos povos que se achavam em seu caminho. Conta Heródoto que os exércitos da Pérsia, de uma feita, a fim de suprir seus exércitos de água potável, chegaram  a secar  todo  um rio.  Além  dos  insumos  básicos, necessitavam os caldeus de camelos e de outras montarias para substituir as que já se encontravam cansadas. Eram os camelos utilizados tanto para cargas como para o transporte de tropas devido à sua surpreendente resistência física.

     Os caldeus organizaram-se para atacar a Jó: dividiram-se em três bandos (Jó 1.7). O que temos aqui senão uma estratégia militar? Contra o patriarca até um exército se levantou.

     Quantos servos de Deus não são apanhados por revoluções,  surpreendidos  por levantes  armados  e  acossados  pela guerra? Quando da Segunda Guerra Mundial, milhares de santos foram cruelmente perseguidos pelos nazistas. O corajoso pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoefer, por exemplo, foi encarcerado e executado pelos verdugos de Hitler por não se curvar aos seus desmandos e arbitrariedades. E o que diremos dos filhos de Israel friamente assassinados pela Alemanha? Seis milhões de judeus pereceram naqueles campos de extermínio que, espalhados pela Europa, iam recebendo o sangue da nação  que mais  contribuiu para o engrandecimento espiritual, moral e cultural do mundo. Muitos desses israelitas, encaminhados à morte, lembraram-se certamente da história de Jó.

     Neste exato momento, muitos santos estão sendo torturados e mortos  quer nos países totalitários, quer nos países fundamentalistas. Mas, vestidos de branco e com palmas nas mãos, em breve serão recepcionados pelo Senhor Jesus.

           IV Calamidades Meteorológicas

 Distraídos com o banquete na casa do irmão mais velho, os filhos de Jó ainda não se haviam apercebido das calamidades que se esbatiam contra a família. A desgraça, porém, não demoraria em lhes sair ao encalço. E que desgraça seria esta? A meteorologia! Se por um lado nos beneficia; por outro, pode levar-nos à completa ruína. E, não raro, utiliza-se o Senhor de seus fenômenos para castigar os filhos dos homens.

     1. O tufao que matou os filhos de Jó.

 Registra o autor sagrado: “Eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, a qual caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu escapei, para te trazer a nova” (Jó I.I9). A expressão hebraica utilizada para descrever o fenômeno é mui significativa: ruah gedolah. O substantivo, também usado para identificar o Espírito Santo, denota um vento irresistivelmente forte; algo que jamais poderia ser contido pelo homem: um arrasador tufão.

      O  fenômeno em muito  se parece com aqueles furacões que, no Oriente Médio, soprando dalém do deserto, rapidamente alcançam as  áreas habitadas,  deixando  em sua passagem, um rastro de destruição. De um vento assim, ouvimo-lhe a voz, mas não sabemos exatamente de onde vem, nem para onde  vai.  Seria  aquele  vento  natural?  Ou  algo  sobrenatural como aquele fogo que caiu do céu? Tão impetuoso era aquele vento que, de acordo com a narrativa bíblica, atingiu em cheio a casa onde se encontravam os filhos de Jó, derrubando-a sobre eles. Sobreviveu apenas o mensageiro que relatou a tragédia ao patriarca.

     2. Deus e a meteorologia.

Não controla o Todo-Poderoso  os fenômenos meteorológicos? Então, por que haverá de permitir que tais forças se levantem contra os seus servos?

     O fato de sermos crentes não significa estejamos livres dos raios ultravioletas do Sol nem dos respingos da chuva (M t 5.45), nem que venhamos a escapar, necessariamente, das calamidades da natureza.  Em  conseqüência da seca,  agricultores piedosos eventualmente perdem promissoras colheitas; pecuaristas tementes a Deus vêem, de vez em quando, seu gado quedar sem vida por causa da estiagem. E aqueles homens e mulheres que, apesar de sua intensa vida de oração, não logram salvar os filhinhos de uma inundação súbita e implacável?

     V Calamidades Físicas

     Não obstante todas essas clamidades, Jó ainda retém a sua integridade (Jó 2.10). O Diabo, todavia, alega ao Senhor que,  enquanto Jó  estiver  saudável,  manter-se-á firme na  fé; mas, enfermo: virá certamente a renegá-la. Veja quão sentencioso e ousado é o Maligno:  “Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a tua mão, e toca-lhe nos ossos e na carne, e verás se não blasfema de ti na tua face!” (Jó 2.4,5).

   Demonstrando quão fiel era o seu servo, o Senhor então permite ao adversário enfermar a carne de Jó, desde que não lhe tire a vida: “Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de uma chaga maligna, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. E Jó, tomando um pedaço de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da cinza” (Jó 2.6,7).

 

     I. A doença de Jó.

Que doença era aquela? O texto bíblico  descreve-a como uma chaga maligna; uma doença de tal forma terrível, cuja etiologia até hoje não pôde ser detectada. Seria a lepra em seu mais adiantado estádio? O fato de o patriarca  se  coçar  com  um  caco  de  telha  sugere  que todo  o  seu corpo ficou não somente inchado, mas coberto de uma crosta supurante. Eis por que seus amigos tiveram dificuldades em reconhecê-lo  (Jó 2.12). Além disso,  o hálito  tornara-se-lhe insuportável, evidenciando uma rápida metástase (Jó 19.17). Tão aflitiva era a condição física de Jó que a esposa chegou a sugerir-lhe a eutanásia (Jó 2.9).

     J. D. Michaelis, tomando por base a descrição do texto bíblico, diagnostica a doença de Jó como elefantíase: “Ela começa pela erupção de pústulas, que têm a forma de nódulos, daí o seu nome latino lepra  nodosa.  Em seguida, à semelhança do cancro, passa a cobrir toda a superfície do corpo, corroendo-o de tal modo que todos os seus membros começam a se separar uns dos outros. Os pés e as pernas incham-se de tal forma que se cobrem de crostas e coágulos até se assemelharem às pernas dos  elefantes. Eis por que a doença se chama elefantíase. O rosto incha-se; a voz torna-se fraca. A doença termina por tornar o paciente completamente mudo”.

     No Dicionário Médico da Família de Gegraf-Maltese, a elefantíase  é  assim  descrita:  “Moléstia  caracterizada  por espessamento do tecido cutâneo e subcutâneo, principalmente dos membros inferiores e, com menor freqüência, do escroto, da vulva e do abdome. A elefantíase manifesta-se por tumefação anormal  dos  tecidos.  E  atribuída à  estase  venosa  originada por alterações da circulação linfática. Existem duas formas: a provocada por ação patogênica de germes (estreptococos) e a devida a um verme”.

      Seria esta a enfermidade de Jó? De qualquer forma, foi o patriarca constrangido a suportar as dores mais terríveis e os piores desconfortos a que um ser humano jamais fora submetido. Entretanto, reteve a sua integridade. Muitos são os servos de Deus que estão a sofrer as mais terríveis enfermidades. Uns, a semelhança de Ezequias, enfrentam um tumor maligno que, pouco a pouco, vão lhes consumindo as forças e o que lhes  resta  das  humanas  feições.  Outros,  como  o  Lázaro  da história narrada pelo Senhor Jesus,  jazem  cobertos  de uma chaga que os tornam repulsivos, embora espiritualmente sejam  os  mais  puros  dos  homens.  Outros,  ainda,  tal  como  o jovem pastor Timóteo, vêem-se às voltas com uma doença no estômago que os fustiga com fortes ânsias.Talvez esteja você  a sofrer as mais  insuportáveis dores. Durante as vigílias da noite, quando todos se acham a repousar,  está você  a revolver-se  no  leito  sem  achar  uma posição confortável. Nestas horas, você pergunta ao Médico dos médicos: “Por que eu? Por acaso, não te sou fiel desde a mocidade? Então por que todo este sofrer?” Não posso dizer-lhe se esta  doença  é  para  a vida  ou  para  a morte.  De  uma  coisa, porém,  tenho  certeza:  é  para a glória de Deus.  Se  é para a morte, por que o Senhor Jesus não o leva agora para o céu, poupando-o de todo o tormento? Se você está nas mãos do Oleiro, Ele sabe quando exatamente o levará. Nem antes, nem depois. No momento certo, Ele o guindará às regiões celestes. Mas, se esta doença é para a vida, haverá você de levantar-se deste leito, e o nome do Senhor será em tudo exaltado. Aleluia!

      VI. Calamidades Domésticas

Estava Jó para enfrentar ainda outros problemas. Se externamente via-se às voltas com a violência social, com a guerra sempre cruel e com as forças da meteorologia, agora estará ele enfrentando um problema doméstico: o desequilíbrio emocional, espiritual e moral da esposa.  Vendo-lhe esta a chaga que lhe tomara o corpo; percebendo que, sob a ótica humana, não lhe restava nenhuma esperança a não ser a morte, propõe lhe uma medida extrema: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 1.8).

    Apesar de todos os males que se haviam abatido sobre Jó, preservava ele a integridade de sua fé. Não culpou a ninguém; não  amaldiçoou  a Deus,  nem  de  Deus  veio  a  duvidar.  Em tudo, íntegro. Como, porém, enfrentar uma mulher que, qual cotejar ininterrupto e persistente, acrescentava-lhe desconforto  às  dores  e  traumas  às  feridas? Sim,  como  enfrentar uma mulher que, ao invés de buscar a Deus, propõe-lhe uma medida extrema:  “Amaldiçoa a Deus e morre”?

    O que ela queria? Que o esposo, apostatasse-se da fé e desistisse da vida? Suge- ria-lhe a eutanásia? Quantos pacientes terminais não são incitados ao  chamado  suicídio  assistido!  Para fundamentar tais crimes,  há todo  um  aparato  filosófico  e  até  teológico. Tais iniciativas, contudo,  acabam sempre por gerar crimes monstruosos como o holocausto nazista.O que responde Jó à esposa?  “Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (Jó I.IO).Temos aqui não meramente uma resposta a um problema doméstico, mas um enunciado teológico de imensurável grandeza. Em primeiro lugar, o patriarca professa a existência num Deus que se interessa pelos seres humanos, que lhes dá o quando basta à existência, e que, em sua soberania, intervém, provando-nos e até nos tirando o necessário para que tenhamos a suficiência de sua graça.

     Enfrenta você problemas com o seu cônjuge? Ame-o ainda mais; demonstre-lhe mais carinho. Conquiste-o sem palavras, sendo eloqüente nas  ações. Não  desista de sua esposa, marido; não desista de seu marido, mulher. Não permita que essa desventura temporária lhe destrua a ventura de uma vida a dois que pode ser eterna.

              VII. Calamidades Teológicas

Dentre todas as ciências, é a teologia a rainha das ciências; é o mais alto dos saberes; Deus é a sua fonte de conhecimento. É a teologia também um inesgotável manancial de consolações: mostra-nos estar o Senhor preocupado  com o homem,  pois de tal maneira o  amou que  até  o  seu Unigênito entregou  a  fim  de  proporcionar-nos  eterna  salvação.  Logo, como  faz  questão  de ressaltar Martinho  Lutero,  a teologia não consiste em especulação; ela é consolação e prática.

     Infelizmente, nem sempre a teologia faz-se conforto, principalmente quando tratada por gente inepta e eivada de atitudes que não recorrem ao verdadeiro conhecimento de Deus. Foi por isto que o escritor Elbert Hubbard decepcionou-se com teologia:  “A teologia é uma tentativa de explicar um assunto por pessoas que não o entendem. O objetivo não é dizer a verdade, mas satisfazer o consulente”. Temos a impressão de que Hubbard referia-se aos  amigos  de Jó:  Elifaz,  Bildade  e Zofar. Todos os três teólogos; presumidos e enfatuados teólogos; através de sua doutrma, fustigaram ao patriarca. Na verdade, foram eles a sétima calamidade que teve de sofrer o mais justo e piedoso homem daquela época.

    Mas  é a teologia calamidade? No silvo da serpente sim; fazendo teologia, induziu nossos pais à apostasia. Nos lábios de Balaão, sim; entretecendo uma teologia falaz; e permissiva, levou Israel a cear com os idólatras, e a prostituir-se com as midianitas.

    Na boca de Coré, sim; urdindo teologia, armou a rebelião no arraial hebreu. Na boca do Diabo, sim; trabalhando a teologia e citando as Escrituras, tentou a Cristo, buscando  desviá-lo  da cruz. E os amigos de Jó? Usando  argumentos  aparentemente verdadeiros; utilizando-se de uma lógica viciada; evocando premissas falsas; reivindicando postulados que, se verdadeiros aqui, são ali falsificados, diziam falar por Deus, mas Deus os desconhecia; alegavam possuir o verdadeiro conhecimento de Deus, mas se achavam em profunda ignorância.

     Nos capítulos ainda por virem, estaremos enfocando com mais vagar os discursos de Elifaz, Bildade e Zofar; e veremos por que foram as teologias destes amigos de Jó tão inimigas da verdade. Pior que uma teologia falsa é uma teologia meio verdadeira. E o patriarca, em sua calamidade, teve de sofrer a calamidade que,  pareça embora teologia,  não passa de uma ímpia especulação.

             Conclusão

Como reagir a todas essas calamidades? Jó sabia perfeitamente que, apesar da angústia daquela hora, havia um Deus no  céu que  a tudo  contemplava.  Assim,  pôde ele manter-se íntegro; não negou a fé, nem optou pelo caminho que, para alguns, parece o mais fácil: o suicídio.

      A prova a que nos  submete Deus, por mais  dolorosa e desconfortável,  redunda sempre num  crescimento  espiritual que acaba por descortinar-nos todas as belezas do amor divino. Por isso, não se deixe abater pelas calamidades que, ultimamente, recaíram sobre si. Ele não permitirá seja você tentado além de suas forças; o escape não tardará.

     Por  enquanto,  basta-lhe  saber  que,  em  sua tribulação, muitas são as vidas que se acham a consolar-se em Deus. Ora, se a sua provação constitui-se em conforto para os que o cercam,  quanto  mais  o livramento  completo  do Senhor! Num momento de ardente crisol, escreveu J. H. Jowett:  “Deus não nos consola para que vivamos uma vida cômoda, senão para que sejamos um consolo para os outros”.

COMENTÁRIO DE JÓ CLAUDIONOR DE ANDRADE



 


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