segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Lição 3: Jó e a realidade de Satanás

 

                         

Texto Áureo

“E vindo um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR veio também Satanás entre eles”

(Jó 1.6)

Verdade Prática

Segundo as Escrituras, Satanás é um ser real portador de personalidade e só o venceremos com as armas espirituais.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Jó 1.6-12; 2.4,5 

6 – E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.

7 – Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.

8 – E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.

9 – Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde?

10 – Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra.

11 – Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face.

12 – E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.

Jó 2:4,5

4 – Então Satanás respondeu ao Senhor, e disse: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.

5 – Porém estende a tua mão, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face!

INTERAGINDO COM O PROFESSOR 

Uma das coisas mais perigosas é uma ideia que revela determinado extremo. Acerca de Satanás há pelo menos duas. A primeira tende a negar sua existência. A segunda, supervaloriza a ação maligna como se Satanás fosse uma entidade onipotente. O Livro de Jó revela a realidade do Diabo. E o livro mais claro em relação ao assunto do Antigo Testamento. Entretanto, de maneira equilibrada, podemos aprender que o Diabo tem determinada ação no mundo, mas ele não é maior que Deus, nem muito menos exerce ação autônoma. O livro mostra com clareza que o Diabo está submetido a Deus. Essa compreensão é alentadora, pois não podemos ignorar a sua ação, mas também não devemos supervalorizá-la porque maior é Deus que que nos salvou. 

PONTO CENTRAL:

O Diabo é um ser espiritual, mas não é auto existente

INTRODUÇÃO

Uma das constatações que o leitor logo chega ao ler o Livro de Jó e que o Diabo  existe. Ele é um ser real. Todo o mal descrito poeticamente no livro é visto a partir da realidade de Satanás. Todo sofrimento experimentado pelo homem de Uz, mesmo sem a consciência histórica disso, foi motivado por uma ação maligna. Ali, o Diabo assume o caráter pessoal de uma criatura. Nesse aspecto, o livro mostra como o Diabo pode interferir na vida humana. Portanto, nesta lição abordaremos algumas questões relativas à existência e à realidade de Satanás a partir do contexto de Jó. 




                       Capítulo 03 - Jó e a Realidade de Satanás   

     E  vindo  um  d ia  em  que  os  filhos  de  Deus  vieram  apresentar -se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. Então, o Senhor disse a Satanás: De onde vens? E Satanás respondeu ao Senhor e disse: De rodear a terra  e  passear por ela.  E  disse o  Senhor a Satanás: Observaste tu a  meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem sincero, e reto,  e  temente a   Deus,  e  desviando-se do  mal. Então,  respondeu  Satanás ao Senhor e disse: Porventura, teme Jó a Deus debalde? Porventura, não o cercaste tu de bens a ele, e a  sua  casa, e a tudo quanto tem? A obra d e suas mãos  abençoaste,  e  o  seu  gado  está  aumentando  na  terra.  Mas  estende  a tua  mão,  e  toca-lhe  em  tudo  quanto  tem,  e  verás  s e  não  blasfema  de  ti  na tua  face!  E  disse  o  Senhor  a  Satanás: Eis  que   tudo  quanto tem  está  na  tua mão;  somente  contra  ele  não  estendas  a  tua  mão.  E  Satanás  saiu   da presença do Senhor (Jó 1.6-12)  

 O PROBLEMA DO  MAL

     Cada  povo  e  cada  cultura  possuem  os  seus  próprios  mitos.  Os léxicos  definem  mito  como  sendo  uma   forma  de  pensamento  oposto  ao pensamento  lógico-científico.²⁴  O  mito,  portanto,  seria  uma  tentativa  de  explicação  não  racional  que  os  homens  acharam  para  lidar  com  o misterioso ou sobrenatural. Assim, é possível falar -se em mitologia grega , persa,  babilônica,  egípcia ,  etc.  Dentro  d esse  contexto,  os  historiadores, antropólogos,  etc.,  associam  o  surgimento  da  crença  em  demônios, espíritos maus e até mesmo no Diabo aos primeiros estágios da civilização. Acredita-se,  por  exemplo,  que  a  magia  e  a  feitiçaria    eram  amplamente praticadas na Mesopotâmia por volta de 3.500 a.C.²⁵ Por essa perspectiva, os  demônios,  maus  espíritos  e  o  Diabo  não  seriam  seres  pessoais,  nem mesmo  reais,  mas  representações  míticas  que  o  homem  primitivo  teria dado  às  forças  cósmicas  para  as  quais   não  teria  explicação.  O  Diabo  da mitologia não é real e, portanto, não assume caráter de pessoalidade.

     Por  outro  lado,  o  racionalismo  filosófico  nega  que  o  Diabo  existe como  sendo  uma  realidade  de  natureza  sobrenatural  ou  espiritual.  Por acreditar que realidades espirituais, como, por exemplo, Satanás e os seus demônios,  estariam  fora  do  crivo  da  razão,  essa  forma  de  entender  as coisas  vai  buscar  fora  da  revelação  bíblica  a  explicação  para  aquilo  que seria  o  mal.  Nesse  aspecto,  o  mal  não  existiria  como  uma  realidade absoluta,  de  natureza  espiritual,  mas  seria  uma  imperfeição  ou  limitação daquilo que é e existe.²⁶ Dizendo isso de outra forma, a verdade seria vista como  um  bem,  enquanto  a  mentira,  a  sua  negação,  seria  vista  como  um mal;  da  mesma  forma,  a  fidelidade seria  vista  como um  bem,  enquanto  a infidelidade, o seu oposto, seria um mal. O mal, portanto, como realidade espiritual, não existiria.  A concepção que se tem do Diabo e da existência do mal a partir da cultura  bíblica  difere  muito  do  mítico -filosófico  e,  também,  do racionalismo. De acordo com a Bíblia, o Diabo existe e é real.  Todavia, no estudo  sobre  a  existência  de  Satanás  na  cultura  judaico -cristã,  é  preciso levar  em  conta  o  caráter  progressivo  da  revelação  bíblica.  Fica  bastante evidente  qu e  a  compreensão  que  o  Antigo  Testamento  possui  sobre  o Diabo  e  os  demônios  é  menos  completa   do  que  aquela  que  é  dada  pelo Novo Testamento. Isso  explica, por exemplo, por q ue muitas  vezes o  mal não  é  descrito  de  forma  personificada  e  por  que  o  caráter  de  Satanás  não é  tão  explicitado  no  Antigo  Testamento.  Todavia,  isso  não  deve  ser  visto como  uma  negação  da  existência  de  seres  malignos  de  natureza  pessoal, mas  que  a  Revelação  completa,  o  Novo  Testamento,  ainda  nã o  havia chegado.  Mesmo  não  tratando  sobre  a  existência  do  mal,  d e  Satanás  e  os seus  demônios  de  uma  forma  completa,  o  Antigo  Testamento,  todavia, não nega a  existência d e Satanás e a personificação do mal (1 Cr 21.1). Esse é  um  detalhe  esquecido  por  muitos  teólogos  quando  leem  o  Antigo Testamento e, em pa rticular, o livro de Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7).²⁷ Não há dúvida de que o Diabo descrito por Jó como quem rodeava a terra e pas seava por ela  (Jó  1.7)  é  o  mesmo D iabo  descrito pelo  a póstolo Ped ro, qu e  “anda  em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pe 5.8). O Diabo descrito no livro de Jó é, portanto, um ser maligno, real e pessoal.     

  JÓ E O ENIGMA DO MAL

      “[...] veio também Satanás entre eles” (1.6). Satanás aparece no livro de Jó como uma  realidade cósmica e a quem o mal que sobrevém ao patriarca  está  associado.  Satanás  é  a  tradução  do  termo  hebraico sãtãn,  com  o  sentido  d e  adversário  e  oponente.²⁸  Alguns  teólogos argumentam  que  esse  Satã  citado  no  livro  de    não  seria  o  mesmo encontrado  na  literatura  veterotestamentária  posterior  (1  Cr  2 1.1)  e nem tampouco o Satã a quem se refere o Novo Testamento (Mt 4.10). Dessa forma, R. A. F. Mackenzie (2007, p. 929) destaca que esse Satã “ainda não se trata do ‘diabo’ da posterior teologia judaica e cristã”. Por  sua  vez,  Terrien  (1994 ,  p.  65)  explica  que  “o  emprego  do  artigo definido  mostra  que  o  termo  hassatan  não  era  considerado  nome próprio e q ue não deveria ser traduzido por Satã”. Ainda de acordo com  Terrien,  foi  somente  em  um  período  posterior  que  ess e  termo tornou-se nome próprio e foi traduzido por Satã, hodiábolos.²⁹ Além das  questões  léxicas,  que,  segundo  defendem  esses  autores, impediriam  vincular  o  Satã  da  narrativa  d e    com  o  Satã   descrito em  outras  partes  do  Antigo  Testamento  e  também  do  Novo Testamento, estaria também  a  questão de  natureza  teológica. D essa forma,  segundo  eles,  o  redator  de    não  teria  usado  esse  termo  no seu  aspecto  teológico,  mas  funcional.  Assim  sendo,  Schokel  e  D iaz (2002,  p.  126)  argumentam  que  não  se  deve  confundir  o  Satã  de  Jó com “nossa imagem ou concepção do demônio, anjo caído que odeia a Deus e sua obra”. 

      Negar que Satanás possui personalidade simplesmente por questões de  natureza  puramente  léxica  não  tem  convencido  a  muitos  outros intérpretes. Verifica-se, por exemplo, que o uso do artigo ou o seu não uso, assim  como  outras  regras  de  natureza  gramatical,  admite  exceções.³⁰  Por exemplo,  o  termo  “Deus”,  usado  em  referência  ao  Deus  de  Israel,  vem muitas vezes precedido de artigo no texto hebraico do Antigo Testamento. Afirmar  que  o  Deus  de  Israel  não  é  um  ser  pessoal  simplesmente  porque vem  precedido  de  artigo  é  algo  inconcebível.  Seria  temerário,  portanto, para  o  intérprete  generalizar  o  uso  dessa  regra  concernente  ao  uso  do artigo.  Daniel  Estes  (2 013,  p.  474)  põe  em  evidência  esse  fato   em  relação ao uso do artigo definido:   

      No  Antigo  Testamento,  o  artigo  definido  também  é  às  vezes  usado dessa maneira, como por exemplo, quando “o Deus” se refere a Deus ou  “o  baal”  quando  se  refere  à  divindade  cananeia  Baal.  Em  vista disso,  parece  haver  evidências  significativas  para  ver  o  adversário em Jó como um antagonista de Javé e seu servo Jó.  

      O  uso  do  artigo,  portanto,  não  deve  ser  visto  como  uma  limitação linguística  à   personalidade  do  Diabo,  mas  apenas  como  uma  forma  de descrever  a  função  ou  papel  de  Satanás  como  um  adversário,  sem, contudo,  negar  a  sua  pessoalidade. Vine,  Unger  &  White  Jr  (2009,  p.  2 82) destacam  que,  usado  d essa  forma,  o  termo  tem  o  propósito  de  “enfatizar o  papel  de  Satanás  como  ‘adversário’  que  afligiu  o  patriarca  com  muitos males  e  sofrimentos”.  Era  dessa  forma  que  a  patrística  cristã  entendia (Oden,  2010).  De  uma  forma  geral,  os  Pais  da  Igreja,  mesmo  fazendo  uso alegórico  dessa  narrativa,  onde    simboliza  o  justo  lutando  contra  as tentações  do  demônio,  não  faziam  distinção  alguma  entre  esse  Satanás descrito em Jó daquele que aparece no Novo Testamento.³¹

         Por  outro  lado,  as  evidências  internas  do  texto  d o  livro  de  Jó mostram alguns  atributos  de  Satanás  que  o  expõem  como  um  ser  dotado de  personalidade.  Além  do  fato  de  ser  espiritual,  capaz  de  agir sobrenaturalmente  (Jó  1.7), Satanás,  por exemplo, também demonstra  ser possuidor de inteligência e conhecimento (1.7; 9). Ele demonstra conhecer Jó  e  a  sua  forma  de  comportar-se  (1.7)  bem  como  s e  mostra  capaz  de argumentar  com  Deus  (1.9).  Essas  mesmas  características  são demonstradas por Satanás quando tentou a Cristo. E le sabia, por exemplo, quem era Jesus e foi capaz de argumentar com Ele (Mt 4 .1-11). O Diabo do livro de Jó e o do Novo Testamento são, portanto, a mesma pessoa.

       “[...] e que se desvia do mal” (1.8, ARA). A expressão “que se desvia  do mal” aparece no testemunho que Deus dá sobre Jó. Fica  bastante claro que o livro de Jó não tem o propósito de explicar a origem d e Satanás nem tampouco como  o  mal  veio  a  existir  no  Universo.³² O  livro  de    parte do pressuposto  de  que  o  Diabo  existe  e  de  que  o  mal  é  uma  realidade.  No caso  de  Jó,  fica  subentendido  que  o  mal  é  anterior  a  ele,  visto  que  Jó procurava  evitá-lo  (1 .8).    vive,  portanto,  em  um  mundo  moral  onde  a existência de Satanás e do mal são uma realidade. Não há como negar que o mal  é  uma  realidade e  que  está espalhado pelo  Universo. Ignorá-lo  não é  uma  tarefa  fácil.  Como  explicar,  por  exemplo,  o  fato  de  uma  criança indefesa e inocente sofrer com câncer? Como explicar os grandes desastres naturais com  milhões  de vidas  ceifadas? E   o  que  dizer das  guerras  que  já mataram  milhões  d e  pessoas?  Essas  são  perguntas  que  não  podem  ser

explicadas  de  forma  satisfatória  se  a  questão  do  mal  não  for  levada  em conta.³³ O livro de Jó mostra  que, mesmo antes de  o patriarca ser provado, o mal    existia  no mundo (1 .8).³⁴ Todavia, com  respeito ao  sofrimento de Jó,  o  mal  aparece associado a   Satanás, mesmo qu e o  patriarca  não  tivesse consciência disso (1.11-12). 

      Satanás aparece no texto de Jó como um ser que tem limites. Ele não faz  o  que  quer  ou  pode  fazer  (1.12;  2.6).  Isso  significa  dizer  que,  ao contrário  de  Deus,  que  é  eterno  e  Todo -poderoso,  Satanás  é  um  ser espiritual  criado.  Todavia,  dizer  que  o  Diabo  é  um  ser  criado  está  muito longe de dizer que ele foi criado por Deus dessa forma ou que tenha criado o  mal.  Se  Deus  criou  anjos  bons,  então  de  onde  veio  o  Diabo?  O  Senhor criou seres perfeitos e bons, todavia dotados de livre- arbítrio. Assim como os humanos, Satanás, que antes fora um anjo bom, também foi dotado com capacidade  de  escolha.  O  livre-arbítrio  não  é  bom  ou  mal  em  si,  mas , dependendo da forma como é usado, pode ser transformado num bem ou num  mal.  Luis  Henriques  Jr  (2019,  pp.  44,45)  observa  que  “o  presente  da liberdade  que  foi  concedido  veio  com  todas  as  consequências  da existência.  O  surgimento  do  bem  espiritual  tem  como  consequência  a possibilidade  da  existência  do  mal  espiritual”.  Com  o  livre-arbítrio,  os homens  podem  escolher  Deus,  mas  com  ele  também  podem  rejeitá-lo. Deus  não  queria  que  seres  sem  liberdade  de  escolha  servissem-no.  E  a razão  é  simples:  onde  não    liberdade  de  escolha,  o  a mor  é  forçado,  e  a responsabilidade  moral  não  existe  (Geisler,  2002).  O  Diabo  tornou-se Diabo porque escolheu ser assim. 

       Tanto  no  caso  do  homem  como  no  de  Satanás,  a  existência  do  mal tem  origem  na  capacidade  de  escolha,  isto  é,  no  livre -arbítrio.³⁵  Dessa forma,  Poewell  (2009,  p.  340)  diz  que  “o  mal  entrou  no  mundo  pela  livre escolha de  criaturas moralmente  responsáveis”. Qualquer outra tentativa de explicar a  origem do pecado ou do mal no Universo que exclua a livre escolha  do  homem  e  dos  anjos  transforma  Deus  em  um  monstro  moral. Deus  seria  o  autor  do  pecado  e,  consequentemente,  de  todo  sofrimento humano.³⁶  O  livre-arbítrio  transformou  um  anjo  bom  em  Satanás  e  o homem  santo  em  pecador.  Ulrich  Luke  (2012,  p.  313)  destaca  que  “a origem do mal s e encontra, portanto, na liberdade das criaturas a princípio boas”. Da mesma  forma, Geisler (2002, p. 534) destaca que: 

     Deus  é  bom,  e  criou  criaturas  boas  com  qualidade  boa  chamada livre-arbítrio. Infelizmente,  elas  usaram  esse  poder  bom  para  fazer  o  mal ao  universo  ao  rebelar-se  contra  o  Criador.  Então o  mal  surgiu  d o  bem, não  direta,  mas  indiretamente,  pelo  mal  uso  do  poder  bom  chama do liberdade.  A  liberdade  em  si  não  é  má.  É  bom  ser  livre.  Mas  com  a liberdade  vem  a  possibilidade  do  mal.  Então  Deus  é  responsável  por tornar  o  mal  possível, mas   as  criaturas  livres  são  responsáveis por  torná -lo real.³⁷ Segundo Alvin Platinga (2012, p. 47):  

    Um mundo com criaturas que sejam significativamente livres (e que livremente executem mais  ações boas do que más) é mais valioso, se não houver  complicações de  outros fatores, do  que  um mundo s em quaisquer criaturas livres. Ora, Deus pode criar criaturas livres, mas não  pode  causar  ou  determinar  que  façam  apenas  o  q ue  é  correto. Afinal, se o fizer, então elas não são a final significativamente livres; não  fazem  livremente  o  que  é  correto.  Para  criar  criaturas  com capacidade para o bem moral, portanto, Deus tem de criar criaturas com  capacidade  para  o  mal  moral  e,  não  pode  dar  a   essas  criaturas a  liberdade  de  executar  o  mal  e,  ao  m esmo  tempo,  impedi-las  de executá-lo.  E  aconteceu,  infelizmente,  que  algumas  das  criaturas livres que Deus criou erraram no exercício de sua liberdade; essa é a fonte  do  mal  moral.  O  fato  de  algumas  criaturas  errarem,  contudo, não depõe contra a onipotência de Deus nem contra a sua bondade; pois  ele    poderia  ter  impedido  a  ocorrência  do  mal  moral removendo a possibilidade do bem moral.³⁸    Geisler (2002, p. 534) corrobora esse fato: “Deus não é o responsável pelo  exercício  do  livre-arbítrio  para  fazer  o  mal.  Deus  não  realiza  a  ação livre por nós”. Ele, portanto, ao fazer criaturas livres, capazes de escolher, fê-las  porque  não  deseja  que  ninguém  o  sirva  ou  o  ame  forçadamente.  O amor  forçado  não  é  amor,  mas  estupro.  Ainda  de  acordo  com  Geisler (2002, p. 539):  

       É claro que Deus poderia forçar a todos a fazer o bem, mas então não seriam  livres.  Liberdade  forçada  não  é  liberdade.    que  Deus  é amor,  ele  não  pode  impor-se  contra  a  vontade  de  ninguém.  Amor forçado não  é amor, é  estupro.  E Deus não  é  um  estuprador divino. O amor deve agir persuasivamente, mas não coercitivamente.   

OS BASTIDORES DA TENTAÇÃO  

      Na  tentação  de  Jó,  a  questão  da  responsabilidade  moral  deve  ser levada  em  conta.  O  Senhor  isenta    de  culpa  quando  d estaca  que  não havia uma causa que justificasse os males que o afligiram (Jó 2.3). Todavia, isso  não  significa  dizer  que    não  teve  nenhuma  participação  moral  no processo.  A  forma  como    comportou-se,  recusando-se  a  blasfemar  de Deus,  mesmo  quando  aparentemente  havia  uma  causa  para  isso  e  não  o fez, é uma reposta moral. Deus permitiu Jó ser provado pelo Diabo, mas a resposta  foi  dada  por  Jó.      responsabilidade  moral  quando  há liberdade  de  escolha.    escolheu  não  blasfemar.  De  acordo  com  Richard Taylor (1984, p. 600), geralmente a Bíblia apresenta o homem como um ser que,  em  seu  estado  normal,  é  responsável  diante  de  Deus,  e,  portanto, deve  prestar  contas  pela  forma  como  v ive  e  recebe  o  castigo  ou recompensa correspondente (Mt 12.36-37; Lc 16.2ss; 2 Co 5.10; 1 Pe 4.5).

      Em outras palavras, os homens serão responsabilizados moralmente pelas repostas que dão diante das escolhas que fazem.  Como  um  ser  soberano  e  santo  que  é,  as  ações  de  Deus necessariamente são  livres  e  corretas.  Os  homens  podem  ser  tentados  ou induzidos  à  tentação  e,  com  isso,  caírem  em  erro,  mas  Deus  não.  Ele  não pode  tenta r  nem  cair  em  tentação.  Nesse  aspecto,  a  palavra  hebraica “incitar” (hb. sut), usada em Jó 2 .3, precisa ser compreendida dentro desse contexto.  Uma  compreensão  equivocada  dessa  palavra  passa  a  ideia  de que  Deus  tornara -se  a  causa  do  mal  d e    ao  ceder  às  provocações  de Satanás.  Todavia,  isso  iria  de  encontro  a  Tiago  1.13,  que  diz  que  D eus  a ninguém tenta nem pode ser tentado pelo mal. Daniel Estes (2018, p. 641) destaca o seguinte:

       O verbo hebraico sut que Javé usa aqui para “incitar” tem a nuance de  levar  alguém a  agir  de u ma  maneira  que  é  diferente do  que  essa pessoa  teria  escolhido  fazer  sem  a  provoca ção.  Em  2  Reis  18:32  e Jeremias 43:3, os  humanos são o  sujeito do  verbo, mas em 1  Sa muel 26:19 e 2  Samuel  24:1 Javé é  apresentado como incitando as pessoas a  fazerem  o  que  está  errado.  O  paralelo  em  1  Crônicas  21:1  é instrutivo,  porqu e  indica  que,  embora  Javé  permita  ações  más dentro  de  seu  plano  soberano  geral,  ele  não  é  diretamente responsável por  causar a  ocorrência do mal.  Não  é o  prazer  de  Javé que Jó seja afligido, mas Javé permitiu que o adversário seguisse sua estratégia  contra    na  tentativa  de  demonstrar  que    não  tem  o caráter excelente que Javé acha que tem.

        Essa  exposição  de  Daniel  Estes  ratifica  aquilo  que  vem  sendo exposto  neste  livro: Deus  permite o  mal,  mas  não  o  causa.    uma  causa secundária,  o  Diabo,  que  é  quem  traz  a  calamidade  sobre  Jó.  Thomas  de Aquino (2018, p. 9514) destaca que esse texto não deve ser entendido como se  Deus  houvesse  sido  provocado  por  alguém  a  querer  o  que  Ele  não queria  antes,  pois  isso  o  transformaria  em  um  mero  mortal,  e  a  Escritura afirma que Ele não é homem para que minta ou filho do homem para que se  arrependa  (Nm  23.19).  Dessa  forma,  J ohn  Wesley  (1765,  p.  13) acreditava que o propósito desse texto era revela r toda a  malícia diabólica em  querer  destruir  o  homem  e  como Deus  permite  isso  com  fins  sábios  e santos.  Em  outras  palavras,  Deus  não  pode  ser  tentado  pelo  mal  nem tampouco pode ser considera do a sua causa. 

      Da perspectiva humana, o mais importante no processo da tentação é a resposta que é dada a ela. Isso envolve uma dentre duas possibilidades: ceder  ou  não  ceder  à  tentação.  O  Diabo  tenta,  mas  são  os  homens  que escolhem  pecar.  Ninguém,  portanto,  pode  dizer:  “Foi  o  Diabo  que  me obrigou  a   fazer  isso”.  Esse  fato  pode  ser  visto  na  vida  de  Jó.  Mesmo  s em ter  consciência  de  que  estava  sendo  tentado  por  u m  agente  mal,  Jó escolheu  não  pecar  quando  se  viu  diante d a  escolha  de  blasfemar  o u  não blasfemar.  Isso  mostra  que  não  se  pode  culpar  a  Deus  e   nem  mesmo  ao Diabo  pelas  escolhas  equivocadas  que  fazemos.  A  função  de  Satanás  é tentar,  mas  ele  não  detém  o  poder  de  decidir  por  qu em  é  tentado.  A resposta  à  tentação  envolve,  portanto,  uma  tomada  d e  decisão  por  parte de  quem  é  tentado.³⁹  As  Escrituras  mostram  que  D eus  não  quer  que ninguém sucumba à tentação; por isso, Ele manda que cada um ore e vigie (Mt 26.41; 1 Co 10.13).

A Fragilidade Humana e a Soberania Divina:
Lições do Sofrimento e da Restauração de Jó

 


                     A Teologia da Acusação

Introdução

Afirmou João Calvino que Satanás é um teólogo perspicaz. E foi com toda a sua argúcia teológica  e filosófica, que o Maligno  apresentou-se diante de Deus para acusar a Jó. O que me espanta não é o fato de Satanás caluniar o patriarca de forma tão desabrida; o que me causa estranheza é a sua audácia em discutir teologia com o próprio Deus. Que a discussão fosse com Lutero ou com Spurgeon! Mas debater teologia com a fonte da teologia? E a sua audácia não pára  aí.  Encarreira ele  argumentos  tão  contrários  a Deus, que se tem a impressão de que o Senhor nada entende de teologia.

   Foi este o adversário que se levantou contra Jó. Apresentando-se diante do Todo-Poderoso como um misto de teólogo, filósofo e promotor, pôs-se a incitar Deus contra o homem mais íntegro daquela época. Aliás, Satanás não é apenas perspicaz; é também, como descreveu-o Thomas Cosmades, um ser que não trabalha ao acaso, mas ataca sistematicamente.

     Quem nos defenderá do acusador? Assim como Deus fez a apologia de Jó, está sempre pronto a levantar-se em nosso socorro. Se o Senhor é por nós, quem será contra nós?

I. 0  Tribunal Celeste

    “Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar- se  perante  o  Senhor,  veio  também  Satanás  entre  eles”  (Jó1.7). Até este momento, era o céu um imenso e iluminado templo,  onde  o  Senhor,  alta  e  sublimemente  entronizado, recebia louvores e  ações de graças de todas as suas hostes, falanges e teorias. Os querubins resguardavam-lhe a santidade; os serafins prorrompiam-se nos mais ardentes louvores ao seu nome. E, à frente de todas as legiões, achava-se Miguel, o Grande Príncipe.

      No Livro de Jó, são os anjos identificados como filhos de Deus; à semelhança dos homens, foram eles também criados pelo Senhor (SI 33.6). Todavia, não haveremos de confundi- los com aqueles filhos de Deus que, deixando-se arrastar pelas filhas dos homens, vieram a apostatar-se (Gn 6.2). Provinham estes da linhagem de Sete, ao passo que aqueles eram, de fato, anjos (Jó 1.6; 2.1; 38.7).

     Junto a todos esses louvores, misturavam-se também os cânticos dos peregrinos do Senhor que, desde as mais remotas regiões  da terra,  o  incensavam na beleza  de  sua  santidade. Certamente, a voz de Jó era ouvida naqueles páramos. Infelizmente, junto a estas tão santas vozes, misturar-se-ia também o trinado acusatório do Diabo.

      I.  Satanás, o grande acusador de nossos  irmãos. Até este  momento,  o  céu  era um grande  e  imensurável  templo. Basta, porém, introduzir-se o Diabo no céu para que este se fizesse um lugar de acusação. Enganam-se os que julgam estar o maligno entronizado no inferno; acha-se ele imperando na terra e, não raro, pode ser encontrado nas regiões celestes. E, aqui, aparece como o grande promotor da raça humana. Na terra advoga o pecado; no céu, denuncia o pecador.

     O Apocalipse descortina este ofício de Satanás:  “Agora chegada está a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite” (Ap 12.10). O comentarista da Bíblia de Estudo Pentecostal, Donald Stamps, analisa a referida passagem:  “Satanás acusa os  crentes  diante de Deus. Sua acusação  é que os crentes servem a Deus por interesse pessoal”.

      Por que Satanás  é  chamado  de  “o  acusador de  nossos irmãos”? A expressão grega katégoros ton  adelphon hemon denota, entre outras coisas, o seu ofício predileto: acusar, caluniando. Não imaginemos, porém, sejam as suas acusações libelos simples e descabidos. O vocábulo katégor evoca um profissional, cuja missão é denunciar judicialmente um réu, ou alguém tido como tal. Por isto, quando o Diabo apresenta uma peça acu- satória contra um servo de Deus,  chega a impressionar pela riqueza de seu conteúdo. E ele certamente haveria de prevalecer contra nós não  fora  a competente defesa que  o  Senhor Jesus faz de seus servos junto ao Pai.

    Charles  C. Ryrie, renomado teólogo americano, mostra quão eficaz é o Diabo em sua função de promotor: “Destaca nossos pecados e esgrime-os contra nós. Ele acusa-nos diante de  Deus,  pensando,  com isto, levar-nos  a perder a salvação. Mas Cristo, nosso advogado, assume o nosso caso, e lembra ao Pai, constantemente, já ter efetuado um alto preço por nossas iniqüidades e pecados, quando morreu na cruz”.

    Portanto, quer o Diabo esteja dizendo a verdade, quer falando mentiras, suas arengas acusatórias nada podem contra as bondades e. misericórdias do Todo-Poderoso. Em seu grande e in- sondável amor, providenciou-nos Deus eficiente redenção através de nosso Senhor Jesus Cristo. Salientando a intervenção sempre pronta de Cristo em favor de nós, pecadores, escreve Paulo:

     “E,  quando  vós  estáveis  mortos  nos  pecados  e  na incircuncisão  da vossa  carne,  vos  vivificou  juntamente  com ele, perdoando-vos todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente  e  deles  triunfou em si mesmo. Portanto,  ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Cl 2.13-17).

2.  Tem o Diabo livre trânsito nos céus?

    Por que permitiu o Senhor se infiltrasse nos céus, entre os santos anjos, um ser, cuja missão é matar, roubar e destruir? Se o seu destino é o lago de fogo, por que se intromete ele no mais alto e sublime lugar? Agora, porém, num momento como aquele, em que as teorias  celestes prestavam um culto  ao Senhor,  incensando- lhe o trono com as orações e súplicas dos santos, surge o Diabo como se também fora anjo de luz. Não poderia o Senhor haver ordenado  ao arcanjo Miguel amarrasse o tentador e o lançasse no mais escuro, dos abismos?

     O autor sagrado, neste caso mui particular,  é inspirado tão-somente a registrar os fatos; narra e não explica; mostra e não interpreta. Fosse tudo ficção, e estaríamos satisfeitos. Todavia, não estamos diante de uma lenda; defrontamo-nos com um dado  comprovadamente  histórico.  Afinal,  é franqueado ao Diabo o livre trânsito aos céus? O fato, em tela, não nos indica, necessariamente, tenha o Maligno acesso franqueado às moradas de Deus; sugere-nos apenas que, sendo ele um ser intrometido e insolente, tudo faz por imiscuir-se nas regiões celestes, a fim de levar a perturbação a um lugar que é reconhecido como o santuário dos santuários.

     Fato semelhante a esse, encontramos em 2 Crônicas 18: “Vi o SENHOR assentado no seu trono, e a todo o exército celestial em pé, à sua mão direita e à sua esquerda. E disse o SENHOR: Quem persuadirá a Acabe, rei de Israel, a que suba e caia em Ramote-Gileade? Disse mais: Um diz desta maneira, e outro diz de outra. Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o persuadirei. E o SENHOR lhe disse: Com quê? E ele disse: Eu sairei e serei um espírito de mentira na boca de todos os seus profetas. E disse o Senhor: Tu o persuadirás e também prevalecerás; sai e faze- o assim. Agora, pois, eis que o SENHOR pôs um espírito de mentira na boca destes teus profetas e o SENHOR falou o mal a teu respeito” (18.18-22).

      Não quer isto assinalar tenha o Senhor necessidade dos demônio na execução de seus planos; utiliza-se, porém, deles, para que cada um de seus intentos, em favor dos santos, seja plenamente alcançado. No texto retrocitado, deixou Ele que um demônio usasse os lábios dos falsos profetas para enganar um rei idólatra e infiel. Já no  caso  do patriarca Jó, temos o instituto da permissão divina. Objetivando Deus o aperfeiçoamento de seu servo, autorizou o Diabo a lançar contra Jó todas as calamidades e tribulações. Mas foi exatamente através dessas tribulações e calamidades que o patriarca venceu as sanhas do adversário.

II. Deus Faz a Defesa de Jó

    Não  foi  somente João  Calvino que  achava ser o Diabo um bom e perspicaz teólogo. A. W. Tozer era da mesma opinião: “O Diabo é melhor teólogo do que qualquer um de nós, mas continua sendo Diabo”. Logo, não tem ele qualquer dificuldade em  escrever monografias,  teses  e tratados  acerca de Deus. Se for preciso, redige ele os mais arrebatadores e convincentes libelos contra os que porfiam em ser fiéis ao Todo- Poderoso. Foi com uma dessas monografias, que ele apresentou-se diante do Senhor para acusar a Jó.

I.  Um viajante e observador.

      Vendo o Senhor o Diabo entre os anjos, perguntou-lhe:  “Donde vens?” (Jó  1.7). Respondeu o Maligno:  “De rodear a terra e passear por ela” (Jó1.7). Voltear o planeta, naquele tempo, deveria ser algo monótono e tedioso;  com exceção da Africa e da Asia,  os demais continentes ainda não haviam sido povoados. A Europa, inculta. O Extremo Oriente, desabitado. As Américas, algo por se descobrir. E as ilhas? Teriam os filhos de Noé chegado às ilhas mediterrâneas? Ou às atlânticas?

     Mesmo assim, deleitava-se o Diabo em volutear pela terra, e por esta fazer evoluções e giros. Encontrasse uma comunidade humana, posto que diminuta e até desprezível, lá estava ele semeando apostasias, orgulhos, sedições e guerras. Achasse uma simples habitação, ali tinha de lançar os germes das descrenças e das rebeldias que se desdobrariam, mais tarde, em assoberbados impérios. Ele jamais almejou resultados imediatos; sabe que estes desaparecem da mesma forma que surgem.

     Mais tarde, no Monte da Tentação, mostraria ele ao Senhor Jesus o resultado de toda a sua sementeira. Agora, porém, o que tinha ele  a observar? O Egito? Ainda não existia como reino. Babilônia? Não era ainda nem um país; limitava- se a alguns potentados sem qualquer significância. A Pérsia? Os arianos sequer eram um povo. Os gregos? Pobres filhos de Javã! Teriam um longo caminho a percorrer até a sua formação. Enfim, nenhum império era ainda império, mas já queria o Diabo reinar sobre todas as aldeias humanas.

2.  A grande pergunta teológica.

     Sabendo Deus que lá estava o Diabo para discutir teologia, por que não  começar com uma pergunta? Pergunta esta, aliás,  que desencadearia a mais  importante  discussão  teológica  de  todos  os  tempos: “Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal” (Jó 1.8).

      “Observaste  a  meu  servo Jó?”  Começa  a  teologia pela observação? Davi e Paulo dizem que sim (SI 19.1; Rm 1.20- 22). Foi pela observação que muitos filósofos vieram a crer na existência do Deus único e verdadeiro. Vejamos, pois, a força deste verbo na língua hebraica: shemer não significa apenas observar;  denota uma cuidadosa vigilância.  Portanto,  vinha  o Diabo não somente observando, mas vigiando sistemática e persistentemente  a Jó.  Eis  por  que lhe  pergunta  o  Senhor: “Observaste a meu servo Jó?” Nesta pergunta, estava o Todo- Poderoso provando ao Maligno ser possível um relacionamento perfeito entre o homem e o seu Criador. Coisa que o Diabo jamais admitiu.

    Não respondera o Diabo ao Senhor que viera de percorrer a terra e de passear por ela? Então por que se concentra o Todo Poderoso em Jó? Poderia Ele haver perguntado ao adversário se este observara os impérios que, nos vales do Nilo e do Eufrates, dentro em breve terçariam armas pelo controle do mundo. Mas estava lá Satanás preocupado com estes impérios? O que o incomodava obsessivamente  era o  Reino  de Deus  que,  apesar  de tudo, multiplicava-se na vida do patriarca. Os impérios não seriam seus? Em sua perspicácia teológica sabia o demônio que a chave para a história do mundo é o Reino de Deus.

    A verdade é que o Tentador não rodeara a terra, e sim o terreno onde Jó morava; não passeara pela terra, e, sim pelo território onde se achavam os seus bens. Rodeando a casa de Jó, levara-lhe os filhos ao descaminho e à apostasia. Passeando pela casa do patriarca, tornara-lhe louca a esposa, a fim de que esta não viesse a ter um encontro experimental com o Senhor. Ainda rodeando a casa de Jó e por esta passeando, impedira-lhe que os amigos lhe devotassem verdadeira afeição. Logo, não se achava o adversário interessado nos impérios humanos. Sabia ele que Jó, num momento tão crítico da História Sagrada como aquele, era tão importante como o fora Noé em sua época, e tão imprescindível quanto Daniel o seria em seu tempo. Através de suas virtudes, eqüivalia Jó a toda uma congregação de santos e redimidos.

III. A Teologia de Satanás

     De acordo com Hilaire Belloc, toda questão, em última análise, é teológica. Não posso discordar de Belloc; é a presença de Deus tão forte e de tal forma irresistível, que toda discussão deságua, necessariamente, no grande oceano da teologia. Ora, se na terra isto é real, quando mais no céu. Responde o tentador ao Todo-Poderoso: “Porventura, Jó debalde teme a Deus? Acaso, não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra. Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face”(Jó  1.9-II).

     Eis os pontos centrais da teologia de Satanás:

I.  A  impossibilidade  do  verdadeiro  temor  a  Deus.

      Mesurando  a humanidade  por si,  supõe o  adversário  que o homem jamais poderá demonstrar um amor verdadeiro e desinteressado por Deus. Enquanto Deus o abençoar, bendirá a Deus. Se Ele, porém, lhe retirar as bênçãos, certamente o amaldiçoará. Eis o que declara o sentencioso teólogo: “Porventura, Jó debalde teme a Deus?” (Jó  1.9).

     Ora, mesmo que o homem amasse a Deus de forma interesseira, e mesmo que lhe viesse a demonstrar um temor materialmente  condicionado,  seria  ele  muito  melhor  do  que  o Diabo. Porque este, tendo tudo nos céus, foi infiel ao Senhor; e milhões de homem, na terra, conquanto rodeados de tantas e indescritíveis limitações, perseveram em agradá-lo. Mas ali estava um ser humano que, fosse ou não abençoado, haveria de bendizer para sempre o Abençoador.

     O profeta Ezequiel discorre, de maneira detalhada, acerca  dos  privilégios  que  o  Senhor  entregara  a  Satanás.  Dos querubins, era o mais importante; além de querubim, ungido. Tinha ao seu cargo, as hostes celestes; honravam-no todas as falanges. Abaixo da Santíssima Trindade, não havia ninguém tão importante quanto ele que, de tão luminoso, confundiam- no as teorias  com a própria luz. Todavia, mesmo possuindo tudo  o  que  lhe  era  permitido  ter  como  criatura,  deixou-se embair por suas perfeições já imperfeitas.

    Ora,  se o  adversário não  soube ser grato  e fiel a Deus, tendo tudo, por que injuria a Jó que, embora não fosse anjo e agora nada possuindo, angelicamente agia como se tudo possuísse? Além do mais, estava o Criador satisfeito com a mais perfeita de suas  criaturas  morais que,  naquele momento,  se encontrava sobre a Terra. Então, por que a criatura incomoda- se tanto com a criatura? Mas outro não é o papel da imperfeição senão criticar a perfeição.

2. O relacionamento mercantilista entre Deus e o homem.

    O Diabo não podia aceitar a possibilidade de um relacionamento entre o homem e o seu Criador, cuja base fosse a sacrificialidade e o desinteresse. Por isso, desafia o Todo-Poderoso:  “Acaso, não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens  se multiplicaram na terra” (Jó  LIO). Jó não  era leal a Deus porque de Deus tudo recebia; mesmo se nada houvera recebido, permanecer-lhe-ia amorosamente grato.

     Que  teologia é essa que  desdenha a possibilidade de o homem vir a amar desinteressadamente a Deus? Desconhecia o  Maligno os  exemplos  de  Abel,  de  Enoque,  de  Noé  e  de Sem? Então, não cometia apenas um erro teológico; achava-se também num equívoco histórico. Se ele, querubim, não soube amar o Senhor, isto não significava estar o homem impossibilitado de devotar um amor seráfico ao Todo-Poderoso.

3. A degenerescência absoluta do homem.

      A semelhança de alguns teólogos protestantes, Satanás também apostava na degenerescência absoluta do ser humano. Aliás, foi ele o primeiro a fazê-lo. De acordo com a sua proposição, o homem estava tão corrompido e de tal forma degenerado que, não recebesse alguma benesse do Senhor, contra o Senhor blasfemaria.

     Mais uma vez estava errado o Maligno. Se alguns blasfemam o nome de Deus, não devem estes servir de parâmetro no julgamento dos demais. Desde a aurora da civilização, sempre houve pessoas  que tributaram a Deus  um amor puro  e altruístico. O maior conforto não lhes é ter a bênção; é possuir o Abençoador. Em suas Confissões, afirmou Agostinho: “Eu odiaria minha própria  alma se descobrisse que ela não ama a Deus”. Que anjo, por mais perfeito e elevado, foi capaz de tal declaração?

     Satanás talvez considerasse Jó grande demais para atravessar o fundo da agulha que o Senhor Jesus haveria de referir- se nos evangelhos. Só que por este orifício passou não somente  o  patriarca;  também passaram todos  os  seus  rebanhos  e cáfilas. Se o homem de Uz portara-se com tamanha dignidade até aquele momento, por que viria, na provação, a amaldiçoar a Deus?

IV A Proposta Teológica de Satanás

     Satanás é um teologo que não se deixa convencer. Diante dele nenhuma evidência tem valor; nenhuma lógica tem lógica; pois delicia-se em trabalhar sofismas e casuísmos. Alguns de seus filhos, que hoje ocupam cátedras e púlpitos, parecem haver lido, com redobrado zelo e atenção, suas monografias. E como estas se mostram convincentes! E como são consumidas por aqueles  que,  embora tendo  a Bíblia,  desprezam-na para firmar-se em tolas especulações!

    Até  agora,  contentara-se  o  Diabo  em questionar  o  Senhor. Todavia, esgotados já os seus argumentos, parte da teoria à prática. Incita o Senhor a que fira a Jó, tirando-lhe quanto possuía. E o Todo-Poderoso, que outros planos tinha para o seu servo, aparentemente aceita o desafio do tentador.

I.  A proposta teológica do Diabo.

   Propõe o Tentador a Deus:  “Estende,  porém,  a mão,  e toca-lhe em tudo  quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face” (Jó  I.II). Esta seria a prova definitiva; não haveria argumento mais forte, nem postulado mais definitivo. A discussão sairia do terreno  da teoria para  alinhar-se  no  campo  da  prática,  onde  as proposições nem sempre ficam de pé. A proposta era mais do que  radical;  irrecorrível.  Naquele  momento,  era  o Todo- Poderoso desafiado a provar cada palavra que empenhara em favor de seu servo.

     “Toca-lhe em tudo quanto tem”. O termo hebraico usado pelo autor sagrado é intensamente forte: negah significa também machucar,  ferir,  lesar,  golpear. Vê-se,  por  conseguinte, quão implacável era o tratamento que propunha o Diabo fosse aplicado a Jó!

    Como ficava o patriarca em toda essa história? Naquele momento, sequer suspeitava que, nas regiões celestes, era travada uma discussão  teológica,  cujo  objeto não  era propriamente Deus, mas o homem. Polêmica teológica ou antropológica? Teologicamente antropológica!

     Fosse o Senhor estender a mão contra Jó, como haveria este  de  subsistir?  Não  destruíra  Ele  todo  o  mundo antediluviano?  Não  acabara  com  a  soberba  daqueles edificadores que, infantilmente, edificavam a Torre de Babel? Aliás, não abatera o ungido querubim no exato momento em que este se achava no auge da apostasia? De que forma haveria Jó de resistir ao Senhor?

2.  A conclusão equivocada de Satanás.

      Estava o Diabo tão presumido quanto ao seu silogismo; achava-se tão cônscio quanto à exatidão de suas conclusões; encontrava-se tão certo acerca da perfeição de suas premissas que, ousadamente, afirmou ao Senhor:  “E verás se não blasfema contra ti na tua face”.

     Como chegara o enganador a tal conclusão? De que forma alcançara ele semelhante síntese? Vejamos suas premissas:

• Jó era fiel a Deus, porque de Deus recebia ele todas as benesses.. Se Deus dele retirar todas as benesses,

• Logo: Jó não titubeará em blasfemar-lhe o santo nome.Aplicado a outra pessoa, este silogismo talvez fosse verdadeiro. Mas a Jó? O mais íntegro dos homens? Todas essas premissas mostrar-se-ão falsas. Outro silogismo semelhante a este apresentará o Diabo ao Senhor quando, depois de haver destruído  todos  os  bens  de Jó,  propuser-lhe  a  ruína física: “Pele por  pele,  e  tudo  quanto  o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a mão, toca-lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema çontra ti na tua face” (Jó 2.4,5).

    Infelizmente, muitos são os que se deixam levar por essa dialética. Aparentemente perfeita, não resiste ao mais leve exame. Na premissa inicial, falha; na premissa final,  engano; na conclusão:  ilusória.  A Palavra de Deus,  ainda que se mostre ilógica,  é  irresistivelmente mais lógica do  que a mais lógica das premissas do Diabo.


V Satanás Sai a Praticar a sua Teologia

    Tão atrevido mostrou-se o Diabo que tentou induzir o Senhor a estender,  Ele mesmo,  a mão  contra Jó.  Se Deus  o fizesse, estaria contrariando seus atributos morais: santidade e justiça. Além do mais, não poderia o Senhor ser tentado pelo mal, pois a ninguém tenta (Tg  I.I3). Se Ele nos prova, visa unicamente o nosso bem; não é o seu intento agir como um ser arbitrário que, sendo irresistivelmente poderoso, trata as suas criaturas como meros marionetes. Deus nos trata, visando-nos o aperfeiçoamento espiritual. E, se nos prova, amorosamente o faz.

     Por conseguinte,  se o Diabo estava insatisfeito com Jó, que se levantasse contra este. E mesmo que o patriarca fosse reduzido a cinzas, reerguer-se-ia do pó,  e infligir-lhe-ia memorável derrota. Por isto, o Todo-Poderoso lança este desafio àquele ser que, meio promotor e meio teólogo, presumia-se já vitorioso:  “Eis  que tudo  quanto  ele tem está em teu poder; somente contra ele não estendas a mão” (Jó I.I2).

     Poderia Satanás  tocar em todos  os  bens  de Jó.  Contra este, porém, não haveria de estender a mão. Consolemo-nos, pois, com esta promessa: não seremos tentados além de nossas forças; e mesmo que estas venham a se esgotar, o poder de Deus aperfeiçoar-se-á em nossas fraquezas (2 Co 12.9).

Conclusão

Já devidamente autorizado, sai o Diabo  da presença do Senhor, a fim de tentar a Jó, A partir daquele instante, o melhor dos homens daquela época enfrentaria sete calamidades distintas. Em tudo seria provado; seria irresistivelmente testado em tudo. Provação semelhante jamais seria imposta sobre qualquer ser humano. Aliás, somente Cristo viria a sofrer mais do que Jó.

       Mas, em todas as coisas, seria Jó um vencedor. Está você no  crisol? Tempestades  já se  mostram no  horizonte  de  sua vida? Não se desespere. Deus está no controle de tudo. Ainda que Satanás pense estar levando alguma vantagem sobre a nossa vida, achamo-nos escondidos em Cristo Jesus, nosso Senhor.

             COMENTÁRIO DE JÓ CLAUDIONOR DE ANDRADE


COMENTÁRIO

I.                  Desolação: A Provação da Sabedoria de Jó. 1:1 - 2:10.

Jó 1

A. Descrição da Sabedoria de Jó. 1:1-5. O temor do Senhor, que é o começo da sabedoria, foi o sinete da qualidade de Jó. A fonte de sua vida e caráter foi a religião da aliança da fé no Cristo da promessa, "o qual se nos tomou da parte de Deus sabedoria" (I Co. 1: 30; cons. Is. 11:2).

1. Uz, a terra natal de Jó, fica em algum lugar a leste de Canaã, perto das fronteiras do deserto que separa os braços leste e oeste do Crescente Fértil. Era uma região de cidades, fazendas e rebanhos migrantes. Íntegro e reto, não se refere à perfeição sem pecado, (cons. Jó reconhecendo seus pecados; por exemplo, 7:20; 13:26; 14:16 e segs.) mas à integridade sincera, especificamente a lealdade para com a aliança 6 (cons. Gn, 17:1, 2). Havia uma harmonia honesta entre a sua profissão de fé e a sua vida, exatamente o oposto da hipocrisia da qual ele foi acusado por Satanás e mais tarde por seus amigos. Temente a Deus. No V.T. "o temor do Senhor" é o nome da religião verdadeira. A piedade de Jó era fruto de submissão genuína ao Senhor, diante de quem ele andava em reverência, rejeitando resolutamente o que Ele tivesse proibido.

 2, 3. A verdadeira sabedoria se expressa na vigorosa execução do mandato criativo divino de encher e dominar a terra (Gn. 1:28). Por causa da anormalidade da história, que resultou da Queda, o fracasso persegue os esforços até mesmo dos piedosos. Mas os empreendimentos de ló na família, no campo e nos rebanhos foram coroados com as bênçãos do Criador (cons. a descrição que Jó faz deste período no cap. 29).

 4, 5. Atento ao seu Deus nos dias bons como nos maus, Jó fielmente cumpria suas funções de sacerdote dentro da família. Não um simples formalista, Jó percebia a raiz do pecado no coração humano (cons. cap. 31); não mero moralista, ele reconhecia, como a especial revelação redentiva tornara claro, que não há remissão de pecados sem derramamento de sangue sacrificial. Holocaustos, embora fossem símbolo da expiação messiânica do pecado, eram também um ritual de consagração. Por meio deles Jó dedicava os frutos do progresso no setor da cultura (cons. 1:2, 3) ao seu Criador. Assim a cultura humana alcançava seu devido fim na adoração a Deus.


B. A Sabedoria de Jó é Negada e Manifesta. 1: 6 - 2:10. Aquele que é sábio para a salvação está cônscio da dimensão demoníaca da história, a fúria secular de Satanás contra "a semente" da mulher (cons. Gn. 3:15), isto é, Cristo e o Seu povo. O Adversário protestou dizendo que a piedosa sabedoria de Jó não era genuína, que a sua piedade era apenas temporária e resultante de sua prosperidade. Mas provado, Jó esmagou Satanás sob os pés demonstrando que estava pronto a servir a Deus "debalde". Uma vez que a verdadeira sabedoria, o temor a Deus, é um dom redentor divinamente concedido, a acusação de Satanás contra Jó foi realmente uma desafiadora negação da sabedoria de Deus, um desafio à eficácia soberana do decreto redentor de Deus de "pôr inimizade" entre os eleitos e a serpente (Gn. 3:15).

O propósito primário do sofrimento de Jó, desconhecido para ele, foi que permanecesse diante dos homens e anjos como um troféu do poder salvador de Deus, uma exibição dessa sabedoria divina que é o protótipo, fonte e fundamento da verdadeira sabedoria humana.

1                   1)    A Inimizade de Satanás.1:6-12.


6, 7. Para que o leitor possa descobrir o propósito primário dos sofrimentos de Jó e assim se colocar em posição de julgar corretamente onde jaz a verdadeira sabedoria na seqüência, afasta-se o invisível véu angélico, pintado aqui como uma corte real com o Soberano assentado em Seu trono no meio dos Seus servos. Os filhos de Deus. Esta frase, nos antigos mitos politeístas indicava seres divinos. Na Bíblia se refere ou aos homens (Gn. 6:2 por exemplo) ou, como aqui, a criaturas celestes. Satanás, literalmente, o Adversário, está entre aqueles que são obrigados a prestar contas diante do trono celestial. Isto, como também o fato de Satanás não poder tentar Jó sem permissão, torna conhecida sua absoluta subordinação, ao lado de todas as outras criaturas visíveis e invisíveis, ao Deus que Jó temia.

8-10. Deus Se glorifica quando aponta para Jó como criação da Sua graça redentora. Ninguém há na terra semelhante a ele (v. 8b). Este endosso divino vai além até da descrição do versículo 1. Mas embora o acusador hostil não encontre nada na vida visível de Jó para condená-lo (compare com a situação em Zc. 3), ele insinua que a aparente devoção do patriarca é de calculado interesse pessoal. Ele diz, realmente: "Jó é um enganador como eu, seu verdadeiro pai, o diabo". Satanás tentou arrancar Jó da mão de Deus, e assim pôs em dúvida o direito que o Senhor tinha sobre Jó por tê-lo feito Seu filho através da graça redentora. O diabo dá a entender que, deixando de reconhecer a fraudulência da piedade de Jó, Deus é ingênuo. Pois que, tendo recebido um mundo todo Jó (Comentário Bíblico Moody) 8 seu com uma cerca à volta, não manteria as devidas aparências de lealdade ao doador? O assalto satânico contra a integridade de Jó é, em última análise, um assalto à integridade divina: Deus subornara o profano Jó para que agisse com piedade. A oportunidade que foi dada a Jó em sua provação foi, portanto, não tanto para justificar-se mas para justificar a Deus.

11, 12. Na tentação, no Éden, Satanás desacreditou a Deus diante do homem; aqui ele desacreditou o homem diante de Deus. Mas, em ambos os casos, ele usou a mesma técnica sutil. Começou com uma pergunta insinuante, depois prosseguiu contradizendo atrevida e declaradamente a palavra divina. Remova a prosperidade de Jó, disse, e a piedade que repousa sobre ela vai desmoronar. Deus aceitou o desafio. Realmente, dirigindo a atenção de Satanás para Jó, em sua insondável sabedoria, Ele provocou o desafio. Que a cena celestial,e as transações da corte celeste não foram reveladas a Jó está de acordo com o fato de que este livro não tem intenção primordial de responder à pergunta: Por que sofrem os justos? Antes, o livro representa a absoluta consagração do ser ao fiel Criador-Salvador do homem como sendo a verdadeira sabedoria. Um homem deve continuar temendo a Deus mesmo quando seu mundo se desmorona e a vida o coloca em dificuldades, como no caso de Jó, assombrado e perplexo sobre um monte de refugo.

Jó 2

2                    2)    A Persistência de Satanás. 2:1-6.

1-3. Convocado novamente diante do trono da corte celestial para prestar contas, Satanás não apresenta relatório voluntário de sua tentação a Jó. Deus, contudo, para glorificar o Seu nome, declara abertamente a integridade comprovada e verdadeira do Seu servo. Sem causa (v. 3c). Esta é a mesma palavra hebraica que Satanás usou ("debalde") em sua pergunta (1:9). Deus faz eco ao termo para se opor à insinuação de Satanás. Agora era óbvio que Jó servia a Deus sem interesse e, portanto, Satanás o acusava sem causa.

 4-6. Pele por pele (v. 4b). Uma paródia cínica do reverente louvor com o qual Jó reagiu à sua desolação (1:21). Satanás insinua que mesmo a doxologia de Jó, brotada na angústia da aflição, era a reação calculada de um hábil regateador. Embora desapontado por Deus não lhe ter permitido ficar com nada, Jó escondeu sua amargura pelas perdas, sem profana solicitude por seu bem-estar físico: tudo quanto o homem tem dará por sua vida (v. 4b). Satanás dá a entender que Jó, através de sua doxologia apenas fingiu amor a Deus como gratificação exorbitante mas necessária para garantir sua saúde. Toca-lhe nos ossos e na carne (v. 5b). Se Deus consentir que Satanás toque não simplesmente nas posses de Jó, mas também em sua pessoa, de modo que não reste nenhuma vantagem para "o acordo religioso", Jó devolverá maldição por maldição. Assim novamente Satanás continua a partir da depreciação da piedade passada de Jó até uma predição de que ele se comprovará profano. Assim novamente Deus permite que o mistério da aflição venha tragar o seu servo.

                                            Jó (Comentário Bíblico Moody)




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