sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Lição 2 - Quem Era Jó

  


TEXTO ÁUREO

Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó;

e este era homem sincero, reto e temente a Deus;

e desviava-se do mal

(Jó 1.1).

VERDADE PRÁTICA

Quem zela por um caráter irrepreensível obtém

 testemunho acerca de sua integridade.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Jó 1.1-5.

1 — Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e este era homem sincero, reto e temente a Deus; e desviava-se do mal.

2 — E nasceram-lhe sete filhos e três filhas.

3 — E era o seu gado sete mil ovelhas, e três mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas jumentas; era também muitíssima a gente ao seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do Oriente.

4 — E iam seus filhos e faziam banquetes em casa de cada um no seu dia; e enviavam e convidavam as suas três irmãs a comerem e beberem com eles.

5 — Sucedia, pois, que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.

OBJETIVO GERAL

Demonstrar que Jó foi um homem rico, mas que, diferente dos demais, tinha um caráter íntegro.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.

  • I. Mencionar que Jó procurou viver de forma íntegra e justa;
  • II. Citar a prosperidade de Jó como consequência do favor de Deus;
  • III. Destacar a piedade pessoal de Jó como modelo para os crentes.

INTERAGINDO COM O PROFESSOR

É possível ser próspero e, ao mesmo tempo, ter um caráter íntegro e piedoso? Esta pergunta faz sentido porque não é pouco comum correlacionar o defeito de caráter de uma pessoa com o advento de seu sucesso. O leitor da Bíblia Sagrada sabe do cuidado que as Escrituras apontam para a relação humana com o dinheiro. Sim, a Palavra de Deus diz que o “amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males” (1Tm 6.10). Isso ocorre por causa do “apego”, da “ambição” que o homem desperta diante do dinheiro ou de algum bem material. Essa disposição pode aniquilar a nossa integridade e piedade. Mas ao longo da lição, veremos um modelo de integridade, prosperidade e piedade conjugado com o temor do Senhor. Que o exemplo de Jó fale aos nossos corações.

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

O autor sagrado não elabora uma biografia de Jó, mas traça um perfil que diz muito sobre esse gigante da fé. Jó foi um homem diferente, não em natureza, pois ele era igual aos demais de sua época. Todavia, foi, sem dúvida, distinto na espiritualidade. Ele foi um homem que não apenas possuía bens materiais e uma família sólida, mas mantinha profunda comunhão com Deus. Assim, nesta lição destacaremos alguns traços da vida e espiritualidade de Jó.

PONTO CENTRAL

O temor do Senhor é a base de uma vida reta e íntegra.


Título: A fragilidade humana e a soberania divina

 — O sofrimento e a restauração de Jó

Comentarista: José Gonçalves

 


Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e este era homem sincero, reto e temente a Deus; e desviava-se do mal.

E nasceram-lhe sete filhos e três filhas. E era o seu gado sete mil ovelhas, e três mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas jumentas; era também muitíssima a gente ao seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do Oriente. E iam seus filhos e faziam banquetes em casa de cada um no seu dia; e enviavam e convidavam as suas três irmãs a comerem e beberem com eles. Sucedia, pois, que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração.

               Assim o fazia Jó continuamente. (Jó 1.1-5)

O Caráter de Jó

O livro de Jó inicia-se destacando o seu caráter. Nas culturas antigas, principalmente a cultura hebraica, os valores ético-morais eram grandemente celebrados. A literatura sapiencial, por exemplo, exalta pessoas virtuosas (Pv 22.1). Não é de admirar, portanto, que Jó ficasse aflito quando viu a sua integridade moral posta em dúvida. Jó sabia da sua integridade e, por isso, lutou com todas as forças na sua defesa. O exemplo do seu caráter irretocável ficou como um legado da literatura universal.

Jó é admirado tanto no judaísmo como no cristianismo. Os Pais da Igreja tinham-no como um paradigma de retidão e justiça.1

No momento em que há um “eclipsar” dos valores ético-morais e onde a religiosidade é caracterizada por uma relação de troca, o livro de Jó levanta-se como um grito de alerta no meio da noite.

           [...] cujo nome era Jó (v. 1). A narrativa do livro falará de um homem

“cujo nome era Jó”.2

Quando o autor faz a sua narrativa sobre a história de Jó, o nome “Jó” já se havia transformado numa verdadeira lenda! Jó tornara-se admirado, celebrado e reverenciado.3 Jó não era, portanto, uma lenda no sentido de uma ficção historicizada, mas, sim, o registro da história de um homem, cujo caráter deu a ele fama e prestígio. Wiersbe (2008, p. 8) destaca que Jó

não é uma ficção religiosa. Jó não foi um personagem imaginário, mas sim uma pessoa real; tanto Ezequiel (14.14,20) quanto Tiago (5.11) dão testemunho desse fato. Uma vez que foi um homem real, com experiências reais, Jó é capaz de nos contar aquilo que precisamos saber sobre a vida e os problemas no mundo real”

Terrien (1994) destaca que o original hebraico traz o nome jîôb, possivelmente como uma derivação do verbo ayab, traduzido como “hostil”.

Possui o sentido de alguém que se torna objeto de perseguição. Adam

Clarke (2014, p. 1) destaca que, por meio da “Vulgata”, tomamos Job, não muito distinto da forma Iob da Septuaginta. O nome significa “desconsolado” ou “o que chora”. Na cultura antiga, o nome de uma pessoa dizia muito sobre ela. O nome de Jó revela muito sobre a sua pessoa e o seu caráter. Jó foi um homem que sofreu, sentiu-se desconsolado e, sem dúvida, derramou muitas lágrimas, mas jamais deixou de ser aquilo que era: um homem de caráter irretocável. Efrén de Nisibi (2010, p. 36) destaca:

Ainda quando muitos outros viviam em Uz, nada era comparado a Jó quanto à piedade e inocência. Ele gozava de uma grande reputação, e sua estima andava na boca de todos. A fim de que ninguém pensasse que essas coisas foram dadas a Jó por seus méritos humanos, Deus jamais permitiu que nenhuma possessão de Jó perecesse.

[...] e este era homem sincero, reto (v. 1). Em primeiro lugar, Jó era umhomem íntegro. Integridade é um dos adjetivos usados para descrever o caráter de Jó. Ele era um homem íntegro. Segundo Strong (2002, p. 144), a palavra hebraica tam, traduzida como “íntegro”, possui o sentido de“completo”.4

Nesse aspecto, o texto quer destacar o caráter de Jó como sendo um homem honesto em tudo. Em segundo lugar, Jó era um homem reto. O termo hebraico usado aqui é yashar e possui o sentido de “retidão”.

Gesenius (1993, p. 375) destaca que é um termo frequentemente usado em relação às pessoas e significa “reto” e “justo” respectivamente.5

       [...] temente a Deus; e desviava-se do mal (v. 1b). De acordo com Strong

(2002, p. 55), o adjetivo hebraico yare, traduzido aqui como “temia”, além desse sentido, também significa “reverência” e “espanto”. Temor, portanto, possui o sentido de “respeito”, não de “medo”. Por outro lado, o verbo

“desviar”, do hebraico sur, segundo Strong (2002, p. 92), tem o sentido de

“desviar”, “mudar”, “escapar”, “retirar-se”. Jó era um homem temente a

Deus, e este temor fez dele um servo reverente, que se desviava ou mudava de trajetória para evitar encontrar-se com o mal. Jó era um homem que não apenas evitava o mal, mas que também o rejeitava (Andersen, 2008).

Jó separava o santo do profano, o puro do impuro. A sua piedade não era apenas de natureza cerimonial, mas também pessoal.

             Daniel Estes (2013, p. 460) destaca:

Este homem era irrepreensível. Geralmente no Antigo Testamento, quando uma figura importante é introduzida, sua genealogia é traçada. No caso de Jó, no entanto, é seu caráter exemplar que se destaca. No primeiro verso do livro, o narrador descreve Jó em termos brilhantes: “Esse homem era irrepreensível e reto; ele temia a Deus e evitou o mal”. Mais tarde, em 1: 8 e 2: 3, o Senhor repete essa descrição, afirmando o caráter impecável de Jó como homem de integridade e piedade. Como um excelente exemplo de sabedoria bíblica, Jó ama o que Yahweh ama e evita o que desagrada a Yahweh.

Não se trata de uma afirmação de que Jó é moralmente perfeito como Javé é perfeito, mas, dentro dos limites da queda humana, a justiça de Jó é elogiada por Javé.

A ideia de um Deus santo, separado do pecado, totalmente puro, ganha contornos de universalidade no contexto ético-moral do Antigo Testamento.

Possivelmente, nenhum outro conceito teológico aparece de forma mais contundente no judaísmo do Antigo Testamento do que as ideias de sagrado e profano, do santo e do impuro. Trata-se de uma ideia presente em toda a Bíblia hebraica, e Jó não é exceção. Sacchi (2011, p. 25) destaca:

A categoria mais característica do pensamento hebraico, aquela segundo a qual os hebreus interpretavam e classificavam o real, é a do “sagrado/profano – puro/impuro”.

Fazer a história da evolução dos conteúdos dessa categoria e da própria relação dos termos de que é composta é, um pouco, fazer a história do pensamento hebraico [...] Lê-se no livro de Levítico, em uma passagem de matriz seguramente sacerdotal, que “É preciso separar o sagrado do profano, o puro do impuro” (Lv 10,10). Passagem que indica o sentido de todo o discurso que vai de Lv 10,8 a 10,11.

Sacchi (2011, p. 25) ainda destaca que há uma unidade nos escritos bíblicos, mesmo naqueles que pertencem a épocas diferentes e distantes, onde a ideia do sagrado e do profano, do santo e do impuro permanece idêntica. Isso pode ser visto, por exemplo, no livro do profeta Ezequiel.

Em Ezequiel 44.23, lê-se: “[Os sacerdotes] ensinarão meu povo a discernir entre o que é sagrado e o que é profano e lhe indicarão a distinção entre o puro e o impuro”. Por um lado, Ezequiel está preocupado em fazer uma distinção entre os opostos, sendo que a distinção mantém-se mais no nível mental, enquanto, por outro lado, Levítico detém-se mais no aspecto prático da ação.

      Os hebreus estavam acostumados com a palavra qadosh (santo, separado) para referirem-se ao relacionamento com Iavé. Embora esse vocábulo seja comum nas línguas semíticas, ele reveste-se de um sentido especial quando aplicado à ideia de moralidade no contexto do judaísmo antigo.

Iavé é um Deus santo. Dessa forma, a santidade de Iavé está intimamente ligada à sua glória. Sem santidade, ninguém pode aproximar-se dEle, e isso valia para todos os povos e em todas as épocas. São princípios de uma ética universal. Assim sendo, Kinlaw (2007, p. 45) destaca que, muitas vezes, as exigências de culto estão misturadas com as exigências éticas.

Os autores bíblicos não estavam preocupados com o culto em si, mas com os princípios de santidade que o fundamentavam.

      O padrão moral de Israel é um elemento diferenciador das demais culturas à sua volta (Kinlaw, 2007). Em vez de ter um padrão de julgamento fundamentado na lei natural, como eram as demais nações, Israel tinha na Lei de Iavé o padrão de comportamento exigido. Observa-se que Israel, como um povo eleito de Iavé, possuía uma responsabilidade moral muito grande perante os outros povos, e Jó faz parte desse contexto.

Mesmo vivendo em meio a uma cultura diversificada e paganizada, ele deveria espelhar e refletir um padrão de santidade diferente. A fonte da sua moralidade era Iavé.

A Prosperidade de Jó

Não há dúvidas de que, se Jó vivesse em nossa época, o seu nome constaria na lista dos homens mais ricos do mundo. De fato, Jó era um homem rico. A referência à riqueza de Jó destaca a vida próspera que ele possuía e o prestígio que ele gozava no seu tempo. Todavia, essa prosperidade é vista como uma demonstração do favor de Deus na sua vida, e não como mero produto dos seus esforços e méritos pessoais. Swindoll (2009, p. 23) destaca

 O falecido J. Vernon McGee escreveu o seguinte a respeito de

Jó: “Este homem viveu no luxo. A última parte do versículo 3 nos indicaria que ele era uma combinação de Howard Hughes,

John D. Rockefeller, Henry Ford e todos os reis do petróleo do Texas juntos” [...] hoje poderíamos dizer que ele era Bill Gates, Donald Trump e Ross Perot combinados em um só”.6

 “E  era o  seu  gado  sete mil  ovelhas,  e três  mil  camelos, e  quinhentas juntas  de bois,  e  quinhentas  jumentas” (1.3a).  John  Wesley (1765,  p. 9) põe em destaque que, nessa parte do mundo, os camelos existiam em  grande  quantidade  e  eram  de  grande  utilidade  “tanto  para carregar cargas nesses paí ses quentes e secos,  como para suportar a sede muito melhor do que ou tras criaturas e para  servir em guerra”. Portanto, a variedade dos animais que Jó possuía permite di zer que ele,  se  vivesse  hoje,  esta ria  no  ramo  de  laticínios,  têxtil,  proteína animal e transportes.

   O texto  também afirma que “[...]  era também muitíssima a gente  ao seu serviço” (1.3b). Schokel e Diaz (2002, p. 124) destacam que as riquezas enumeradas  são  as  de  u m  xeique  que  diferencia  suas  atividades:  os camelos  são  do  nômade  ou  d e  quem  organiza  o  transporte  lucrativo  de caravanas; as  ovelhas  são  de  um  pastor,  talvez  seminômade;  as  juntas  de bois  são  para  as  áreas  agrícolas.  Se  Jó  habita  em  tendas,  se us  filhos  têm casas; possui gados e cultiva a terra (1 .14); os serviçais, ao estilo patriarcal não é parte da família, senão dos bens. Jacó “tinha muitos rebanhos, servos e servas, camelos e jumentos” (Gn 30.43).

     “[...]  de  maneira  que  este  homem  era  maior  do  que  todos  os  do Oriente” (1.3c). De todos os homens do Oriente, J ó era o mais sábio, o mais rico e o mais próspero. Não  há dúvidas de que havia uma estreita relação entre  a  riqueza  de  Jó,  o  seu   trabalho  e  a  bênção  do  Senhor.¹⁷  A  literatura sapiencial  põe  esse  fato  em  evidência.  Provérbios  3.9,10  faz  referência  a “teus bens”, “tua renda”, isto é, posses adquiridas como fruto do trabalho. O  livro  de  Deuteronômio  destaca  que  é  o  Senhor  que  dá  forças  para adquirir  riquezas  (Dt  8.18).  A  palavra  hebraica  koach,  traduzida  como “força”,  nessa  passagem,  significa  vigor  e  força .  Refere-se  claramente  ao esforço  humano  exigido  pelo  trabalho.  Por  outro  lado,  a  palavra “riquezas”,  traduzida  do  hebraico  chayil,  nesse  texto,  mantém  a  ideia  de eficiência,  fartura  e  riqueza.¹⁸  A  perspectiva  aqui  é  que  prosperidade  e trabalho  são  indissociáveis.  Onde  a  primeira  está,  o  segundo  certamente se  encontra.¹⁹  Jó  era  rico  porque  a  bênção  do  Senhor  estava  sob re  ele  e, também,  porque  ele  trabalhou  duro.  Nesse  aspecto,  “a  bênção  do  Senhor Deus  traz  prosperidade,  e  nenhum  esforço  pode  substituí -la”  (Pv  10.22, NTLH).

       Hans  Walter  Wolf  (2007,  p.  206)  observou  que  quem  quer  ver  a realidade  humana  precisa  aprender  a  contar  com  a  intervenção  de  Javé. Sem  isso,  a  pessoa  não  percebe  que  nem  a   aplicação  humana  ao  trabalho já  leva  ao  resultado  e  que  a  riqueza  não  é  um  valor  evidente.  Deve-se atentar ao sentido ambíguo  dos fenômenos e d as vicissitudes. A seguinte tese opõe-se categoricamente ao pensamento seguro de s i, o qual julga por inferir  do  trabalho  necessariamente  o  resultado  (Pv  10.22):  “ Somente  a bênção  de  Javé  torna  rico,  o  esforço  próprio  não  acrescenta  nada”.  A expectativa  geral  d e  que  o  trabalho  traz  ganho  nunca  se  realiza concretamente sem  a  decisão da  bênção  de  Javé. Também  é  Javé  que  está atuante  na  diferença  entre  a  vontade  do  ser  humano  e  a  execução  do trabalho (Pv 16.11).²⁰ 

      O conceito de prosperidade encontrada em Jó antecipa-se àquilo que o  salmista  previu  e  é  um  prenúncio  daquilo  que  o  Novo  Testamento ensinará.  Não  há  dúvidas  de  que  o  Senhor  Deus  quer  que  os   seus  filhos prosperem,  todavia  é  preciso  dizer  que  isso  não  pode  ser  confundido simplesmente com aquisição de  “posses” ou “ bens”. A bênção do  Senhor não  pode  ser  confundida  simplesmente  com  sucesso.  Alguém  pode possuir muitos bens, ter muitas posses e, ainda assim, não ser uma  pessoa próspera. Por outro lado,  uma pessoa pode  ser abençoada por  Deus  sem, contudo,  ter  aquele  “sucesso”  que  tantos  aplaudem.  Assim  como  o  livro de  Jó,  o  salmista  (Salmos  73)  mostra  as  diferenças  conceituais  entre  “ser próspero” e ter “sucesso”. Por exemplo, no versículo 3 do Salmo 73, lê-se: “Pois  eu  invejava  os  arrogantes,  ao  ver  a  prosperidade  dos  perversos” (ARA).  E,  no  versículo  12,  está  dito:  “Eis  que  estes  são  os  ímpios;  e, todavia,  estão  sempre  em  segurança,  e  s e  lhes  aumentam  as  riquezas” (ARC).  Neste  último  texto,  a  palavra  prosperidade  traduz  o  termo hebraico shalew, derivado de shala, que significa “tranquilo”, “próspero”. O  contexto  do  Salmo  73  deixa  claro  que  o  autor,  assim  como  Jó ,  ficou perturbado com a aparente prosperidade dos incrédulos. Como isso podia acontecer se aqueles que temiam a Deus pareciam viver em dificuldades?        Quando ainda se propunha a  entender essa aparente contradição da vida,  o  salmista  encontra  a  chave  que  solucionará  o  problema.  “Até  que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles. Certamente, tu os  puseste  em  lugares  escorregadios;  tu  os  lanças  em  destruição” (vv.17,18). Ele descobriu que os ímpios têm posse, mas não prosperidade; os  ímpios  desfrutam  de  sucessos,  mas  não  d e  bênçãos  divinas.  Para  o salmista, portanto, a  prosperidade era mais u ma questão de “ser” do  que de  “ter”.  Ser  amigo  de  Deus  é  muito  mais  importante  do  que  aquilo  que Ele pode da r a  nós. “Todavia, estou de contínuo  contigo;  tu  me  seguraste pela mão direita. Guiar-me-ás com o teu conselho e, depois, me receberás em  glória”  (Sl  73.23,24).  É  precisamente  esse  o  conceito  de  prosperidade que o Novo Testamento irá revelar. Ao escrever, por exemplo, aos crentes de Corinto, Paulo diz: “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de  parte o  que  puder ajuntar,  conforme a  sua  prosperidade [gr.  Euodoo], para que  se  não façam as  coletas quando  eu chegar” (1  Co  16.2). Para  ele, cada  cristão  possuía  a  sua  prosperidade.  Com  certeza,  ali  havia  cristãos com  mais  bens  do  que  outros,  mas  todos  eram  prósperos  em  Crist o.  A perspectiva de Jó, que se contrapunha à lei da retribuição, já antevia tudo isso.²¹ 

A VIDA PIEDOSA DE JÓ

     Tendo descrito a prosperidade de Jó, o texto passa a dar detalhes da sua  vida  piedosa.  Essa  piedade  é  vista  no  contexto  da  família,  onde  Jó  é apresentado  como  o  seu  guia  espiritual.  O  contexto  é  da  sociedade patriarcal,  em  que  o  chefe  da  família  desenvolvia  funções  sacerdotais.  Jó não  negligenciava  a  sua vida  espiritual, mas  temia  que  os seus  filhos não

tivessem o mesmo zelo: “E iam seus filhos e faziam banquetes em casa de cada  um  no  seu  dia;  e  enviavam  e  convidavam  as  suas  três  irmãs  a comerem  e  beberem  com  eles”  (Jó  1 .4).  Não  se  pode  dizer,  tomando  por base  o  texto,  que  os  seus  filhos  eram  sacrílegos  ou  “mundanos”  por simplesmente  participarem  de  banquetes  nos  quais  bebiam e  alegravam-se  (Jó  1.4).  O  autor  está  retratando  um  modelo  de  família  ideal,  que harmoniosa  e  constantemente  celebravam  os  momentos  bons  da  vida (Champman, 2005). Esse fato é posto por Andrés Glaze (2005, p. 238), que destaca: 

   Cada filho de Jó tinha sua casa e todos mantinham um estilo d e vida real (2 Sam. 13: 7, 20, 23, 27; 14:28, etc.). A família era muito próxima: os  homens  costumavam  fazer  banquetes  revezando-se  “na  casa  de cada  um”  e  convidavam  suas  irmãs.  A  participação  d as  irmãs  nas celebrações  foi  excepcional  naqueles  dias.  Provavelmente  as   filhas ainda moravam em casa com os pais.  

    “[...] e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos  eles; porque dizia Jó: Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram  de  Deus  no  seu  coração.  Assim  o  fazia  Jó  continuamente”  (1.5).  Onde  há  fartura  de  manjar  e  abundância  de  bebida,  há  sempre  a possibilidade  de  excessos.  Era  exatamente  isso  o  que  Jó  temia:  que  se excedessem  os  seus  filhos  e,  perdendo  a  sobriedade,  viessem  a  pecar.  A palavra hebraica shathah, traduzida como “beber” no versículo 4, é usada tanto  em  relação  ao  uso  do  vinho  (Gn  9.21),  como  da   água  (Gn  24.14 ).

       Sendo  o  vinho  uma bebida  comum  na  cultura  oriental, o  seu  uso  está  em evidência  aqui.  Todavia,  não  é  propósito  do  autor  fazer  apologia  do consumo dessa bebida, mas, sim, destacar que Jó  temia que os seus filhos ultrapassassem  os   limites  nesses  banquetes  e,  com  isso,  viessem  a  pecar. Luis  de  León  (1885,  p.  9)  destaca  que  Jó  acordava  cedo  par a  mostrar  a diligência  com  que  se  apresentava  a  Deus  pelos  seus   filhos.  Jó  fazia  isso principalmente  quando  precedia  o  banquete,  pois  muitos  desses banquetes  são  um  convite  ao  pecado.  Assim  como  o  pecado  do  primeiro homem  está  associado  à  comida,  quase  sempre  havia  a  possibilidade  de pecar no comer e no beber dos banquetes.

     Já foi destacado que Jó vivia no contexto patriarcal antes do sistema sacerdotal  levítico.  Ele,  portanto,  era  o  sacerdote  da  sua  própria  casa.²² Com  essa  missão  de  líder  e  guia  espiritual,  Jó  cumpria  o  ritual  d e santificar-se em  favor dos próprios filhos.  Não há  indícios de que  os seus filhos tenham, de fato, cometido os pecados de que Jó suspeitava; mesmo assim,  ele  achava  melhor  ser  precavido,  adiantand o-se,  d o  que  lamentar depois. Nesse aspecto, Robert L. Alden (1993, 1124) d estaca que Jó lembra seus filhos de fazerem o q ue estavam fazendo com moderação, u ma gentil cutucada dos pais na direção da vida santa. O hebraico fala dos sacrifícios no plural, e a  NVI traduz o “todos eles” distr ibutivamente como “cada um deles”. A  presença da  palavra “número”, mispar, sugere um  animal para cada filho. Certamente, parece que os sacrifícios têm o propó sito usual de cobrir o  pecado, e não um  abate para comida. Jó  não tinha certeza de que seus  filhos  haviam  cometido  pecados  pelos  quais  era  necessário  um animal de sacrifício, mas ele queria ter certeza; daí o “talvez” nas palavras que ele falou consigo mesmo. Melhor errar, ele pensou, desse lado do que do  outro.  Depois  de  tudo,  quem  pode  saber  o  que  se us  filhos  podem  ter dito “em seus corações?”²³ 

      A  piedade de  Jó,  portanto,  pode ser  ilustrada  na sua  profunda  vi da de oração. Primeiramente, deve ser observado que ele priorizava a oração (“se levantava de madrugada”). Por certo, ninguém terá vitória  na oração se não a  priorizar. O comodismo  costuma matar a  vida de  oração. Deixar a  oração  em  segundo  ou  terceiro  plano  é  o  primeiro  sinal  de  fracasso espiritual.  Todos  os  homens  santos  da  Bíblia  que  oravam  com  poder priorizavam a oração nas suas vidas (1 Ts 5.1 7; Lc 6.12). Em segundo lugar, a  oração  d e  Jó  demonstrava  fé  (“oferecia  holocaustos”).  Mesmo  tendo vivido  muito  antes  do  sistema  de  sacrifícios  levítico,  Jó  possuía  fé suficiente  para  saber  qu e  eles  possuíam  poder  expiatórios ,  sendo, portanto, agradáveis a Deus. E m terceiro lugar, a oração de Jó  demonstra que  o  seu  serviço  a  Deus  custava  a  ele  alguma  coisa,  pois ,  segundo  o número  de  todos  eles,  ele  oferecia  sacrifício.  Sacrifícios  sempre  exigem alguma coisa de quem sacrifica. No caso de Jó, além do custo do s animais, a  sua  vida  emocional  e  espiritual  estava  envolvida.  E m  quarto  lugar,  a oração de Jó fazia dele um intercessor. Jó, como sacerdote, era o mediador da sua família. Ele orava e intercedia por ela . No final do livro, ele também será  o  intercessor  dos   seus  amigos  (Jó  42.10).  Em  quinto  lugar,  Jó  tinha  a oração como um hábito, já que ele orava com constância (continuamente). Jó levantava-se  de  madrugada  e  fazia-o  constantemente.  Por  certo,  ninguém  terá  vida  de  oração  vitoriosa  se  não  demonstrar  paciência , constância  e  perseverança .  Nisso,  Jó  é  lembrado  pelo  Novo  Testamento (Tg 5.11).

                                             | A Fragilidade Humana e a Soberania Divina

 



Observaste Tu a Jó?

Introdução

Oliveira Martins não conseguia entender por que alguns  cronistas  de  seu  país  insinuavam  ter  a  nação portuguesa  uma  origem  mitológica.  Ufanística,  mas puerilmente, diziam-se eles descendentes de Luz, filho do  deus Baco.  Igual perplexidade é demonstrada por Alexandre  Herculano. Tanto  este  historiador,  como aquele, buscando resgatar a verdadeira gênese dos lusitanos, não temeram apresentar os heróis de sua nação exatamente  como  eram.  E nem por isto  o  valor dos “barões assinalados” foi diminuído

     Acredito  que  tanto  Martins  quanto  Herculano nenhuma dificuldade teriam em aceitar a historicidade de Jó. Pois o autor sagrado no-lo apresenta como um ser humano semelhante a nós, mas que aprouve a Deus santificar para  ajudar-nos  a compreender o  valor e  a didática do sofrimento.

     Que diferença entre Jó e os personagens de Camões! Estes, embora homens, foram transformados em deuses aquele, ainda que na galeria dos campeões de Deus, nem como herói é apresentado. E apesar da eternidade que lhe ia na alma, era um mortal entre os mortais. E os lusíadas? Ainda que reais, não lograram deixar o terreno da ficção. Se historicamente existiram, mitologicamente foram exumados. Como, porém, intimar a Jó numa mitologia, se a própria história não o pode conter? A exemplo dos demais santos do Antigo e do Novo Testamento, este personagem não pertence ao passado; é um patrimônio de todas as eras.

I.                  A Singularidade de um Homem Comum

“Havia um homem na terra de Uz,  cujo nome era Jó” (I.I). O autor sagrado faz questão de ressaltar que o protagonista deste drama era, apesar de toda a áurea que hoje o cerca, um homem comum. Por isto usa também um substantivo bastante  comum para  denotar  quão  humano  era Jó:  'ysh  Esta palavra hebraica não  significa  apenas  varão; pode  ser usada ainda com estes sentidos: vencedor, grande homem, marido, ou, simplesmente, pessoa.

     Nesse único substantivo, é-nos possível fazer um admirável sumário da biografia de Jó. Em virtude de sua fé em Deus, foi-se destacando como um vencedor até ser reconhecido como o  maior  dos  varões  de  sua geração.  Isto  significa que  todo aquele que se entrega a Deus torna-se um herói por mais insignificante que seja aos olhos do mundo.

    Jó não era uma figura lendária;  era tão humano como o mais humano dos humanos. E se Deus lhe trabalhou a humanidade não foi para mitologizá-la; trabalhou-a para que, realçan-do-lhe as limitações, mostrasse que é justamente na fraqueza que Ele nos aperfeiçoa o seu ilimitado poder. Somente a Bíblia é capaz de apresentar os seus heróis de maneira tão bela e completa. Num memorável discurso,  declarou Charles Spurgeon: “A fé capacita-nos a regozijarmo-nos no Senhor de tal forma que nossas fraquezas tornam-se vitrines de sua graça”.

      Consideremos o significado de seu nome.  Em  hebraico, lembra a silhueta de alguém que, amorosa c incansavelmente, vai  ao  encontro  de  Deus.  Naqueles  dias  por  virem,  se  não corresse Jó aos braços do Senhor, certamente pereceria.  Até no nome era ele dependente do Todo-Poderoso! Ao contrário dos personagens de Homero, que se bastavam a si mesmos, ele não conseguia arredar-se de ao pé de seu Deus.

II.               0  que Seria a Terra de Uz sem Jó

O que seria de Uz sem a história de Jó? Cairia no esquecimento  como  aqueles  reinos  que,  famosos na antigüidade, não passam hoje de meros sítios arqueológicos. A terra de Uz, localizada a oeste do deserto da Arábia, ocupava uma área de grande importância estratégia. No auge do poder, seus domínios estenderam-se até chegar às fronteiras de Babilônia.

      Suas extensas pastagens eram mui apreciadas pelos criadores de gado A vulnerabilidade de Uz. Pelo que inferimos do texto sagrado, Uz era um reino bastante vulnerável. Haja vista as incursões que sofria tanto  do Oriente quanto do Ocidente. Deste, vinham os sabeus que,  cobiçando seus grandes rebanhos, levavam-nos para Sabá que se achava, mui provavelmente, no território que, hoje, é ocupado pela Etiópia; e, daquele, chegavam os caldeus que eram tão rapaces quanto os sabeus Através de Uz transitavam importantes caravanas de mercadores.  Certamente,  era o território utilizado também pelos exércitos que buscavam firmar sua hegemonia em toda a região.

2.  Terra dos edomitas.

Séculos mais tarde, a terra de Uz seria ocupada pelos filhos de Esaú. Também conhecidos como edomitas,  estes  se  refugiariam  no  Monte  Seir,  onde, acastelando-se naquelas fortalezas talhadas pela natureza nos alcantis, constituir-se-iam num reino orgulhoso e prepotente. Contra os filhos de Edom, o Senhor haveria de assestar suas armas até que viessem a desaparecer.

     Ignoramos se o povo de Uz foi assimilado pelos edomistas, ou se transmigrou para outras regiões. Segundo Flávio Josefo, os uzitas teriam se dirigido para as bandas da Síria, onde fundaram a cidade de Damasco. De qualquer forma, Uz passou à História Sagrada como a terra onde se desenvolveu todo o drama de Jó.

III.           Um Santo em toda a sua Geração

De uma  feita afirmou  Phillip  Henry ser  a  santidade  a simetria da alma. Como a santidade permeasse inconfundivelmente toda a vida de Jó, achava-se ele em plena harmonia com as demandas divinas. A consonância entre o patriarca e o seu Deus refletia-se em seu caráter “íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal” (Jó LI).

     Se levarmos em conta a sua riqueza; se lhe considerarmos a posição social; e se lhe pesarmos a influência política, concluiremos ter sido Jó um perfeito reflexo da santidade de Deus. Se o seu Senhor era santo, por que ele também não o seria? Não foi sem razão que E. G. Robmson declarou: “A santidade no homem é a imagem da santidade de Deus”

      No  decorrer  deste livro,  ainda  apreciaremos  com mais vagar a integridade de Jó. Por enquanto, vejamos os predicados que fizeram do patriarca um dos três homens mais piedosos de todos os tempos (Ez 14.20).

       I.  Jó era um homem íntegro. A palavra “íntegro”, originária do vocábulo latino íntegru, significa inteiro, perfeito, exato, completo, imparcial e inatacável. A Vulgata Latina, contudo, preferiu usar o termo simplex para exemplificar esta virtude de Jó. Em certo sentido,  este vocábulo  é mais forte do  que aquele; denota algo que, de tão perfeito e completo, não comporta qualquer análise

    A Septuaginta optou pelo vocábulo alelhinós que, em grego, significa verdadeiro, sincero.

    No original hebraico,  “íntegro” é uma palavra representada pelo  substantivo  tãm que,  entre  outras  coisas,  significa completo, certo, são e puro. O vocábulo é encontrado apenas treze vezes no Antigo Testamento. Jacó também é assim descrito (Gn 25.27). Neste último caso, o vocábulo hebraico é usado para caracterizar um homem simples, pacato e calmo; a pessoa realmente integra é notabilizada por uma serenidade inexplicável; não se abala jamais. Thomas Watson tem a integridade como um perfeito sinônimo de simplicidade: “Quanto mais simples o diamante, mais ele brilha; quanto mais simples o coração, mais ele resplandece aos olhos de Deus”.

     Quanta necessidade não temos de homens como Jó! Desgraçadamente, muitos são os crentes que já negociaram a sua integridade. Na igreja, santos; na sociedade, demônios. Justificando a sua iniqüidade,  alegam que a sua vida social nada tem a ver com a espiritual. Esta dicotomia, porém, é estranha à Palavra de Deus. O Senhor requer tenhamos uma postura irrepreensível tanto em público como em particular.

     Jó não carecia de um marketing para cultivar-lhe a imagem,  nem de um publicitário para cevar-lhe a postura,  pois contava com o respaldo de Deus. Desfrutamos nós de igual conceito? Ou nossa integridade já é algo pretérito? Confúcio declarou ser a integridade a base de todas as virtudes; sem ela, nenhuma bondade é possível.

      2. Jó era um homem reto.  Devido ao relativismo moral de nossos  dias,  a retidão,  que  era um substantivo  concreto, acabou por se acomodar à sua condição gramatical. Hoje não passa de algo abstrato e até utópico. Houve um tempo, todavia, que assim era definido um homem reto: imparcial, justo, direito.  Era alguém que, moralmente,  não  apresentava qualquer curvatura ou desvio; em tudo, conformava-se com a justiça divina. Não tinha dois pesos, nem possuía duas medidas. Sua palavra era: sim, sim; e: não, não. Inexistia nele o que se chama de vazio de justiça: um sim que pode ser não; e um não que talvez seja sim.

     A tradução latina das Escrituras diz que “Job erat rectus”. Nele  não havia  sinuosidade,  nem  casuísmo.  Era  um  homem que, pondo-se a caminhar numa estrada, não se desviava nem para a direita nem para a esquerda; não fazia o jogo dos poderosos, nem comungava com as injustiças e os pecados da plebe.

      Em português, a palavra hebraica traduzida para retidão é yãshãr. Este vocábulo é usado para descrever um homem justo, reto e que, em todas as coisas, atende aos mais altos reclamos  da  justiça  divina.  Como  alcançar  semelhante  padrão? Deseja o Senhor que todos os seus hlhos sejam considerados perfeitos em retidão.

      3. Jó era um homem temente a Deus. Richard Alleine assim descreve o homem piedoso:  “Aquele que sabe o que é ter prazer em Deus temerá a sua perda;  aquele  que viu sua face, terá medo de ver suas costas”. Esta declaração é um perfeito resumo do relacionamento de Jó com o Todo-Poderoso. O patriarca temia a Deus não porque tivesse medo dEle; temia-o, porque nEle encontrava a verdadeira felicidade. Como poderia Jó viver longe do Senhor? A semelhança de Thomas Browne poderia ele afirmar:  “Temo a Deus, contudo não tenho medo dEle”.

    A expressão hebraica que descreve o  homem temente a Deus: yará, evoca um medo santo e respeitoso pelo Todo-Poderoso. Medo esse, aliás, que não tem a natureza do terror.

     Através de seu temor a Deus, o patriarca Jó introduzira- se em todos os princípios da sabedoria (Pv 1.7). Daí a razão de ser ele contato entre os homens mais sábios e piedosos de todos os tempos. Mui acertadamente escreveu o teólogo americano A. W. Tozer:  “Ninguém pode conhecer a verdadeira graça de Deus, se antes não conhecer o temor de Deus”.

    Alguns homens da Bíblia são singularmente destacados por  seu  temor  a  Deus.  Haja  vista  Hananias,  ajudante  de Neemias na reconstrução dos muros de Jerusalém (Ne 7.2). O idoso Simeão, que tomou o menino Jesus nos braços, também é realçado como temente ao Todo-Poderoso (Lc 2.25). E o centurião Cs^rnélio? (At 10.2). O peregrino Jacó evocava o Deus de seu pai como o Temor de Isaque (Gn 31.42).

      Carecemos de homens, mulheres e crianças que temam a Deus. Ser cristão não é suficiente; exige Deus lhe sejamos tementes  em  todas  as  coisas.  Que  o  nosso  temor sobressaia principalmente entre os que ainda não receberam a Cristo!

      4.  Jó era um homem que se desviava do mal. Anselmo, que tantas contribuições trouxe ao pensamento evangélico, fez uma afirmação, certa vez, que hoje seria considerada radical até mesmo por alguns crentes piedosos: “Se o inferno estivesse de um lado e o pecado do outro, eu preferiria saltar para o inferno a pecar deliberadamente contra o meu Deus”. Sabia ele perfeitamente que existe algo pior do que o inferno: o pecado.

      O vocábulo hebreu utilizado para descrever o ato  de se desviar do mal é sar retirar-se, afastar-se de tudo quanto nos possa induzir à iniqüidade, cuja força gravitacional é a tentação. Se fugirmos desta, não cairemos naquela. O processo que leva à queda é assim descrito por Tiago: “Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tg I.I4). Por conseguinte, é imprescindível que nos apartemos de tudo quanto é concupiscente. Esquivemo-nos, pois, do mal tão logo este se apresente. Em Gênesis, o pecado é apresentado como aquela serpente que se põe a espreitar os incautos:  “Se bem fizeres, não haverá aceitação para ti? E, se não  fizeres  bem,  o  pecado  jaz  à  porta,  e para  ti  será  o  seu desejo, e sobre ele dominarás” (Gn 4.7).

      Na Septuaginta, o referido versículo de Jó é assim traduzido: “Afastando-se de todas as coisas más”. Os santos desviam- se do mal, pois sabem que o pecar contra Deus é pior do que o castigo eterno. Crisóstomo,  o grande orador da igreja, é mui categórico e enérgico: “Prego e penso que é mais amargo pecar contra Cristo do que sofrer os tormentos do inferno”. Portanto, se não nos apartarmos do pecado, seremos destruídos. Diante do pecado não há segurança: “O sábio teme e desvia-se do mal, mas o tolo encoleriza-se e dá-se por seguro” (Pv 14.16).

IV Um Santo que Vivia em Família

Conta-se que Bento de Núrsia, em sua busca pela santidade e pela consagração irrestrita ao Senhor, resolveu abandonar a sua irmandade, a fim de se entregar mais intensamente aos exercícios espirituais. Já isolado e completamente só, veio a presumir ter alcançado o ideal ascético. No entanto, foi justamente aí, em pleno deserto, que começou a sofrer os maiores ataques do Diabo. Aparecia-lhe este com as sugestões mais irrecusáveis, com os apetites mais abertos e com os sonhos mais lúbricos. Atormentado,  Bento resolve voltar ao  convívio  com o  semelhante para não se tornar íntimo do demônio.

     Jó não teve de isolar-se para tornar-se piedoso. Foi justamente como pai de família, homem de negócios e membro de uma sociedade politicamente organizada, que ele pontificou- se como o melhor ser humano de seu tempo. Ninguém precisa isolar-se para tornar-se santo; o santo nasce exatamente em meio às tentações.

     Todos  os  heróis  da    destacaram-se  como  membros participativos  da sociedade.  O  que  dizer  de  Noé?  Ou  de Abraão, Isaque e Jacó? Ou dos profetas? Isaías e Ezequiel eram casados. E o exemplo do próprio Cristo? Ele não se afastou dos homens para redimi-los; Emanuel, resgatou-nos estando entre nós e fazendo-se como um de nós.

     Enganam-se os que julgam ser a santidade o produto de uma vida solitária. Santidade é serviço; é dedicação integral ao Senhor Jesus; é desviar-se do mal e ter a parecença do Cordeiro de Deus.

V Um Rico Pobre de Espírito

Maximiliano García Cordero, professor da Universidade de Salamanca, na Espanha, considera hiperbólico o inventário da riqueza de Jó. Acrescenta ele que, mesmo para os dias de hoje, seria o patriarca considerado um poderoso sheik. Eis a súmula dos seus bens: “Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; era também mui numeroso o pessoal ao seu serviço, de maneira que este homem era o maior de todos os do Oriente” (Jó 1.3).

      Engana-se  o  professor  Maximiliano.  Na  verdade,  não era Jó um  simples  fazendeiro,  nem um  sheik  qualquer.  Se levarmos em conta a utilização de seus camelos no transporte de mercadorias tanto para o Oriente quanto para o Ocidente, e se considerarmos a utilização da lã de suas ovelhas na confecção  de  tapetes  e roupas,  concluiremos  ter sido  o patriarca um grande capitão  de indústrias e um respeitável financista internacional.

     Apesar de toda essas riquezas, Jó não se deixava dominar por elas, pois o seu maior bem era Deus: o Sumo Bem. Logo: não passava ele de um simples mordomo de quanto possuía. J. Caird alerta quanto aos perigos dos haveres materiais:  “O que impede o homem de entrar no Reino de Deus não é o fato de possuir riquezas, mas o fato de as riquezas o possuírem”.

     Jó era um homem rico de espírito pobre; nada presumia de si mesmo. Nas riquezas terrenas, via apenas pobreza. Mui acertadamente,  afirmou  Agostinho:  “As  riquezas  terrenas acham-se repletas de pobreza”. Mais  tarde, viria o patriarca confessar que, em momento algum de sua vida, confiara nas riquezas.

     Conclusão

Assim era Jó!  Um homem em todas  as  coisas  perfeito, porque perfeito era o seu Deus. E chegado o momento de os crentes sermos conhecidos não somente por nossas palavras, mas principalmente por nossas boas obras. Como destaca o apóstolo Tiago, de nada vale a nossa fé se estiver desprovida de obras; é através destas que demonstramos a nossa confiança no Todo-Poderoso. Que o Senhor nos ajude a alcançar o mesmo padrão de excelência que fez de Jó um dos homens mais perfeitos e íntegros de toda a História Sagrada. Não é um ideal inatingível, porque o próprio Cristo nos exorta a persegui-lo: “Sede perfeitos como vosso Pai que está nos céus é perfeito!”


                 COMENTÁRIO DE JÓ CLAUDIONOR DE ANDRADE



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