TEXTO ÁUREO
“Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó;
e este era homem sincero, reto e temente a Deus;
e desviava-se do mal”
(Jó 1.1).
VERDADE
PRÁTICA
Quem zela por um caráter irrepreensível obtém
testemunho acerca de sua integridade.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE
Jó 1.1-5.
1 — Havia um homem na terra de Uz, cujo nome
era Jó; e este era homem sincero, reto e temente a Deus; e desviava-se do mal.
2 — E nasceram-lhe sete filhos e três
filhas.
3 — E era o seu gado sete mil ovelhas, e
três mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas jumentas; era
também muitíssima a gente ao seu serviço, de maneira que este homem era maior
do que todos os do Oriente.
4 — E iam seus filhos e faziam banquetes em
casa de cada um no seu dia; e enviavam e convidavam as suas três irmãs a
comerem e beberem com eles.
5 — Sucedia, pois, que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.
OBJETIVO
GERAL
Demonstrar que Jó foi um homem rico, mas que, diferente dos demais, tinha um caráter íntegro.
OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.
- I.
Mencionar que Jó procurou viver de forma íntegra e
justa;
- II. Citar a prosperidade de Jó como consequência do favor de Deus;
- III. Destacar a piedade pessoal de Jó como modelo para os crentes.
INTERAGINDO
COM O PROFESSOR
É possível ser próspero e, ao mesmo tempo, ter um caráter íntegro e piedoso? Esta pergunta faz sentido porque não é pouco comum correlacionar o defeito de caráter de uma pessoa com o advento de seu sucesso. O leitor da Bíblia Sagrada sabe do cuidado que as Escrituras apontam para a relação humana com o dinheiro. Sim, a Palavra de Deus diz que o “amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males” (1Tm 6.10). Isso ocorre por causa do “apego”, da “ambição” que o homem desperta diante do dinheiro ou de algum bem material. Essa disposição pode aniquilar a nossa integridade e piedade. Mas ao longo da lição, veremos um modelo de integridade, prosperidade e piedade conjugado com o temor do Senhor. Que o exemplo de Jó fale aos nossos corações.
COMENTÁRIO
INTRODUÇÃO
O autor sagrado não elabora uma biografia de Jó, mas traça um perfil que diz muito sobre esse gigante da fé. Jó foi um homem diferente, não em natureza, pois ele era igual aos demais de sua época. Todavia, foi, sem dúvida, distinto na espiritualidade. Ele foi um homem que não apenas possuía bens materiais e uma família sólida, mas mantinha profunda comunhão com Deus. Assim, nesta lição destacaremos alguns traços da vida e espiritualidade de Jó.
PONTO CENTRAL
O temor do Senhor é a base de uma vida reta e íntegra.
Título: A fragilidade humana e a soberania divina
— O sofrimento e a restauração de Jó
Comentarista: José Gonçalves
Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e
este era homem sincero, reto e temente a Deus; e desviava-se do mal.
E nasceram-lhe sete filhos e três filhas. E era o
seu gado sete mil ovelhas, e três mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas
jumentas; era também muitíssima a gente ao seu serviço, de maneira que este
homem era maior do que todos os do Oriente. E iam seus filhos e faziam
banquetes em casa de cada um no seu dia; e enviavam e convidavam as suas três irmãs
a comerem e beberem com eles. Sucedia, pois, que, tendo decorrido o turno de
dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada,
e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó:
Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração.
Assim o fazia Jó continuamente. (Jó 1.1-5)
O
Caráter de Jó
O livro de Jó inicia-se destacando o seu caráter.
Nas culturas antigas, principalmente a cultura hebraica, os valores
ético-morais eram grandemente celebrados. A literatura sapiencial, por exemplo,
exalta pessoas virtuosas (Pv 22.1). Não é de admirar, portanto, que Jó ficasse
aflito quando viu a sua integridade moral posta em dúvida. Jó sabia da sua integridade
e, por isso, lutou com todas as forças na sua defesa. O exemplo do seu caráter
irretocável ficou como um legado da literatura universal.
Jó é admirado tanto no judaísmo como no cristianismo.
Os Pais da Igreja tinham-no como um paradigma de retidão e justiça.1
No momento em que há um “eclipsar” dos valores
ético-morais e onde a religiosidade é caracterizada por uma relação de troca, o
livro de Jó levanta-se como um grito de alerta no meio da noite.
[...]
cujo nome era Jó (v. 1). A narrativa do livro falará de um homem
“cujo nome era Jó”.2
Quando o autor faz a sua narrativa sobre a história de
Jó, o nome “Jó” já se havia transformado numa verdadeira lenda! Jó tornara-se
admirado, celebrado e reverenciado.3 Jó não era, portanto, uma lenda no sentido
de uma ficção historicizada, mas, sim, o registro da história de um homem, cujo
caráter deu a ele fama e prestígio. Wiersbe (2008, p. 8) destaca que Jó
não é uma ficção religiosa. Jó não foi um personagem imaginário, mas sim uma pessoa real; tanto Ezequiel (14.14,20) quanto Tiago (5.11) dão testemunho desse fato. Uma vez que foi um homem real, com experiências reais, Jó é capaz de nos contar aquilo que precisamos saber sobre a vida e os problemas no mundo real”
Terrien (1994) destaca que o original hebraico traz o nome jîôb, possivelmente como uma derivação do verbo ayab, traduzido como “hostil”.
Possui o sentido de alguém que se torna objeto de perseguição.
Adam
Clarke (2014, p. 1) destaca que, por meio da “Vulgata”, tomamos Job, não muito distinto da forma Iob da Septuaginta. O nome significa “desconsolado” ou “o que chora”. Na cultura antiga, o nome de uma pessoa dizia muito sobre ela. O nome de Jó revela muito sobre a sua pessoa e o seu caráter. Jó foi um homem que sofreu, sentiu-se desconsolado e, sem dúvida, derramou muitas lágrimas, mas jamais deixou de ser aquilo que era: um homem de caráter irretocável. Efrén de Nisibi (2010, p. 36) destaca:
Ainda quando muitos outros viviam em Uz, nada era comparado a Jó quanto à piedade e inocência. Ele gozava de uma grande reputação, e sua estima andava na boca de todos. A fim de que ninguém pensasse que essas coisas foram dadas a Jó por seus méritos humanos, Deus jamais permitiu que nenhuma possessão de Jó perecesse.
[...] e este era homem sincero, reto (v. 1). Em primeiro lugar, Jó era umhomem íntegro. Integridade é um dos adjetivos usados para descrever o caráter de Jó. Ele era um homem íntegro. Segundo Strong (2002, p. 144), a palavra hebraica tam, traduzida como “íntegro”, possui o sentido de“completo”.4
Nesse aspecto, o texto quer destacar o caráter de Jó
como sendo um homem honesto em tudo. Em segundo lugar, Jó era um homem reto. O
termo hebraico usado aqui é yashar e possui o sentido de “retidão”.
Gesenius (1993, p. 375) destaca que é um termo
frequentemente usado em relação às pessoas e significa “reto” e “justo”
respectivamente.5
[...]
temente a Deus; e desviava-se do mal (v. 1b). De acordo com Strong
(2002, p. 55), o adjetivo hebraico yare, traduzido
aqui como “temia”, além desse sentido, também significa “reverência” e
“espanto”. Temor, portanto, possui o sentido de “respeito”, não de “medo”. Por
outro lado, o verbo
“desviar”, do hebraico sur, segundo Strong (2002, p.
92), tem o sentido de
“desviar”, “mudar”, “escapar”, “retirar-se”. Jó era
um homem temente a
Deus, e este temor fez dele um servo reverente, que
se desviava ou mudava de trajetória para evitar encontrar-se com o mal. Jó era
um homem que não apenas evitava o mal, mas que também o rejeitava (Andersen,
2008).
Jó separava o santo do profano, o puro do impuro. A
sua piedade não era apenas de natureza cerimonial, mas também pessoal.
Daniel Estes (2013, p. 460) destaca:
Este homem era irrepreensível. Geralmente no Antigo Testamento, quando
uma figura importante é introduzida, sua genealogia é traçada. No caso de Jó,
no entanto, é seu caráter exemplar que se destaca. No primeiro verso do livro,
o narrador descreve Jó em termos brilhantes: “Esse homem era irrepreensível e
reto; ele temia a Deus e evitou o mal”. Mais tarde, em 1: 8 e 2: 3, o Senhor
repete essa descrição, afirmando o caráter impecável de Jó como homem de
integridade e piedade. Como um excelente exemplo de sabedoria bíblica, Jó ama o
que Yahweh ama e evita o que desagrada a Yahweh.
Não se trata de uma afirmação de que Jó é moralmente perfeito como Javé é perfeito, mas, dentro dos limites da queda humana, a justiça de Jó é elogiada por Javé.
A ideia de um Deus santo, separado do pecado,
totalmente puro, ganha contornos de universalidade no contexto ético-moral do
Antigo Testamento.
Possivelmente, nenhum outro conceito teológico aparece de forma mais contundente no judaísmo do Antigo Testamento do que as ideias de sagrado e profano, do santo e do impuro. Trata-se de uma ideia presente em toda a Bíblia hebraica, e Jó não é exceção. Sacchi (2011, p. 25) destaca:
A categoria mais característica do pensamento hebraico, aquela segundo a
qual os hebreus interpretavam e classificavam o real, é a do “sagrado/profano –
puro/impuro”.
Fazer a história da evolução dos conteúdos dessa categoria e da própria relação dos termos de que é composta é, um pouco, fazer a história do pensamento hebraico [...] Lê-se no livro de Levítico, em uma passagem de matriz seguramente sacerdotal, que “É preciso separar o sagrado do profano, o puro do impuro” (Lv 10,10). Passagem que indica o sentido de todo o discurso que vai de Lv 10,8 a 10,11.
Sacchi (2011, p. 25) ainda destaca que há uma
unidade nos escritos bíblicos, mesmo naqueles que pertencem a épocas diferentes
e distantes, onde a ideia do sagrado e do profano, do santo e do impuro
permanece idêntica. Isso pode ser visto, por exemplo, no livro do profeta
Ezequiel.
Em Ezequiel 44.23, lê-se: “[Os sacerdotes] ensinarão
meu povo a discernir entre o que é sagrado e o que é profano e lhe indicarão a
distinção entre o puro e o impuro”. Por um lado, Ezequiel está preocupado em
fazer uma distinção entre os opostos, sendo que a distinção mantém-se mais no
nível mental, enquanto, por outro lado, Levítico detém-se mais no aspecto
prático da ação.
Os
hebreus estavam acostumados com a palavra qadosh (santo, separado) para
referirem-se ao relacionamento com Iavé. Embora esse vocábulo seja comum nas
línguas semíticas, ele reveste-se de um sentido especial quando aplicado à
ideia de moralidade no contexto do judaísmo antigo.
Iavé é um Deus santo. Dessa forma, a santidade de
Iavé está intimamente ligada à sua glória. Sem santidade, ninguém pode
aproximar-se dEle, e isso valia para todos os povos e em todas as épocas. São
princípios de uma ética universal. Assim sendo, Kinlaw (2007, p. 45) destaca
que, muitas vezes, as exigências de culto estão misturadas com as exigências
éticas.
Os autores bíblicos não estavam preocupados com o
culto em si, mas com os princípios de santidade que o fundamentavam.
O padrão
moral de Israel é um elemento diferenciador das demais culturas à sua volta
(Kinlaw, 2007). Em vez de ter um padrão de julgamento fundamentado na lei
natural, como eram as demais nações, Israel tinha na Lei de Iavé o padrão de
comportamento exigido. Observa-se que Israel, como um povo eleito de Iavé,
possuía uma responsabilidade moral muito grande perante os outros povos, e Jó
faz parte desse contexto.
Mesmo vivendo em meio a uma cultura diversificada e paganizada, ele deveria espelhar e refletir um padrão de santidade diferente. A fonte da sua moralidade era Iavé.
A
Prosperidade de Jó
Não há dúvidas de que, se Jó vivesse em nossa época, o seu nome constaria na lista dos homens mais ricos do mundo. De fato, Jó era um homem rico. A referência à riqueza de Jó destaca a vida próspera que ele possuía e o prestígio que ele gozava no seu tempo. Todavia, essa prosperidade é vista como uma demonstração do favor de Deus na sua vida, e não como mero produto dos seus esforços e méritos pessoais. Swindoll (2009, p. 23) destaca
O falecido J.
Vernon McGee escreveu o seguinte a respeito de
Jó: “Este homem viveu no luxo. A última parte do
versículo 3 nos indicaria que ele era uma combinação de Howard Hughes,
John D. Rockefeller, Henry Ford e todos os reis do petróleo do Texas juntos” [...] hoje poderíamos dizer que ele era Bill Gates, Donald Trump e Ross Perot combinados em um só”.6
“E era o seu gado sete mil ovelhas, e três mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas jumentas” (1.3a). John Wesley (1765, p. 9) põe em destaque que, nessa parte do mundo, os camelos existiam em grande quantidade e eram de grande utilidade “tanto para carregar cargas nesses paí ses quentes e secos, como para suportar a sede muito melhor do que ou tras criaturas e para servir em guerra”. Portanto, a variedade dos animais que Jó possuía permite di zer que ele, se vivesse hoje, esta ria no ramo de laticínios, têxtil, proteína animal e transportes.
O texto também afirma que “[...] era também muitíssima a gente ao seu serviço” (1.3b). Schokel e Diaz (2002, p. 124) destacam que as riquezas enumeradas são as de u m xeique que diferencia suas atividades: os camelos são do nômade ou d e quem organiza o transporte lucrativo de caravanas; as ovelhas são de um pastor, talvez seminômade; as juntas de bois são para as áreas agrícolas. Se Jó habita em tendas, se us filhos têm casas; possui gados e cultiva a terra (1 .14); os serviçais, ao estilo patriarcal não é parte da família, senão dos bens. Jacó “tinha muitos rebanhos, servos e servas, camelos e jumentos” (Gn 30.43).
“[...] de
maneira que este
homem era maior
do que todos os do
Oriente” (1.3c). De todos os homens do Oriente, J ó era o mais sábio, o mais
rico e o mais próspero. Não há dúvidas
de que havia uma estreita relação entre
a riqueza de
Jó, o seu
trabalho e a
bênção do Senhor.¹⁷
A literatura sapiencial põe
esse fato em
evidência. Provérbios 3.9,10
faz referência a “teus bens”, “tua renda”, isto é, posses
adquiridas como fruto do trabalho. O
livro de Deuteronômio
destaca que é
o Senhor que dá forças
para adquirir riquezas (Dt 8.18). A
palavra hebraica koach,
traduzida como “força”, nessa
passagem, significa vigor
e força . Refere-se
claramente ao esforço humano
exigido pelo trabalho.
Por outro lado,
a palavra “riquezas”, traduzida
do hebraico chayil,
nesse texto, mantém
a ideia de eficiência, fartura
e riqueza.¹⁸ A
perspectiva aqui é que prosperidade
e trabalho são indissociáveis. Onde
a primeira está,
o segundo certamente se
encontra.¹⁹ Jó era
rico porque a
bênção do Senhor
estava sob re ele e,
também, porque ele
trabalhou duro. Nesse
aspecto, “a bênção
do Senhor Deus traz
prosperidade, e nenhum
esforço pode substituí -la” (Pv
10.22, NTLH).
Hans
Walter Wolf (2007,
p. 206) observou
que quem quer
ver a realidade humana
precisa aprender a
contar com a
intervenção de Javé. Sem
isso, a pessoa
não percebe que
nem a aplicação
humana ao trabalho já
leva ao resultado
e que a
riqueza não é
um valor evidente.
Deve-se atentar ao sentido ambíguo
dos fenômenos e d as vicissitudes. A seguinte tese opõe-se
categoricamente ao pensamento seguro de s i, o qual julga por inferir do
trabalho necessariamente o resultado (Pv
10.22): “ Somente a bênção
de Javé torna
rico, o esforço
próprio não acrescenta
nada”. A expectativa geral
d e que o
trabalho traz ganho
nunca se realiza concretamente sem a
decisão da bênção de
Javé. Também é Javé
que está atuante na
diferença entre a
vontade do ser
humano e a execução do trabalho (Pv 16.11).²⁰
O conceito de prosperidade encontrada em Jó antecipa-se àquilo que o salmista previu e é um prenúncio daquilo que o Novo Testamento ensinará. Não há dúvidas de que o Senhor Deus quer que os seus filhos prosperem, todavia é preciso dizer que isso não pode ser confundido simplesmente com aquisição de “posses” ou “ bens”. A bênção do Senhor não pode ser confundida simplesmente com sucesso. Alguém pode possuir muitos bens, ter muitas posses e, ainda assim, não ser uma pessoa próspera. Por outro lado, uma pessoa pode ser abençoada por Deus sem, contudo, ter aquele “sucesso” que tantos aplaudem. Assim como o livro de Jó, o salmista (Salmos 73) mostra as diferenças conceituais entre “ser próspero” e ter “sucesso”. Por exemplo, no versículo 3 do Salmo 73, lê-se: “Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos” (ARA). E, no versículo 12, está dito: “Eis que estes são os ímpios; e, todavia, estão sempre em segurança, e s e lhes aumentam as riquezas” (ARC). Neste último texto, a palavra prosperidade traduz o termo hebraico shalew, derivado de shala, que significa “tranquilo”, “próspero”. O contexto do Salmo 73 deixa claro que o autor, assim como Jó , ficou perturbado com a aparente prosperidade dos incrédulos. Como isso podia acontecer se aqueles que temiam a Deus pareciam viver em dificuldades? Quando ainda se propunha a entender essa aparente contradição da vida, o salmista encontra a chave que solucionará o problema. “Até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles. Certamente, tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição” (vv.17,18). Ele descobriu que os ímpios têm posse, mas não prosperidade; os ímpios desfrutam de sucessos, mas não d e bênçãos divinas. Para o salmista, portanto, a prosperidade era mais u ma questão de “ser” do que de “ter”. Ser amigo de Deus é muito mais importante do que aquilo que Ele pode da r a nós. “Todavia, estou de contínuo contigo; tu me seguraste pela mão direita. Guiar-me-ás com o teu conselho e, depois, me receberás em glória” (Sl 73.23,24). É precisamente esse o conceito de prosperidade que o Novo Testamento irá revelar. Ao escrever, por exemplo, aos crentes de Corinto, Paulo diz: “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade [gr. Euodoo], para que se não façam as coletas quando eu chegar” (1 Co 16.2). Para ele, cada cristão possuía a sua prosperidade. Com certeza, ali havia cristãos com mais bens do que outros, mas todos eram prósperos em Crist o. A perspectiva de Jó, que se contrapunha à lei da retribuição, já antevia tudo isso.²¹
A
VIDA PIEDOSA DE JÓ
Tendo descrito a prosperidade de Jó, o texto
passa a dar detalhes da sua vida piedosa.
Essa piedade é
vista no contexto
da família, onde
Jó é apresentado como
o seu guia
espiritual. O contexto
é da sociedade patriarcal, em
que o chefe
da família desenvolvia
funções sacerdotais. Jó não
negligenciava a sua vida
espiritual, mas temia que os
seus filhos não
tivessem o mesmo zelo: “E iam seus filhos e faziam
banquetes em casa de cada um no
seu dia; e
enviavam e convidavam
as suas três
irmãs a comerem e
beberem com eles”
(Jó 1 .4). Não
se pode dizer,
tomando por base o
texto, que os
seus filhos eram
sacrílegos ou “mundanos”
por simplesmente
participarem de banquetes
nos quais bebiam e
alegravam-se (Jó 1.4).
O autor está
retratando um modelo
de família ideal,
que harmoniosa e constantemente celebravam
os momentos bons
da vida (Champman, 2005). Esse
fato é posto por Andrés Glaze (2005, p. 238), que destaca:
Cada
filho de Jó tinha sua casa e todos mantinham um estilo d e vida real (2 Sam.
13: 7, 20, 23, 27; 14:28, etc.). A família era muito próxima: os homens
costumavam fazer banquetes
revezando-se “na casa
de cada um” e
convidavam suas irmãs.
A participação d as
irmãs nas celebrações foi
excepcional naqueles dias.
Provavelmente as filhas ainda moravam em casa com os
pais.
“[...] e
se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de
todos eles; porque dizia Jó: Porventura,
pecaram meus filhos e blasfemaram
de Deus no
seu coração. Assim
o fazia Jó
continuamente” (1.5). Onde
há fartura de
manjar e abundância
de bebida, há
sempre a possibilidade de
excessos. Era exatamente
isso o que
Jó temia: que se
excedessem os seus
filhos e, perdendo
a sobriedade, viessem
a pecar. A palavra hebraica shathah, traduzida como
“beber” no versículo 4, é usada tanto
em relação ao uso do
vinho (Gn 9.21),
como da água
(Gn 24.14 ).
Sendo o
vinho uma bebida comum
na cultura oriental, o
seu uso está
em evidência aqui. Todavia,
não é propósito
do autor fazer
apologia do consumo dessa bebida,
mas, sim, destacar que Jó temia que os
seus filhos ultrapassassem os limites
nesses banquetes e,
com isso, viessem
a pecar. Luis de
León (1885, p.
9) destaca que
Jó acordava cedo
par a mostrar a diligência
com que se
apresentava a Deus
pelos seus filhos.
Jó fazia isso principalmente quando
precedia o banquete,
pois muitos desses banquetes são
um convite ao
pecado. Assim como
o pecado do
primeiro homem está associado
à comida, quase
sempre havia a
possibilidade de pecar no comer e
no beber dos banquetes.
Já foi destacado que Jó vivia no contexto
patriarcal antes do sistema sacerdotal
levítico. Ele, portanto,
era o sacerdote
da sua própria
casa.²² Com essa missão
de líder e
guia espiritual, Jó
cumpria o ritual
d e santificar-se em favor dos
próprios filhos. Não há indícios de que os seus filhos tenham, de fato, cometido os
pecados de que Jó suspeitava; mesmo assim,
ele achava melhor
ser precavido, adiantand o-se, d o
que lamentar depois. Nesse
aspecto, Robert L. Alden (1993, 1124) d estaca que Jó lembra seus filhos de
fazerem o q ue estavam fazendo com moderação, u ma gentil cutucada dos pais na
direção da vida santa. O hebraico fala dos sacrifícios no plural, e a NVI traduz o “todos eles” distr ibutivamente
como “cada um deles”. A presença da palavra “número”, mispar, sugere um animal para cada filho. Certamente, parece
que os sacrifícios têm o propó sito usual de cobrir o pecado, e não um abate para comida. Jó não tinha certeza de que seus filhos
haviam cometido pecados
pelos quais era
necessário um animal de
sacrifício, mas ele queria ter certeza; daí o “talvez” nas palavras que ele
falou consigo mesmo. Melhor errar, ele pensou, desse lado do que do outro.
Depois de tudo,
quem pode saber
o que se us
filhos podem ter dito “em seus corações?”²³
A piedade de Jó, portanto, pode ser ilustrada na sua profunda vi da de oração. Primeiramente, deve ser observado que ele priorizava a oração (“se levantava de madrugada”). Por certo, ninguém terá vitória na oração se não a priorizar. O comodismo costuma matar a vida de oração. Deixar a oração em segundo ou terceiro plano é o primeiro sinal de fracasso espiritual. Todos os homens santos da Bíblia que oravam com poder priorizavam a oração nas suas vidas (1 Ts 5.1 7; Lc 6.12). Em segundo lugar, a oração d e Jó demonstrava fé (“oferecia holocaustos”). Mesmo tendo vivido muito antes do sistema de sacrifícios levítico, Jó possuía fé suficiente para saber qu e eles possuíam poder expiatórios , sendo, portanto, agradáveis a Deus. E m terceiro lugar, a oração de Jó demonstra que o seu serviço a Deus custava a ele alguma coisa, pois , segundo o número de todos eles, ele oferecia sacrifício. Sacrifícios sempre exigem alguma coisa de quem sacrifica. No caso de Jó, além do custo do s animais, a sua vida emocional e espiritual estava envolvida. E m quarto lugar, a oração de Jó fazia dele um intercessor. Jó, como sacerdote, era o mediador da sua família. Ele orava e intercedia por ela . No final do livro, ele também será o intercessor dos seus amigos (Jó 42.10). Em quinto lugar, Jó tinha a oração como um hábito, já que ele orava com constância (continuamente). Jó levantava-se de madrugada e fazia-o constantemente. Por certo, ninguém terá vida de oração vitoriosa se não demonstrar paciência , constância e perseverança . Nisso, Jó é lembrado pelo Novo Testamento (Tg 5.11).
| A Fragilidade Humana e a Soberania Divina
Observaste Tu a Jó?
Introdução
Oliveira Martins não conseguia entender por que
alguns cronistas de
seu país insinuavam
ter a nação portuguesa uma
origem mitológica. Ufanística,
mas puerilmente, diziam-se eles descendentes de Luz, filho do deus Baco.
Igual perplexidade é demonstrada por Alexandre Herculano. Tanto este
historiador, como aquele,
buscando resgatar a verdadeira gênese dos lusitanos, não temeram apresentar os
heróis de sua nação exatamente como eram.
E nem por isto o valor dos “barões assinalados” foi diminuído
Acredito que
tanto Martins quanto
Herculano nenhuma dificuldade teriam em aceitar a historicidade de Jó.
Pois o autor sagrado no-lo apresenta como um ser humano semelhante a nós, mas
que aprouve a Deus santificar para ajudar-nos a compreender o valor e
a didática do sofrimento.
Que diferença entre Jó e os personagens de Camões! Estes, embora homens, foram transformados em deuses aquele, ainda que na galeria dos campeões de Deus, nem como herói é apresentado. E apesar da eternidade que lhe ia na alma, era um mortal entre os mortais. E os lusíadas? Ainda que reais, não lograram deixar o terreno da ficção. Se historicamente existiram, mitologicamente foram exumados. Como, porém, intimar a Jó numa mitologia, se a própria história não o pode conter? A exemplo dos demais santos do Antigo e do Novo Testamento, este personagem não pertence ao passado; é um patrimônio de todas as eras.
I.
A Singularidade de um Homem Comum
“Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó” (I.I). O autor sagrado faz
questão de ressaltar que o protagonista deste drama era, apesar de toda a áurea
que hoje o cerca, um homem comum. Por isto usa também um substantivo bastante comum para
denotar quão humano
era Jó: 'ysh Esta palavra hebraica não significa
apenas varão; pode ser usada ainda com estes sentidos: vencedor,
grande homem, marido, ou, simplesmente, pessoa.
Nesse
único substantivo, é-nos possível fazer um admirável sumário da biografia de
Jó. Em virtude de sua fé em Deus, foi-se destacando como um vencedor até ser
reconhecido como o maior dos
varões de sua geração.
Isto significa que todo aquele que se entrega a Deus torna-se um
herói por mais insignificante que seja aos olhos do mundo.
Jó não era
uma figura lendária; era tão humano como
o mais humano dos humanos. E se Deus lhe trabalhou a humanidade não foi para
mitologizá-la; trabalhou-a para que, realçan-do-lhe as limitações, mostrasse
que é justamente na fraqueza que Ele nos aperfeiçoa o seu ilimitado poder.
Somente a Bíblia é capaz de apresentar os seus heróis de maneira tão bela e
completa. Num memorável discurso,
declarou Charles Spurgeon: “A fé capacita-nos a regozijarmo-nos no
Senhor de tal forma que nossas fraquezas tornam-se vitrines de sua graça”.
Consideremos o significado de seu nome. Em hebraico, lembra a silhueta de alguém que, amorosa c incansavelmente, vai ao encontro de Deus. Naqueles dias por virem, se não corresse Jó aos braços do Senhor, certamente pereceria. Até no nome era ele dependente do Todo-Poderoso! Ao contrário dos personagens de Homero, que se bastavam a si mesmos, ele não conseguia arredar-se de ao pé de seu Deus.
II.
0 que Seria a
Terra de Uz sem Jó
O que seria de Uz sem a história de Jó? Cairia no
esquecimento como aqueles
reinos que, famosos na antigüidade, não passam hoje de
meros sítios arqueológicos. A terra de Uz, localizada a oeste do deserto da
Arábia, ocupava uma área de grande importância estratégia. No auge do poder,
seus domínios estenderam-se até chegar às fronteiras de Babilônia.
Suas
extensas pastagens eram mui apreciadas pelos criadores de gado A
vulnerabilidade de Uz. Pelo que inferimos do texto sagrado, Uz era um reino
bastante vulnerável. Haja vista as incursões que sofria tanto do Oriente quanto do Ocidente. Deste, vinham
os sabeus que, cobiçando seus grandes
rebanhos, levavam-nos para Sabá que se achava, mui provavelmente, no território
que, hoje, é ocupado pela Etiópia; e, daquele, chegavam os caldeus que eram tão
rapaces quanto os sabeus Através de Uz transitavam importantes caravanas de mercadores. Certamente,
era o território utilizado também pelos exércitos que buscavam firmar
sua hegemonia em toda a região.
2. Terra dos edomitas.
Séculos mais tarde, a terra de Uz seria ocupada
pelos filhos de Esaú. Também conhecidos como edomitas, estes
se refugiariam no Monte Seir,
onde, acastelando-se naquelas fortalezas talhadas pela natureza nos
alcantis, constituir-se-iam num reino orgulhoso e prepotente. Contra os filhos
de Edom, o Senhor haveria de assestar suas armas até que viessem a desaparecer.
Ignoramos se o povo de Uz foi assimilado pelos edomistas, ou se transmigrou para outras regiões. Segundo Flávio Josefo, os uzitas teriam se dirigido para as bandas da Síria, onde fundaram a cidade de Damasco. De qualquer forma, Uz passou à História Sagrada como a terra onde se desenvolveu todo o drama de Jó.
III.
Um Santo em toda a sua Geração
De uma feita
afirmou Phillip Henry ser
a santidade a simetria da alma. Como a santidade
permeasse inconfundivelmente toda a vida de Jó, achava-se ele em plena harmonia
com as demandas divinas. A consonância entre o patriarca e o seu Deus
refletia-se em seu caráter “íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do
mal” (Jó LI).
Se levarmos
em conta a sua riqueza; se lhe considerarmos a posição social; e se lhe pesarmos
a influência política, concluiremos ter sido Jó um perfeito reflexo da
santidade de Deus. Se o seu Senhor era santo, por que ele também não o seria?
Não foi sem razão que E. G. Robmson declarou: “A santidade no homem é a imagem
da santidade de Deus”
No decorrer
deste livro, ainda apreciaremos
com mais vagar a integridade de Jó. Por enquanto, vejamos os predicados
que fizeram do patriarca um dos três homens mais piedosos de todos os tempos
(Ez 14.20).
I. Jó era um homem íntegro. A palavra “íntegro”,
originária do vocábulo latino íntegru, significa inteiro, perfeito, exato,
completo, imparcial e inatacável. A Vulgata Latina, contudo, preferiu usar o termo
simplex para exemplificar esta virtude de Jó. Em certo sentido, este vocábulo
é mais forte do que aquele;
denota algo que, de tão perfeito e completo, não comporta qualquer análise
A
Septuaginta optou pelo vocábulo alelhinós que, em grego, significa verdadeiro,
sincero.
No
original hebraico, “íntegro” é uma
palavra representada pelo
substantivo tãm que, entre
outras coisas, significa completo, certo, são e puro. O
vocábulo é encontrado apenas treze vezes no Antigo Testamento. Jacó também é
assim descrito (Gn 25.27). Neste último caso, o vocábulo hebraico é usado para
caracterizar um homem simples, pacato e calmo; a pessoa realmente integra é
notabilizada por uma serenidade inexplicável; não se abala jamais. Thomas
Watson tem a integridade como um perfeito sinônimo de simplicidade: “Quanto
mais simples o diamante, mais ele brilha; quanto mais simples o coração, mais
ele resplandece aos olhos de Deus”.
Quanta
necessidade não temos de homens como Jó! Desgraçadamente, muitos são os crentes
que já negociaram a sua integridade. Na igreja, santos; na sociedade, demônios.
Justificando a sua iniqüidade, alegam
que a sua vida social nada tem a ver com a espiritual. Esta dicotomia, porém, é
estranha à Palavra de Deus. O Senhor requer tenhamos uma postura irrepreensível
tanto em público como em particular.
Jó não
carecia de um marketing para cultivar-lhe a imagem, nem de um publicitário para cevar-lhe a
postura, pois contava com o respaldo de
Deus. Desfrutamos nós de igual conceito? Ou nossa integridade já é algo
pretérito? Confúcio declarou ser a integridade a base de todas as virtudes; sem
ela, nenhuma bondade é possível.
2. Jó
era um homem reto. Devido ao relativismo
moral de nossos dias, a retidão,
que era um substantivo concreto, acabou por se acomodar à sua
condição gramatical. Hoje não passa de algo abstrato e até utópico. Houve um
tempo, todavia, que assim era definido um homem reto: imparcial, justo,
direito. Era alguém que,
moralmente, não apresentava qualquer curvatura ou desvio; em
tudo, conformava-se com a justiça divina. Não tinha dois pesos, nem possuía
duas medidas. Sua palavra era: sim, sim; e: não, não. Inexistia nele o que se
chama de vazio de justiça: um sim que pode ser não; e um não que talvez seja sim.
A
tradução latina das Escrituras diz que “Job erat rectus”. Nele não havia
sinuosidade, nem casuísmo.
Era um homem que, pondo-se a caminhar numa estrada,
não se desviava nem para a direita nem para a esquerda; não fazia o jogo dos
poderosos, nem comungava com as injustiças e os pecados da plebe.
Em
português, a palavra hebraica traduzida para retidão é yãshãr. Este vocábulo é
usado para descrever um homem justo, reto e que, em todas as coisas, atende aos
mais altos reclamos da justiça
divina. Como alcançar
semelhante padrão? Deseja o
Senhor que todos os seus hlhos sejam considerados perfeitos em retidão.
3. Jó
era um homem temente a Deus. Richard Alleine assim descreve o homem
piedoso: “Aquele que sabe o que é ter
prazer em Deus temerá a sua perda;
aquele que viu sua face, terá
medo de ver suas costas”. Esta declaração é um perfeito resumo do
relacionamento de Jó com o Todo-Poderoso. O patriarca temia a Deus não porque
tivesse medo dEle; temia-o, porque nEle encontrava a verdadeira felicidade.
Como poderia Jó viver longe do Senhor? A semelhança de Thomas Browne poderia
ele afirmar: “Temo a Deus, contudo não
tenho medo dEle”.
A
expressão hebraica que descreve o homem
temente a Deus: yará, evoca um medo santo e respeitoso pelo Todo-Poderoso. Medo
esse, aliás, que não tem a natureza do terror.
Através
de seu temor a Deus, o patriarca Jó introduzira- se em todos os princípios da
sabedoria (Pv 1.7). Daí a razão de ser ele contato entre os homens mais sábios
e piedosos de todos os tempos. Mui acertadamente escreveu o teólogo americano
A. W. Tozer: “Ninguém pode conhecer a
verdadeira graça de Deus, se antes não conhecer o temor de Deus”.
Alguns
homens da Bíblia são singularmente destacados por seu
temor a Deus.
Haja vista Hananias,
ajudante de Neemias na
reconstrução dos muros de Jerusalém (Ne 7.2). O idoso Simeão, que tomou o
menino Jesus nos braços, também é realçado como temente ao Todo-Poderoso (Lc
2.25). E o centurião Cs^rnélio? (At 10.2). O peregrino Jacó evocava o Deus de
seu pai como o Temor de Isaque (Gn 31.42).
Carecemos
de homens, mulheres e crianças que temam a Deus. Ser cristão não é suficiente;
exige Deus lhe sejamos tementes em todas
as coisas. Que
o nosso temor sobressaia principalmente entre os que
ainda não receberam a Cristo!
4. Jó era um homem que se desviava do mal.
Anselmo, que tantas contribuições trouxe ao pensamento evangélico, fez uma
afirmação, certa vez, que hoje seria considerada radical até mesmo por alguns
crentes piedosos: “Se o inferno estivesse de um lado e o pecado do outro, eu
preferiria saltar para o inferno a pecar deliberadamente contra o meu Deus”.
Sabia ele perfeitamente que existe algo pior do que o inferno: o pecado.
O
vocábulo hebreu utilizado para descrever o ato
de se desviar do mal é sar retirar-se, afastar-se de tudo quanto nos
possa induzir à iniqüidade, cuja força gravitacional é a tentação. Se fugirmos
desta, não cairemos naquela. O processo que leva à queda é assim descrito por
Tiago: “Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria
concupiscência” (Tg I.I4). Por conseguinte, é imprescindível que nos apartemos
de tudo quanto é concupiscente. Esquivemo-nos, pois, do mal tão logo este se
apresente. Em Gênesis, o pecado é apresentado como aquela serpente que se põe a
espreitar os incautos: “Se bem fizeres,
não haverá aceitação para ti? E, se não
fizeres bem, o
pecado jaz à
porta, e para ti
será o seu desejo, e sobre ele dominarás” (Gn 4.7).
Na Septuaginta, o referido versículo de Jó é assim traduzido: “Afastando-se de todas as coisas más”. Os santos desviam- se do mal, pois sabem que o pecar contra Deus é pior do que o castigo eterno. Crisóstomo, o grande orador da igreja, é mui categórico e enérgico: “Prego e penso que é mais amargo pecar contra Cristo do que sofrer os tormentos do inferno”. Portanto, se não nos apartarmos do pecado, seremos destruídos. Diante do pecado não há segurança: “O sábio teme e desvia-se do mal, mas o tolo encoleriza-se e dá-se por seguro” (Pv 14.16).
IV
Um Santo que Vivia em Família
Conta-se que Bento de Núrsia, em sua busca pela
santidade e pela consagração irrestrita ao Senhor, resolveu abandonar a sua
irmandade, a fim de se entregar mais intensamente aos exercícios espirituais.
Já isolado e completamente só, veio a presumir ter alcançado o ideal ascético.
No entanto, foi justamente aí, em pleno deserto, que começou a sofrer os
maiores ataques do Diabo. Aparecia-lhe este com as sugestões mais irrecusáveis,
com os apetites mais abertos e com os sonhos mais lúbricos. Atormentado, Bento resolve voltar ao convívio
com o semelhante para não se
tornar íntimo do demônio.
Jó não
teve de isolar-se para tornar-se piedoso. Foi justamente como pai de família,
homem de negócios e membro de uma sociedade politicamente organizada, que ele
pontificou- se como o melhor ser humano de seu tempo. Ninguém precisa isolar-se
para tornar-se santo; o santo nasce exatamente em meio às tentações.
Todos os
heróis da fé
destacaram-se como membros participativos da sociedade.
O que dizer
de Noé? Ou de
Abraão, Isaque e Jacó? Ou dos profetas? Isaías e Ezequiel eram casados. E o
exemplo do próprio Cristo? Ele não se afastou dos homens para redimi-los;
Emanuel, resgatou-nos estando entre nós e fazendo-se como um de nós.
Enganam-se os que julgam ser a santidade o produto de uma vida solitária. Santidade é serviço; é dedicação integral ao Senhor Jesus; é desviar-se do mal e ter a parecença do Cordeiro de Deus.
V
Um Rico Pobre de Espírito
Maximiliano García Cordero, professor da Universidade
de Salamanca, na Espanha, considera hiperbólico o inventário da riqueza de Jó.
Acrescenta ele que, mesmo para os dias de hoje, seria o patriarca considerado
um poderoso sheik. Eis a súmula dos seus bens: “Possuía sete mil ovelhas, três
mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; era também mui
numeroso o pessoal ao seu serviço, de maneira que este homem era o maior de
todos os do Oriente” (Jó 1.3).
Engana-se o
professor Maximiliano. Na
verdade, não era Jó um simples
fazendeiro, nem um sheik
qualquer. Se levarmos em conta a
utilização de seus camelos no transporte de mercadorias tanto para o Oriente
quanto para o Ocidente, e se considerarmos a utilização da lã de suas ovelhas
na confecção de tapetes
e roupas, concluiremos ter sido
o patriarca um grande capitão de
indústrias e um respeitável financista internacional.
Apesar de
toda essas riquezas, Jó não se deixava dominar por elas, pois o seu maior bem
era Deus: o Sumo Bem. Logo: não passava ele de um simples mordomo de quanto
possuía. J. Caird alerta quanto aos perigos dos haveres materiais: “O que impede o homem de entrar no Reino de
Deus não é o fato de possuir riquezas, mas o fato de as riquezas o possuírem”.
Jó era um homem rico de espírito pobre; nada presumia de si mesmo. Nas riquezas terrenas, via apenas pobreza. Mui acertadamente, afirmou Agostinho: “As riquezas terrenas acham-se repletas de pobreza”. Mais tarde, viria o patriarca confessar que, em momento algum de sua vida, confiara nas riquezas.
Conclusão
Assim era Jó!
Um homem em todas as coisas
perfeito, porque perfeito era o seu Deus. E chegado o momento de os crentes
sermos conhecidos não somente por nossas palavras, mas principalmente por
nossas boas obras. Como destaca o apóstolo Tiago, de nada vale a nossa fé se
estiver desprovida de obras; é através destas que demonstramos a nossa confiança
no Todo-Poderoso. Que o Senhor nos ajude a alcançar o mesmo padrão de excelência
que fez de Jó um dos homens mais perfeitos e íntegros de toda a História
Sagrada. Não é um ideal inatingível, porque o próprio Cristo nos exorta a
persegui-lo: “Sede perfeitos como vosso Pai que está nos céus é perfeito!”
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