segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Lição 2 - A poesia Hebraica

                                             Lição 2 - A poesia Hebraica

TEXTO BÍBLICO BÁSICO

Não clama porventura a sabedoria, e a inteligência não faz ouvir a sua voz?
No cume das alturas, junto ao caminho, nas encruzilhadas das veredas se posta.
Do lado das portas da cidade, à entrada da cidade, e à entrada das portas está gritando:
A vós, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens.
Entendei, ó simples, a prudência; e vós, insensatos, entendei de coração.
Ouvi, porque falarei coisas excelentes; os meus lábios se abrirão para a eqüidade.
Porque a minha boca proferirá a verdade, e os meus lábios abominam a impiedade.
São justas todas as palavras da minha boca: não há nelas nenhuma coisa tortuosa nem pervertida.
Todas elas são retas para aquele que as entende bem, e justas para os que acham o conhecimento.
Aceitai a minha correção, e não a prata; e o conhecimento, mais do que o ouro fino escolhido.
Porque melhor é a sabedoria do que os rubis; e tudo o que mais se deseja não se pode comparar com ela.
Eu, a sabedoria, habito com a prudência, e acho o conhecimento dos conselhos.
O temor do Senhor é odiar o mal; a soberba e a arrogância, o mau caminho e a boca perversa, eu odeio.
Meu é o conselho e a verdadeira sabedoria; eu sou o entendimento; minha é a fortaleza.

Provérbios 8.1-14

 

TEXTO ÁUREO

Melhor é o meu fruto do que o ouro, sim, do que o ouro refinado;

e as minhas novidades, melhores do que a prata escolhida.

Faço andar pelo caminho da justiça,

no meio das veredas do juízo.

Provérbios 8.19,20


OBJETIVOS

  • COMPREENDER que, apesar de a poesia não ser adotada pelos modernos ocidentais como meio eficaz de comunicação, no antigo Oriente, esse recurso estilístico era amplamente utilizado;
  • CONHECER os propósitos da poesia hebraica: expressar emoção;  facilitar a adoração e instruir em sabedoria;
  • CONHECER algumas características singulares da poesia hebraica: a linguagem figurada e o paralelismo.

INTRODUÇÃO

Os escritos poéticos do Antigo Testamento foram compostos em diferentes épocas: Jó, provavelmente, viveu na era patriarcal; alguns salmos, possivelmente, foram compostos durante (e após) o exílio babilônico (Sl 126; 137); neste tempo intermédio, Salomão, Davi e outros poetas sagrados redigiram seus poemas. 

Hindson e Yates, em seu livro intitulado “A essência do Antigo Testamento”, dizem que a poesia tem como objetivo instigar emoções, evocar sentimentos em vez de pensamentos proposicionais e estimular uma resposta por parte do leitor. E acrescentam que, apesar de o texto poético nos desafiar a pensar, ele o faz extraindo uma resposta emocional.

Deus abençoe sua vida!

Lições da Palavra de Deus 45 - Central Gospel


Poesia hebraica bíblica: um estudo sobre esticometria, sonoridade e gramática.

Introdução

Um dos primeiros tratados sistemáticos sobre a poesia hebraica bíblica foi preparado por Robert Lowth. Esse estudioso da Universidade de Oxford proferiu palestras memoráveis sobre esse tema. Sua “De Sacra Poesi Hebraeorum Praelectiones Academicae” apresentada em 1753 é uma referência no tratamento do assunto. A tese de Lowth era que o Antigo Testamento é literatura e desse modo requer o mesmo exame crítico e apreciação, tanto na forma, quanto na substância, como é exigido de qualquer outra literatura.[1] Segundo George Buchanan Gray a contribuição do estudioso de Oxford sobre o assunto (poesia bíblica) foi dupla: “ele pela primeira vez analisou claramente e expôs a estrutura paralela da poesia hebraica, além disso, chamou a atenção para o fato da extensão da poesia no Antigo Testamento”.[2]

Depois de Lowth o interesse sobre esse assunto aumentou consideravelmente no meio acadêmico. Análises críticas de fulcro literário puderam ser realizadas em várias passagens do Antigo Testamento. Apesar disso, segundo Wilfred G. E. Watson, uma análise detalhada de todos os textos poéticos ainda não pode ser meticulosamente concluída.[3] Mesmo assim é possível realizar um estudo minimamente proveitoso sobre os elementos gramaticais, rítmicos e esticométricos da poesia hebraica bíblica. Esta pesquisa buscará descrever as características principais desses elementos, com vistas a uma compreensão elementar do assunto. Na prática falaremos sobre os marcadores estruturais, analógicos e sonoros (entre outros) da poesia bíblica.

Antes de o leitor continuar a leitura, este autor precisar fazer algumas observações. Primeira, somente através do texto hebraico poderão ser percebidas nitidamente questões relacionadas à forma e sonoridade da poesia bíblica hebraica: é por esse motivo que o texto hebraico é obrigatoriamente citado neste trabalho. Segunda, o texto hebraico referência nesta pesquisa é o da Bíblia Hebraica Stuttgartensia, excetuando o caso de outro ser mencionado por este autor. Terceira, uma transliteração será apresentada logo em seguida ao texto hebraico. Finalmente, uma tradução para o português será apresentada abaixo da transliteração: com isso esperamos auxiliar ao leitor menos acostumado com o texto hebraico.

 Uma língua poética

Hassel C. Bullock comentou que a língua hebraica tem uma qualidade musical intrínseca que naturalmente suporta a expressão poética: “é basicamente uma língua de verbos e substantivos, e estes são os blocos de construção da poesia hebraica”.[4] O autor também destacou que embora não existam regras estritas de rima e métrica, a linguagem poética depende muito do estresse ou do acento por sua qualidade rítmica. Além disso, a imensa força de seu sotaque lhe dá um movimento rítmico que perdemos em línguas que têm um estresse menor. “A escassez de adjetivos aumenta a dignidade e a impressividade do estilo, e a ausência de um grande estoque de termos abstratos leva o poeta a usar imagens e metáforas em seu lugar”.[5]

Beleza e utilidade

Robert Lowth ensinou que a utilidade é o objetivo final da poesia, e o prazer o meio pelo qual esse fim pode ser efetivamente cumprido.[6] Nesse espírito ele declarou: “Eu, portanto, estabeleço como uma máxima fundamental, que a poesia é útil, principalmente porque é agradável (…) os escritos do poeta são mais úteis do que os do filósofo, na medida em que são mais agradáveis”.

 Não é difícil concordar com o autor aqui em relação à utilidade da poesia. Realmente esse recurso linguístico é muito importante na medida em que revela o esforço que os seres humanos fazem para explorar e compreender palavras e sentimentos. Além disso, por meio da poesia o ser humano consegue dá forma e significado as suas experiências. Pois ela permite que ele se mova com confiança no mundo conhecido, mas também que o ultrapasse.[7] Não bastasse isso, a poesia permite expressar sentimentos e emoções por meio de imagens compreensíveis. Ao lermos Cantares, por exemplo, só conseguimos capturar a beleza do amor apaixonado descrito ali, porque o autor resolveu descrevê-lo em linguagem poética.[8]

Paralelos

 Desde a descoberta dos textos ugaríticos em 1929 e nos anos subsequentes, houve uma intensa discussão da poesia de Ugarit e do Antigo Testamento.[9]A descoberta desses textos revelou que os antigos vizinhos de Israel usavam a poesia como um recurso literário importante. Mais tarde com a comparação desses achados com textos da bíblia hebraica, pode-se anuir o uso da poesia como um recurso literário bem explorado pelos autores bíblicos. Igualmente, os textos poéticos ugaríticos passaram a funcionar como uma referência para o estudo da poesia hebraica bíblica.[10] Isso porque o ugarítico é uma língua intimamente relacionada com o hebraico, muito mais próxima do que o acadiano.[11]

Arte antiga

Os tabletes ugaríticos foram datados pelos arqueólogos entre os anos 1600 e 1200 a.C (a segunda data é determinada pela invasão dos povos do mar que saquearam a cidade).[12] Acredita-se que os textos literários foram escritos próximos dos anos 1400-1350 a.C.[13] O principal material poético daqueles tabletes compreendia: (1) o Ciclo de Baal (uma série de episódios contando as aventuras de Baal); (2) as lendas de Keret e Aqhat (ambos, heróis humanos); (3) a história de Dawn, “Dusk” e as núpcias de Nikkal. Essas estórias compreendiam cerca de 4.000 linhas de versos (muitos dos quais são repetições literais das mesmas linhas).[14] Embora datando em forma escrita por volta do século XIV a.C., as próprias composições são provavelmente muito anteriores.[15] Elas teriam circulado pela primeira vez em forma oral, e, portanto, em várias versões diferentes, logo depois tomaram a forma estática e final que conhecemos hoje.[16]

A literatura ugarítica tratava de mitos, contos e lendas: “há uma ou duas orações, pelo menos um encantamento, e talvez um hino”.[17] O texto daquelas estórias é basicamente de caráter narrativo, por essa razão, não pode ser diretamente comparado com os textos poéticos hebraicos. Contudo há uma grande sobreposição entre os dois conjuntos de literatura, pois eles compartilham uma técnica poética comum e, em muitos aspectos parecem pertencer à mesma tradição de versificação.[18]

Serviço e extensão

Joseph Angus destacou que “a excelência particular da poesia hebraica era ter servido a mais nobre das causas, a da religião, apresentando as mais elevadas e preciosas verdades, expressas na linguagem mais apropriada”.[19] É em busca dessas preciosas verdades da qual se referiu Angus, que o estudante das Escrituras deve estudar o material poético contido ali. No entanto, esse estudo não deve ser um mero exercício técnico, ao contrário, deve ser conduzido com toda a seriedade como de quem está em busca de tesouros espirituais maravilhosos.[20]Além disso, esse estudo deve ser demorado e exaustivo, isso porque a poesia ocupa uma porção considerável na bíblia: “um terço do Antigo Testamento foi escrito em forma poética, que se fosse impresso em sequência, teríamos um volume cuja extensão total excederia o Novo Testamento”.[21]

Terminologia

 James L Kugel observou que não existe no hebraico bíblico uma palavra para “poesia”:[22]

Há um grande número de classificações de gêneros na Bíblia – palavras para diferentes tipos de salmos, hinos, músicas e arranjos corais; provérbios, jogos de palavras; maldições, bênçãos, orações; histórias, contos, genealogias; leis, procedimentos cultuais; discursos, exortações de intenção moral; oráculos, predições, consolação ou repreensão – mas em nenhum lugar qualquer palavra é usada para agrupar gêneros individuais em correspondências de blocos maiores como a “poesia” ou “prosa”.

 Embora Kugel, em certo sentido esteja correto, outros autores, no entanto, sugerem que algumas palavras hebraicas como, por exemplo, רֹמְ זִִ מ) Mizmor) e ל שָׁמ) Mashal) são apropriadas para descrever o fazer poético. Ademais, um “poema” e mesmo o próprio “estilo poético” podem ser descritos pelas palavras hebraicas Mizmor e Mashal.[23]

O que é poesia?

Pode-se definir poesia como qualquer tipo de linguagem verbal ou escrita que é estruturada ritmicamente e destina-se a contar uma história, ou expressar qualquer tipo de emoção, ideia ou estado de ser. É a “arte de criar imagens, de expressar emoções em que se combinam sons, ritmos e significados”.[24] Seu propósito “é instruir enquanto dá prazer”.[25] É um gênero literário frequente em vários livros da bíblia, não apenas na chamada literatura sapiencial: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares: há versos poéticos nos escritos dos profetas e em outros lugares da Escritura.[26]

Poesia e prosa

Muitos autores têm colocado de maneira conclusiva que a poesia é bem delimitada por suas diferenças em relação à prosa. Eles reconhecem haver uma área de sobreposição, mas dizem não ser difícil definir precisamente as diferença entre esses dois gêneros: “…apesar de algumas combinações de tipos e indefinição das linhas de demarcação, a prosa e a poesia são basicamente duas formas diferentes de usar a linguagem”.[27] Além disso, certos elementos gramaticais são mais comuns na prosa do que na poesia. Esse é o caso das partículas hebraicas “‘את) – “et) – que indica o objeto direto definido, do pronome relativo “אשר) – “asher), e do artigo definido “ה – “ (ha).[28]

Marcadores rítmicos

 Charles Biggs concordou com Josefo, Eusébio e Jerônimo de que a forma mais simples e antiga do verso hebraico era medida por três acentos rítmicos: os trímetros (também havia a medida de cinco acentos “pentâmetros” e de seis acentos “hexâmetros”).[29] Mas discordava de Bickell quando este dizia que a métrica deveria ser medida por sílabas, sem considera a quantidade, como na poesia siríaca, de modo que há uma sucessão constante de sílabas acentuadas e não acentuadas e, portanto, iâmbicas ou trocáficas[30] Biggs acreditava que a poesia hebraica estava em um estágio mais avançado de desenvolvimento do que a poesia siríaca. Ele lembrou inclusive que o maqqef (־ (foi usado no sistema massorético como um guia para a cantilação.[31] Embora tivesse reconhecido que o uso daquele sinal gráfico para a cantilação dependia de um uso mais antigo para o ritmo.[32]

Os trímetros

 Biggs defendeu que o padrão da poesia hebraica antiga era a marcação de três acentos rítmicos. Para o autor, embora existissem linhas de dímetro, não havia nenhuma parte da poesia bíblia que fosse construída de dímetros: “eles eram usados apenas para dar variação aos trímetros, especialmente no começo e no fim de uma estrofe, ou onde fosse importante que houvesse uma pausa no movimento do pensamento ou emoção.” [33]

Números 23.7-10, segundo Biggs, é o exemplo de ocorrência dos trímetros no texto hebraico:[34]

׃ מה אקב לא קבה אל ומה אזעם לא זעם יהוה׃ כי־מראׁש צרים אראנו ומגבעות אׁשורנו הן־עם לבדד יׁשכן ובגוים לא יתחׁשב׃ מי מנה עפר יעקב ומספר את־רבע יׂשראל תמת נפׁשי מות יׁשרים ותהי אחריתי כמהו׃

O autor comentou que na passagem acima se podia ver que em algumas linhas havia a marcação de três acentos rítmicos.[35]

Dispositivos principais

 Nesse tópico apresentaremos os dispositivos padrões da poesia hebraica bíblica.

Ritmo e paralelismo

O ritmo (métrica) e o paralelismo são para muitos autores, as características principais da poesia bíblica.[36] Essa é a opinião, por exemplo, de George Buchanan Gray.[37] Em suas palestras sobre a poesia hebraica, Robert Lowth (1753) destacou haver três tipos de paralelismo: sinônimo, antitético e sintético.[38] No entanto, nos últimos anos, baseado em parte nos estudos ugaríticos, parece haver um consenso acadêmico de que esse esquema era simplista demais. E, nesse caso, deve-se falar em termos de paralelismo sintático (ordem das palavras) e semântico (significado das palavras).[39] O paralelismo sintático é mais difícil de representar em algumas línguas, porque a ordem das palavras é muitas vezes difícil de ser traduzida de uma maneira inteligível. O paralelismo semântico é mais fácil de ilustrar.[40]

Métrica

A métrica tem sido apresentada como uma forma de ritmo. Assim, para se saber o que é métrica, deve-se primeiro saber o que é ritmo.[41] Então vamos lá. O ritmo pode ser descrito como um padrão recorrente de sons.[42] Ele pode ser marcado por um forte acento em uma palavra, pela sonoridade, pela afinação (uma sílaba pronunciada em tom mais alto ou mais baixo que a norma) e pelo comprimento (extraindo uma sílaba) etc.[43]

Watson observou que a métrica não pode ser medida cientificamente pelo uso do osciloscópio e afins, como, por exemplo, espectrografia sonora. Para o autor, ela só podia ser determinada  linguisticamente.[44] Ela pertence à estrutura superficial da linguagem e não a sua estrutura profunda:[45] Além disso, a métrica é um padrão sequencial de entidades abstratas, em outras palavras, é uma espécie de moldagem de uma linha (de verso) para se ajustar a uma forma preconcebida composta de conjuntos recorrente.[46]

Paralelismo sinônimo

O primeiro tipo de paralelismo é o sinônimo. Ocorre quando o mesmo sentimento se repete em termos diferentes, mas com equivalência.[47] Exemplo, Salmo 24.1[48]

 לַ יהו ה הֶ ארֶ ץ ּומְ לֹואֶ ּה

 Umëloah Haarets LaYHVH

 ּתֵ בֵֹ ל וְיְֹּׁש בֵ י בּה

Vah Veyoshevey Tevel

“Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam”.

Paralelismo antitético

O paralelismo antitético “é quando uma coisa é ilustrada pelo seu contrário”. Em outras palavras, sentimentos se opõem a sentimentos, palavras a palavras etc.[49] Vejam isso mais claramente em Provérbios 10.1:[50]

אָ ב־יְׂשַ ּמַ ח חָ כָם ּבֵ ן

Yësamach av Chakham Bem

 אִ ּמֹו ּתּוגַת ּכְסִ יל ּובְ ן

Ymo Tagat Kesyl Uven

“O filho sábio alegra o seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe”.

Paralelismo sintético

 Nesse tipo de paralelismo as sentenças respondem umas às outras, não pela interação da mesma imagem ou sentimento, ou pela oposição de seus contrários, mas simplesmente pela forma de construção.[51]

Exemplo: Salmo 2.6[52]

 ַַ מַ לְ ּכִי נָסַ ּתִ י ואַ נִי

Malëky Nasakhëty Vaany

 קָ דְ ּׁשי׃ חַ ר צִ ּיֹון ־ עַ ל

 Qadëshy Har Tsyon Al

“Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião”.

Merisma

Quando uma totalidade é expressa de forma abreviada, estamos lidando com o merisma. A expressão “corpo e alma” em Isaías 10.18, por exemplo, significa “a pessoa inteira”.[53]

O ponto significativo é que no merisma, de qualquer forma, não são os elementos individuais que importam, mas o que eles representam juntos, como uma unidade.[54] Veja, por exemplo, Isaías 1.6:[55]

 מכף־רגל ועד־ראׁש

Rosh Vead Regel Mikaf

 אין־בו מתם Metom Bo Eyn

 “Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã…”

Ironia

 Tem sido observado que não reconhecer na linguagem cotidiana ou em um poema uma ironia pode leva a um completo equívoco. Portanto, deve-se ter em mente que uma declaração irônica, o significado literal é precisamente o oposto do que deve ser entendido. O principal problema da detecção da ironia na poesia escrita é a falta de marcadores extralinguísticos, como gestos corporais e a ausência de entonação que poderiam fornecer uma pista para a interação irônica.[56] Isso é verdade, sobretudo, no hebraico antigo, ugarítico e acadiano. Em todo caso, o contexto pode ser o melhor guia para apontar a presença da ironia. Esse é o caso de Amós 4.4-5:[57]

באו בית־אל ופׁשעו הגלגל הרבו לפׁשע והביאו לבקר זבחיכם לׁשלׁשת ימים מעׂשרתיכם׃ וקטר מחמץ תודה וקראו נדבות הׁשמיעו כי כן אהבתם בני יׂשראל נאם אדני יהוה׃

Harebu Hagilegal Ufisheu El Veyt Bou

Zivecheykhem Loboqer Vehavyu Lifeshoa

Maeseroteykhem Yamym Lisheloshet

 Nedavot Veqireu Todah Mechamets Veqater

Yserael Beney Ahavetem Khen ky Hashemyu

Yehvih Adonay Neum

“Vinde a Betel e transgredi, a Gilgal, e multiplicai as transgressões; e, cada manhã, trazei os vossos sacrifícios e, de três em três dias, os vossos dízimos; e oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e apregoai ofertas voluntárias, e publicai-as, porque disso gostais, ó filhos de Israel, disse o SENHOR Deus”.

Compare o insulto direto em Amós 4.1: “Ouvi esta palavra, vacas de Basã”.[58

Esticometria e Estresse

 Muitos estudiosos da poesia hebraica bíblica têm a tendência de falar em unidades em vez de pés métricos (em um poema, mais especificamente num verso, muitas métricas usam o pé como a unidade básica na sua descrição do ritmo subjacente).[59] Nesse caso, cada unidade tem um grande estresse (em linguística, o estresse é a ênfase relativa que pode ser dada a certas sílabas em uma palavra, ou a certas palavras em uma frase), que normalmente se enquadra em um verbo, substantivo ou adjetivo.[60] As unidades se combinam para formar um membro, às vezes chamado de stichos (do grego “linha”). Duas unidades é o número mínimo para a constituição de uma linha, e geralmente não mais que três. As linhas então se combinam para formar o componente maior do verso hebraico, chamado de distich (dístico) se duas linhas estiverem envolvidas, e um tristich (trístico) se três. Segundo, Hassel C. Bullock, o Salmo 19.1-2 ilustra isso:[61]

Bullock explicou o gráfico acima como segue:[62]

As unidades individuais da primeira linha (stich) número três, com três unidades correspondentes na segunda linha. A primeira unidade, “os céus”, tem uma unidade correspondente “e o firmamento”, na segunda linha, assim como cada uma das outras unidades na linha um. Além disso, uma vez que cada uma das unidades ou termos na linha 1 tem um termo correspondente na segunda linha, este paralelismo é considerado completo.

O autor ainda observou que as três unidades das duas linhas do verso 1 podem ser diagramadas assim:[63]

Mas ele observou que esse paralelismo não faz justiça ao paralelismo hebraico, já que o versículo 1 carrega uma ambiguidade, porque “o firmamento”, não “o trabalho de suas mãos”, é o tema do verbo na linha hebraica. Além disso, segundo o autor, o versículo 2 mais exatamente processa o paralelismo sintático da linha hebraica: “o verso 1b como apresentado dentro do parêntese mostra a dificuldade de reproduzir a exata ordem hebraica na tradução, uma vez que seguir essa ordem produz uma sentença ambígua”.[64]

No entanto para Bullock, o paralelismo semântico é outro assunto. Ele explica:[65]

“os céus” é um termo mais geral (Gn 1.1), enquanto a unidade paralela, “o firmamento”, é um termo mais específico para a extensão acima da terra (Gn 1.6-8). Da mesma forma, “a glória de Deus” é um termo mais geral, e “o trabalho de suas mãos” um mais específico a mesma ideia. Embora sejam paralelos, eles não são estritamente sinônimos. Assim, o paralelismo passou do geral para o específico. Dentro de cada unidade das linhas acima, há uma tensão (acento) que recai sobre a ideia principal, produzindo um padrão rítmico de 3:3.

Estresse

 Um elemento importante da métrica é o que Watson chama de “estresse”. Essa é uma característica suprassegmental do enunciado.[66] Por exemplo, uma sílaba tônica é pronunciada mais energicamente, muitas vezes com um aumento no tom ou no volume:[67] “O estresse funciona para enfatizar ou contrastar uma palavra ou para indicar relações sintáticas”. O padrão do estresse na métrica hebraica pode ser percebido no texto de Salmo 142.2a.:[68] אֶ זְ עק יְהוה אֶ ל ִִ קֹולי Ezëaq

 YHVH El Qoly.[69]

 “Derramo perante Yavé a minha queixa”

No entanto devemos lembrar que para alguns autores não foi encontrada nenhuma métrica na poesia hebraica bíblica.[70] Para eles, a única característica provada da poesia bíblica hebraica é o seu paralelismo.[71]

Classificação dos medidores esticométricos

A seguir apresentaremos os nomes dos elementos que compõem a estrutura básica das linhas em poesia.

Cólon – Uma única linha. A unidade básica da poesia.[72]

Monocólon – é uma linha sozinha dentro de uma estrofe. Pode ser definido como um único cólon que não se coaduna com outro cólon. Embora, segundo Watson, em um sentido amplo nenhum elemento de um poema esteja em isolamento total.[73]

 Bicólon – um par de linhas composto de duas linhas ou cola, geralmente (mas nem sempre) em paralelo. A unidade de dois pontos pode ser tomada como padrão na poesia hebraica.[74]

 Tricólon – um conjunto de três linhas (colas) formando um único todo.[75] Tretacólon – grupos de quatro colas (linhas).[76]

Pentacólon – grupo de cinco linhas.[77]

Estrofe – uma unidade de verso de uma ou mais cola (linha). O monocólon, bicólon, tricólon e assim por diante são estrofes.[78]

Stanza – Uma subseção de um poema: o poema é composto de stanzas e cada stanza consiste em uma ou mais estrofes. Por exemplo, o poema em 2 Samuel 1.19-27 apresenta cinco stanzas:[79]

I-                  19-20

II-               21-22a

III-             22b-23

IV-            24-25

V-               26-27ª

Poema – Uma unidade independente da poesia, como um salmo, um oráculo profético (Jr 9.17-21), um discurso (Jó 25) ou um acróstico (Pv 31.10-31).[80] A tabela a seguir ajudará a explicar o lugar dos elementos citados anteriormente:[81]

Dispositivos sonoros

Nesse tópico serão destacados os efeitos sonoros comuns no verso poético.

Assonância

 É uma forma de repetição de vogais. Ocorre quando há uma série de palavras contendo um som de vogal distinto ou certos sons de vogais em uma sequência específica.[82] Exemplo, Salmo 48.7 (em algumas versões, será verso 8): ברוח קדים תׁשבר אניות תרׁשיש

 Beruach Qadyn Teshaber Onyot Tareshysh

“Com vento oriental destruíste as naus de Társis”

Aliteração

 Trata-se do efeito produzido quando a mesma consoante se repete dentro de uma unidade de verso. [83] Exemplo Salmo 147. 13:[84]

בריחי ברך בניך בקרבך׃

Beqirebekh Banaykh Berakh Berychey

“Pois ele reforçou as trancas das tuas portas e abençoou os teus filhos, dentro de ti”

Rima

 É quando duas palavras soam iguais. Essa identidade sonora pode ser de vários graus: de quase perfeita a meramente aproximada.[85] Geralmente alcançada pelo uso do mesmo sufixo ou terminando em cola sucessiva. Exemplo, Isaías 33.22:[86]

ׂשפטנּו יהוה

Shofetenu YHVH

 מחקקנו יהוה

Mechoqeqenu YHVH

 מלכנו יהוה

Malekenu YHVH

 “Porque o SENHOR é o nosso juiz, o SENHOR é o nosso legislador, o SENHOR é o nosso Rei; ele nos salvará”.

Onomatopeia

 Pode ser definida como a imitação de um som dentro das regras da linguagem em questão. Ao contrário do mimetismo, a onomatopeia depende da linguagem.[87] Assim, ela está sujeita às variações causadas pela gramática, como Isaías 17.12 deixa evidente:

 Holy Hamon Amym Rabymה

וי המון עמים רבים כהמות ימים יהמיון

Yehemayun Yamym Kahamot

וׁשאון לאמים

 Leumym Usheon

 כׁשאון מים כבירים יׁשאון

Dispositivo analógico

Neste tópico veremos um recurso muito usado em linguagem poética, qual seja: a imagem.

Imagem

 Como já dissemos, esse é um recurso muito utilizado na poesia. Certo autor expressou a importância desse recurso em poesia com as seguintes palavras: [88]

“no nível técnico, a poesia está no seu melhor quando composta com economia, isto é, quando o poeta exprime o máximo possível em poucas palavras. Para usar uma analogia, isso corresponderia a um artista desenhando um esboço com um mínimo de traços de lápis”.

 Uma imagem é uma figura de linguagem que expressa alguma semelhança ou analogia “a maioria das imagens são metafóricas”, mas nem todas as metáforas ou comparações são imagens. [89] Existem algumas características que devem acompanhar uma imagem em poesia, como, por exemplo: “devem ser concretas e relacionadas com o sentido, e não baseadas em conceitos abstratos”. Vejamos como exemplo Miquéias 3.2-3:[90]

׃ Atsemotam Meal Usheeram Mealeuhem Oram Gozeley Raah Veohavey Tov Soneey ו

אׁשר אכלו ׁשאר עמי ועורם מעליהם הפׁשיטו ואת־עצמתיהם פצחו ופרׂשו כאׁשר בסיר וכבׂשר בתוך קלחת

Qalachat Betokh ukhevasar Basyr Kaasher Ufaresu Pitsech Atsemoteyhem Veet Hifeshytu Mealeyhem Veoram Amy Sheer Akhelu Vaasher

 “Os que aborreceis o bem e amais o mal; e deles arrancais a pele e a carne de cima dos seus ossos; que comeis a carne do meu povo, e lhes arrancais a pele, e lhes esmiuçais os ossos, e os repartis como para a panela e como carne no meio do caldeirão”

Símile

Símile e metáfora se sobrepõem, até certo ponto, expressam a mesma coisa, mas de maneiras diferentes. De um modo geral, a símile é mais óbvia que a metáfora: isso porque é mais explícita, ou porque a base de comparação é realmente declarada.[91] Em contraste, a metáfora é mais concisa e, ao mesmo tempo, mais vaga, podemos ver isso em Jó 24.24:[92]

רומו מעט ואיננו והמכו ככל יקפצון וכראׁש ׁשבלת ימלו׃

Ymalu Shibolet Ukherosh Yqafetsun Karol Vehumekhu Veeynenu Meat Romu “São exaltados por breve tempo; depois, passam colhidos como todos os mais; são cortados como as pontas das espigas”.

Metáfora

A metáfora pertence ao material da poesia, de modo que compreender a poesia envolve enfrentar as expressões da metáfora.[93]Dois tipos de metáfora podem ser distinguidos: o referencial e o conceitual (semântico). Referencial – metáforas baseadas no que o poeta pode realmente ver ou visualizar. Por exemplo, Jeremias 12.10:

רעים רבים ׁשחתו כרמי בססו את־חלקתי נתנו את־חלקת חמדתי למדבר ׁשממה

Bosesu Kharemy Shichatu Rabym Roym Cheleqat Et Natenu Cheleqaty Et Shemamah Lemidebar Chemedaty

“Muitos pastores destruíram a minha vinha e pisaram o meu quinhão; a porção que era o meu prazer, e a tornaram em deserto”. Aqui a imagem evocada é concreta.[94]

Conceitual – metáforas desta classe são baseadas em imagens abstratas em vez de concretas.[95]

Hipérbole

 É uma maneira de expressar exagero de algum tipo em relação a tamanho, números, perigo etc. [96] A hipérbole é muito frequente no hebraico bíblico, ver, por exemplo, Isaías 48.19; Zacarias 9.3; Jó 27.16; Salmo 78. 27, entre outros.[97] Uma combinação de símile e metáfora pode formar uma expressão hiperbólica, como, por exemplo, em Salmo 141.7:[98]

 כמו פלח ובקע בארץ

 Baarets Uvoqea Foleach Kemo

 נפזרו עצמינו לפי ׁשאול

Sheol Lefy

Atsameynu Nifezeru

“Ainda que sejam espalhados os meus ossos à boca da sepultura, quando se lavra e sulca a terra”.

 Dispositivos gramaticais

Neste tópico veremos determinados elementos da gramática que ocorrem com alguma frequência no texto poético do Antigo Testamento.

Elipse

 A forma mais significativa de uma elipse na símile hebraica é a omissão da partícula comparativa. [99] Não há problema real quando isso ocorre na primeira linha, mas sim na segunda, como, por exemplo, Salmo 36.7:[100]

צדקתך כהררי־אל

El Keharerey Tsideqatekha

 מׁשפטך תהום רבה

Rabah Tehom Mishepatekha

 “Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas”.

Oximoro

É a junção de duas expressões que são semanticamente incompatíveis, de modo que em combinação não possam ter uma referência literal concebível à realidade. Por exemplo, “água seca”, etc. [101] Quando duas palavras contraditórias são combinadas – como em “água seca” a intenção é negar o aspecto molhado da água. O oximoro escolhe um aspecto de uma coisa e a nega.[102]

 Em geral o seu efeito é de um choque intelectual, como, por exemplo, em Provérbios 28.19:[103]

 עבד אדמתו ישבע לחם

 Lachem Yseba Ademato Oved

 ומרדף ריקים ישבע ריש

Rysh Yseba Reqym Umeradef

“O que lavra a sua terra virá a fartar-se de pão, mas o que se ajunta a vadios se fartará de pobreza”.

Conclusão

Esta pesquisa apresentou alguns dos dispositivos gramaticais, esticométricos e retóricos elementares da poesia hebraica bíblica. Mas em razão da natureza deste trabalho não se abrangeu o assunto o tanto que se deveria. Mesmo assim, espera-se que o leitor tenha sido despertado a continuar seu estudo sobre esse fascinante tema.

                                                                by vejamso Maio 15, 2020


POESIA

A poesia é uma das mais antigas formas pela qual o gosto literário de um povo se manifesta. É rítmica e regular, semelhante aos movimentos das danças dos antigos tempos, Ex 15.20,21. Nasce das emoções e se manifesta em expansões de alegria ou de tristeza, tanto nos indivíduos como nas coletividades. O poder da imaginação e o hábito de manifestar o pensamento por meio de linguagem figurada, servindo-se de imagens e comparações da natureza, são os elementos vitais da poesia desde a infância da humanidade. Os hebreus não foram exceção a esta regra. As palavras de Sara por ocasião do nascimento de seu filho, tem harmonia poética, Gn 21.6,7. As bênçãos de Jacó distribuídas a seus filhos nas vésperas de sua morte, eram vazadas nas formas pitorescas da poesia semítica, cap. 49. O cântico que espontaneamente saiu dos lábios de Moisés, celebrando o desastre das forças de Faraó no mar Vermelho, e seus efeitos morais sobre as nações de Canaã, foi a expressão de sentimentos e emoções profundas, vazada nos moldes simples da poesia hebraica.

A antiga poesia semítica não tinha rimas. Têm-se encontrado poemas que mostram certa cesura, que lhe não é essencial. A assonância, a aliteração e a rima, tão comuns na poesia ocidental, Só ocasionalmente ocorrem na poesia hebraica, feição esta que não é de sua essência e que lhe é extremamente rara. Não tem o emprego regular e alternado de sílabas breves e longas, porém, mostra fortes tendências para o ritmo, que inconscientemente produzia linhas com número de palavras, ou de grupos de palavras, quase iguais, ou para melhor dizer, com o mesmo número de acentos principais, incluindo, às vezes, mais um acento secundário. Além disso, não completava o sentido, exceto em casos mui raros, como no SI 96. 12. A feição essencial e característica da poesia hebraica, é o paralelismo, que consiste, na repetição do sentimento poético na linha seguinte. Foi o bispo Lowth quem deu este nome em 1753, depois de haver investigado este fenômeno e prestado atenção ao paralelismo sinonímico, antitético e sintético (de Sacr. Poesia Hebr. xix). O paralelismo é de várias espécies:

1.     Sinonímico, quando o pensamento da primeira linha, se repete em outras palavras, na segunda linha, como em Gn 4. 23.

"Ada e Zilá, ouvi-me; Vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos." E a copla: “Matei um homem porque ele me feriu, E um rapaz porque me pisou."

Do mesmo modo que mostra o paralelismo sinonímico, exibe igualmente a sua importância exegética. De conformidade com o princípio de interpretação aplicável a este caso. Lameque não fez duas mortes, apenas matou um homem. Este principio habilita o expositor da Escritura a interpretar palavras ambíguas, como as do SI 22. 20.

 "Livra da espada a minha vida;

Do poder do cão, a minha predileta."

De acordo com o princípio referido acima, a palavra predileta da segunda linha, refere-se vida, ou alma do salmista, e não à pessoa que lhe era cara.

2.     Paralelismo progressivo, no qual a segunda linha exprime uma ideia nova, mais ou menos, relacionada com a primeira, como em Jó 3. 17:

 “Ali os ímpios cessam de inquietar,

 E ali descansam os cansados."

3.     Paralelismo sintético ou construtivo que consiste apenas na construção do v. enquanto o pensamento de uma linha serve de alicerce para construir um pensamento novo, como no SI 24. 12 (Figueiredo)

"Quem é o homem que temo ao Senhor, Ele lhe constituiu uma Iei no caminho que escolheu."

ou Provérbios 26. 4.

 "Não respondas ao louco segundo a sua loucura Por não vires a ser seu semelhante."

 ou salmo 24. 9 (V.

"Erguei, ó portas, as vossas cabeças; Sim, erguei-as, ó portas antigas; E entrará o rei da glória,"

4.     Paralelismo gradual em que as palavras características se repetem, formando uma escada, pela qual o pensamento sobe até completar-se por meio de repetições enfáticas, como no SI 28.5 (Fig.).

“'Voz do Senhor que quebra os cedros; O Senhor quebrará os cedros do Líbano"; e no Salmo 120.3-4 (Fig.):

"Não permite que vacile o teu pé, Nem dormite aquele que te guarda; Eis aqui não adormecerá, nem dormirá O que guarda a Israel."

5.     Paralelismo antitético, no qual o pensamento se esclarece por meio de contrastes, como em Mt 8.20:

“As raposas têm seus covis E as aves do céu, ninhos; Mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça."

6.     Paralelismo comparativo, em que o pensamento se esclarece pela comparação com objetos familiares, como no SI 41.1 (Fig):

 "Assim como o cervo suspira pelas fontes das águas, Assim a minha alma suspira por ti, ó Deus."

O paralelismo em geral formava-se de dois versos e, às vezes, também de três, como se pode ver nos exemplos já citados. Os quatro e cinco versos encontram-se nos salmos 1.3; 17.4, 9; 37.7, 14, 20, 25, 28, 34, 40 (V. B.). A estância era essencial a poesia hebraica, contudo aparece nos salmos 42 e 43, formando um pó poema. dividido em três partes iguais em versos sucessivos.

O SI 46 (V. B) compõe-se de três grupos, cada um deles composto de três versos, cada um dos quais é assinalado pela palavra Selá, e os dois últimos terminam por um estribilho. Há também salmos alfabéticos nos quais predomina, mais ou menos, o princípio já mencionado, começando cada linha do v. pela letra do alfabeto que marca divisão do salmo ordem, SI 25, 34 e 37 (V.B). O SI 119 compõe-se de vinte e dois grupos de oito vv, cada um, igual ao número das letras do alfabeto hebraico, e a letra inicial cada v. de um grupo, é no original, a letra correspondente ao grupo. O Livro das Lamentações obedece a este plano construtivo. Veja Lamentações.

A poesia divide-se em épica, dramática lírica e didática. A épica e a dramática não se encontram na Bíblica; todavia o livro de Jó apresenta uma forma semidramática, porque nele se encontra a ação como base do drama, tanto no prólogo como no epílogo, e a alternação dos diálogos em todo ele. Veja o Cântico dos Cânticos. Os poemas líricos são os mais numerosos. No período histórico dos israelitas, logo depois do êxodo, são muito frequentes, e consistem em odes triunfais celebrando as maravilhas de Jeová, como o cântico de Moisés, pela passagem do Mar Vermelho, o cântico de Débora; os salmos penitenciais, suplicando misericórdia e exprimindo o gozo nas misericórdias do Senhor, Salmos 32 e 51, V. B. Os salmos do pobre e do necessitado clamando em tristezas, com fé, calma, ou pedindo socorro a Deus. Salmos 38.3, 23; HC 3, 1 Sm 2.1-10; Is 38.10-20; Lc 1.46-55, salmos sobre a vinda do Redentor e de seu reino. Salmos 2, 45 e 72, V. B. e elegias, como os lamentos de Davi sobre Saul e Jônatas, os cânticos fúnebres sobre Judá e as Lamentações, 2 Sm 1.17-27; Salmos 44, 60 e 74, V.B

                          Fonte: DAVIS, John D. DICIONÁRIO DA BÍBLIA.

Trecho do Verbete Poesia do Dicionário da Bíblia Jonh Davis.

 


POETA, POESIA

I.                  Descrições

 No grego, devemos considerar o termo poietés, «fazedor», «realizador». No sentido literário, um poeta é alguém que exprime as suas ideias mediante imagens verbais, metáforas e outros artifícios literários. Um poeta prima pela brevidade de expressão, em conjunção com expressões claras e eloquência. Os melhores poetas são indivíduos criativos, que são capazes de manipular a linguagem de maneira reveladora.

 Sócrates falava sobre a inspiração poética, mas não ficava impressionado diante das explicações racionais dos poetas, porquanto supunha que o homem dotado de grande acuidade intelectual ou intuitiva com frequência pode fornecer melhores explicações para as coisas do que os poetas.

A poesia tem sido comumente usada como expressão tanto secular quanto religiosa. Na cultura grega, os escritos formais, tanto filosóficos quanto históricos, eram grafados em forma poética, porquanto o sentimento geral era que os escritos importantes só podiam ser corretamente expressos dessa maneira. Levou tempo até que a pessoa começasse a ser usada nos escritos filosóficos e históricos. A poesia ocupa um importante papel no Antigo Testamento; mas só ocasionalmente vem à tona nas páginas do Novo Testamento. A poesia tem feito uma contribuição significativa para a teologia, dentro e fora do contexto hebreu-cristão, conforme demonstro na seção quarta deste artigo. A palavra «poeta» aparece na Bíblia somente em Atos 17:28, onde o apóstolo Paulo cita um trecho de Arato de Mísia: «Porque dele também somos geração». Com base nessa linha poética, Paulo salientou o absurdo da idolatria.

Segundo se verifica com qualquer palavra de sentido muito amplo, não há nenhuma definição isolada e boa para a poesia, embora esta seja uma boa tentativa: «(A poesia) é um discurso emocional e imaginativo em forma métrica—ou seja, a representação de experiências ou ideias que envolvem significação emocional, em uma linguagem caracterizada pela imaginação e pelos sons rítmicos. Pelo lado da imaginação concreta, a arte da poesia está bastante ligada com as artes da pintura e da escultura, embora diferindo dessas porque está melhor adaptada à representação de continuidade e movimento e também por poder fazer uso de ideias puramente abstratas, bem como de imagens verbais. E pelo lado do som rítmico, está intimamente relacionada à música, embora diferindo desta em sua capacidade de representar tanto ideias concretas quanto ideias abstratas com alguma exatidão. Quando o assunto é encarado objetivamente pelo poeta, a poesia pode ser narrativa ou descritiva, quando subjetivamente, a poesia pode ser lírica. A poesia dramática combina esses dois pontos de vista: ela é para o poeta, mas apresenta a matéria subjetivamente, através de personalidades imaginárias. Visto que a poesia pode tratar tanto de assuntos gerais corno de assuntos concretos, também há um tipo de poesia que poderia ser apropriadamente chamado de poesia expositiva ou didática, mas essa, por causa de seu pequeno uso de valores emocionais e de expressões imaginativas, existe por assim dizer, fazendo fronteiras com a prosa». (AM)

Até onde vão os registros, a poesia é a mais primitiva das antigas artes literárias. O poeta grego, Homero, do século IX A.C., surpreende-nos com seus versos de estranha beleza e de arranjo tão artístico, apesar do fato de que ele viveu em uma época de semibarbárie. O espírito amortecedor que há no homem de algum modo não foi capaz de amortecer a expressão poética. Outro tanto pode ser dito quanto à poesia do rei Davi (1000 A.C.), cuja arte literária nos é tao surpreendente quanto a sua vida caracterizada pela violência.

II. A Poesia no Antigo

1. Artifícios Poéticos:

a. Linguagem figurada. Essa é uma importante característica do cântico de Moisés (Êxo. 15:1 ss), do cântico de Débora (Juí. 5:1 ss), de certas porções do livro de Jó (38:28 ss; 41:1 ss), e também frequente no livro de Salmos. Os poetas eram manipuladores da linguagem figurada, e um bom poeta tem uma imaginação fértil, que se manifesta sob a forma de expressões verbais coloridas. «O próprio idioma hebraico é ressonante, rítmico e musical, até mesmo na prosa. O seu vocabulário é vívido. Abunda em figuras de linguagem como aliterações, personificações, hipérboles, metáforas, símiles, metonímia e assonância. A diferença entre a prosa e a poesia dos hebreus nem sempre é fácil de determinar. Na poesia, os ritmos são confinados dentro de certos limites, ao passo que na prosa esses ritmos são absolutamente livres» (UN).

 b. Paralelismo. Esse artifício opera de mais de uma maneira: por sinônimos, com a repetição de ideias similares (Sal. 49:1; todo o Sal. 104); paralelismo sintético, quando uma segunda linha é adicionada à primeira, como uma espécie de reiteração da mesma declaração, mas com uma expressão levemente diferente (Sal. 55:6); paralelismo antitético, quando a segunda linha apresenta um contraste com a ideia expressa na primeira (Sal. 55:12,13); paralelismo binósfico, em que a primeira linha é seguida por diferentes tipos de paralelismos.

Algumas Ilustrações:

 Por Sinonímia:

Sal. 59:1

1ª linha — «Livra-me, Deus meu, dos meus inimigos;

2ª linha — «põe-me acima do alcance dos meus adversários».

Paralelismo Antitético:

Sal. 1:6

1ª linha — «Pois o Senhor conhece o caminho dos justos,

2ª linha — «mas o caminho dos ímpios perecerá».

Paralelismo

Binósfico:

1ª linha — «De boas palavras transborda o meu coração:

2ª linha — «Ao Rei consagro o que compus: 3ª linha — «a minha língua é como a pena de habilidoso escritor».

 Paralelismo Sintético:

Sal. 55:6

 1ª linha — «Quem me dera asas como de pomba!

 2ª linha — «voaria, e acharia pouso».

 c. Ritmo. Essa é uma terceira característica da poesia hebréia. Os hebreus não desenvolveram o ritmo ao ponto em que o fizeram os gregos, embora seja um artifício que tem seu desempenho na poesia dos hebreus. Os hebreus não contavam sílabas, como o faziam os gregos. Os eruditos têm sido capazes de detectar um certo ritmo na acentuação das palavras, mas não no número das sílabas. A métrica lírica, entre os hebreus, teria dois mais dois; a poesia épica ou didática, teria três mais três; e a lamentação teria três mais dois, conforme se vê para exemplificar, no livro de Lamentações. Cumpre-nos notar, porém, que os hebreus não dispunham de regras rígidas sobre essa questão, e que nem se deve pensar em emendar textos para moldá-los a essas acentuações. Dentro dessa questão rítmica, a poesia hebréia caracteriza-se mais pelo ritmo de um espírito que se eleva, e não por algum artifício literário especial.

 d. O uso da música. Sabe-se que a poesia grega tinha por finalidade ser entoada. Isso só é verdadeiro em parte, no caso da poesia dos hebreus. Certamente muitos dos salmos foram musicados. Davi desenvolveu a música a ser usada nos ritos do templo. Trechos escriturísticos como o de Sal. 137:3 mostram que a música (e, presumivelmente, a poesia) não se limitava à expressão religiosa dos israelitas. Pouca poesia não-religiosa nos chegou da parte dos antigos hebreus, porém o trecho de Núm. 21:17, 18 refere-se ao «cântico do poço», que parece ser uma espécie de coro, empregado pelos cavadores de poços para se encorajarem enquanto ocupados em um trabalho árduo como esse. Provavelmente outras ocupações pesadas também contavam com cânticos similares, como nas atividades da sega (ver Isa. 9:3), da vindima (ver Isa. 16:10), além de haver cânticos usados em ocasiões especiais (ver Gên. 31:27), festas de casamento (Jer. 7:34), elegias (II Sam. 1:19-27), lamentações (II Sam. 18:33). E as passagens de Êxo. 15:20; Isa. 23:16; I Crô. 25:6 mostram que eram usados instrumentos musicais nessas oportunidades. Sem dúvida, eram peças poéticas declamadas com o auxílio da música. A maior coletânea de poemas hebreus que se conhece é o livro de Salmos; mas há indicações que a cultura hebréia contava com muita poesia, de natureza tanto religiosa quanto secular. Os livros poéticos do Antigo Testamento são Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão.

II.               A Poesia no Novo Testamento

 O Novo Testamento não dispõe de nenhum livro ou de larga porção de algum livro de natureza poética. Apesar disso, considerando seu volume limitado, há bastante poesia no mesmo.

1.     Citações.

 O livro veterotestamentário mais citado no Novo Testamento é o livro de Salmos. Com base nessa circunstância, uma boa parcela de poesia foi incorporada assim pelos autores do Novo Testamento. Todavia, também são citados ali poetas não-hebreus. O trecho de Atos 17:22- 31 dá-nos o sermão de Paulo no Areópago. O vs. 28 dessa passagem provê uma citação de três poetas gentios, a saber: Epimênides de Creta («Pois nele vivemos, e nos movemos e existimos»), Arato da Cilícia e Cleantes, o estóico ( «Porque dele também somos geração»). E Paulo, em Tito 1:12 também citou Epimênides («Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos»). Visto que Epimênides era cretense, teria ele dito a verdade nesse caso! Os filósofos têm-se divertido diante dessa indagação. O trecho de I Cor. 15:33 emprega uma máxima de Menandro («As más conversações corrompem os bons costumes»). Essas citações sugerem que Paulo recebeu uma educação liberal. As evidências em favor disso também dependem do fato de que muitas de suas declarações encontram paralelo em dizeres de filósofos estóicos. A cidade de Tarso era centro de cultura estóica. Fatos como esses laboram contra o antiintelectualismo (vide), tão popular entre certos crentes,

2.     Fragmentos de Hinos Antigos.

 Os intérpretes julgam poder descobrir porções de antigos hinos cristãos no prólogo do evangelho de João; em Efé. 5:14, 19; em 1 Tim. 3:16; em 2 Tim. 2:11-13; em Col. 1:13-20; em 2 Cor. 5:14-18 e em Fil. 2:5-11. Mui provavelmente, essas eram peças de poesia cristã musicadas, cujo intuito era exprimir importantes ideias e sentimentos cristãos. Refletem tanto a poesia hebréia quanto a lírica grega, conforme também já seria de esperar. Ver o artigo geral chamado Hino (Hinologia) quanto a detalhes sobre essa questão. 3. Nos Escritos de Lucas. Visto que Lucas foi homem de considerável habilidade literária, é apenas natural que ele tenha incluído poesia em suas composições. No evangelho de Lucas há oito passagens poéticas: 1:14-17, 33-35, 46-55, 68-79; 2:14, 29-32,34,35. As poesias mais bem conhecidas e mais utilizadas, dentro do evangelho de Lucas, são: o Magnificat (1.46-55); o Benedictus (1.68-79); o Gloria in Excelsis (2.14) e o Nunc Dimittis (2.29-31). O Antigo Testamento foi empregado quanto a quase todo esse material, e o estilo é tipicamente hebraico.

4. Seleções Miscelâneas. O prólogo de João (1:1-18) é definidamente poético, podendo representar, pelo menos parcialmente, algum antigo hino cristão; várias declarações do Senhor Jesus são poéticas, como as bem-aventuranças (Mat. 5:3-12) e outras partes do Sermão da Montanha (6:25-34). Os trechos de Mat 11:28-30 e 23:37-39 soam como poesia segundo estilo hebreu. O trecho de João 14:1-7 também poético. Paulo tornou-se um poeta ao escrever passagens como Rom. 8:35-38; 11:33-36; I Cor. 13 (o hino ao amor); I Cor. 15:51-57. Além disso, há lances nitidamente poéticos em Heb. 11:32-38 e Jud. 24.25. A versão inglesa de King James, com sua incomum beleza e cadência, conseguiu até melhorar algumas dessas passagens!

No Novo Testamento observa-se o emprego de paronomásia e de aliteração. Exemplos disso são Luc 21:11 (no grego, loimoi, limoi); Rom, 1:29 (no grego, phthonou, phonou); Atos 17:25 (no grego, zoem pnoen); Heb, 5:8 (no grego, etnathen, epathen); Rom. 12:3 (no grego, huperpronein, phronein); Mat. 16:18 (Petros, petra); File. 10 e 20 (Onesimus, onaimen). Há um jogo de palavras, em Atos 8:30 (no grego ginoskeis, anaginoskeis), que pode ter ocorrido por acidente.

5. O Livro de Apocalipse. Nenhum outro livro do Novo Testamento é tão poético quanto esse, do começo ao fim. Depende pesadamente da literatura apocalíptica dos hebreus (incluindo os livros pseudepígrafos) e do Antigo Testamento. Notáveis passagens poéticas são os hinos ou cânticos exaltados que se acham nas seguintes passagens do Apocalipse: 4:8, 11; 5:9, 10, 12, 13; 7:15-17; 11:17-19; 15:3,4 (o cântico de Moisés e do Cordeiro); 18:2,8, 14-24 (a condenação de Babilônia); 19:6,8 John Milton chamou o Apocalipse de João de «um coro de sete aleluias e sinfonias de harpas»; e Handel musicou alguns deles em sua imortal composição, O Messias. Uma de minhas fontes informativas queixa-se de que grande parte dessa linguagem imaginativa não é interpretada no próprio Apocalipse, dando a entender que as metáforas poéticas obscureceram o entendimento dessas porções, e sugerindo que a chave disso provavelmente existiu na antiguidade. Porém, se o autor dessa fonte informativa tivesse lido os livros apocalípticos e pseudepígrafos do Antigo Testamento, teria descoberto ali quase todos esses símbolos e as explicações dos mesmos. O restante deriva-se diretamente do Antigo Testamento.

IV. A Poesia e a Teologia

 A poesia tem contribuído para a teologia, não somente dentro da tradição hebreu-cristã, mas também em outras culturas. As obras de Homero (a Bíblia dos gregos) foram escritas em um excelente estilo poético, com uma força de expressão jamais igualada em qualquer outra literatura. As escrituras hindus, o Bhagavadgita (vide) contém notáveis passagens poéticas. E há obras modernas que têm levado avante a expressão poética, emprestando poder à teologia. Entre essas obras modernas poderíamos citar a Divina Comédia (de Dante); a Tempestade, o Paraíso Perdido, o Paraíso Recuperado (de Milton); Fausto (de Goethe); e vários poemas de Tennyson, como o Memoriam. Outros poetas metafísicos foram Robert Burns, John G. Whittier, John Donne e Browning, De modo não infreqüente, as mais notáveis composições poéticas têm reinvidicado inspiração. Os grandes temas de Deus, Cristo, as perfeições e a missão de Cristo, o amor de Deus, e a alma e sua imortalidade têm sido fontes naturais de inspiração poética.

Muitos hinos são apenas grandes poemas musicados; sendo assim, é correto dizermos que a hinologia, em geral, serve de meio de expressão teológica. Alguns estudiosos têm até exagerado nisso, afirmando que a hinologia é um ramo da teologia, A eficácia da hinologia vê-se diante do fato de que não instrui meramente a mente. Mas também anima e inspira ao espírito. Um bom hino inspira nobreza, tal como a música corrupta inspira a corrupção. Ver os artigos Intitulados Música e Hino (Hinologia).

 CHAMPLIN, R.N. ENCICLOPÉDIA DE BÍBLIA, TEOLOGIA E FILOSOFIA

FONTE: 




Lição 2 - A poesia Hebraica

 


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