segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Lição 1: O Livro de Jó

  


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TEXTO ÁUREO

Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de Jó e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso” (Tg 5.11).

VERDADE PRÁTICA

O livro de Jó não é apenas uma preciosidade da literatura universal, mas, sobretudo, uma poderosa resposta de Deus para as grandes questões da vida.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

2 Timóteo 3.16; Ezequiel 14.14,19,20; Tiago 5.11.

2 Timóteo 3

16 — Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça,

Ezequiel 14

14 — ainda que estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles, pela sua justiça, livrariam apenas a sua alma, diz o Senhor Jeová.

19 — Ou se eu enviar a peste sobre a tal terra e derramar o meu furor sobre ela com sangue, para arrancar dela homens e animais;

20 — ainda que Noé, Daniel e Jó estivessem no meio dela, vivo eu, diz o Senhor Jeová, que nem filho nem filha eles livrariam, mas só livrariam a sua própria alma pela sua justiça.

Tiago 5

11 — Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de Jó e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.

  • I. Mostrar que, a partir das evidências internas do livro, é possível conhecer o contexto no qual Jó viveu;
  • II. Especificar o gênero literário e de que forma esse conhecimento ajuda na compreensão do Livro de Jó;
  • III. Identificar o propósito e a mensagem do Livro de Jó.

INTERAGINDO COM O PROFESSOR

Há coisas que acontecem na vida do crente que, inevitavelmente, leva-o a fazer perguntas que traduzem a angústia da alma: Se Deus é justo e amoroso por que permite que um justo sofra tanto? Perguntas como esta podem ser consideradas o pano de fundo do livro que estudaremos neste trimestre: Jó. Nosso objetivo é compreender o que o livro diz a respeito do assunto, as respostas humanas dadas ao sofrimento e, finalmente, a resposta de Deus a Jó e seus amigos.

Para comentar o tema desse trimestre, contaremos com o pastor José Gonçalves. Ele é escritor, conferencista, membro da Comissão de Apologética da CGADB e líder da Assembléia de Deus em Água Branca — PI.

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

Neste trimestre estudaremos o Livro de Jó, uma das obras mais fascinantes da Bíblia. Não há em toda literatura bíblica outra obra semelhante. Diferente na sua estrutura, no estilo e, sobretudo, no conteúdo, o Livro de Jó demonstra a grandeza de Deus diante da finitude humana. É, portanto, uma obra que alimenta a nossa esperança quando tudo mais parece ter perdido o sentido.

PONTO CENTRAL

O Livro de Jó é uma poderosa resposta de Deus para grandes questões da vida.

                 SUBSÍDIOS ENSINADOR CRISTÃO

                               O LIVRO DE JÓ

O Livro de Jó é uma literatura bíblica única. Ele apresenta uma estrutura diferente, um estilo singular e um conteúdo teológico em que põe em contraste a grandeza de Deus com a pequenez humana. Estas são razões básicas para o nosso interesse em estudar esse precioso livro. Entretanto, há uma razão maior: É a Palavra de Deus que alimenta a nossa esperança diante de uma tragédia. Nesse sentido, em algum momento de nossa história nos identificaremos com a de Jó. Por isso, o livro nos traz consolo e esperança.

Apresentação do trimestre

Como todo início, é importante que você apresente a estrutura geral do trimestre. Fale um pouco sobre o tema geral, isto é, A Fragilidade Humana e a Soberania Divina: Lições do Sofrimento e da Restauração de Jó, e selecione alguns títulos que serão aprofundados nos próximos meses a fim de despertar no aluno a importância do trimestre. Por exemplo, dentre todos os títulos, há pelo menos quatro que, no mínimo, trarão inquietação aos alunos: (1) A Teologia de Elifaz: Só os Pecadores Sofrem? (2) A Teologia de Bildade: Se Há Sofrimento, Há Pecado Oculto? (3) A Teologia de Zofar: O Justo não Passa por Tribulação? (4) A Teologia de Eliú: O Sofrimento É uma Correção Divina?

São perguntas que, no mínimo, algum aluno já fez ao longo de sua caminhada cristã. Essas indagações, geralmente, aparecem nos momentos de fragilidades existenciais. Seja por uma perda, uma doença, um desemprego, um caos social. Enfim, no processo de algum sofrimento, algumas questões levantadas no livro de Jó passam a ser as nossas questões.

Acerca da Lição 1

Trata-se de uma lição introdutória. E seu objetivo é apresentar as questões de autoria, local e data em que o livro foi escrito; especificar a estrutura literária do livro; identificar o propósito e mensagem do Livro de Jó. Nesta lição, o conteúdo convergirá para mostrar que o Livro de Jó é uma poderosa resposta de Deus para as grandes questões da vida.

Uma informação importante

O segundo tópico faz uma distinção entre prosa e poesia. Ele apresenta a organização literária do livro em Prosa-Poesia-Prosa. Estude sobre esses gêneros literários, pois sua compreensão permitirá entender o Livro de Jó, desfrutar de sua beleza estética e alimentar a alma com seus ensinamentos.

                                        A fragilidade humana e a soberania divina

                                                   — O sofrimento e a restauração de Jó   

                                                             Comentarista: José Gonçalves

                                                    


           Um comentário bíblico que pretende ser, ao mesmo tempo, conservador e confessional precisa atender alguns requisitos. Primeiramente, ele não pode distanciar-se daquilo que prega e ensina o cristianismo histórico. Nesse aspecto, o comentarista deve ter o cuidado para não cair na tentação de querer reinventar a roda. Ele não pode, portanto, ignorar mais de 2 mil anos de tradição cristã. Dizendo isso de outra forma, ele não pode deixar-se levar pela onda do momento e tentar introduzir no texto teorias ou ideias que se distanciam dele pelo simples fato de que estão na moda. Por outro lado, por ser de natureza confessional, o comentarista precisa ser fi el àquilo que reza os seus códigos doutrinários, no caso do presente livro, que é ligado à tradição pentecostal clássica, quer seja um conjunto de verdades fundamentais, quer seja declaração de fé.

No presente comentário, procurou-se seguir essas diretrizes. Para que esse alvo fosse alcançado, procurou-se dialogar com a tradição cristã desde os seus primórdios. Uma ampla bibliografi a foi consultada desde os primeiros comentários sobre Jó, que remontam aos Pais da Igreja, passando pelos comentaristas do período medieval até à presente época.

Tanto Clemente Romano (35–97 d.C) e Tomás de Aquino (1225–1274 d.C), para citar os mais antigos, como Sicre Díaz (2002) e Daniel Estes (2013), entre os mais modernos, foram consultados. Quando a obra é vista no seu formato final, esses esforços tornam-se justificáveis.

Sendo um comentário que servirá de apoio às Lições Bíblicas da Escola

Dominical, ainda existem algumas outras peculiaridades. Isso, por exemplo, exigiu um esboço próprio que se ajustasse ao formato adotado por essas lições, que são em número de 13. Muitos esboços foram consultados, mas o que mais pareceu ajustar-se à realidade desse formato foi aquele encontrado na obra dos expositores da Bíblia (The Expositor’s Bible Commentary).

Todavia, mesmo sendo o esboço mais completo dentre os consultados, a obra dos expositores da Bíblia também mantinha as suas peculiaridades, sendo, portanto, aproveitado apenas em parte. Sendo assim, vi-me no desafio de trabalhar um esboço próprio, com poucas adaptações, para essa publicação. O resultado final não me pareceu destoar dos já existentes.

Pois bem, dito isso, é necessário destacar que o presente comentário procurou enfrentar todos os problemas levantados pelo livro de Jó, quer seja em relação à teodiceia, quer seja alguns outros de natureza puramente exegética. Nesse aspecto, foi tratada a questão relativa à origem e natureza do mal, bem como a fala da esposa de Jó. Foi também necessário traduzir em linguagem teológica aquilo que é, em seu princípio, de natureza puramente filosófica. Talvez o objetivo não tenha sido alcançado no seu todo, mas, sem dúvida, deixou o caminho mais fácil para quem quer chegar lá.

Uma palavra a mais precisa ser dada sobre a estrutura do presente comentário. Os cinco primeiros capítulos são dedicados inteiramente para tratar sobre Jó e o seu dilema. No capítulo 1, é feito um apanhado geral sobre o contexto social, cultural e histórico no qual Jó viveu. Da mesma forma, o capítulo 2 procura descrever, sempre fazendo exposição do texto, fatos e detalhes da vida e rotina de Jó. O propósito é fazer com que o leitor familiarize-se com Jó e com o mundo do qual ele participou. Os capítulos 3 e 4 tratam, respectivamente, sobre a realidade de Satanás e o dilema de Jó. Já o capítulo 5 mostra quando Jó quebra o silêncio e amaldiçoa o dia do seu nascimento. Os capítulos 6, 7 e 8 tratam da teologia dos amigos de Jó. Como o texto do livro de Jó é arranjado de forma poética, no formato de uma peça teatral, algumas adaptações foram necessárias na estrutura do texto do presente comentário. A mais relevante é a que agrupou todas as falas de cada um dos amigos de Jó nos capítulos que tratam da teologia de cada um deles. Dessa forma, por exemplo, as falas de Elifaz, que são intercaladas pelas respostas de Jó — o que faz com que elas estejam distribuídas em diferentes capítulos do livro —, são aqui colocadas em um único bloco. Isso tem o efeito positivo de não se enxergar de forma unilateral esses discursos nem tampouco cair em reducionismos na sua análise. Quer dizer, esse formato permite ver a visão do todo, e não apenas de partes fragmentadas.

O capítulo 9 foi dedicado exclusivamente para tratar do assunto da sabedoria. É mostrado no texto que alguns autores veem esse capítulo como se ele estivesse deslocado do restante do livro de Jó, não tendo relação nem com o que vem antes, o capítulo 27, nem tampouco com o que vem depois, o capítulo 29. Todavia, como ficou demonstrado, esse capítulo é posto propositadamente nesse lugar. O objetivo é contrastar a sabedoria humana, que está presente nos amigos de Jó, com a sabedoria divina, que é encontrada somente no temor do Senhor.

O capítulo 10 expõe a última defesa de Jó e antecipa aquilo que será apresentado no capítulo 11: a Teologia de Eliú. Da mesma forma que o tema referente à sabedoria levantou controvérsias por parte da crítica bíblica, assim também os discursos de Eliú. Alguns autores defendem que Eliú não fazia parte da redação original e que teria sido uma interpolação tardia feita por algum escriba para solucionar o impasse criado entre Jó e os seus três amigos. Todavia, como ficou demonstrado neste comentário, essa teoria é carente de comprovação.

Por último, os capítulos 12 e 13 tratam da revelação de Deus a Jó e de como ele foi restaurado. O leitor desatencioso ficará frustrado com a forma como Deus responde a Jó. Como Naamã (2 Rs 5), o general sírio que era leproso e foi curado pela intervenção do profeta Eliseu, muitos esperavam que, naquele momento, Deus fosse fazer algum show pirotécnico quando se revelou a Jó; mas não foi isso que aconteceu. Na verdade, Deus, em vez de responder às perguntas de Jó, fez-lhe mais perguntas ainda. Todavia, são nessas perguntas que a sabedoria de Deus demonstrou a sua graça ao patriarca. Jó é restaurado, o Senhor é glorificado, e nós somos edificados!


Autoria, Data e Contexto

        Algumas importantes questões devem ser levadas em conta quando alguém se propõe a estudar o livro de Jó. A primeira delas está relacionada aos fatos concernentes à autoria, à data e ao contexto no qual o livro foi escrito. Quem escreveu Jó? Evidentemente, não há um consenso entre os estudiosos sobre quem, de fato, escreveu o livro de Jó. Todavia, uma exposição dos argumentos daqueles que defendem Jó como autor da obra que leva o seu nome, bem como daqueles que a contestam, ajudam muito na compreensão do sentido dessa magistral obra da literatura bíblica e universal. Em segundo lugar, deve-se perguntar em que contexto os fatos narrados no livro ocorreram? Precisar o período da história onde os eventos narrados no livro ocorreram lançará luz no seu entendimento. Em terceiro lugar, em que época aconteceu a redação do livro? Jó foi escrito na época em que ocorreram os fatos narrados no livro ou teria sido produto de uma redação posterior? Essas são perguntas que não têm respostas fáceis; todavia, são muito importantes para serem ignoradas.

Autoria e data

Em relação ao autor do livro de Jó, deve ser observada primeiramente a questão da autoria simples e da autoria múltipla do livro. Teria sido o livro de Jó escrito por uma única pessoa e de uma só vez ou teria sido uma composição feita por autores diferentes ao longo de muitos anos?

Elmer B. Smick (1988, p. 845) observa que alguns autores defendem a autoria múltipla para o livro de Jó. A razão seria puramente de natureza estrutural. Alega-se, por exemplo, que o prólogo estaria em desconexão com o epílogo e com os diálogos existentes no restante do texto. Pope

(1973, citado por Smick, 1988, p. 846) cita, por exemplo, a ausência de

Eliú no início do livro, vindo a aparecer somente no seu final. Dessa forma, Pope deduziu que Eliú teria sido um personagem introduzido posteriormente no texto por outro redator para tentar solucionar o impasse criado entre Jó e os seus três amigos. Essa, portanto, teria sido uma interpolação posterior feita no texto. Dessa forma, esse mosaico ou colcha de retalhos no qual se teria transformado o livro de Jó existira em razão do uso de fontes diferentes feito por autores também diferentes.

Sem dúvida, é uma teoria que não deve ser ignorada; todavia, como destacou Smick (1988, p.846), esses argumentos vão contra as evidências internas do livro. O Diabo, por exemplo, é totalmente ignorado nos diálogos entre Jó e os seus amigos e não está presente no epílogo do livro. Todavia, ninguém põe em dúvida a unidade do livro devido a esse fato. O que se percebe é que o Diabo aparece somente no início da obra, porém a sua atuação é crucial para o entendimento do enredo do livro, incluindo o seu desfecho. Dessa forma, não há nada no livro de Jó que depõe contra a sua unidade devido ao fato do aparecimento de Eliú somente na parte final do livro.

      Como foi destacado, essas questões relacionadas à autoria têm suscitado intensos debates e posições diametralmente opostas. O próprio Jó, segundo argumentam alguns comentaristas (Zuck, 1981), teria sido o autor da obra que leva o seu nome, enquanto outros defendem que Moisés ou, ainda, algum outro nome depois do exílio babilônico tenha-a escrito.1

Zuck (1981, p.11) observa o seguinte:

Sendo que o autor não se identifica a si mesmo, os eruditos da Bíblia podem somente especular sobre quem poderia ter escrito. Numerosas sugestões têm sido formuladas, incluindo a que foi o próprio Jó, Eliú (o quarto amigo que entra em cena no final do livro, cap. 32–37), Moisés, Salomão, Ezequias, Isaías, alguém depois do exílio babilônico, quem sabe se Esdras ou um autor anônimo uns duzentos anos antes de Cristo.2

Alguns fatores são levados em conta em favor da autoria mosaica para o livro de Jó. Algumas semelhanças entre o livro de Jó e o livro de Gênesis — o contexto patriarcal, por exemplo — dão a impressão de que ambas as obras fizeram parte do mesmo contexto cultural.3 Mesquita

(1979) argumenta que a referência às minas citadas no capítulo 28 de Jó demonstraria certa familiaridade com o ambiente vivido por Moisés durante os seus 40 anos no deserto. De acordo com Mesquita (1979, p. 11), no deserto, Moisés “teria entrado em contato com os mineiros que extraíam essas preciosidades para a corte egípcia”.4

Em favor da autoria de outro autor, que teria vivido depois do exílio babilônico, argumenta-se que o contexto do livro retrataria os fatos refletidos por esse período da história hebraica. Dessa forma, Stornilolo (2018, p. 9) defende que alguém que escreveu Jó queria responder às perguntas dos exilados,

que haviam perdido tudo, ficando empobrecidos como Jó, e muitos como ele, ficaram enfraquecidos e doentes. Sobravam muitas perguntas: O que resta de tudo? Onde fica a religião?

O que é a religião? O que os fracos e empobrecidos têm a dizer sobre Deus? Daqui para frente, como encarar a vida?

A posição assumida por Zuck (1981) em favor do próprio Jó como sendo o autor do livro que leva o seu nome demonstra ser a menos problemática. Algumas questões de natureza interna do livro apontam nessa direção. Por exemplo, os detalhes das conversas registradas na obra sugerem que o livro tenha sido escrito por alguém que tenha vivenciado os fatos.

Depois de haver sido restaurado, Jó ainda viveu mais 140 anos, o que lhe deu tempo de sobra para organizar e narrar os fatos com ele ocorridos.

Assim como Moisés, que escreveu os livros do Pentateuco, exceto o fato relacionado ao registro da sua morte, assim também teria ocorrido com

Jó. Zuck (1981, p. 11) destaca o seguinte:

Não é coisa estranha nos tempos do Antigo Testamento um escritor narrar a história de si mesmo na terceira pessoa. Naturalmente damos por certo que alguém, sem ser Jó, escreveu os últimos versículos, descrevendo a morte de Jó e dizendo os anos com que faleceu. Podemos afirmar que isso não era estranho ao estilo de escrita da história antiga.

Ainda deve ser destacado que, independentemente de quem tenha sido o autor do livro de Jó, a inspiração do livro não está em questão. Jó é um livro inspirado e, como tal, deve ser lido. Todavia, em relação à data da sua redação, quando colocada numa época muito tardia, como, por exemplo, após o exílio babilônico ou período persa, há uma forte tendência em enxergar o livro de Jó apenas como literatura folclórica,5 um livro cuja poesia é belíssima, mas que não passa de uma peça de ficção de natureza a

histórica. Sem dúvida, uma interpretação que se guia por esse entendimento tem forte impacto sobre a compreensão da sua mensagem.

Contexto Cultural e Religioso

Talvez um dos fatos mais importantes relacionados ao livro de Jó diz respeito ao seu contexto histórico-cultural. A redação de Jó 1.17, diz:

“[...] Ordenando os caldeus três bandos, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos moços feriram ao fio da espada; e só eu escapei, para te trazer a nova”. Essa referência aos caldeus como nômades coloca Jó no segundo milênio antes de Cristo; logo, no contexto dos patriarcas.6 O contexto descrito no livro de Jó reflete, sem dúvida, a cultura patriarcal.

Daniel J. Estes (2013, p. 251) destaca:

Muitos doS detalhes do livro parecem se encaixar melhor na era patriarcal de Abraão, Isaque e Jacó. Por exemplo, os antigos nomes divinos El, Eloah e Shaddai são usados na maior parte do livro. Além disso, as posses de Jó se parecem muito com as posses dos patriarcas, e seu tempo de vida é comparável ao deles.7

Guinan (2017), quando destaca o contexto cultural do livro de Jó, observa que, naquele contexto, a sociedade era tribal, guiada pela tradição oral e também refletindo uma cultura marcada pela vergonha. Essas três características culturais apresentadas no livro de Jó ajudam na compreensão da sua mensagem. Ao comentar o contexto tribal no qual Jó viveu, Guinan (2017) destaca que o patriarca preocupa-se com a família, os seus descendentes, bens e propriedades. Os laços familiares são muito fortes e espera-se continuar na memória deles. A tradição oral prevalece dentro dessa tribo. Guinan (2017, p. 214) destaca:

A comunicação e a educação dependem primordialmente da palavra falada; é o que une a sociedade. À medida que a conversa entre Jó e seus amigos se inflama, a retórica se torna mais bombástica, até insultante. Isso é consistente com uma cultura oral na qual o importante não é que simplesmente algo seja dito, mas também como é dito. O que as pessoas dizem se destaca bastante.

A sociedade patriarcal era marcada por uma cultura da honra, denominada por Guinan (p. 214) de cultura da vergonha. Nesse aspecto, os valores mais importantes nesse contexto são a honra e a vergonha. Aqui, possuir um nome honrado é objeto de grande apreço e estima. O que Salomão disse em tempos posteriores ainda refletia esses valores: “Mais digno de ser escolhido é o bom nome do que as muitas riquezas; e a graça é melhor do que a riqueza e o ouro” (Pv 22.1). Guinan (199, p. 214) observa que

o fato de Jó parecer estar errado e assim ser considerado por seus amigos já seria, por si só, fonte de grande sofrimento e aflição. É importante não só estar certo e ser justo, mas também ser reconhecido como tal pelos outros.

Se o contexto cultural é importante para a correta compreensão da mensagem de Jó, da mesma forma é o contexto religioso. Três elementos podem ser destacados nesse ponto. Primeiramente, o livro de Jó é escrito seguindo o modelo da literatura sapiencial. 8 Nesse tipo literário, é dado um grande valor à experiência. Enquanto os seus amigos acusavam-no de ter cometido pecado, Jó, devido à sua experiência, ficou firme na defesa da sua inocência. Carol Newson (1992, p. 133 citada por Ceresko, 2004, p. 76), ao comentar sobre os argumentos dos amigos de Jó, escreve:

Embora seus argumentos sejam sofisticados e variados, Jó sustenta sua opinião numa única razão fundamental. Ele sabe que o senso comum e as tradições dos amigos, sua racionalidade e suas revelações, não correspondem à experiência que ele mesmo tem. Para Jó, manter a todo custo a integridade significa insistir na validade e na autoridade de sua própria experiência, mesmo quando esta pareça ter contra si tudo o que o mundo conhece como verdadeiro.

Duas outras características devem ser levadas em conta ainda dentro do contexto religioso do livro de Jó, a saber: o uso abundante de metáforas legais e o uso de linguagem de lamento. Guinan (2017) destaca que, no contexto de Jó, as disputas entre duas partes envolvidas eram primeiramente tratadas de maneira informal. Falhando essa primeira tentativa, então o acusado pronunciava um juramento de inocência e fazia o seu protesto formalmente a uma terceira pessoa, o juiz, que, nesse caso, exigia do acusador a apresentação de provas. Guinan (2017, p. 214) destaca que a “linguagem legal é empregada quando Jó protesta inocência e clama por um terceiro que faça justiça (por exemplo, 9.33; 16.9; 19.25)”.

   O livro de Jó, assim como faziam os israelitas em tempos de crise e aflição, externa o seu lamento diante de Deus. Guinan (2017, p. 214) destaca que, após perder a família e os bens, Jó mergulha num profundo dilema.

Da mesma forma, Simonetti e Conti (2010, p. 19) destacam que o livro de Jó

apresenta o drama de um homem justo que, depois de haver sido golpeado pela desgraça, é consciente de não merecê-la. Ainda que Jó não perca sua esperança e não maldiga a Deus, se pergunta porque teve que sofrer tal calamidade.

Os seus amigos, que, a princípio, chegam como consoladores, terminam como algozes. Diante do sofrimento, Jó extravasa o seu lamento clamando por inocência. O capítulo 3 ilustra o profundo lamento de Jó diante das calamidades que se abateram sobre ele. Diante das tragédias que lhe sobrevieram, Jó lamenta pelo dia em que nasceu; lamenta porque não havia nascido morto e lamenta porque ainda estava vivo!

Ethos e pathos na mensagem de Jó

Não há dúvida de que o tema da sabedoria, como, por exemplo, aquela exposta no livro de Provérbios, passa a ser contrastada com a sabedoria encontrada no livro de Jó. Enquanto Provérbios põe a sabedoria em termos morais, isto é, com o Senhor recompensando os bons e punindo os maus, Jó, por outro lado, contrasta com essa forma de crer. Daniel Estes

(2013, p. 336) destaca que

 o propósito maior do livro de Jó é demonstrar que embora a retribuição seja vista como uma verdade geral, a regra da soberania de Deus sobre o mundo não pode ser reduzida a uma fórmula rígida de retribuição.

Na contramão da Teologia da Retribuição, Jó é um poderoso discurso contra a ideia de que o justo não sofre ou passa por revezes. O livro ecoa aquilo que, tempos depois, o salmista verbalizaria no Salmo 73: “Por que os justos sofrem e os ímpios prosperam?” (ver Sl 73).

     Não há dúvida de que Jó faz contraste com a doutrina da retribuição e demonstra inquestionavelmente a condição humana frente à soberania divina. O Deus de Jó é soberano. Todavia, a sua soberania não deve transformá-lo em um algoz ou carrasco. O livro deixa claro que Ele permite Jó ser testado até o limite último, mas não para provar que era soberano ou mostrar que era Deus, mas, sim, para provar que, mesmo oculto e ficando em silêncio, Ele estava com Jó e amava-o. Em Jó, a graça às vezes está oculta, mas está lá! Foi por amor que Ele reabilitou-o, e não, simplesmente, porque era soberano e podia fazer isso. O Senhor estava interessado no relacionamento com Jó e permitiu o Diabo tocá-lo para mostrar que Jó não servia a Deus por interesse, mas também porque o amava. Nesse aspecto, o livro de Jó levanta-se como um poderoso protesto contra a frieza que o legalismo religioso produzia no universo da fé. O culto a Deus não podia ser explicado em termos de leis ou regras meramente cerimoniais ou até mesmo morais. Elas eram importantes sim, mas não eram tudo. O livro não põe o preceito acima do princípio; não põe em evidência a Lei, mas a graça. Nesse sentido, a religião não é apenas regras, mas, sobretudo, relacionamento. Dessa forma, Jó antecipa-se em muitos séculos àquilo que os profetas pregariam. Assim como Jó, os profetas viam Deus não apenas como ethos, isto é, preceitos ético-morais, mas, sobretudo, pathos, isto é, amor, coração e afeto. Deus não era apenas razão, mas também emoção.

    Aqui, a contribuição de Abraham J. Heschel (2012) — sem dúvida, um dos maiores estudiosos do fenômeno profético no antigo Israel — será de grande importância para mostrar que aquilo que em Jó apresenta-se de forma embrionária passa a ganhar corpo e forma nos profetas.9

Heschel (1907–1972), um judeu austro-americano, estudou a ocorrência da profecia entre os hebreus e no mundo antigo, e os seus estudos há muito se tornaram referência mundial na pesquisa do movimento profético antigo. Mas é, sobretudo, a sua compreensão da relação existente entre pathos e ethos e como estes norteiam a práxis profética que fornecem uma grande contribuição na compreensão desses importantes personagens da história bíblica. Heschel (1973, vol. I, p. 70) destacou que o estudo da profecia bíblica revela que a experiência dos profetas caracterizava-se pelo que ele denomina de “coparticipação com os sentimentos de Deus, uma simpatia com o pathos divino”. O pathos divino é, portanto, refletido no profeta e, consequentemente, na sua forma de agir. Nesse aspecto, Heschel destaca que a resposta do profeta à inspiração divina é a simpatia que ele demonstra por aquilo que Deus quer e sente e, também, por aquilo que a ele foi revelado.

     Julius Wellhausen (1844–1918) creditou aos profetas a criação do monoteísmo ético no antigo Israel.10 Heschel (1973, vol. II, p. 109), por outro lado, não nega a contribuição dos profetas para o monoteísmo ético, mas destaca que a sua gênese não pode ser atribuída aos profetas clássicos, pois a moralidade já era uma bandeira levantada muitos tempo antes destes. Na análise de Heschel, o perigo dessa abordagem é fazer-se separar o ethos do pathos. Por essa proposta, os profetas seriam simples mensageiros morais em oposição ao cerimonialismo ritual. Para Heschel (1973, vol. II, p. 109), a moralidade “não era a principal característica da mensagem profética”. Para ele, o ethos divino não opera sem o pathos. Heschel (1973, vol. II, p. 110) destaca:

Qualquer pensamento de uma objetividade ou uma auto-subsistência das ideias platónicas, seja a ideia da beleza ou da justiça, é estranha aos profetas. Deus é eternamente pessoal, todo sujeito. Seu ethos e pathos são um. A preocupação com a justiça, a paixão com que os profetas condenavam a injustiça, [estava] enraizada em sua simpatia com o pathos divino. A principal característica do pensamento profético é a primazia da participação de Deus na história. A história é o domínio com o qual as mentes dos profetas estão ocupadas. São movidos por uma responsabilidade para com a sociedade, por uma sensibilidade ao que o momento exige.

Isso é importante, porque, no entendimento de Heschel (1973, vol.II, p. 110), a compreensão dos profetas sobre Deus não se limitava apenas a uma “ideia” sobre Ele, mas a um entendimento dEle. Não era, portanto, um conhecimento advindo de uma investigação teórica. Os profetas não se referiam a Deus como um ser distante e inalcançável, mas como estando sempre próximo e presente. Esse relacionamento íntimo com Deus era, sem dúvida, a fonte da sua inspiração, mas não a única. Dessa forma, a compreensão do propósito de Deus para o mundo vinha da inspiração que vinha dEle e, também, da correta compreensão da história. Heschel (1973, vol. II, p. 116) destaca que “a presença e anseio de Deus falou com eles através das manifestações da história”. Isso significa que os profetas receberam o seu conhecimento primeiramente da inspiração divina que tiveram e, secundariamente, dessa mesma presença divina na história. Heschel (1973, vol. II, p. 119) destaca que essa forma de Deus revelar-se aos profetas caracteriza a relação entre o pathos e o ethos.

Para o profeta, como assinalamos, Deus não se revela numa qualidade de absoluto abstrato, mas num relacionamento pessoal e íntimo com o mundo. Ele não apenas ordena e espera pela obediência; Ele também é afetado pelo que acontece no mundo e reage de acordo. Eventos e ações humanas despertam em alegria ou tristeza, prazer ou raiva. Não é concebido como julgar o mundo e ser separado dele. Ele reage de maneira íntima e subjetiva e, portanto, determina o valor dos eventos. Como é evidente do ponto de vista bíblico, as obras do homem podem movê-lo, afetá-lo, afligi-lo ou, pelo contrário, fazê-lo feliz e contente. Essa noção de que Deus pode ser intimamente afetado, que possui não apenas inteligência e vontade, mas também pathos, define de maneira básica a consciência profética de Deus.

No seu relacionamento com Deus, o homem não se conduz de forma passiva, mas numa forma dinâmica que se constitui um desafio aberto. Não acontece em um mundo de contemplação, mas numa relação apaixonada (Heschel, vol. II, p. 120). Assim sendo, não há, portanto, uma separação entre pathos e ethos, como dois polos em constante oposição ou em movimento dialético. Para Heschel (1973, vol. II, p. 120) “não há uma dicotomia de pathos e ethos, de motivo e norma. Não existe em forma conjunta em oposição; eles implicam-se e presumem-se um ao outro”. Nas palavras de Heschel (1973, vol. II, p. 122):

Não há dicotomia de pathos e ethos, de motivo e norma. Ele não existem em forma conjunta, como estando em oposição eles implicam e pressupõem um ao outro. O pathos de Deus é ético, já que Ele é a fonte da justiça, e Seu ethos é cheio de pathos porque Deus é absolutamente pessoal, carente de algo impessoal. O pathos, então, não é uma atitude tomada arbitrariamente. Sua lei interna é a lei moral; o ethos é inerente ao pathos. Deus se importa com o mundo e compartilha seu destino. Na verdade, esta é a essência da natureza moral de Deus: Sua disposição para ter uma participação íntima na história do homem.

Por fim, Heschel (1973, vol. II, p. 123) destaca que a compreensão da teologia do pathos é capaz de mudar o entendimento que se tem dos problemas humanos. Nesse aspecto, a visão do profeta sobre o homem é a mesma que Deus tem desse mesmo homem. Deus está entrelaçado na existência humana, e, dessa forma, aquilo que os homens fazem interessa a Ele. Heschel destaca que “o pecado, a culpa, o sofrimento, não podem separar-se da situação divina. A vida de pecado é algo mais que um fracasso do homem; é a frustração de Deus” (Heschel, 1973, vol. II, p.123). Citando Deuteronômio 10.14-15, Heschel (1973, vol. II, p. 124) destaca que, jamais na história, o homem foi levado tanto a sério como no pensamento dos profetas. Na mente dos profetas, destaca Heschel (1973, vol. II, p. 124),

o homem não é apenas uma imagem de Deus; é a preocupação perpétua dele. A ideia de pathos acrescenta uma nova dimensão à existência humana. Tudo quanto o homem faça, afeta não só a sua própria vida, mas também a vida de Deus na medida em que esta é dirigida ao homem.

A grande contribuição do pensamento de Heschel é que ele não apenas ajuda a resgatar a função da profecia na sociedade hebraica, mas, sobretudo, o verdadeiro sentido da religião — o relacionamento correto com Deus. Assim como os profetas, Jó demonstra que o experimentar Deus é muito mais profundo do que o falar sobre Ele. Nesse aspecto, tanto o pathos como o ethos nos profetas e em Jó, conforme definidos por Heschel, são paradigmas da verdadeira espiritualidade. Em outras palavras, o servir a Deus dá-se em bases relacionais, e não numa forma de barganha do tipo toma lá dá cá.

                      A Fragilidade Humana e a Soberania Divina

                                 (Livro de Apoio Adulto)

          

             CONCEITO GERAL DOS LIVROS POÉTICOS

Os Salmos, Jó e os Provérbios, nas Bíblias hebraicas, formam um grupo à parte, com a denominação de Livros poéticos. Eclesiastes e Cântico dos Cânticos; e é frequente entre os estudiosos gregos bem como entre os autores modernos, estender a todos o nome de Livros poéticos. Eclesiastes possui forma poética, embora menos rigorosa. Trata-se, portanto, de um elemento comum a todos esses livros.

O que caracteriza toda a poesia hebraica é o chamado paralelismo.

Há poucas ocorrências de rimas na poesia hebraica.

A efetividade da poesia hebraica é grandemente devida à sua liberdade de abstrações. Sempre apela aos sentimentos fundamentais. No intuito de expressar seu desespero, o Salmista designa as sensações que o caracteriza com as expressões "minha garganta está seca", "meus olhos falham", "eu mergulho em profundas dificuldades e não encontro lugar firme".

O LIVRO DE JÓ

O livro de Jó é o mais destacado de todos esses esforços registrados na literatura mundial.

A narrativa trata da vida de um homem cujo nome provê o título do livro. O livro abre com um prólogo em prosa que descreve Jó como um homem rico e reto. Depois de uma série de calamidades, tudo que ele tem, incluindo seus filhos, lhe é tirado. A pergunta levantada no prólogo é se Jó vai conservar sua integridade diante de tamanho sofrimento. Somos informados que ele saiu vitorioso: Jó 2:10 - Porém ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios.

A HISTORICIDADE DO LIVRO

Com frequência, alguns perguntam: Será que Jó é um homem real? Ou, será que o livro de Jó é uma história real? Estas duas perguntas não precisam receber a mesma resposta. Que houve um Jó com a reputação de retidão é fato atestado por uma referência a ele em Ezequiel 14:14 - Ainda que estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça livrariam apenas as suas almas, diz o Senhor DEUS. É muito provável que a narrativa básica do livro tenha sido fundamentada em uma personagem real com esse nome.

LUGAR NO CÂNON

O livro de Jó faz parte da terceira divisão do cânon hebraico, o Kethubim, os hagiógrafos, ou Escritos. A ordem nessa divisão tem variado nas diferentes tradições. Atualmente Jó é colocado entre Provérbios e Cantares de Salomão (Cânticos de Salomão) no cânon hebraico. A Tradução Brasileira coloca Jó entre Ester e os Salmos, onde Jó é o primeiro dos três grandes livros poéticos.

A CONTRIBUIÇÃO TEOLÓGICA

Todos os livros da Bíblia devem ser estudados como um todo, com suas partes vistas em relação ao propósito geral do autor. Isso merece atenção especial em Jó. Suas partes não devem ser arrancadas do todo, e suas ênfases principais não devem ser cristalizados em princípios rígidos nem calibrados em proposições estreitas.

O RELACIONAMENTO DE DEUS COM O SOFRIMENTO DO CRENTE

O primeiro fato a ser lembrado é este: Deus acompanha o nosso sofrer. Satanás é o deus deste século, mas ele só pode afligir um filho de Deus pela vontade permissiva de Deus. Deus promete na sua Palavra que Ele não permitirá sermos tentados além do que podemos suportar, 1 Co. 10:13 - Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar

TEXTO EXTAÍDO : Faculdade Teológica das Assembleias de Deus

AGOSTINHO APOLINÁRIO DO CARMO

                           Lição 9 - Os Livros Poéticos

 - 01/06/2003

INTRODUÇÃO

Há uma coletânea de livros na parte dos Hagiógrafos (Escritos sagrados) do cânon judaico que denominamos em nossa cultura bíblica de Livros Poéticos. São eles: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão. Três deles são chamados de Livros Sapienciais, que significa, livros da sabedoria: Jó, Provérbios, Eclesiastes e alguns salmos. Se bem que a expressão “livros sapienciais” é também aplicada a todo o grupo de livros. Essa literatura por Deus inspirada floresceu nos dias áureos de Salomão, embora sua origem seja muito antiga (1 Rs 4.30,31; Jr 18.18; Et 1.13).

Os livros hagiógrafos, ou seja, os escritos sagrados, são a terceira porção da Bíblia hebraica, os chamados "Ketuvim", que envolvem os livros que hoje denominamos de poéticos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão) e alguns históricos (Rute, Ester, os dois livros de Crônicas, Esdras e Neemias)e proféticos (Daniel e Lamentações). Já os "Meguillot" são cinco livros que são lidos, até hoje, nas festividades judaicas: Rute (que é lido no Pentecostes), Ester (que é lido em Purim), Eclesiastes (que é lido na Festa dos Tabernáculos), Cantares de Salomão (que é lido na Páscoa) e Lamentações (que é lido em Tishá Beav, dia de jejum que lembra a destruição do templo de Jerusalém). (Pb.Caramurú).

                I.    O LIVRO DE JÓ

Veja mais comentários sobre o livro em Lições da vida de Jó

1. Sua posição no cânon judaico.

2. Autoria. Jó é considerado o livro mais antigo da Bíblia.

3. Conteúdo.

4. O impacto causado na humanidade.

5. Sua historicidade.

Autor: Desconhecido  Tema: Por Que Sofre o Justo?  Data:  Incerta

Considerações Preliminares

Jó é um dos livros sapienciais e poéticos do AT; “sapiencial”, porque trata profundamente de relevantes assuntos universais da humanidade; “poético”, porque a quase totalidade do livro está elaborada em estilo poético. Sua poesia, todavia, tem por base um personagem histórico e real (ver Ez 14.14,20) e um evento histórico e real (ver Tg 5.11).

Os fatos do livro se desenrolam na “terra de Uz” (1.1), que posteriormente veio a ser o território de Edom, localizado a sudeste do mar Morto, ou norte da Arábia (cf. Lm 4.21). Assim sendo, o contexto histórico de Jó é mais árabe do que judaico.

Há duas datas importantes relacionadas a Jó: (1) a data do próprio Jó e dos eventos descritos no livro; e (2) a data da escrita inspirada do livro. Certos fatos indicam que Jó viveu por volta dos tempos de Abraão (2000 a.C.) ou até antes. Os fatos mais destacados são:

 (1) ele ter vivido mais 140 anos após os eventos do livro (42.16), o que sugere uma duração de vida de quase 200 anos (Abraão viveu 175 anos);

(2) suas riquezas eram calculadas em termos de gado (1.3; 42.12);

(3) sua atividade como sacerdote da família, idêntica à de Abraão, Isaque e Jacó (1.5); (4) a família patriarcal como unidade social básica, semelhante aos dias de Abraão (1.4,5, 13);

(5) as incursões dos sabeus (1.15) e dos caldeus (1.17), que se encaixam na era abraâmica;

(6) o uso freqüente (trinta e uma vezes) do nome patriarcal comum de Deus, Shaddai (“O Onipotente”), e

(7) a ausência de referência a fatos da história israelita ou à lei mosaica também sugere uma era pré-mosaica (i.e., antes de 1500 a.C.).

Há três diferentes pontos de vista sobre a data da escrita deste livro.

Talvez tenha sido escrito:

 (1) durante a era patriarcal (c. 2000 a.C.), pouco depois da ocorrência dos eventos citados, e talvez pelo próprio Jó;

(2) durante o reinado de Salomão ou pouco depois (c. 950—900 a.C.), pelo fato de o estilo literário do livro assemelhar-se ao da literatura sapiencial daquele período; ou

 (3) durante o exílio de Judá (c. 586—538 a.C.), quando, então, o povo de Deus procurava entender teologicamente o significado da sua calamidade (cf. Sl 137). Se não foi o próprio Jó, o escritor deve ter obtido informações detalhadas, escritas ou orais, oriundas daqueles dias, as quais ele utilizou sob o impulso da inspiração divina para escrever o livro na feição em que o temos. Certas partes do livro vieram evidentemente da revelação direta de Deus (e.g. 1.6—2.10).

 

Propósito

O livro de Jó lida com a pergunta dos séculos: “Se Deus é justo e amoroso, por que permite que um homem realmente justo, tal como Jó (1.1, 8) sofra tanto?” Sobre esse assunto o livro revela as seguintes verdades: (1) Satanás, como adversário de Deus, teve permissão para provar a autenticidade da fé de um homem justo, por meio da aflição, mas a graça de Deus triunfou sobre o sofrimento, porque Jó permaneceu firme e constante na fé, mesmo quando parecia não haver qualquer proveito em permanecer fiel a Deus. (2) Deus lida com situações demais elevadas para a plena compreensão da mente humana (37.5). Nesses casos, não vemos as coisas com a amplitude que Deus vê e precisamos da sua graciosa auto-revelação (38—41). (3) A verdadeira base da fé acha-se, não nas bênçãos de Deus, nem em circunstâncias pessoais, nem em teses formuladas pelo intelecto, mas na revelação do próprio Deus. (4) Deus, às vezes, permite que Satanás prove os justos mediante contratempos, a fim de purificar a sua fé e vida, assim como o ouro é refinado pelo fogo (23.10; cf. 1 Pe 1.6,7). Tal provação resulta numa maior integridade espiritual e humildade do seu povo (42.1-10). (5) Embora os métodos de Deus agir, às vezes, pareçam contraditórios e cruéis (conforme o próprio Jó pensava), ver-se-á, no fim, que Ele é plenamente compassivo e misericordioso (42.7-17; cf. Tg 5.11).

Visão Panorâmica

Há cinco divisões distintas no livro de Jó: (1) o prólogo (1—2), que descreve a calamidade de Jó e a causa subjacente disso; (2) três ciclos de diálogo entre Jó e os seus três amigos, nos quais estes buscam, na mente humana, respostas para o sofrimento de Jó (3—31); (3) quatro monólogos de Eliú, um homem de menos idade que Jó e seus três amigos. Estes monólogos contêm certo vislumbre de compreensão do significado (mas não a causa) do sofrimento de Jó (32—37); (4) o próprio Deus, que fala a Jó da sua ignorância e das suas queixas e ouve a resposta de Jó à sua revelação (38.1—42.6); (5) o epílogo (42.7-17), com a restauração de Jó. O livro de Jó está escrito em forma poética, com exceção do prólogo, do trecho 32.1-6a, e do epílogo. No cap. 1, temos Jó como um homem justo e temente a Deus (1.1, 8) e o mais importante de todos do Oriente (1.3). Repentinamente, uma série de grandes calamidades destruiu seus bens, seus filhos e sua saúde (1.13-22; 2.7-10). Jó ficou totalmente desorientado, sem saber que estava envolvido a fundo num conflito entre Deus e Satanás (1.6-12; 2.1-6).

Os três amigos de Jó — Elifaz, Bildade e Zofar — chegaram para consolar Jó, mas, em vez disso, passaram a debater com ele sobre o porquê dos seus infortúnios. Insistiam que, pelo fato de Deus ser justo, os sofrimentos de Jó evidentemente eram castigos por seus pecados ocultos, e que o seu único recurso era o arrependimento. Jó rejeitou essas respostas preconcebidas, afirmou a sua inocência e confessou sua incapacidade de compreender sua situação (3—31). Eliú apresentou outra perspectiva, a saber, que o sofrimento de Jó tinha a ver com o propósito divino de purificar Jó ainda mais (32—37).Finalmente, todos se calaram, inclusive Jó, enquanto o próprio Deus falou com ele da sua sabedoria e poder como Criador. Jó confessou, arrependido e humilhado, sua ignorância e pequenez (38—41). Quando Jó arrependeu-se de estar argumentando com o Todo-poderoso, (42.5,6) e orou por seus amigos que o tinham magoado profundamente (42.8-10), foi liberto da sua prova de fogo e duplamente restaurado (42.10). Além disso, Jó foi vindicado quando Deus declarou que o patriarca tinha falado a respeito dEle “o que era reto” (42.7). Os dias subseqüentes de Jó foram mais abençoados do que os anteriores à sua aflição (42.12-17).

Características Especiais

Sete características principais assinalam o livro de Jó.

(1) Jó, um habitante do norte da Arábia, foi um não-israelita justo e temente a Deus, que talvez tenha existido antes da família de Israel, e do seu concerto com Deus (1.1).

(2) Este livro é o mais profundo que existe sobre o mistério do sofrimento do justo.

(3) Revela uma dinâmica importante, presente em toda prova severa dos santos: enquanto Satanás procura destruir a fé dos santos, Deus está operando para depurá-la e aprofundá-la. A perseverança de Jó na sua fé permitiu que o propósito de Deus prevalecesse sobre a expectativa de

Satanás (cf. Tg 5.11).

(4) O livro é de valor inestimável pela revelação bíblica que contém sobre assuntos-chaves tais como: Deus, a raça humana, a criação de Satanás, o pecado, o sofrimento, a justiça, o arrependimento e a fé.

(5) Boa parte do livro ocupa-se da avaliação teológica errônea que os amigos de Jó fizeram do sofrimento deste. A repetição freqüente desta avaliação errônea no livro talvez indique tratar-se de um erro comum entre o povo de Deus; erro este que exige correção.

 (6) O papel de Satanás como “adversário” dos justos, o livro de Jó o demonstra mais do que em qualquer outro livro do AT. Entre as dezenove referências nominais a Satanás no AT, quatorze ocorrem em Jó.

 (7) Jó demonstra com toda clareza o princípio bíblico de que os crentes são transformados pela revelação, e não pela informação (42.5,6).

O Livro de Jó e Seu Cumprimento no NT

O Redentor a quem Jó confessa (19.25-27), o Mediador por quem ele anseia (9.32,33) e as respostas às suas perguntas e necessidades mais profundas, todos têm em Jesus Cristo o seu cumprimento. Jesus identificou-se inteiramente com o sofrimento humano (cf. Hb 4.15,16; 5.8), ao ser enviado pelo Pai como Redentor, mediador, sabedoria, cura, luz e vida. A profecia da parte do Espírito sobre a vinda de Cristo, temo-la mais claramente em 19.25-27. Menção explícita de Jó, temos duas vezes no NT: (1) Uma citação (5.13, em 1 Co 3.19) e (2) uma referência à perseverança de Jó na aflição e o resultado misericordioso da maneira de Deus lidar com ele (Tg 5.11). Jó ilustra muito bem a verdade neotestamentária de que quando o crente experimenta perseguição ou algum outro severo sofrimento, deve perseverar firme na fé e continuar a confiar naquele que julga corretamente, assim como fez o próprio Jesus quando aqui sofreu (1 Pe 2.23). Jó 1.6—2.10 é o mais detalhado quadro do nosso adversário, juntamente com 1 Pe 5.8,9.

TEXTO EXTRAÍDO :  R. Laird Harris

Doutor em Filosofia e Letras



 

 

 

 




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