segunda-feira, 2 de março de 2020

Lição 10: Só o Evangelho muda a Cultura Humana

                                          

TEXTO ÁUREO

Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1Ts 1.9).

VERDADE PRÁTICA

Em consequência do pecado, não há culturas inocentes nem inofensivas, mas todas elas podem ser transformadas pelo Evangelho de Cristo.



Capítulo 10

Só o Evangelho Muda a Cultura Humana

D
e vez em quando, volto à cidade onde fui criado. E, ali, na bela e ainda aprazível São Bernardo do Campo, revejo amigos e coopero com a igreja de minha infância. Mas, desde que me transferi para o Rio de Janeiro, em 1984, para trabalhar na Casa Publicadora das Assembleias de Deus, muita coisa mudou tanto lá quanto aqui. Ao transitar por aquela cidade do ABC paulista, deparo-me com um município já desfigurado pelo desordenamento urbano. Em suas ruas e praças, dantes tão bonitas e tão bem cuidadas, percebo, aqui e ali, as marcas da incivilidade.

Não faz muito tempo, vi, bem no centro dessa cidade, um edifício clássico impiedosamente pichado; de alto a baixo, todo sujo de rabiscos, frases desconexas e marcas indecifráveis. Lamentavelmente, toda essa sujidade é classificada de cultura urbana por muitos “formadores de opinião”. Se tal coisa é cultura, o que está acontecendo à civilização brasileira?

Antes de respondermos a essa pergunta, estudaremos a cultura humana por meio do prisma da Bíblia Sagrada. Nosso intento é mostrar que nenhuma cultura pode ser tida como neutra, ou inofensiva, porque todas elas acham-se contaminadas pela apostasia de Adão.

 Em seguida, veremos a cultura humana como o abrigo do homicídio, do sexo depravado, da usura e da rebelião contra Deus. Mas a boa notícia é que o Evangelho de Cristo é capaz de transformar qualquer cultura ou civilização.

Quanto a nós, Igreja de Cristo, não nos conformemos com este mundo a exemplo do que zeram Israel e Judá. Ambos os reinos, por assimilarem as impurezas de culturas pagãs, foram desarraigados de sua herança e dispersos entre as nações. Mantenhamos, então, nossas propriedades como povo de Deus. Sejamos santos até mesmo em nossas manifestações culturais. Doutra forma, jamais veremos o Senhor.

Que o Espírito Santo nos ilumine no estudo deste tema tão imprescindível aos nossos dias.

I. O que É a Cultura

A partir da definição de cultura, veremos que o ser humano foi criado para produzir cultura, a partir da criação divina. Neste contexto, veremos, ainda, a diferença entre a cultura dos gentios e a do povo de Deus.

1. Definição de cultura.

No princípio, a cultura tinha a ver apenas com o cultivo da terra, visando tão somente a produção de alimentos (Gn 4.2). Depois, passou a ser vista como a soma de todas as realizações humanas: espirituais, intelectuais, materiais, etc. Semelhante tarefa foi considerada enfadonha por Salomão (Ec 1.1-13).

 A cultura pode ser definida, outrossim, como a visão de mundo frente às reivindicações divinas (Lv 20.23).

As primeiras manifestações culturais da humanidade foram a pecuária e a agricultura. O autor sagrado relata que Caim e Abel, seguindo o ordenamento do Senhor, passaram a trabalhar sistematicamente a terra e as suas riquezas (Gn 4.1,2). O primeiro dedicou-se à agricultura. Quanto ao segundo, afez-se aos gados. E, a partir de ambas as atividades, a cultura humana começou a desenvolver-se, pois tais atividades requerem arte, método, ciência e tecnologias. Dessa forma, um ofício passou a requerer outro ofício e uma profissão a demandar outra profissão, até que toda a cadeia produtiva veio a completar-se.

Não demorou para que, em torno da agricultura e da pecuária, surgissem guildas e associações. E, para que estas fossem mantidas, seus membros criaram tradições orais, compuseram toadas, cantigas e engenharam muitos “causos” interessantes ao redor das fogueiras. Anal, careciam de certa mística para assegurar a continuidade de seu ganha pão diário.

Com o passar dos séculos, alguns se zeram literatos; de suas lidas, forjaram poesias e romances. Outros se tornaram filósofos; quiseram saber por que o homem tem de afadigar-se tanto sob o sol. Quanto aos mais práticos, foram incrementar suas ferramentas e técnicas; zeram-se cientistas. E, em todo esse azáfama, surgiu a medicina para curar as feridas do corpo e as chagas da alma.

Transcorridos já dois milênios, aquelas atividades-matrizes — a agricultura e a pecuária — geraram centenas de profissões e milhares de atividades econômicas. E, no encalço destas, amadureceram a arte, a literatura, a ciência e as tecnologias atuais. Foi assim que a cultura humana chegou até aos nossos dias: de Adão a Noé, e dos lhos destes aos nossos pais; conhecimentos e práticas transmitidos de geração a geração.

A cultura, em si, querido leitor, não é pecaminosa. Mas o uso que dela fazemos tanto pode glorificar a Deus quanto levar-lhe o nome a mais grosseira blasfêmia. Somos capazes de moldar o bisturi para a cirurgia ou a espada para a guerra fratricida. E, com papel e tinta, compomos um hino de louvor ao Eterno, ou redigimos uma calúnia a m de arruinar a mais ilibada das biografias. Logo, há uma diferença bem nítida entre a cultura dos lhos de Deus e a dos gentios. O Espírito Santo, em nossas atividades, faz toda a diferença. 2. A cultura dos gentios.

Por haverem perdido o verdadeiro conhecimento de Deus, que lhes havia transmitido o patriarca Noé, logo após o Dilúvio, os seres humanos passaram a adorar a criatura em lugar do Criador (Rm 1.18-25). E, a partir daí, puseram-se a imaginar coisas vãs e soberbas (Gn 11.6; Sl 2.1).

Hoje, a antropologia cultural vê, como meros fenômenos sociológicos e culturais, a prostituição, o homicídio, a corrupção e até mesmo o infanticídio (2 Rs 23.7; Lv 20.1-5; Ed 9.11).

Todas essas iniquidades e pecados vêm lindamente empacotados pela indústria cinematográfica. Para cada faixa etária, um pacote diferente e atrativo. Nessa depredação de valores, as crianças, os adolescentes e os jovens são os mais prejudicados. Às mentes em formação são oferecidos contos de fada aparentemente inofensivos, mas, no cerne dessas produções, acham-se a morte espiritual, a ruína mental e o comprometimento emocional. Cuidemos de nossos pequeninos. Satanás odeia as nossas crianças.

 Além dos filmes direcionados ao público infanto-juvenil, há os entretenimentos feitos sob medida para os adultos. Tais atrações, veiculadas em todas as telas, promovem o adultério, a prostituição, os costumes de Sodoma, a corrupção e o homicídio. Embora tais pecados sejam virtuais, suas penalidades, no Juízo Final, serão tão reais como o Lago de Fogo, que o Senhor preparou para o Diabo e os seus anjos (Mt 25.41). A cultura do povo de Deus não se coaduna com tais coisas; nossos valores encontram-se nas Escrituras Sagradas.

Infelizmente, há um segmento da cristandade que apregoa: “Fora da cultura, não há salvação”. Por isso, seus defensores lutam por impedir que o Evangelho de Cristo não chegue aos nossos índios. Mas a ordem de Nosso Senhor é: “Ensinai todas as nações”. Não somos contra a cultura, em si. Todavia, não podemos idolatrá-la; a ordem de Cristo é soberana. A Mensagem da Cruz transforma a cultura sem destruir-lhe os legítimos valores.

3. A cultura do povo de Deus.

 A visão do povo de Deus, quanto à cultura, tem como fundamento a Bíblia Sagrada, a inspirada, inerrante e completa Palavra de Deus (2 Tm 3.16,17). Por essa razão, tudo quanto fazemos tem como base esta proposição: a Terra é do Senhor (Sl 24.1). Haja vista os lhos de Israel. Eles consagravam a Deus até mesmo suas colheitas (Lv 23.10).

Portanto, tudo quanto zermos tem de ser aferido por este mandamento apostólico: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31).

Por essa razão, zelemos por todos os aspectos de nossa vida. Na promoção de uma festa, seja em casa seja na empresa, evitemos o uso de bebidas fortes. Embora alguns crentes achem lícito a sua ingestão, é algo inconveniente; pouco a pouco, acabará por nos arruinar o testemunho cristão. Já ouvi falar de um obreiro que, depois de um encontro social regado a álcool, acordou no dia seguinte numa cama, que não era sua, num quarto que lhe era totalmente estranho e ao lado de uma mulher, que não era a sua amada esposa.

Ainda que pareça cultural e até elegante participar de uma rodada de bebidas alcoólicas com os colegas de trabalho, tenhamos, no coração, todas as cláusulas do Salmo Primeiro. Desde já, que este alerta jamais nos deixe a alma e o espírito: não nos convém a roda dos escarnecedores. O Inferno, querido irmão, está cheio de gente requintada e na que, para agradar aos ímpios, renegou a sua cruz e cometeu torpezas e desatinos. Que o Senhor nos guarde de tais ocasiões.

Senhor, enche-nos do teu Santo Espírito.

 II. Uma Cultura Dominada pela Iniquidade

O homem foi posto no Éden, para lavrar a terra e fazer cultura, a partir da criação divina (Gn 1.26; 2.5). Mas, devido ao pecado, toda a cultura humana pôs-se contra Deus.

 1. A cultura original.

Se a Terra é do Senhor, todos deveriam saber que, neste mundo, não passamos de servos de Deus (Sl 24.1). Logo, tudo quanto produzimos deveria ser um reflexo da glória do Criador. Se não tivéssemos caído em pecado, nossa cultura seria uma extensão da divina. Mas, por causa da Queda, a humanidade passou a trabalhar contra Deus (Ec 7.29).

Os que se dão às chamadas “belas artes” esquecem-se de algo primacial: toda matéria-prima que utilizam, para dar forma e beleza aos seus trabalhos, foi criada pelo Senhor. Alguns, utilizando-se de uma árvore frondosa, talham uma gura que, depois de ridiculamente acabada, chamam-na de deus e, diante dela, curvam-se, renegando o Deus Único e Verdadeiro. Outros, vasculham a marmoraria à procura de um bloco perfeito. E, depois, manejando martelo e buril, gizam uma silhueta, às vezes, desproporcional e incensam-na como a divindade das divindades. Outros ainda, mais abastados, compram bronze, prata e ouro e, fundindo o primeiro, e batendo ritmadamente o segundo e o terceiro, criam um misto de homem, ave e réptil. E, perante essa abjeção, humilham-se e, num estágio de completa loucura, até seus pequeninos lhe oferecem, a m de aplacar a ira de um deus que não vê, que não ouve, que não anda e sequer pode castigar seus tolos adoradores.

Com o decorrer do tempo, tais deuses acabam por se perder entre os escombros das civilizações que os criaram. Depois de alguns séculos, aparece um arqueólogo que, na ânsia por estudar o passado, conturba o presente com o achamento dessas abominações. Em seguida, após classificá-las, remete-as para algum espaço de memória como se fossem patrimônio da humanidade. O que muita gente ignora é que os deuses expostos solenemente nos museus, até genocídios inspiraram, porquanto os seus criadores eram violentos e sanguinários.

2. A cultura do homicídio.

Como resultado da apostasia de Adão, o homicídio é rapidamente incorporado à cultura humana. Haja vista que Lameque, como já citado, para celebrar a morte de dois homens escreveu um poema (Gn 4.23).

Os heróis daquele tempo eram os vilões que se davam à opressão e à matança (Gn 6.4, 11). Hoje, vemos aqueles dias replicarem-se em todos os segmentos sociais; a cultura da morte não mudou. O que dizer do aborto, da eutanásia e da cruel indiferença ao próximo?

3. A cultura do erotismo.

 O erotismo também impregnou rapidamente a cultura humana; o casamento foi logo banalizado (Mt 24.37-39). A lassidão moral, iniciada pelo homicida Lameque, fez-se cultura. A promiscuidade precisou apenas de um exemplo a m de espalhar-se. Que Deus tenha misericórdia de nossa geração.

4. A cultura do consumo irrefreado.

A cultura do mundo pré-diluviano, quanto ao consumo desenfreado, em nada diferia da nossa. Naquele tempo, as pessoas, já tomadas pela apostasia, não faziam outra coisa senão comer e beber (Mt 24.37,38). Hoje, se gasta exageradamente naquilo que não satisfaz; é o consumo pelo consumo (Is 55.2). Eis o resultado de toda essa gastança: famílias endividadas e muita gente à beira da miséria. Sejamos providos, e não pródigos.

III. A Cultura Evangélica Atual

Quando meus pais aceitaram Jesus, mal sabiam eles assinar o nome. Mas, como bons crentes, logo passaram a ler a Bíblia Sagrada e a cantar os hinos da Harpa Cristã. Não demorou para que, vencida essa barreira, viessem a ler bulas de remédio, jornais e revistas. A fé evangélica ajudou-os inclusive social e culturalmente. A Palavra de Deus, querido leitor, faz toda a diferença na vida de um ser humano.

Perguntamo-nos, às vezes, por que a civilização norte-americana veio a desenvolver-se mais depressa do que a brasileira. Se lermos a história de ambas, deparar-nos-emos com uma resposta simples, mas desconcertante para os inimigos do Cristianismo. Os Estados Unidos foram estabelecidos, tendo como livro-texto a belíssima Bíblia King James, ou Rei Tiago, ao passo que o Brasil, em que pesem o brilho e as conquistas lusíadas, não tiveram a mesma ventura.

 A fé cristã trazida para cá, por Cabral e Martin Afonso de Souza, no princípio do século XVI, não passava de uma extensão armada do expansionismo português; os religiosos que os acompanhavam eram mais soldados do que sacerdotes. Nosso país só viria a conhecer o cristianismo evangélico, a partir dos idos de 1800, com a chegada dos primeiros missionários protestantes. Apesar de aportarem por aqui, tardiamente, lograram impulsionar não apenas as letras sagradas, mas também as seculares. Suas instituições de ensino subsistem até aos dias de hoje; são um exemplo de excelência e amor pelo saber.

Neste capítulo, faremos uma rápida análise da cultura evangélica atual. Veremos até que ponto nossas letras, música, arquitetura e liturgia foram afetadas pelo deus do presente século.

1. As letras evangélicas.

Repousa-me no coração um carinho muito grande pelo jornal Mensageiro da Paz. Foi neste periódico, querido leitor, que me iniciei nas letras evangélicas. Por isso, de vez em quando, ponho-me a folhear os exemplares antigos do órgão oficial de nossa igreja. Conhecido como o “evangelista silencioso”, esse mensário, que já circulava pelo Brasil por volta de 1930, não demorou a firmar-se como referência jornalística e literária até mesmo entre as igrejas históricas.

Já nas primeiras décadas de sua existência, seus colaboradores faziam questão de primar por uma linguagem correta, bela e que honrasse a língua portuguesa. Eles sabiam que o seu ministério incluía, além do zelo pela sã doutrina, o labor literário; sua preocupação estética já era notória.

Até a década de 1970, o principal articulista do Mensageiro da Paz era o jornalista Emílio Conde. Seu estilo, posto que simples, era meigo e profundo. Não sei quantos livros desse querido irmão cheguei a ler. Aliás, quem não conhece a sua História das Assembleias de Deus no Brasil? O apóstolo da imprensa evangélica pentecostal abriu generosos caminhos às nossas letras. Nascido na cidade de São Paulo, em 1901, veio a falecer no Rio de Janeiro, em 1971. Esse grande literato é lembrado, hoje, por uma instituição que ainda virá a fazer história entre nós — a Casa de Letras Emílio Conde. Para quem não sabe, o irmão Emílio (carinhosamente falando) foi o primeiro funcionário a ser registrado na Casa Publicadora das Assembleias de Deus no Brasil.

Tendo em vista a importância doutrinal, histórica e literária da CPAD, não cesso de orar para que a nossa querida editora preserve a sua vocação de guardiã da sã doutrina, da linguagem impecável e das belas letras. Mantenhamos a excelência de nossas publicações. Se não o fizermos, perderemos este maravilhoso castiçal que nos entregou o Senhor Jesus, desde que, por aqui, chegaram Daniel Berg e Gunnar Vingren.

Hoje, mercê de Deus, somos conhecidos também como a editora da Escola Dominical.

As Assembleias de Deus no Brasil têm sido um exemplo para as letras evangélicas. De nossa Casa Publicadora, saíram muitos literatos, que, cruzando as fronteiras denominacionais, vieram a honrar-nos grandemente. Lembro, aqui, o poeta Joanyr de Oliveira e o romancista João Pereira de Andrade e Silva. Repousando ambos, agora, nos braços do Pai Celeste, deixaram um grande legado à nossa literatura.

Os crentes de minha geração lembram-se, ainda, dos concursos de poesia das décadas de 1970 e 1980; um concurso, aliás, que envolveu também os vates portugueses. Outrossim, deixo, neste pequeno espaço de recordações, a minha homenagem ao pastor Antonio Gilberto. Nosso amado teólogo e mestre foi usado extraordinariamente por Deus a m de divulgar o valor, o alcance e a urgência da Educação Cristã. Além de ser um doutor na Palavra de Deus, era um ensinador de comprovada excelência.

Aos que labutam nas letras evangélicas, deixo, aqui, o meu humilde e despretensioso conselho. Não almejem as glórias mundanas. Em seus livros e tratados, escrevam apenas o que convém à sã doutrina. Jamais deixem de honrar àquEle que inspirou a Bíblia Sagrada — o Livro dos livros. Conquanto seja glorioso fazer parte de uma instituição, como a Academia Brasileira de Letras, não se esqueça de que a nossa real academia é a congregação de nossos leitores e dos que, dia e noite, intercedem por nós, encorajando-nos a cumprir, de forma cabal e santa, o ministério que nos confiou o Senhor Jesus Cristo. E, à semelhança do salmista, que este seja o nosso compromisso como operários das letras evangélicas: “De boas palavras transborda o meu coração. Ao Rei consagro o que compus; a minha língua é como a pena de habilidoso escritor” (Sl 45.1, ARA).

Se formos zelosos e éis ao ministério da página impressa, conforme o Senhor Jesus o requer, a nossa literatura continuará a ser bem melhor do que a secular. Além do mais, temos a Bíblia Sagrada como modelo de perfeição espiritual e beleza literária; ela é a inspirada, a inerrante, a infalível, a absoluta e completa Palavra de Deus. E, assim, o Espírito Santo não nos faltará com a sua iluminação.

2. A música sacra.

Fui criado numa igreja que mantinha um excelente ministério de música. Ali, na Assembleia de Deus em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a boa música sacra fazia parte de nosso cotidiano litúrgico. O evangelista Walter de Morais regia a banda. E o presbítero Brás (querido amigo!) encarregava-se do coral. Ambos já estão com o Senhor Jesus. Até os nossos corinhos e cânticos avulsos tinham qualidade, beleza e um forte conteúdo bíblico.

 Dois belos hinários marcaram-me a infância, a adolescência e a juventude. O primeiro era a Harpa Cristã. Enquanto a banda tocava os hinos de nosso saltério ocial, abriam-se os Céus e o Pentecostes replicava-se, ali, naquele santuário ainda pequeno e simples, com batismos no Espírito Santo, línguas estranhas, curas divinas e dons espirituais. O hino 224 fazia-me chorar, porque, ao ouvi-lo, sentia o chamado divino ao Santo Ministério.

O segundo hinário, igualmente belo e tocante, eram os Coros Sacros de Arthur Lakschevitz. Se você, querido leitor, pertence à minha faixa etária, certamente lembrar-se-á de hinos como “Se mais eu pudesse, meu Deus, te louvar” e “O novo Céu”. Essas joias da música sacra fazem parte do repertório desse maravilhoso hinário, que os nossos corais entoavam em quase todos os cultos. A propósito, onde andam os Coros Sacros? Nos sebos, ainda é possível achar algum exemplar surrado, cheio de história e pleno de galardões.

Com o decorrer dos tempos, os saltérios ociais foram sendo pendurados nos salgueiros da modernidade. E, hoje, em muitas igrejas não se cantam mais a Harpa Cristã, o Cantor Cristão e os Salmos Hinos. Ao mesmo tempo, assistimos a uma invasão de “louvores” vazios da Bíblia e cheios de modernices e tralhas pós-modernas, cujo objetivo é esvaziar o culto cristão de seu real signicado: exaltar a Deus, e não ao homem. Às vezes, esses “momentos de adoração” são tão extensos, que chegam a engolir o tempo da mensagem. É uma repetição tão monótona que, em nada, difere dos mantras orientais.

Alguém já disse que os louvores modernos, que nos vêm invadindo as igrejas desde as décadas de 1980, fazem parte de uma estratégia globalista, objetivando enfraquecer a proclamação da genuína fé evangélica. Eu não sei até que ponto tal informação corresponde à verdade. De uma coisa, porém, não tenho dúvida: a igreja evangélica continua a perder os seus atributos como a comunidade adoradora por excelência. Para revertermos tal situação, é urgente tomarmos algumas iniciativas.

Antes de tudo, é imperioso voltarmos à forma de adoração prescrita na Bíblia Sagrada. Em sua carta aos efésios, o apóstolo ordena-nos a adotar este modelo de culto (Ef 5.15-21, ARA).

Voltemo-nos à Harpa Cristã e aos Coros Sacros. Tiremos nossos saltérios dos salgueiros. Libertemo-nos desse cativeiro pós-moderno, que, sob a aparência de piedade, intenta escravizar todo o nosso patrimônio espiritual — do genuíno sermão evangélico ao autêntico louvor pentecostal. Invistamos na boa música. Mantenhamos nossas orquestras. Fundemos conservatórios musicais. Consertemos os instrumentos quebrados. E, finalmente, chamemos de volta os fiéis e sinceros servos da música que, inspirada na Palavra de Deus, sempre haverá de enaltecer o Deus da Palavra. Louvo a Deus pelas igrejas que, ainda, cultivam a bela música sacra; esta, além de cantar nossas doutrinas, enleva-nos a alma ao trono da graça. Infelizmente, outras igrejas, deixando-se enfeitiçar pelo culto de Balaão, transformaram-se em boates e casas noturnas. Suas reuniões, realizadas às escuras e embaladas por danças sensuais, lançam adolescentes e jovens no Lago de Fogo. Que os idosos também se cuidem, pois o pecado não escolhe faixa etária.

Chega! Não nos conformemos com a cultura deste mundo. Antes, transformemo-la pelo poder irresistível do Evangelho de Cristo.

3. A liturgia decente.

Se a música não for boa, a liturgia do culto será péssima. Por esse motivo, os reis Davi e Salomão organizaram meticulosamente os levitas, visando a solenidade, espiritualidade e decência do culto ao Senhor. O zelo de ambos os monarcas foi tão grande pelas coisas de Deus, que, quando Salomão presidiu a inauguração do Santo Templo, a glória divina manifestou-se de tal forma, naquele santuário, que os sacerdotes mal podiam suster-se de pé (1 Rs 8.11).

 Aqui, cabe uma pergunta: “Será que, hoje, podemos ter um culto semelhante ao que Salomão prestou ao Senhor?”. É possível, é desejável e é necessário. Eu mesmo já participei de reuniões, nas quais os Céus precipitavam-se à Terra. Aliás, hoje, na atual dispensação, podemos e devemos ter cultos ainda mais avivados, porque o Senhor acha-se a derramar do seu Espírito Santo sobre toda a carne, conforme profetizou Joel (Jl 2.28-31). Mas, para que isso ocorra, temos de apresentar-lhe um culto vivo, solene e decente, e que não ofenda ao seu Espírito. E que o Consolador tenha liberdade para agir como bem lhe aprouver. Cuidado com bizarrices que, a pretexto de manifestações pentecostais, não passam de espetáculos deprimentes.

O culto, embora não pareça, faz parte de nossa cultura. Eis por que a rainha de Sabá, ao frequentar a Casa do Senhor, em Jerusalém, glorificou a Deus pelo que viu, pelo que ouviu e, principalmente, pelo que sentiu — a presença de Deus.

IV. O Evangelho Transforma a Cultura

Agora, precisamos responder a esta pergunta: “É possível transformar uma cultura dominada pela iniquidade?”.

1. Jesus nasceu num contexto cultural.

 Nenhum homem é capaz de viver à parte de uma cultura; somos seres culturais. Aliás, o próprio Filho de Deus, quando de sua encarnação, foi acolhido numa sociedade dominada por três grandes culturas — a judaica, a grega e a romana (Jo 19.20). Todavia, a sua mensagem transformou milhões de pessoas oriundas de todas as culturas do mundo, conduzindo-as a viver num só corpo (Rm 10.12).

2. O Evangelho transforma a cultura.

Conquanto não nos seja possível converter toda uma sociedade, podemos influenciá-la com a mensagem do Evangelho. Haja vista o que aconteceu em Éfeso, durante a terceira viagem missionária de Paulo (At 19.19).

Sempre que há um avivamento, prostíbulos e antros são fechados enquanto igrejas são abertas. Se quisermos, de fato, transformar o nosso país, devemos evangelizá-lo de acordo com o modelo de Atos dos Apóstolos (At 1.8).

3. Corinto, um exemplo de cultura influenciada pelo Evangelho.

Corinto era uma das cidades mais promíscuas no período do Novo Testamento. Não obstante, Paulo, ao levar-lhe o Evangelho, resgatou preciosas almas aprisionadas a um contexto moralmente enfermiço (1 Co 6.9-11).

Apesar de seus graves problemas, a igreja coríntia detinha todos os dons espirituais (1 Co 1.7). O mais importante, porém, é que os seus membros, dantes escravizados por Satanás, eram agora chamados de santos em Jesus Cristo (1 Co 1.1,2).

Conclusão

 A cultura atual em nada difere da pré-diluviana. No entanto, podemos influenciá-la através da pregação do Evangelho de Cristo. Se levarmos a sério a promessa de Atos 1.8, viremos não apenas a influenciá-la, mas igualmente transformá-la. Anal, somos o sal da terra e a luz do mundo. Somente a Igreja de Cristo reúne essas propriedades tão raras para abalar as estruturas deste mundo que jaz no Maligno.

Sejamos santos. Evangelizemos e façamos missões! É a ordem de Cristo. Nós podemos transformar a cultura da sociedade atual, como fez o apóstolo Paulo em Tessalônica: “Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Ts 1.9). Os irmãos tessalonicenses, que dantes eram escravos de uma cultura idólatra e pecaminosa, esperavam, agora, ansiosos e firmes, a vinda do Senhor Jesus.

É chegada a hora de voltarmos a influenciar a cultura do Brasil. De que forma? Evangelizando e fazendo missões.

Claudionor de Andrade. A Raça Humana - Origem, Queda e Redenção


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                    O EVANGELHO E A CULTURA

7. Conversão e Cultura

Temos pensado nas relações entre conversão e cultura de duas ma­neiras. Primeiro, que efeito é produzido pela conversão na situação cultural dos conversos, na sua maneira de pensar e agir, e em suas ati­tudes para com seu ambiente social? Segundo, qual o efeito que nos­sa cultura tem produzido em nossa compreensão da conversão? Am­bas as perguntas são importantes. Mas queremos dizer de imediato que alguns elementos da nossa visão evangélica tradicional da conver­são são mais culturais do que bíblicos e, por isso, precisam ser desa­fiados. Com freqüência pensamos em conversão como sendo uma cri­se, ao invés de vê-la também como processo. Ou a temos visto em grande parte como uma experiência particular, esquecendo suas con­seqüentes responsabilidades públicas e sociais.
a. A natureza radical da conversão
Estamos convencidos de que a natureza radical da conversão a Jesus Cristo precisa ser reafirmada na igreja contemporânea. Pois sempre corremos o risco de trivializá-la, como se não fosse mais do que uma mudança superficial, uma simples auto-reforma. Mas os au­tores do Novo Testamento falam da conversão como a expressão externa de uma regeneração ou um novo nascimento pelo Espírito de Deus, uma recriação e uma ressurreição da morte espiritual. O conceito de ressurreição parece particularmente importante. A res­surreição de Jesus Cristo de dentre os mortos foi o começo da nova criação de Deus e, pela graça de Deus através da união com Cristo, temos participado dessa ressurreição. Ingressamos, portanto, numa nova era, e já experimentamos seu poder e gozo. Essa é a dimensão escatológica da conversão cristã. Conversão é uma parte integrante da Grande Renovação iniciada por Deus, e que será conduzida a um clímax triunfante quando Cristo vier em sua glória.
A conversão envolve também uma ruptura tão completa com o passado, que dela só se fala em termos de morte. Fomos crucifica­dos com Cristo. Através de sua cruz morremos para o mundo sem Deus, para sua perspectiva e seus padrões. Como quem se despe de uma roupa suja, também "nos despimos" do velho Adão, nossa antiga e decaída humanidade. E Jesus nos advertiu para o fato de que essa ruptura em relação ao passado pode envolver dolorosos sacrifícios, mesmo a perda da família e das posses pessoais (p. ex., Lc 14: 25ss)
É de vital importância inter-relacionarmos os aspectos negativos e positivos da conversão: morte e ressurreição, o despir-se do velho e o vestir-se do novo. Pois nós, que morremos, estamos vivos nova­mente, mas vivendo agora uma nova vida em Cristo, para Cristo e sob o senhorio de Cristo.
b. O senhorio de Jesus Cristo
Está claro, para nós, que o significado fundamental da conver­são é uma mudança de lealdade. Outros deuses e senhores (ídolos, todos) tiveram domínio sobre nós. Mas agora Jesus Cristo é Senhor. O princípio que governa a vida do converso é o fato de que ela é vivida sob o senhorio de Cristo ou (o que vem a dar no mesmo) é vivida no Reino de Deus. A autoridade de Cristo sobre nós é to­tal. De maneira que essa nova lealdade libertadora conduz inevi­tavelmente a uma reavaliação de cada aspecto de nossas vidas e, em particular, de nossa cosmovisão, nossa conduta e nossas rela­ções.
Primeiro, nossa cosmovisão. Estamos de acordo em que o cerne de toda cultura é alguma forma de "religião", mesmo que seja uma religião irreligiosa, como o marxismo. "Cultura é religião tornada visível" (J. H. Bavinck). E "religião" é um conjunto de crenças e valores. Por esta razão, estamos usando "cosmovisão" como ex­pressão equivalente. A verdadeira conversão a Cristo há de desafiar o cerne de nossa herança cultural. Jesus Cristo insiste em deslocar do centro de nosso mundo qualquer ídolo que se tenha anterior­mente instalado aí, ocupando Ele próprio o trono. Essa é a radical mudança de lealdade que constitui a conversão ou, pelo menos, seu início. Então, uma vez que Cristo tomou seu justo lugar, tudo o mais começa a mudar. As ondas de impacto vão do centro para a circunferência. O convertido tem de repensar suas convicções funda­mentais. Isso é metanoia, "arrependimento", visto como mudan­ça de atitude, a substituição da "Vontade da carne" pela "mente de Cristo". Naturalmente, o desenvolvimento de uma cosmo visão cristã integrada pode levar uma vida inteira mas. em essência, está lá desde o início. Se crescer, as conseqüências explosivas não pode­rão ser preditas.
Segundo, nossa conduta. O senhorio de Jesus desafia nossos pa­drões morais e nosso estilo de vida ético. A rigor, isso não é "arre­pendimento", mas antes o "fruto digno do arrependimento" (Mt 3: 8), ou seja, a mudança de conduta que resulta de uma mudança de perspectiva. Tanto nossa mente como nossa vontade devem sub­meter-se em obediência a Cristo (cf. 2 Co 10:5; Mt 11:29, 30; Jo 13: 13).
Ouvindo casos específicos de conversão, ficamos impressiona­dos em ver a primazia do amor na experiência do novo convertido. A conversão liberta tanto da introversão, que está preocupada de­mais consigo própria para se preocupar com outros, como do fata­lismo, que considera impossível ajudá-los. A conversão é espúria se não nos liberta para o amor.
Terceiro, nossas relações, Embora o convertido deva fazer o má­ximo para evitar uma ruptura com a nação, tribo ou família, sur­gem algumas vezes conflitos dolorosos. Está claro também que a conversão envolve a transferência de uma comunidade para outra, isto é, de uma humanidade decaída para a nova humanidade de Deus. Isso aconteceu desde o início, no dia de Pentecostes: "Salvai-vos desta geração perversa", foi o apelo de Pedro. De maneira que os que receberam sua mensagem foram batizados na nova socieda­de, dedicaram-se à nova comunidade e descobriram que o Senhor continuava a acrescentar "dia a dia, os que iam sendo salvos" (At 2:40-47). Ao mesmo tempo, sua "transferência" de um grupo para outro significava, antes de tudo, que eles eram espiritualmente dis­tintos, não socialmente segregados. Eles não abandonaram o mundo. Pelo contrário, ganharam um novo compromisso com ele (e para ele partiram), e se envolveram nele a fim de que pudessem testemu­nhar e servir.
Todos nós deveríamos alimentar grandes esperanças de radicais conversões em nossos dias, envolvendo convertidos em um novo es­pírito, uma nova forma de vida, uma nova comunidade e uma nova missão. Tudo isso sob o senhorio de Cristo. Contudo, sentimos ago­ra necessidade de esclarecer alguns pontos.
c. O convertido e sua cultura
A conversão não deve "desculturalizar" o convertido. Na verdade, como temos visto, sua lealdade agora pertence ao Senhor Jesus, e todas as coisas do seu contexto cultural devem submeter-se ao es­crutínio do Senhor. Isso se aplica a toda a cultura, não somente às culturas hindu, budista, islâmica ou animística, mas também à cul­tura cada vez mais materialista do Ocidente. A crítica pode produzir uma colisão, á medida que elementos da cultura forem submetidos ao juízo de Cristo e tiverem de ser rejeitados. Nesse ponto, como reação, o convertido pode tentar adotar a cultura do evangelista em lugar da sua. Deve-se resistir firme mas carinhosamente a essa tenta­tiva.
Dever-se-ia estimular o convertido para que visse suas relações com o passado como uma combinação de ruptura e continuidade. Por mais que os novos convertidos sintam que precisam renunciar por amor de Cristo, ainda são as mesmas pessoas, com a mesma herança e a mesma família. "A conversão não desfaz; ela refaz." É sem­pre trágico, embora seja às vezes inevitável, quando a conversão da pessoa a Cristo é interpretada por outros como traição às suas ori­gens culturais. Se possível, a despeito do conflito com sua cultura, os novos convertidos deveriam procurar identificar-se com as ale­grias, esperanças, dores e lutas de sua cultura própria.
Testemunhos específicos mostram que os convertidos freqüen­temente passam por três estágios: (1) "rejeição" (quando se vêem a si próprios como "novas pessoas em Cristo" e repudiam tudo que es­tá associado a seu passado); (2) "adaptação" (quando descobrem sua herança étnico-cultural, e sofrem a tentação de comprometer sua no­va fé cristã com essa herança); e (3) o "reestabelecimento da identi­dade" (quando a rejeição do passado ou a acomodação a ele podem aumentar, ou ainda, de preferência, quando desenvolvem uma auto­consciência equilibrada em Cristo e na cultura).
d. O confronto do poder
"Jesus é Senhor" significa mais do que simplesmente Senhor da cosmovisão de cada convertido, e de seus padrões e relações. Signi­fica ainda mais do que Senhor da cultura. Significa que ele é Senhor dos poderes, elevado pelo Pai à soberania universal, ficando sujeitos a ele principados e potestades (1 Pe 3: 22). Alguns dentre nós, parti­cularmente os da Ásia, África e América Latina, falaram tanto da realidade das forças do mal como da necessidade de demonstrar a supremacia de Jesus sobre elas. Pois a conversão envolve um confron­to de poder. As pessoas dedicam sua lealdade a Cristo quando vêem que seu poder é superior à magia e à macumba, às maldições e bênçãos de curandeiros, à malevolencia dos maus espíritos; e que sua sal­vação é uma libertação real do poder do mal e da morte.
Sabemos que hoje algumas pessoas negam que a crença nos espí­ritos ê compatível com a compreensão científica do universo. Por­tanto, contra o mito mecanicista em que se apóia a cosmovisão ti­picamente ocidental, queremos afirmar a realidade das inteligências demoníacas, interessadas, por todos os meios manifestos e latentes, em desacreditar Jesus Cristo e impedir que as pessoas venham até ele. Achamos de vital importância para a evangelização, em todas as culturas, ensinar a realidade e hostilidade das forças demonía­cas, e a proclamar que Deus exaltou Cristo como Senhor de tudo, e que Jesus Cristo, que de fato possui todo o poder, por mais que deixemos de reconhecer isso, pode (quando o proclamamos) rom­per qualquer cosmovisão, na mente de qualquer pessoa, manifes­tando seu poder e produzindo uma mudança radical de coração e perspectiva.
Desejamos salientar que o poder pertence a Cristo. O poder nas mãos humanas é sempre perigoso. Lembra-nos o tema recorrente das duas cartas de Paulo aos Coríntios: que o poder de Deus, que se vê claramente na cruz de Cristo, opera através da fraqueza humana (p. ex., 1 Co 1:18-2: 5; 2 Co 4: 7; 12: 9, 10). As pessoas mundanas glorificam a força; os cristãos que a possuem conhecem seus riscos. Ê melhor sermos fracos, pois então somos fortes. Prestamos nossa homenagem especial aos mártires cristãos modernos (p. ex., os da Africa Oriental) que renunciaram ao caminho da força e seguiram o caminho da cruz.
e. Conversões individuais e em grupo
A conversão não deveria ser concebida como sendo só e invaria­velmente uma experiência individual, embora essa tenha sido a ex­pectativa no padrão ocidental, por muitos anos. Pelo contrário, o tema da aliança no Velho Testamento e os batismos domésticos no Novo nos levariam a desejar, esperar e trabalhar tanto pela con­versão familiar como em grupo. Importantes pesquisas têm sido feitas, ultimamente, sobre "movimentos grupais", tanto na pers­pectiva teológica como na sociológica. Teologicamente, reconhe­cemos a ênfase bíblica na solidariedade de cada etnia, isto é, nação ou povo. Sociologicamente, reconhecemos que cada sociedade é composta de uma variedade de subgrupos, subculturas ou unida­des homogéneas. É evidente que as pessoas recebem o evangelho com mais facilidade quando o mesmo é apresentado a elas de maneira apropriada, não alienada, à sua cultura, e quando podem recebê-lo com e entre seu próprio povo. Diferentes sociedades têm diferentes métodos de tomada de decisão em grupo, p. ex., por consenso, pe­lo chefe da família, ou através de um grupo de anciãos ou dignata­rios. Reconhecemos a validade da dimensão social da conversão co­mo parte do processo global, bem como a necessidade de cada mem­bro do grupo participar nela em pessoa, seja mais cedo ou mais tarde.
f. A conversão é súbita ou gradual?
A conversão em geral é mais gradual do que considera a doutri­nação evangélica tradicional. Na verdade, isso pode ser apenas uma disputa sobre palavras. Justificação e regeneração, a primeira levan­do a um novo status, e a segunda a uma nova vida, são obras de Deus, e instantâneas, embora não estejamos necessariamente cientes de quando ocorrem. A conversão, por outro lado, é nossa própria ação (movida peta graça de Deus) de nos voltarmos para Deus em pe­nitência e fé. Embora possa incluir uma crise consciente, ela é fre­qüentemente lenta e às vezes trabalhosa. Tendo como pano de fun­do o vocabulário hebraico e grego, a conversão, em essência, é um voltar-se para Deus, que continua à medida que todas as áreas da vida são colocadas sob o senhorio de Cristo de maneira sempre mais radical. A conversão envolve uma completa transformação do cris­tão, bem como uma total renovação da mente e do caráter, de acor­do com a semelhança de Cristo (Rm 12:1, 2).
Esse progresso nem sempre ocorre, todavia. Dedicamos alguma reflexão aos tristes fenômenos de "frieza espiritual" (um paulati­no afastamento de Cristo) e "apostasia" (franco repúdio a ele). Ambos têm uma variedade de causas. Algumas pessoas se desviam de Cristo quando ficam desencantadas com a igreja; outras capitu­lam diante das pressões do secularismo ou de sua antiga cultura. Es­ses fatos nos desafiam para que proclamemos um evangelho pleno e sejamos mais conscienciosos em relação aos convertidos, nutrindo-os na fé e treinando-os para o serviço.
Um dos membros da Consulta descreveu sua experiência em ter­mos de se voltar primeiro para Cristo (recebendo sua salvação e reconhecendo seu senhorio), depois para a cultura (redescobrindo suas origens e identidade natural) e, terceiro, para o mundo (acei­tando a missão para a qual Jesus Cristo o enviou). Concordamos que a conversão é sempre uma experiência complexa, e que a lin­guagem bíblica desse "voltar-se" é usada de diferentes maneiras e em diferentes contextos. Ao mesmo tempo, todos salientamos que o compromisso pessoal com Jesus Cristo é essencial. Nele, e somente nele, encontramos a salvação, uma vida nova e a identi­dade pessoal. A conversão precisa também resultar em novas ati­tudes e relações, e levar a um envolvimento responsável em nossa igreja, nossa cultura e nosso mundo. Finalmente, a conversão é uma jornada, uma peregrinação, com novos desafios, novas deci­sões e novos retornos ao Senhor como constante ponto de referên­cia, até que ele volte.
  1. A influência da igreja sobre a cultura
Deploramos o pessimismo que leva alguns cristãos a reprovar o engajamento cultural ativo no mundo, bem como o derrotismo que persuade outros de que nenhum bem poderiam fazer nestas atividades, e que, portanto, deveriam esperar imóveis que Cristo conserte as coisas quando voltar. Muitos são os exemplos históricos, tirados de diferentes épocas e países, que poderiam ser dados da poderosa influência que, coma ajuda de Deus, a igreja tem exercido numa cultura predominante, purificando-a, reivindicando-a e embelezando-a para Cristo. Embora todas as tentativas até aqui feitas nesse sentido tenham tido seus defeitos, isso não prova que estes empreendimentos não deveriam ter sido realizados.
Preferimos, entretanto, fundamentar a responsabilidade cultural da igreja na Escritura e não na história. Lembremo-nos de que nossos semelhantes foram feitos à imagem de Deus, e que nos foi recomendado honrá-los, amá-los e servir a eles em todas as esferas da vida. A esse argumento da criação de Deus acrescentamos outro: o de seu reino, que irrompeu no mundo através de Jesus Cristo. Toda autoridade pertence a Cristo. Ele é Senhor tanto do universo como da igreja. E nos enviou ao mundo para sermos sal e luz. Como sua nova comunidade, ele espera que permeemos a sociedade.
Assim, nosso papel é desafiar o mal e afirmar o bem; acolher e procurar promover tudo o que é sadio e enriquecedor na arte, na ciência, na tecnologia, na agricultura, na indústria, na educação, no desenvolvimento comunitário e bem-estar social; denunciar a injustiça e apoiar os impotentes e oprimidos; espalhar o evangelho de Jesus Cristo, que é a força mais liberalizante e humanizante do mundo, e empenharmo-nos ativamente nas boas obras do amor. Embora, tanto nas atividades sócio-culturais como na evangelização, os resultados devam ficar com Deus, confiamos em que ele abençoará nossos esforços e fará uso deles para desenvolver em nossa comunidade uma nova consciência do que é “verdadeiro, digno, justo, puro, amável e honesto” (Fp 4:8, BLH). Naturalmente, a igreja não pode impor padrões cristãos a uma sociedade que se mostre indisposta contra eles, mas pode recomendá-los tanto pelo argumento como pelo exemplo. Tudo isso trará glória a Deus e, para nossos semelhantes, que ele criou e ama, uma experiência cada vez maior de uma vida realmente humana. Como o Pacto de Lausanne colocou a questão: “As igrejas devem se empenhar em enriquecer e transformar a cultura local, tudo para a glória de Deus” (§ 10).
Apesar disso, o otimismo ingênuo é tão tolo como o pessimismo total. Em lugar de ambos procuramos um sóbrio realismo cristão. Por um lado, Jesus Cristo reina; por outro, ainda não destruiu as forças do mal: elas ainda provocam alvoroço. Assim, em toda cultura os cristãos se acham numa situação de conflito e quase sempre de sofrimento. Somos chamados a lutar contra as forças cósmicas “desta época de escuridão” (Ef 6:12 BLH). E assim precisamos uns dos outros. É necessário que todos nós vistamos a armadura de Deus, especialmente a arma poderosa da oração da fé. Também lembramos as advertências de Cristo e seus apóstolos, segundo as quais antes do fim haverá uma explosão sem precedentes de perversidade e violência. Alguns eventos e processos no mundo contemporâneo indicam que o espírito do Anticristo, que está por vir, já se acha em aça, não só em países não-cristãos, mas também em nossa própria sociedade parcialmente cristianizada, e mesmo nas próprias igrejas. “Portanto, rejeitamos como sendo apenas um sonho orgulhoso e autoconfiante a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia neste mundo” (Pacto de Lausanne, §15), considerando uma fantasia sem fundamento a idéia de que a sociedade venha a se tornar perfeita.
Ao invés disso, enquanto energicamente trabalhamos na terra, esperamos com jubilosa antecipação o retorno de Cristo, e os novos céus, bem como a nova terra, em que a justiça habitará. Pois então não só será transformada a cultura, à medida que as nações trouxerem sua glória à Nova Jerusalém (Ap 2:24-26), como será libertada toda a criação da presente servidão à futilidade, decadência e sofrimento, de maneira a poder participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8:18-25). Então, finalmente, todo joelho se dobrará diante de Cristo, e toda língua proclamará abertamente que ele é Senhor para a glória de Deus pai (Fp 2:9-11).

9. Cultura, Ética Cristã e Estilo de Vida

Tendo considerado, na Seção 7, alguns dos fatores culturais na conversão cristã, finalmente chegamos à relação entre a cultura e o comportamento ético cristão. Pois a nova vida que Cristo concede a seu povo está destinada a trazer um novo estilo de vida.
  1. Cristocentrismo e semelhança a Cristo
Um dos temas que tiveram presença constante em nossa Consulta foi o supremo Senhorio de Jesus Cristo. Ele é Senhor do universo e da igreja. Ele também é Senhor do crente individual. Sentimo-nos dominados pelo amor de Cristo. Ele nos prende por dentro e não nos deixa nenhuma saída. Por gozarmos de uma vida nova através de sua morte, não temos outr aalternativa (e nenhum desejo) senão viver para aquele que morreu por nós e depois ressuscitou (2Co 5:14,15). Devemos lealdade primeiramente a ele, e essa lealdade consiste em agradá-lo, viver uma vida digna dele e obedecer a ele. Isso implica a renúncia a todas as lealdades menos significativas. De maneira que não nos é permitido conformarmo-nos aos padrões deste mundo, isto é, a qualquer cultura dominante que deixe de honrar a Deus. Em lugar disso, o mandamento que temos é o de nos transformarmos em nossa conduta, guiados por mentes renovadas que percebam a vontade de Deus.
A vontade de Deus foi perfeitamente obedecida por jesus. Portanto, “a coisa mais impressionante em relação ao cristão deveria ser, não a sua cultura, mas sua semelhança com Cristo”. Como diz um texto de meados do segundo século, conhecido como Carta a Diogneto: “Os cristãos não se distinguem do resto da humanidade quer seja pelo país, pela fala ou pelos costumes... Eles seguem os costumes da terra no tocante à maneira de se vestir, hábitos alimentares e outros assntos da vida cotidiana, todavia a condição de cidadania que exibem é maravilhosa... Numa palavra, o que a alma é no corpo, os cristãos são no mundo.”
  1. Padrões morais e práticas culturais
A cultura nunca é estática. Ela varia tanto de lugar para lugar como de tempo para tempo. E durante toda a longa história dxa igreja nos diversos países, o Cristianismo até certo ponto tem destruído a cultura, ten-na preservado e, no fim, criado uma nova cultura no lugar da velha. De modo que em toda parte os cristãos precisam pensar seriamente sobre como sua nova vida em Cristo deveria estar relacionada com a cultura contemporânea.
Nos trabalhos lidos preliminarmente em nossa Consulta, dois modelos um tanto quanto semelhantes foram colocados diante de nós. Sugeriu-se que há diversas categorias de costumes que precisam ser distnguidas. A primeira inclui as práticas que o convertido deverá abandonar imediatamente como sendo inteiramente incompatíveis com o evangelho cristão (p.ex., a idolatria, a possessão de escravos, bruxaria e feitiçaria, caçar cabeças, lutas sangrentas, prostotituição ritual e todas as discriminações pessoais baseadas na raça, cor, classe ou casta). Uma segunda categoria poderia englobar costumes institucionalizados que seriam tolerados por algum tempo, mas que depois se esperaria desaparecessem gradualmente (p.e., sistemas de casta, escravidão e poligamia). Uma terceira categoria estaria relacionada com as tradições matrimoniais, especialmente com a questão da consanguinidade, sobre a qual as igrejas se dividem, enquanto que numa quarta categoria seriam colocadas as assim chamadas adiaphora, ou “assundos indiferentes”, que idzem respeito só aos costumes e não à mora, e portanto podem ser preservados sem qualquer compromisso (p.ex., costumes alimentares e de higiene pessoal, formas de saudação pública ao sexo oposto, penteado e maneira de vestir, etc).
O segundo modelo que consideramos distingue os confrontos “diretos” e “indiretos” entre Cristo e a cultura, que correspondm aproximadamente à primeira e segunda categorias do outro modelo. Aplicado às Ilhas Fiji do século XIX, no caso que nos foi apresentado, pensou-se que haveria um “confronto direto” com práticas tão desumanas como canibalismo, o estrangulamento de viúvas, o infanticídio, o parricídio, e que se esperaria que os convertidos abandonassem tais práticas depois da conversão. O “confronto indireto” ocorreria, entretanto, quando a questão moral não fosse apresentada de forma bem nítida (p.ex., alguns costumes matrimoniais, ritos de iniciação, festivais e celebrações musicais envolvendo canções, danças e uso de instrumentos) ou quando ela só passasse a ser percebida depois que o convertido tivesse começado a aplicar sua fé na vida cristã prática. Algumas dessas práticas não precisaram ser descartadas, mas apenas purificadas de seus elementos impuros e investidas de significado cristão. Velhos costumes podem revestir-se de um novo simbolismo, velhas danças podem celebrar novas bênçãos, e velhas técnicas ou processos servir a novos propósitos. Para tomar emprestada uma expressão do Velho Testamento, espadas podem transformar-se em arados; e lanças em podadeiras.
Diz o Pacto de Lausanne: “O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre outr mas avalia todas elas segundo seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos qualquer que seja a cultura em questão” (§10). Queremos endossar esse ponto de vista, e salientar que mesmo na peresente era da relatividade os absolutos morais permanecem inalterados. De fato, as igrejas que estudam as Escrituras não deveriam achar difícil discernir o que pertence à categoria primeira do “Confronto direto”. Sob a liderança do Espírito Santo, os princípios bíblicos também hão de guiá-las em relação à categoria do “confronto indireto”. Um teste adicional proposto é indagar, no caso de determinada prática, se ela dignifica ou diminui a vida humana.
Perceber-se-á que nossos estudos focalizam principalmente as situações em que igrejas mais jovens são obrigadas a assumir uma postura moral contra certos males. Mas já sabemos que a igreja precisa fazer frente ao mal na cultura ocidental também. noOcidente do século XX, com frequência, existem exmplos mais sofisticados, mas não menos horríveis, dos males que existiam nas Ilhas Fiji no século XIX. Comparável ao canibalismo é a injustiça social, que “devora” o pobre. Comparável ao estrangulamento de viúvas, a opressão a que as mulheres são submetidas. Ao infanticídio, o abrto. Ao parricídio, a criminosa negligência com a velhice. Às guerras tribais, a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. E à prostituição ritual, a promiscuidade sexual. Ao considerar tal paralalelismo, é necessário lembrar tanto a culpa adicional das nações nominalmente cristãs, como o corajoso protesto cristão contra tais males e as trandes (podém incompletas) vitórias que até aqui foram conseguidas no sentido de mitigar tais males. O mal toma muitas formas, mas ele é universal e, onde quer que apareça os cristãos precisam enfrentá-lo e repudiá-lo.
  1. O processo de mudança cultural
Não basta aos convertidos renunciar pessoalmente aos males de sua cultura; é preciso que a igreja inteira se empenhe na sua eliminaçã. Daía importância de indagar como as culturas mudam sob a influência do evangelho. Naturalmente, o mal e o demoníaco estão profundamente arraigados na maioria das culturas. Mesmo assim a Escritura clama por arrependimento e reforma a nível nacional, e a história registra numerosos casos de mudança cultural para melhor. De fato, em alguns casos a cultura não é tão resistente à mudança necessária como pode parecer. Entretanto, é preciso muito cuidado ao procurar iniciá-la.
Primeiro, “as pessoas mudam como e quando querem mudar”. Isso parece axiomático.  Mais ainda: só querem mudar quando percebem os benefícios que advirão da mudança. É preciso que tais benefícios sejam cuidadosamente sustentados e pacientemente demonstrados, quer estejam os cristãos advogando, em país ainda em desenvolvimento os benefícios da alfabetização ou o valor da água tratada, quer estejam advogando em país ocidental desenvolvido, a importância de um casamento e uma vida familiar estáveis.
Segundo, as testemunhas transculturais no Terceiro Mundo precisam respeitar muito os mecanismos intrínsecos à mudança social em geral, bem como “as corretas medidas de inovação” em cada cultura particular.
Terceiro, é importante lembrar que todos os costumes, geralmente, desempenham fuções importantes dentro da cultura, e que mesmo práticas socialmente indesejáveis podem desempenhar funções “construtivas”. Sendo assim, um costume nunca deveria ser abolido sem antes ser discernida sua função e um outro costume colocado em seu lugar, capaz de exercer a mesma função. Por exemplo, pode ser justo desejar abolir alguns ritos iniciatórios associados à circuncisão de adolescentes, bem como algumas formas de educação sexual que a acompanham. Com isso não se quer negar o valor dos processos de iniciação; entretanto, é preciso muito cuidado para que se possam prover substitutivos adequados para os ritos e formas de iniciação que a consciência cristã desejaria ver abolidos.
Quarto, é essencial reconhecer que algumas práticas culturais têm uma base teológica. Neste caso, a cultura só muda se a teologia também mudar. Assim, se se matam viúvas para seus maridos não entrarem no outro mundo sem ter quem lhes preste assistência, ou sese matam velhos antes que a senilidade tome conta deles, a fim de que no outro mundo sejam bastante fortes para lutar e caçar, então a eliminação deles por ser fundada numa falsa escatologia, só será abandonada quando uma alternativa melhor, a esperança cristã, for aceita em seu lugar.

Conclusão

Nossa Consulta não nos deixou nenhuma dúvida quanto à penetrante importância da cultura. A redação e leitura da Bíblia, a apresentação do evangelho, a conversão, a igreja e a conduta – tudo isso é influenciado pela cultura. É essencial, portanto, que todas as igrejas contextualizaem o evangelho a fim de partilharem-no eficazmente em sua própria cultura. Para essa tarefa de evangelizsação, todos nós conhecemos a nossa urgente necessidade do ministério do Espírito Santo. Ele é o Espírito da verdade, que pode ensinar a toda a igreja como relacionar-se coma cultura que a envolve. Ele é também o Espírito do amor, e o amor é a “linguagem que toda a cultura humana compreende”. Que o Senhor nos encha, pois, com seu Espírito! Então, falando a verdade em amor, cresceremos em Cristo, que é o cabeça, para a glória eterna de Deus (Ef 4:15).
Observação:  As citações anônimas que aparecem no relatório foram extraídas de vários trabalhos apresentados na Consulta.
FIM 
TEXTO EXTRAÍDO DO ARTIGO : O EVANGELHO E A CULTURA
Relatório da reunião de Consulta realizada em Willowbank, Somerset Bridge, Bermudas, entre 06 e 13 de janeiro de 1978. Patrocinada pelo Grupo de Teologia e Educação de Lausanne




Uma definição de cultura

Antes de falarmos da relação do cristão com a cultura, é necessário definirmos o que é cultura:
  • Em sentido amplo, refere-se ao cultivo de hábitos, interesses, língua e vida artística de uma nação: histórias, símbolos, estruturas de poder, estruturas organizacionais, sistemas de controle, rituais e rotinas.
  • Tudo o que caracteriza uma realidade social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade: valores, atitudes, crenças e costumes.
Não raro o cristão se torna uma subcultura dentro de uma nação. Ele tem seus valores, atitudes, crenças e costumes. Mas daí, surgem as perguntas: O cristão pode participar das festas nacionais? O cristão pode beber? Como o cristão lida com arte, cinema, etc.? O cristão pode ser um diretor, ator, etc.? O cristão pode ouvir música do mundo? Como o cristão lida com economia, política, filosofia? O cristão deve impor sua cultura quando sai em missões? O que pode ser tolerado? O que deve mudar?

Modelos de como os cristãos lidaram com a cultura ao longo da história

Para falar sobre o cristão e a cultura, precisamos lembrar que a igreja não nasceu em nossa geração. Temos que ser humildes e olharmos para a história da igreja para ver como os cristãos do passado lidaram com a cultura.
H. Richard Niebuhr (1894-1962), apresentou em seu livro Cristo e cultura (download gratuito) cinco categorias de classificação do relacionamento entre o cristão e a cultura, fornecendo, assim, ferramentas para descrever a forma que os cristãos encaram questões sociais, éticas, políticas e econômicas.

1. O cristão contra a cultura

Os que seguem esta corrente enfatizam que, diante da natureza decaída da criação, é necessário que se criem estruturas alternativas, e que estas sigam mais de perto o chamado radical do evangelho. Esta posição foi afirmada no Didaquê, na Primeira Epístola de Clemente, e nos escritos de Tertuliano (c.160–c.225) e dos anabatistas do século xvi, como Michael Sattler (c.1490–1527).
Resumidamente, a cultura é caída, má e demoníaca; rejeite tudo. Exemplos:
“A filosofia é a matéria básica da sabedoria mundana, intérprete temerária da natureza e da ordem de Deus. De fato, é a filosofia que equipa as heresias… Ó miserável Aristóteles! Que lhes proporcionaste a dialética, esse artífice hábil para construir e destruir, esse versátil camaleão que se disfarça nas sentenças, se faz violento nas conjecturas, duro nos argumentos, que fomenta contendas, molesta a si mesmo, sempre recolocando problemas antes mesmo de nada resolver. Por ela, proliferam essas intermináveis fábulas e genealogias, essas questões estéreis, esses discursos que se alastram, qual caranguejos, e contra os quais o Apóstolo nos adverte na sua carta aos Colossenses: ‘Cuidado que ninguém vos venha a enredar com suas sutilezas vazias, acordadas às tradições humanas, mas contrárias à providência do Espírito Santo’. Este foi o mal de Atenas… Ora que há de comum entre Atenas e Jerusalém, entre a Academia e a Igreja, entre os hereges e os cristãos? Nossa formação nos vem do pórtico de Salomão, ali nos ensinou que o Senhor deve ser buscado na simplicidade do coração. Reflitam, pois, os que andam propalando seu cristianismo estóico ou platônico. Que novidade mais precisamos depois de Cristo? […] Que pesquisa necessitamos mais depois do Evangelho? Possuidores da fé, nada mais esperamos de credos ulteriores. Pois a primeira coisa que cremos é que para a fé, não existe  objeto ulterior.”  (Tertuliano, De praescr. haeret., VII)
 “Quarto, unimos nossas forças no que diz respeito à separação do mal. Devemos nos afastar do mal e da perversidade que o diabo semeou no mundo, para não termos comunhão com isso e não nos perdermos na confusão dessas abominações. Aliás, todos que não aceitaram a fé e não se uniram a Deus para fazer a sua vontade são uma grande abominação aos olhos de Deus. Deles não poderão acrescentar ou surgir nada mais do que coisas abomináveis. Não existe nada mais no mundo e em toda a criação do que o bem e o mal, crentes e incrédulos, trevas e luz, os que estão no mundo e fora do mundo, os templos de Deus e dos ídolos, Cristo e Belial, e nenhum deles poderá ter comunhão um com o outro. Para nós, pois, é obvio o imperativo do Senhor, pelo qual nos ordena que nos afastemos e nos mantenhamos longe dos maus. Assim, ele será nosso Deus e nós seremos seus filhos e filhas. Além disso, ele nos exorta a abandonar a Babilônia e o paraíso terreno egípcio, para não passar pelos sofrimentos e dores que o Senhor enviará sobre eles. (…) Devemos nos afastar de tudo isso e não participar com eles. Porque tudo isso não passa de abominações, que nos tornam odiosos diante do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos libertou da escravidão da nossa natureza pecaminosa e nos tornou aptos para o serviço de Deus, por meio do Espírito que nos ortogou.” (Confissão de Schleitheim, IV)

2. O cristão da cultura

Os ensinos do evangelho têm íntima relação com as estruturas culturais, num processo de acomodação a esta. Ou seja, toda e qualquer cultura é incorporada no cristianismo.
Apesar das objeções que são lançadas a esta posição, ela tem sido influente na história da igreja. Os ensinos de gnósticos do século III, Abelardo de Paris (1079–1142) e dos teólogos liberais do século XIX refletem esta posição.. A igreja evangélica na Alemanha, por influência deste entendimento, trocou seu nome para Igreja do Reich e seus pregadores juraram obediência a Hitler.
O fundamentalismo americano acabou espelhando esta posição, afirmando os valores básicos da cultura dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, se por um lado rejeitamos toda cultura local (o cristão contra a cultura), por outro acabamos abraçando a cultura americana (o cristão da cultura), como se ela fosse uma cultura cristã e achamos que uma cultura é intrinsicamente superior a outra.

3. O cristão acima da cultura

Este é o conceito católico, influenciado por Clemente de Alexandria (c.150–c.215) e Tomás de Aquino (1225–1274), que busca uma unidade entre o cristão e a cultura, onde toda a sociedade aparece hierarquizada. Na Idade Média o ensino eclesiástico alcançou quase todos os aspectos da sociedade: suas práticas religiosas formaram o calendário; seus rituais marcaram momentos importantes (batismo, confirmação, casamento, ordenação) e seus ensinamentos sustentavam crenças sobre moralidade, significado da vida e a vida após a morte. A igreja e sua mensagem são institucionalizadas e o que deveria ser condicionado culturalmente é absolutizado. Neste terceiro modelo, o que é levado não é o evangelho, mas uma cultura.

4. O cristão e a cultura em paradoxo

Posição comumente associada a Martinho Lutero (1483-1546) e Søren Kierkegaard (1813-1855). Esta posição mantém o entendimento bíblico da queda e da miséria do pecado, e o chamado para se lidar com a cultura. A relação do cristão com a cultura é marcada por uma tensão dinâmica entre a ira e a misericórdia.
Lutero enfatizou este tema com sua doutrina dos “dois reinos”: a mão esquerda, mundana, segura a espada do poder no mundo, enquanto a mão direita, celeste, segura a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não se pode tentar coagir a fé, nem se pode tentar acomodar a fé aos modos seculares de pensamento.
Um exemplo: espancamento feminino. A mulher deve processar o marido? Nesta visão paradoxal, como cristã, ela não deveria (pois o crente não leva outro ao tribunal secular), mas como cidadã, sim. Então, a mulher vive um conflito paradoxal.

5. O cristão como agente transformador da cultura

A cultura deve ser levada cativa ao senhorio de Cristo. Sem desconsiderar a queda e o pecado, mas enfatizando que, no princípio, a criação era boa, os que estão nesse grupo enfatizam que um dos objetivos da redenção é transformar a cultura. Sendo assim, por mais iníquas que sejam certas instituições, elas não estão fora do alcance da soberania de Deus. Ou seja, mesmo sabendo da queda, o cristão não abandona a cultura (o cristão contra a cultura), mas busca redimi-la, levá-la aos pés de Cristo.
Agostinho (354-430), João Calvino (1509-1564), John Wesley (1703-1791) e Abraham Kuyper (1837-1920) são alguns dos que entenderam que os cristãos são agentes de transformação da cultura, posição que é exposta nesta obra de Niebuhr. Em Apocalipse, vemos que Deus redime tanto a pessoa, como a diversidade cultural.
Nesta posição, não há divisão entre o sagrado e o profano – essa é uma dicotomia católica (a divisão sagrado/profano afirma que na igreja fazemos atividades sagradas e, no mundo, atividades profanas; ou seja, rezar, ser padre é algo sagrado, mas construir um prédio e ser um engenheiro são coisas profanas). A divisão bíblica é entre o que é santo e está em pecado; e que está em pecado deve ser santificado.

Relatório de Willowbank

A afirmação de que o cristão é um agente transformador da cultura pode ser resumida na compreensão de que “uma vez que o homem é criado por Deus, parte de sua cultura será rica em beleza e bondade. Por causa da queda e do pecado do homem, toda a sua cultura [usos e costumes] está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca” (Pacto de Lausanne §10) — o evangelho nunca é hóspede da cultura, mas sempre seu juiz e redentor.
O Grupo de Teologia e Educação de Lausanne propôs um modelo hierárquico de ação sobre a entrada do evangelho na cultura (Relatório de Willowbank, 1978) que pode ser de auxílio em nosso trato com a cultura ao nosso redor.
Categoria de costumes
Como um missionário deve proceder em uma cultura diferente? O Relatório de Willowbank propõe uma relação quádrupla do cristão com a cultura:
  1. Alguns costumes não podem ser tolerados, como a idolatria, infanticídio, canibalismo, vingança, mutilação física, prostituição ritual, entre outros.
  2. Alguns costumes podem ser temporariamente tolerados [por uma geração], como a escravidão, o sistema de castas, o sistema tribal, a poligamia, entre outros.
  3. Há alguns costumes cujas objeções não são relevantes para o evangelho, como o costume de o homem e a mulher sentarem separados nos cultos, os costumes alimentares, vestimentas, hábitos de higiene pessoal, entre outros.
  4. Assuntos secundários (adiáforos) sobre os quais há controvérsias mas que pode-se ter liberdade de análise, como escatologia, governo da igreja, ceia e batismo
Exemplo do ponto 2: quando chefes tribais polígamos se convertiam, eles eram obrigados pelos missionários a abandonar todas suas esposas, que ou morriam de fome ou se prostituiam, podendo morrer apedrejadas. Vendo isso, os missionários acharam uma medida sábia não exigir desse chefe tribal o abandono da poligamia, mas exigir tal atitude da próxima geração de cristãos.
Aplicação do ponto 3: Se você é um novo pastor, não tente mudar a cultura da igreja, se ela se encaixa neste nível. Pregue o evangelho!
 “Não se distinguem os cristãos dos demais, nem pela região, nem pela língua, nem pelos costumes. (…) Seguem os costumes locais relativamente ao vestuário, à alimentação e ao restante estilo de viver, apresentando um estado de vida admirável (…). Enquanto cidadãos, de tudo participam, porém tudo suportam como estrangeiros. (…) Se a vida deles decorre na terra, a cidadania, contudo está nos céus. Obedecem as leis estabelecidas, todavia superam-nas pela vida. Amam a todos, e por todos são perseguidos (…) Para simplificar, o que é a alma no corpo são no mundo os cristãos”. (5-6) (Epístola a Diogneto)
Por: Franklin Ferreira. Palestrado no dia 11/02/13, na 15ª Consciência Cristã (VINACC). Copyright © Franklin Ferreira.
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O Cristão e a Cultura
por
Michael Horton
Por vezes os hinos me confundem. Eu me lembro bem, quando garoto, de ficar confuso com dois hinos populares que me pareciam totalmente contraditórios. O primeiro era “Aqui não é meu lar, um viajante sou”, e o outro era “O mundo é do meu Pai”. Se o mundo é do meu Pai, eu pensava, porque estou apenas passando por ele como viajante?
Mas os hinos não eram a única coisa a confundir no negócio de relacionar-me como cristão no mundo. Esperava-se dos cristãos que justificassem tudo nas suas vidas pela sua utilidade espiritual ou evangelística. No máximo, a educação, atividades, vocações ou buscas “seculares” eram um mal necessário -- para se ganhar a vida, para ter com que dar o dízimo e dar para missões. Na pior das hipóteses, distraíam da vida cristã. Agiam como a canção da Sirene seduzindo mundaninhos insuspeitos aos recifes da incredulidade e do afastamento de Deus. Assim, os que queriam ser empresários procuravam empregos em organizações e agências cristãs. Se descobríssemos um pequeno Rembrandt num jovem artista da igreja, nós o colocávamos como responsável pelo quadro de avisos e (se ele fosse realmente bom) deixávamos que pintasse o batistério. Esperava-se dos nossos cientistas que promulgassem a causa do criacionismo -- mesmo que a cosmologia ou as ciências biológicas e antropológicas não fossem suas especialidades. Dos músicos esperava-se que entrassem (ou formassem) na banda de louvor ou fizesse uma turnê pelas igrejas do país -- o tamanho da igreja, claro, dependia do grau de talento do artista. Através dos anos, temos criado os nossos próprios guetos de artistas, super estrelas e apresentadores, com versões cristãs de tudo que há no mundo.
Essas experiências, porém, não se limitam ao nosso tempo e lugar. A Renascença, e de modo especial, os tempos da Reforma foram reações ao modo medieval de encarar a vida. Para a igreja medieval, filosofia, arte, música e ciência se confundiram tanto com a religião que não dava para distinguir uma da outra. A filosofia não era, na realidade, filosofia, A Renascença demonstrou como a interpretação da igreja medieval de Aristóteles e Platão (os favoritos) era diferente dos escritos daqueles filósofos. Se alguém quisesse ser artista, mais uma vez procurava-se a igreja para um emprego, como a arte era ferramenta da pregação ou do ensino da vida e dos tempos de Jesus e seus apóstolos. E os sofrimentos de Copérnico e Galileu nos lembram do perigo de dizer mais do que a Bíblia diz sobre teorias científicas específicas.
A Reforma libertou homens e mulheres cristãos para seguir com dignidade e respeito os seus chamados divinos no mundo, sem ter que justificar a utilidade desses chamados à igreja ou ao empreendimento missionário. A vocação era dom da criação. Até mesmo os não cristãos, como quem carrega a imagem de Deus, possuíam este chamado divino. Crente e incrédulo eram igualmente responsáveis por desenvolver seu trabalho com excelência -- um reconhecendo a Deus como autor e alvo dessa excelência, e o outro servindo a Deus com seus talentos apesar de sua recusa em reconhecê-lo como doador e alvo de tudo. Em contraposição à visão monástica do mundo, a Reforma promulgava uma teologia que abarca o mundo, um dos fatores principais no desenvolvimento da ciência, da Era Dourada” da arte holandesa e da literatura inglesa e escocesa, a libertação da igreja da política, a difusão universal da leitura e da escola pública, e o grito por liberdades civis em contraposição ao fundo da tirania vigente.
É claro, não existe movimento perfeito -- há envolvida em todos gente demais parecida conosco! A Reforma não é exceção, com sua parcela de erros e os disparates de homens e mulheres pecadores. Contudo, os temas bíblicos por ela recuperados trouxeram de volta ao povo de Deus um senso de pertencer a este mundo durante o tempo que Deus nos deu, mas pertencer dentro de , e não como parte do mundo.
A pressão de justificar a arte, ciência e a diversão em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação quanto o dom do Evangelho, desvalorizando o primeiro e distorcendo, no processo, o segundo. Por exemplo, “música cristã” é freqüentemente uma desculpa para artistas inferiores conseguir vencer numa sub cultura cristã que imita o brilho e glamour do entretenimento secular, inclusive suas próprias cerimônias de premiação e seu ambiente de super estrelato. Pode ser que essa não seja a intenção por parte de muitos artistas que querem contribuir ao cenário da música cristã contemporânea, mas a indústria acaba produzindo, na maioria, imitações nada criativas, repetitivas, superficiais da música popular. Produzir música em conformidade com os gostos anestesiados duma cultura consumista já é ruim; imitar a arte comercializada é desperdiçar os talentos, a não ser que se esteja escrevendo para o rádio e a televisão. Trivializa tanto a arte quanto a religião. Não quero com isso condenar todos os artistas cristãos, pois há muitos musical e liricamente sofisticados o bastante que integram uma compreensão séria da mensagem bíblica com um estilo musical criativo. Também não quero que sejamos “esnobes” musicais que confundem seu gosto particular com a Palavra revelada de Deus. Afinal de contas, freqüentemente “a verdade está escrita nas paredes do metrô”, o equivalente arquitetônico da música popular. É esta uma das razões pelas quais eu aprecio a música popular de vez em quando, em parte porque é agradável e traz lembranças de tempos passados. Mas é uma forma inferior, dirigida comercialmente (noutras palavras, financeiramente) que se rebela contra os padrões mais altos da expressão artística.
Essas pressões, porém, para se criar versões distintamente “cristãs” de tudo no mundo (ou seja, na criação), pressupõem que exista algo essencialmente errado com a criação -- e essa é uma pressuposição teológica que tem influência muito maior na formação das atitudes evangélicas em todas essas esferas do que geralmente se admite. Examinaremos essa posição básica nos próximos capítulos.
Permita-me dizer de início que este livro não é uma análise sofisticada da base teológica de uma visão cristã do mundo ou da natureza das artes, ciências, filosofia e assim por diante. É para o leitor geral, especialmente para aqueles crentes que lutam com uma sub cultura que abafa ao invés de encorajar seus impulsos e suas ambições divinamente dotadas. Nesse sentido, é um livro pastoral. É oferecido com esperança de que os teólogos aprendam mais sobre outras disciplinas e que cristãos nessas outras disciplinas se ancorem mais firmemente sobre a teologia bíblica antes de tentar “integrar” sua fé e vida. Mas não obstante a posição do leitor em relação a esses tópicos -- seja ele um esteta de muita cultura ou uma mãe cristã que quer saber se sua filha pode cursar com segurança uma universidade secular -- haverá poucos desafios às idéias prevalecentes no mundo evangélico e aqui e ali algo em que pensar um pouco mais.
Para iniciar, quero definir alguns termos, Primeiro, estarei usando o termo “cultura” no seu senso mais amplo, referindo-me tanto à cultura popular (esportes, política, ensino público, música popular e diversões, etc. e a alta cultura ( horticultura, academicismo, música clássica, ópera, literatura, ciências, etc.). Uma definição útil e abrangente de “cultura” para nossa discussão pode ser “a atividade humana que intenciona o uso, prazer e enriquecimento da sociedade”. Segundo, por “igreja” estou dizendo a igreja institucional, -- “onde a Palavra de Deus é pregada e os sacramentos são administrados corretamente”, como diziam os reformadores. Quando, por exemplo, se diz que a igreja não deve confundir sua missão com as esferas da política, arte, ciência, etc., não se está sugerindo que os cristãos como indivíduos devessem abandonar esses campos (muito pelo contrário), mas que a igreja como instituição deve observar a sua missão divinamente ordenada. Essa igreja institucional deve ser entendida como expressão visível do corpo universal de Cristo através de todos os séculos e em todo lugar. A igreja institucional recebeu a comissão única de pregar a Palavra e fazer discípulos, Meu emprego da palavra “igreja”, portanto, não é apenas uma referência ao corpo coletivo de cristãos individuais, mas ao organismo vivo fundado por Cristo, ao qual foi confiado o seu próprio ministério pessoal.


Fonte: Extraído da Introdução do excelente livro “O Cristão e a Cultura”, de Michael Horton
Este artigo é parte integrante do portal http://www.monergismo.com/



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