Para poder entender bem os fatos relacionados
à vida do profeta Samuel, especialmente seu grande trabalho, que será
desenvolvido como líder de Israel, é imprescindível que se leia os capítulos 1
a 16, os quais ele escreveu. Neles se encontram não somente aspectos
relacionados à sua biografia, mas também seus atos.
Podemos crer
que havia uma razão especial para a Septuaginta chamar os livros de I Samuel,
II Samuel, I Reis e II Reis de I, II, III, IV Reinos, mudança que se sucedeu
por causa da Vulgata Latina de Jerônimo, que passou a chamá-los de Reis. Na
verdade, o conteúdo desses dois compartimentos bíblicos, Samuel e Reis,
descreve com exatidão a elevação e a queda de Israel como nação, por não
priorizar os preceitos divinos. Samuel será o precursor desse momento histórico
da nação, posto que é ele quem fará o processo da transição de teocracia para
monarquia, ungindo os dois primeiros reis de Israel — Saul e Davi.
Pelo nascimento
de Samuel, um novo momento histórico se dará para a nação israelita, pois ele
será um vaso comprometido com Deus para fazer a vontade divina (Ez 22.30).
O épico
narrativo envolvendo a pessoa de Samuel serve como estímulo para os pastores da
atualidade no sentido de que o sucesso na liderança depende do compromisso que
o líder tem com Deus. É seu trabalho não mudar o povo, mas atiçar a consciência
de cada um para que saia do seu estado de apatia espiritual rumo a uma vida
cheia de fé. O apóstolo Paulo falou que temos que servir a Deus com fervor (Rm
12.11), do grego zeo, que quer dizer “quente”, “zeloso para o que é bom”, mas
isso só acontece se primeiramente aqueles que estão à frente da obra tiverem o
coração dominado pelo poder de Deus, estiverem sempre ouvindo a sua voz, como aconteceu
com Samuel.
Para o cenário
que se descrevia naquela época, de sucessivas crises espirituais, atolados na
fossa do pecado, sem liderança firme, pela quebra da lei divina, Deus vai
levantar um homem que é fruto de voto e oração, que desde cedo aprendeu a
servir na casa do Senhor, que procurava cumprir com os propósitos divinos, seu
nome é Samuel. Esse homem será a voz profética conclamando a todos para um
viver santo e sincero com Deus, apresentando o caminho para uma vida vitoriosa.
Líderes frios, sem o poder de Deus na vida, não podem levantar um povo morto,
pois, para profetizarem, têm que estar abarrotados da presença de Deus (Ez
37.12).
I. O AMBIENTE FAMILIAR DE SAMUEL
Onde Samuel Vai
Nascer
Logo que começamos a ler o primeiro capítulo de 1 Samuel,
percebemos que o autor se preocupou em dar pormenores sobre a família de Samuel,
que não era perfeita, mas procurava trilhar o caminho da verdade de Deus. O
homem que irá atuar na mudança histórica da nação de Israel virá de Elcana, mas
quem era esse homem? O texto começa dizendo que ele era de Ramataim-Zofim,
palavra que do hebraico é “vigilante em dupla altura” ou então “cumes gêmeos de
Zofim”. Esse local é descrito como sendo a terra do nascimento da família de
Samuel, e dele mesmo. Um detalhe importante pode ser dito sobre essa
localidade: ela será o lugar permanente de Samuel (1 Sm 7.17). Nela ele nasce,
morre e é sepultado (1 Sm 25.1). Vale dizer que somente aqui é que aparece a
completude dessa localidade, sendo que em outras passagens bíblicas vem apenas
o primeiro nome: Ramá. Assim, pode-se crer que Zofim vem primeiro para fazer
distinção entre outras regiões que também eram denominadas de Ramá, que quer
dizer cume.
Ramataim-Zofim
estava situada na região montanhosa de Efraim, distando ao norte de Jerusalém
aproximadamente 24 quilômetros. Para o escritor e historiador Flávio Josefo,
esse lugar poderia ser também a cidade em que José de Arimateia nasceu (Jo
19.38). Portanto, podemos dizer que Elcana era da tribo de Levi, porém estava
habitando na terra de Efraim. Temos que ter sempre em mente que Elcana era um
levita, mas efraimita somente por causa de sua residência. Samuel irá atuar
como sacerdote porque era de origem levita também.
Nesse aspecto
da genealogia de Elcana, posto que ele é apresentado como descendente de Coate,
surge um pequeno problema, pois Samuel é apresentado como um levita.
Particularmente, podemos fazer uso das palavras de Joyce G. Baldwin, que diz:
A
genealogia de Elcana, mencionada até a quarta geração passada,
pode
ser uma indicação de sua posição na sociedade, embora nada
mais
se conheça sobre as pessoas ali citadas. Por outro lado, em
Crônicas,
Elcana é um nome recorrente na lista dos descendentes
de
Coate (1Cr 6.22-30) E, em 1 Crônicas 6.66,34, apresenta Samuel
como
um levita. Mas como um efraimita também pode ser levita?
Vale
assinalar o seguinte: [...] Belém é também chamada de Efrata no
Antigo
Testamento (Gn 36.15, 19; Rt 4.11; Mq 5.2) e efraimita [...]
pode
indicar um membro da tribo de Efraim ou um belemita [...] havia
ligações
entre os levitas de Belém e os da região montanhosa de Efraim
(Jz
17.7-12; 19.1-21). Se Elcana teve algum vínculo de parentesco
com
pessoas de Belém, seria natural que seu filho Samuel voltasse
ali
para oferecer sacrifício (1Sm 16.2,5), embora a família tivesse se
reunido
mais frequentemente em Siló, o santuário de Efraim.1
Há necessidade
dessa explicação pelas seguintes razões: se Samuel não era descendente da tribo
de Levi, então como ele poderia ser sacerdote? Grandes eruditos da Bíblia falam
de Samuel como profeta. Podemos citar William S. Lasor, Davíd A. Hubbard,
Frederic W. Bush, Roy B. Zuck; em suas obras há um destaque especial a Samuel
como exercendo os três ofícios: rei, profeta e sacerdote. Note o que diz Boy Zuck:
Samuel
atuou em três ofícios. Era profeta acima de tudo; o homem por
quem
a Palavra de Deus veio. Nessa função, deu a sentença para a casa
de
Eli (1Sm 3.1-18), ungiu Saul e Davi (1Sm 10.1; 16.13), reprovou
Saul
por desobediência (13.13; 15.22,23) e encorajou a Davi (19.18).
“O
ofício profético foi exercido até mesmo depois da morte, quando
Saul
encontrou-se com ele através da bruxa de En-Dor” (1Sm 28). Na
função
de profeta, também estava envolvido ao escrever a história dos
atos de
Deus em Israel (1Cr 29.29). Samuel também era sacerdote.
Quando era menino, ele usava o éfode feito de linho, o sinal
de sacerdócio. Liderou na adoração do Senhor no lugar alto em uma das cidades benjaminitas
(1Sm 9.11-24). Samuel praticou o papel sacerdotal de ensinar, quando discursou
para as pessoas em 1 Samuel 10.17-27 e 12.1-25. O cronista declarou em nota
curta que Samuel participou no processo de estabelecimento original de porteiro
(1Cr 9.22). Samuel se tornou, no sentido exato do termo, o último juiz de
Israel. Como os juízes de outrora, ele conduziu o povo na batalha contra os
filisteus.2
Ainda podemos
fazer uso da citação que Champlin, que escreve, na Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia, quanto a esse assunto o seguinte:
Em seu
ministério, Samuel atuou como juiz, como sacerdote e como
profeta.
O primeiro livro de Samuel fornece-nos os dados básicos de
sua
vida. Os pais de Samuel foram Elcana e Ana. Elcana era levita,
descendente
de Coate, mas não da linhagem aarônica (1Cr 6.26,33).
Ele
vivia no território de Efraim, visto que Ramá, onde residia, ficava
no
distrito montanhoso da tribo de Efraim [...].3
Falando de
Elcana como sendo um levita, vale recorrer ao Comentário Bíblico Beacon, que
nos dá um bom e preciso entendimento nesse sentido:
O pai
de Samuel era Elcana (criado ou adquirido de Deus), cuja as-
cendência
vai até Levi em 1 Crônicas 6.33-38, mas que não estava na
família
araônica ou sacerdotal. Sua casa estava no território de Efraim;
consequentemente,
ele era conhecido como efrateu.4
Frente a
todas as colocações mencionadas acima, podemos dizer que o que o Comentário
Beacon diz está certo quando fala que a descendência dos coatitas vai até Levi,
isso porque, no seu aspecto histórico, Coate era um dos três filhos de Levi que
desceram ao Egito com Israel (Nm 26.57). O Dicionário Wycliffe5 afirma que os
descendentes de Coate eram Anrão, Isar, Hebrom e Uziel. Anrão, que se casou com
a irmã de seu pai, Joquebede, foi o pai de Moisés e Arão, assim a linhagem
sacerdotal posterior de Israel vem de Coate através de Arão (Êx 6.1-18). Os
demais descendentes de Coate foram numerados entre os outros levitas e lhes foi
concedido o mais alto privilégio, o de cuidar dos utensílios sagrados do
santuário (Nm 3.27,31; 4.2; 7.9).
A família dos
coatitas estava sempre ligada às questões sacerdotais, além de serem seus
integrantes os responsáveis pelo transportar dos mais altos objetos sagrados,
como altares, candelabros e demais utensílios do Tabernáculo. Também a eles
foram dadas, na terra de Canaã, treze cidades sacerdotais em Judá, Simeão e
Benjamim, e dez cidades levíticas em Efraim, Dã e Manassés (Js 21.4,5,10,20; 1
Cr 6.54). Davi determinou que os coatitas levassem a Arca para Jerusalém (1 Cr
15.4,5). Eram eles também que desempenhavam o ministério da música (1 Cr 6.33;
2 Cr 20.19). Também estavam junto com outros levitas na purificação do templo
nas reformas empreendidas por Ezequias e Josias (2 Cr 29.12; 34.12). Depois do
exílio, alguns desempenharam o trabalho da preparação dos pães da proposição (1
Cr 9.32). Os pensamentos expostos acima esclarecem que havia, sim, ligação dos
coatitas com a família levítica, o que permitia Samuel atuar como um sacerdote.
Ademais, frente à situação na qual a nação se encontrava, pelo aspecto
histórico, ele poderia desenvolver a função que desempenhou: profeta, juiz,
sacerdote.
Para alguns
pode parecer um pouco estranho Elcana habitar em território efraimita, porém
isso não era algo anormal, incomum, porque os levitas não tinham as tribos
locais definidas, de maneira que podiam habitar nas cidades que pertenciam às
tribos, pois fora dito pelo Senhor que eles não teriam herança (Dt 18.1.2).
Se
relacionarmos o nome dessa localidade com Samuel, vemos que ele estava em dupla
altura para ser o protagonista, pois tinha comunhão com Deus e só quem está no
alto é que pode enxergar mais longe, para- fraseando Isaac Newton,6 que
afirmou: “Só cheguei até aqui porque me apoiei nos ombros dos gigantes”.
O estar no alto,
no aspecto bíblico e teológico, quer dizer ter uma vida na total dependência
divina, posto que é a lei do Espírito que coloca qualquer um acima da lei do
pecado e da morte, como disse Paulo: “Porque a lei do Espírito de vida, em
Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte” (Rm 8.2). No livro de
Samuel, quem procurou viver na lei divina pôde sempre vencer, superar, como Davi,
mas os que se colocaram na lei do pecado, como os filhos de Eli, foram
sentenciados à morte.
Alguém pode
perguntar: por que o livro de Samuel começa com tantas riquezas de detalhes
biográficos sobre sua família? Isso é feito para que os leitores possam
entender a veracidade dos fatos históricos registrados na Bíblia. Há que se
dizer que o Antigo Testamento é digno de confiança por sua precisão em detalhes
históricos, não sendo uma lenda, contos de fadas, mito. Nesse ponto, podemos
fazer alusão ao que escreveu Champlin:
O juiz-profeta Samuel,
figura-chave da história de Israel, merece assim
cuidadosa
introdução biográfica no livro. As minúcias naturalmente
confirmam
a historicidade do relato. De fato, os eruditos opinam que
o
Antigo Testamento mostra-se historicamente exato a partir da época
de
Samuel, se não mesmo antes, desde os tempos mais remotos, um
fenômeno
nunca igualado no caso da história das demais nações antigas
do
mundo, cujos primórdios perdem-se nas brumas de lendas e mitos.7
Geograficamente, situar Samuel dentro de
uma localidade, especificando a residência de seus pais, é evidenciar para nós,
leitores, que esse homem não vai aparecer nas páginas da Bíblia como uma pessoa
qualquer, mas que tem uma família, um local certo de nascimento. Nesse
particular, vemos que Jesus é apresentado como tendo uma residência (Jo 1.39),
por diversas vezes, pregando. Paulo procurou com denodo esclarecer sua origem
familiar, localidade de seu nascimento e formação, uma prova de que ele não era
um intruso, alguém sem princípio, sem origem (At 22.3, ARA).
O homem que
vai fazer a diferença na história de Israel não é somente um profeta, mas
alguém que tem origem, boa formação familiar e espiritual, que desde cedo
aprendeu a estar na casa do Senhor, por incentivo de seus pais, e, sob a tutela
de Eli, aprendeu a servir como servo de Deus. Vale salientar que é fundamental
um líder ter histórico e história, pois isso irá contribuir grandemente para
sua formação pastoral. Grandes líderes não surgem em seminários de renome, em
grandes universidades, como Harvard, Cambridge, que têm seus valores, mas no
lar, essa ideia é paulina (1 Tm 3.4).
Eugene
Peterson está certo quando, em suas experiências pastorais, na obra que
escreveu, Memória de um Pastor, destaca a importância da participação de sua
família e do local onde viveu para sua formação pastoral. Há um capítulo que
ele destaca sobre o açougue do seu pai, afirmando que aquele lugar foi a sua
introdução para o mundo da igreja, que, poucos anos mais tarde, seria o seu
local de trabalho de pastor. Falando do seu local de nascimento, em Montana,
que seu pai adquiriu em 1946, visibiliza-se sua nostalgia, mas afirmando o
quanto tudo pôde contribuir para sua formação pastoral. Por isso relata:
É aí que boa
parte do processo de formação da minha vocação pastoral começou, ganhou clareza
ou se completou. As escolas me deram uma boa bagagem, mas nunca a coisa mais
importante. Os professores tiveram sua importância, mas não foram centrais.
Amigos e livros deixaram sua marca, mas apenas como vozes de um diálogo mais
amplo. Este lugar é o solo santo — minha sarça ardente, minha caverna de
Horebe, minha ilha de Patmos — que me mantém alicerçado e para onde sempre
volto. 27
Na verdade, o
que compreendo pelo sentimento de Eugene Peterson é que ele busca destacar que
o local onde nasceu, a influência que teve dos seus pais, sobretudo sua mãe,
foram elementos impulsionadores para o seu grande crescimento pastoral. Por
vezes, um líder pode ter boa desenvoltura, retórica, uma erudição teológica
grandiosa, mas não é um grande profeta de Deus para as nações, pois lhe faltou
uma boa formação espiritual oriunda de seus pais, do seu ambiente familiar, de
sua igreja local.
Samuel teve todos esses privilégios — uma mãe
piedosa, que procurava criar em sua mente e coração o desejo de ser um
instrumento nas mãos de Deus, um sacerdote para lhe ensinar como se dirigir
perante Deus quando Ele chamar. Tudo isso esteve presente na sua vida, razão
pela qual veio a ser tudo o que foi para Israel e para o Reino de Deus.
Não há como
negar a influência do meio na nossa construção humana. Nesse particular,
existem elementos de verdade nas frases filosóficas apontadas por Jean Jacques
Rousseau: o homem nasce bom, mas a civilização o corrompe. 28 Ou na afirmativa
de Karl Marx de que o homem é produto do meio. Sendo assim, para não deixarmos
nossos filhos e filhas serem dominados por um sistema mundano, devemos criá-los
em um ambiente espiritual forte, ensinando com veemência a Palavra de Deus a
todo momento (Dt 6.1-6), de modo que, ao serem colocados no contexto social, no
mundo universitário, serão como Moisés, Daniel e seus companheiros, que jamais
se deixaram deslustrar pelos desejos pecaminosos deste mundo vil.
A Bigamia Presente
Num primeiro
momento, temos que entender que o padrão estabelecido para a constituição da
família é a monogamia (Gn 2.24). Paulo deixa claro que cada homem tenha sua
própria mulher e cada mulher seu próprio marido (1 Co 7.2). Na verdade, o modelo
da poligamia e da bigamia não é divino, antes revela a iniquidade seguida à
época e usar a esterilidade de uma mulher para ter outra como escape também não
era bíblico. Em sua obra Usos e Costumes dos Tempos Bíblicos, Halph Gower
aborda o assunto da seguinte maneira:
A poligamia não
era comum nos tempos bíblicos, embora fosse permitido o casamento com mais de
uma mulher ao mesmo tempo, como quando Jacó causou-se com Lia e Raquel e teve
relações sexuais com as servas delas. Uma razão era que o marido tinha de ser
muito rico para sustentar mais de uma mulher. Portanto, a realeza é que tendia
a ter várias esposas. Davi tinha muitas, inclusive Mical, Abigail e Bate-Seba,
e Salomão teve um número ainda maior durante o período mais próspero de seu
reinado. O Sumo Sacerdote só podia ter uma esposa (Lv 21.13,14) e outras
figuras importantes do Antigo Testamento eram monógamos — Noé, José e Moisés.
Os rabinos afirmavam frequentemente que mais de uma esposa criava problemas
(Lia e Raquel, Gn 30; Ana e Penina, 1Sm 1). 29
Não há
aprovação divina para a poligamia; sua prática era apenas tolerada, não que
fosse de fato permitida por Deus. A esterilidade jamais foi a base para que o
homem tomasse outra mulher para gerar com ela, biblicamente falando. Sabemos
que Rebeca era estéril, mas Isaque não trilhou o caminho de tomar outra mulher
para si; antes, colocou-se em oração e obteve resposta. Isaque orou ao Senhor
por sua mulher porque ela era estéril e o Senhor lhe ouviu as orações, e
Rebeca, sua mulher, então concebeu (Gn 25.21).
Ao falarmos que
o problema da poligamia estava ligado à iniquidade, isso fica claro porque, no
seu desespero, mesmo aqueles que diziam confiar em Deus, não esperavam de fato
nEle, antes se entregavam ao modelo de outros povos, os quais viviam nessas
práticas, sem atentar para o modelo divino. Nas áureas páginas do Antigo
Testamento, a obviedade de que proceder adotando a poligamia não era correto se
evidencia nos problemas que ela gerava, como competitividade, desrespeito para
com a mulher e, sobretudo, transformando-a em simples objeto.
Biblicamente
falando, homens santos de Deus trilharam o caminho da poligamia, todavia,
jamais se deve pensar que tal procedimento tivesse a ratificação divina. O
modelo da poligamia vai se estendendo até chegar aos tempos de Davi e Salomão.
Existem alguns textos que vão estabelecer algumas regulamentações sobre essa
prática, mas deve-se entender que em momento algum consta na Palavra de Deus
esse tipo de relacionamento como aprovado.
William L.
Coleman, falando sobre essa suposta legalidade, escreve:
A Lei Mosaica
contém dispositivos para a proteção das concubinas. Isso talvez não seja uma
indicação de que se aprovava essa relação, mas, sim, uma orientação com o
objetivo de manter a ordem. Os textos de Êxodo 21.7-11 e Deuteronômio 21.10-14
estabelecem o direito da concubina. 30
Podemos dizer
que, assim como Deus não é o criador do divórcio, nem em momento algum o
autorizou, apenas tolerou, posto que ele se dá no nível do pecado, o mesmo se
pode dizer da poligamia, que é um procedimento que fere seriamente os ditames
bíblicos e firmado na esteira da iniquidade humana.
Devemos ter todo o cuidado ao falarmos sobre a
poligamia e entender que naquela época existiam costumes que eram permitidos
pela Lei Mosaica, como o caso do levirato, que, ainda que estivesse em outro
campo de atuação, era dever do irmão do falecido contrair casamento com a
cunhada (Dt 25.5- 10). A situação era complicada, pois nesse caso não era
levada em conta a questão do estado do casado, mas, dentro desse padrão, o
objetivo era tão somente perpetuar o nome do falecido; não era uma atitude
firmada no interesse de um desejo pecaminoso, de orgulho próprio ou de
machismo, nem se estava adotando o estilo de vida de outras nações sem Deus.
Podemos dizer que
a prática da poligamia resultou de alguns fatores, dentre eles pontuamos
alguns. No desejo de ter vários filhos e querendo se assemelhar a outros povos
por questões culturais, alguns homens passavam a ter outras mulheres para com
ela gerar filhos, o que aconteceu com Abraão e Agar (Gn 16.3). Alguns
documentos de Nuzi descrevem que era comum naquela época esse tipo de
procedimento.
Ainda podia
acontecer de o homem ter duas mulheres por questões pessoais e amorosas. Foi
assim que aconteceu com Jacó. O sogro o enganou, entregando uma mulher que ele
não amava. Ele, porém, trabalhou incansavelmente pelo amor da outra, a quem
amava (Gn 29.18). Mais um motivo para esse modelo está firmado no fato
puramente político, pois, querendo estabelecer alianças e ganhar vantagens
financeiras, razão pela qual alguns supõem que Davi e seu filho Salomão assim
procederam (2 Sm 5.13- 16; 1 Rs 11.1-3). Não se pode, porém, afirmar que era
apenas questão política, pois, no caso de Bate-Seba, foi o coração pecaminoso
de Davi, que a todo custo queria dormir com ela, o que revela seu lado iníquo.
A prática da
poligamia vai diminuindo cada vez mais. Não se tem no Novo Testamento um homem
de Deus que esteve assim procedendo nesse modelo. É claro, fala-se que Herodes,
o grande, tinha nove mulheres. João Batista foi incisivo contra Herodes por
causa de Herodias, que era mulher de Felipe, seu irmão, afirmando que não era
lícito ele a possuir (Mt 14.1-4).
Sumariamente,
para os reis Deus deixou claro que eles não deveriam seguir o caminho da poligamia
(Dt 17.17), mas a base geral para o modelo ideal da constituição da família não
está nos padrões sociais e culturais de outras nações, fossem elas avançadas
como fossem, mas, sim, naquilo que Ele falou em Gênesis 2.24, que a união certa
é um homem e uma mulher, para serem os dois uma só carne .
O texto diz que
Elcana tinha duas mulheres, possivelmente por causa da esterilidade de Ana, mas
tal desculpa não convence, pois ele deveria ter entregue tudo ao Senhor, como
fez Ana, e logo depois o problema estaria resolvido, como foi. Ela passou a ter
filhos, com destaque para Samuel. O Comentário Bíblico Beacon, nesse
particular, diz:
A poligamia
(várias esposas) era permitida pela Lei de Moisés (Dt 21.15). Jesus deixou
claro que o plano original de Deus era o casamento de um homem com uma mulher
para toda a vida (Mt 19.8). O registro do Antigo Testamento mostra que a
prática do casamento poligâmico sempre foi seguida de problema. Penina, que
teve filhos, importunava a vida de Ana (graça ou presente gracioso), que era
estéril. O favoritismo também era uma fonte de atrito (5.8). 31
Jamais devemos
pensar que a Bíblia aprovasse o homem ter várias mulheres. A lei surgiu apenas
para proteção dessas mulheres, aliás, o próprio comentário acima citado
descreve os inúmeros problemas que surgiam desse tipo de relacionamento. Pela
poligamia, as mulheres tomadas não passavam simplesmente de amantes, o que é
chamado de concubinato; elas serviam apenas como objeto para o sexo e a
procriação.
Deus, ao criar a
mulher, lhe deu dignidade e honra, e não a fez menor que o homem (Gn 1.28),
tendo cada um seu papel a desempenhar na vida a dois. Paulo diz que nem o homem
é sem a mulher nem a mulher é sem o homem (1 Co 11.11). Ainda acrescenta que,
no campo dos direitos espirituais, os dois são iguais, pois Cristo desfez todo
e qualquer tipo de aviltamento contra a mulher e a colocou em uma posição de
brio (Gl 3.28).
Elcana seguiu um
modelo que não era aprovado por Deus, nos quais andaram Jacó, Gideão, Saul,
Davi, Salomão, Roboão, porém, Jesus Cristo aprovou o que Deus havia dito lá no
princípio sobre a vida a dois, que uma só carne se forma com o marido e a
esposa (Gn 2.24; Mt 19.6; Mc 10.8). Portanto, jamais devemos pensar que a
Bíblia aprova a poligamia, mas, sim, a monogamia.
Uma Família Piedosa
Apesar das
pendências presentes na casa de Elcana, há um destaque típico: ele subia para
adorar e sacrificar ao Senhor em Siló (1 Sm 1.3), onde estava o centro de
adoração, pois ainda não existia o Templo. Piedade era vista nessa família por meio
da oração e do sacrifício que prestava a Deus. Isso pode ser visto pela
presença do ato de adoração, que no hebraico é shachah, que quer dizer
“inclinar-se diante de um superior em sua deferência”. Sacrificar no hebraico é
zabach, e dá a ideia de imolar para o sacrifício.
O dicionário
Houaiss define a piedade como atos religiosos, que é o que se notabiliza na
família de Elcana. Ele estava possivelmente cumprindo uma das três festividades
exigidas na lei: Páscoa, Pentecostes, Tabernáculos (Êx 34.26; Dt 16.16), as
quais eram praticadas por judeus piedosos. Pelo menos três vezes ao ano Elcana
se dirigia a Siló para adorar ao Senhor.
A ação de
Elcana em se dirigir a Siló descreve com limpidez o homem piedoso que era. Na
verdade, podemos crer que ele era bem disciplinado e diligente nos seus
compromissos espirituais. Algo interessante pode se notar na postura de Elcana
e Ana: ambos tinham conhecimento dos seus pecados e do procedimento descabido
de Hofni e Fineias, e da complacência do sumo sacerdote Eli, de maneira que o
sacerdócio estava todo enodado.
Nos dias de
Eli, além dos pecados de seus filhos, muitos já não subiam a Siló para adorar
ao Deus verdadeiro, mas adoravam e praticavam sacrifícios ao ídolo de Mica (Jz
12.17). Porém, Elcana e sua casa continuavam servindo ao Senhor com verdade e
sinceridade.
Com essa ação,
eles faziam oposição ao sistema idolátrico que estava estabilizado naquela
época. Note que a inclusão de Yahweh Sabaoth era para declarar a Deus como
sendo o Comandante, ao passo que a referência a exército aludia ao aspecto
militar. O profeta Jeremias fez muito uso desse título divino; no seu livro
constam aproximadamente 80 vezes.
Vale dizer que
Yahweh Sabaoth é um nome que aponta também para consolo, pois o Senhor é aquele
que luta as nossas batalhas e nos concede vitórias nos momentos de crises,
pois, conforme registra Lucas, nada é impossível para Ele (Lc 1.37). Recorrendo
ao texto da Septuaginta, a expressão grega é Kurios pantokrator, que quer dizer
“o Deus Todo Poderoso”.
Frente a toda
a crise que se apresentava nos dias de Eli, Elcana e Ana acreditavam que eram
servos do Senhor dos exércitos, isto é, seus soldados, e que podiam fazer
alguma coisa para Deus reverter o quadro, por isso eram frequentes à adoração
em Siló, procurando evidenciar sua confiança em Deus e no seu poder. Com tal
atitude, esse casal acreditava que Ele poderia reverter o quadro. Entende-se
nesse contexto que o motivo de ela pedir um filho e lhe dedicar completamente
na obra é porque sabia da necessidade de alguém que fosse comprometido
verdadeiramente com Deus.
Estamos
vivenciando um mundo cada vez mais comprometido com o pecado, famílias sendo
atacadas pelos modismos e ensinos pós-modernos pouco edificantes. Todavia,
aquelas que são verdadeiramente firmadas na aliança com o Senhor não serão
abaladas e, ainda que tenham as imperfeições humanas, poderão fomentar o poder
do Senhor dos exércitos nesta terra, pois, como falou Paulo, somos seus
soldados, e nenhum soldado em combate se envolve com negócios desta vida (2 Tm
2.4).
II. SAMUEL: FRUTO DE ORAÇÃO
A Humildade de Ana
No sacrifício oferecido por Elcana
havia um envolvimento de toda a família. Isso porque, além dos oito tipos de
porções a que tinham direito os sacerdotes, na ocasião do oferecimento do
sacrifício (Lv 6.26; Nm 18.8), de tais porções podiam os membros da família
fazer parte. É preciso entender que o momento do sacrifício não era apenas um
sentimento de tristeza, mas de alegria, uma festividade da qual todos os
familiares participavam.
Durante essa
festa, no envolvimento de toda a família, estavam Ana e Penina. Não se pode
ratificar com segurança, mas alguns supõem, baseados em 1 Samuel 1.8, que
possivelmente Penina dera a Elcana dez filhos e, assim sendo, ela tinha uma
posição merecida na ocasião da festividade, ao passo que Ana, ainda que fosse
bem tratada por Elcana, recebendo dele atenção especial, ela mesma se sentia
humilhada, pois naquela época uma mulher não ser mãe era algo estarrecedor, uma
vergonha (Dt 12.5-7).
Diante de toda
essa situação, Ana não deixava de ir à Siló festejar e adorar ao Senhor. Ainda
que carregasse o estigma de estéril, ela estava ali. O versículo 6 mostra a
provocação de Penina contra ela, detratando-a negativamente por não ter tido
filhos. Observe que a palavra rival do hebraico é tsarah, que quer dizer
“importunado, problema”. Nesse sentido, essa mulher era um grande problema para
Ana. O doutor Fred E. Young, falando dessa provocação de Penina, diz:
A sua rival a provocava. Ka´as, a palavra
traduzida para provocar, indica o sentimento despertado por causa de tratamento
não merecido. Usa-se em relação ao sentimento divino de triunfo sobre os
inimigos de Israel (Dt 32.27). Para a irritar. Literalmente, para fazê-la
trovejar. A palavra ra ´am significa provocar intimamente, perturbar, despertar
comoção íntima. 32
Nas duas
palavras hebraicas, podemos atentar para a ação maléfica de Penina; na
primeira, que em nossas Bíblias é provocar, essa mulher agia querendo que Ana
ficasse indignada, cheia de ira, e, na segunda, que fala de trovejar, ela
buscava fazer com que Ana se enfurecesse, tremesse de ódio. Não era fácil para
Ana, pois, não gerando filhos, dela não poderia haver um substituto para
Elcana; através dela seu nome não seria perpetuado. Outro agravante é que,
naquela época, uma mulher não ter filho era como se fosse amaldiçoada por Deus.
Pelo texto se
nota que Penina era declarada uma opositora de Ana em alto nível, isso porque,
mesmo ela não dando filhos a Elcana, ele a amava grandemente e a tratava de
modo lhano. Isso nos leva a pensar que Ana correspondia ao amor do seu marido.
Mesmo sendo estéril, não deixava de fazer seu marido feliz como homem.
As mulheres
cristãs que são casadas não devem deixar que coisas não resolvidas sejam
empecilho para a sua felicidade. Ana era consciente de que seu marido a amava e
que ele confiava nela plenamente, mas ela queria pelo menos um filho para não
perder para sua rival, que a provocava afirmando que ela era amaldiçoada, que
Deus era contra ela, fechando sua madre. No viver diário, Ana sempre era
atacada por Penina, rival que fazia de tudo no intento de a provocar; criava
ciúme, gerava tristeza, queria tornar sua vida infeliz, por saber do grande
amor do marido para com ela. No tocante a Penina, vale a pena fazer uso da
citação de Champlin:
Penina nos faz
lembrar de Xantipa, a esposa do filósofo Sócrates. Sócrates disse que
primeiramente ela trovejava e então chovia. Ela gritava, ralhava e então
chorava. E quase sempre conseguia impor a sua vontade. Por outro lado, Sócrates
dizia: Seja como for, casa-te. Se obtiveres uma boa mulher, então isso será
muito bom. Se obtiveres uma mulher ruim, isso fará de ti um filósofo, e isso
será bom. 33
Ana não se
exasperava. Apesar da provocação de Penina, ela não batia boca, antes se
dirigia a Deus solicitando que aquele quadro fosse mudado. Na perspectiva
teológica dos hebreus, em alguns pontos ela era fraca, posto que uma mulher
estéril era resultado não de problemas biológicos, mas, sim, de algum tipo de
punição, possivelmente por conta de pecados ocultos, dentre outras causas, o
que fazia de Ana objeto de maldição.
Podemos dizer
que Ana sofria muito, pois, além de ter que lidar com a situação de não ser
mãe, sofria com as afrontas de sua rival. Ademais, podese afirmar que Ana
desejava ter um filho para corresponder mais ao amor do seu marido e lhe dar
uma geração. Naquela época, era muito importante ter filhos, não somente por
causa da mão de obra que eles fariam, mas porque eram considerados presentes
vindos de Deus (Sl 127.3).
Buscando
alcançar o favor do Senhor, Ana ia à casa de Deus em Siló. Não era exigido que
as mulheres fizessem peregrinações, mas Ana ia porque ali queria fazer um voto
ao Senhor e solicitar um filho, retirando dela aquele opróbrio. O texto diz que
Penina também ia e, certo dia, provocou intensamente a Ana, em especial
exibindo seus filhos, o que fez com que ela não tivesse apetite para comer,
resultando em prantos e lágrimas. Elcana tenta consolar Ana, pensando que suas
lágrimas eram apenas por causa de sua esterilidade, o que a fazia sofrer. É bem
verdade que esse marido era tudo para Ana, mas ele não podia tirar o peso que
essa mulher carregava na mente, de que não era de toda aprovada por Deus. O
cuidado, amor e carinho de
Elcana não
eram suficientes nem capazes de acalentar de vez o coração sofrido de sua
esposa. Estando todos eles em um sentimento de alegria e prazer por estarem na
presença de Deus, diz o texto: tendo comido e bebido, Ana se sentia derrotada,
sem felicidade completa, fato que foi notado pelo sacerdote Eli, que pensava
que ela estava embriagada, não sabendo ele que ela estava dominada pela
tristeza.
Apesar de toda
essa situação, Ana jamais atacou sua rival, seu marido, ou até mesmo o
sacerdote, e isso prova o quanto ela era humilde, pois procurou enclausurar-se
naquele momento de dor indo direto aos pés do Senhor. Tanto Tiago como Pedro
falaram da importância de nos humilharmos na presença do Senhor, para que, no
tempo certo, sejamos exaltados (Tg 4.10; 1 Pe 5.6). Nossos rivais estão aí,
sempre procurando nos atacar, fazer com que percamos o equilíbrio, o controle,
que pratiquemos ações que evidenciem atos de carnalidade, mas tudo isso pode
ser vencido quando nos humilhamos perante o Senhor. O segredo para a vitória é
nos rendermos aos pés de Deus (2 Cr 7.14).
Ana e sua Amargura de
Alma
Uma análise
meticulosa do texto no hebraico nos dá uma concepção melhor sobre essa amargura
de alma. É claro, o ambiente e a situação que envolviam Ana, como, por exemplo,
as provocações de Penina, o peso da teologia judaica, que colocava uma maldição
em uma mulher que era estéril, estavam a conduzindo à neurose. Observe que
amargura no original é marah e pode ser uma referência a comida amarga, mas a
ênfase aqui é sobre a dor de Ana frente a tudo o que estava enfrentando.
Em 1 Samuel
1.10, o texto está no construto marat naphesh (amargura de alma), e no Léxico
de Hebraico e Aramaico de William L. Holladay, 34 ele assim o descreve:
amargura, aflição. O Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,
falando de “mara”, diz:
O verbo marar é
usado 15 vezes, sempre tendo um homem e jamais Deus como sujeito, a menos que o
verbo descreva uma interpretação que o homem dê acerca das ações e vontade de
Deus. Por exemplo, Jó (e esta raiz e seus vários derivados aparecem um maior
número de vezes em Jó do que em qualquer outro livro do AT [10 vezes]) assim se
queixa: “O todo poderoso, que amargou a minha vida” [...] Semelhantemente,
Noemi diz: “Não me chameis Noemi, chamai-me Mara; porque grande amargura me tem
dado o Todo-Poderoso” (Rt 1.20). [...]. Mar, amargo, forte. Este vocábulo
aparece 37 vezes no AT. Na maioria das vezes usa-se o adjetivo num sentido
figurado, como acontece com o verbo, para descrever uma emoção, embora se achem
uns poucos exemplos de mar num sentido literal. As Escrituras falam de cachos
de uvas amargas (Dt 32.32), águas amargas (Êx 15.23), alimentos (Pv 27.7), que,
embora amargos, são saborosos para os famintos (Is 5.20). 35
Segundo o que
foi dito acima, ainda percorrendo o mesmo dicionário, a ideia geral, no seu
aspecto figurativo, é evidenciar uma reação emocional a algo que pode ser
destrutivo, que inclui uma situação: problemas familiares (Gn 27.34), algumas
dificuldades pessoais (Jó 7.11), situação precária (Sl 64.3), mágoa com
apostasia (Jr 2.19), descontentamento com a liderança (1 Sm 2.22), frustrações
em termos de sonhos e aspirações (Ez 27.30,31). No caso de Ana, seria sua
esterilidade (1 Sm 1.10).
No sentido
bíblico, a amargura é descrita como um sentimento de tristeza (Jó 10.1), um
tipo de ressentimento (Rm 3.14), mas ela envolve padecimento moral, tristeza,
azedume. A amargura, caso não seja logo tratada, pode representar um risco
fatal, pois, quando alguém é dominado por ela, os resultados são desastrosos,
já que passa a estar contaminada pelo sentimento de rancor, ódio; seu coração
fica envenenado, de modo que não pode produzir nada de bom.
Uma pessoa
amargurada jamais olha para os outros com bons olhos, antes, na sua visão, nada
presta, seu emocional é estressante, suas memórias são sempre pungentes. Em
resumo, dizemos que uma pessoa amargurada não tem prazer com a vida e busca
estragar a vida dos outros.
A Bíblia fala de
duas noras que tornaram a vida de Isaque e Rebeca uma amargura: “E estas foram
para Isaque e Rebeca uma amargura de espírito” (Gn 26.35), sem brilho, sem
vida, sem alegria, sem encanto, pois pessoas amarguradas são como vírus letais,
que saem disseminando sua doença. Paulo diz que devemos manter longe de nós
toda amargura (Ef 4.31), inclusive afirma que os maridos não devem tratar suas
esposas com amargura (Cl 3.19).
Quando o escritor aos Hebreus diz que em nós
não deve haver raiz de amargura (Hb 12.15), possivelmente ele tinha consciência
do que esse mal pode causar, pois pessoas amarguradas são como viventes mortos,
como soda cáustica; têm no seu interior feridas incuráveis, as quais resultaram
de traumas da vida, de amor não correspondido, de tratamento ignorante, de
abusos, de violência.
Nós, cristãos,
devemos tratar a todos com amor, evitando assim gerar sentimentos de amargura,
pois um coração ferido é a porta aberta para todo tipo de sentimento ruim.
Salomão falou da importância de guardamos bem o nosso coração, pois dele é que
procedem as fontes da vida. “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu
coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23, ARA). Se a fonte da
vida está ferida, as águas que procederão dela serão contaminadas.
Temos que ter em
mente que Ana era como todo humano: tinha suas vulnerabilidades, porém, sabia
onde deveria colocar seus ressentimentos, suas amarguras — perante o Senhor.
Ele não deixou que esse sentimento a corroesse por dentro. Ela sabia que tudo
poderia ser resolvido através dEle, por isso o texto diz: “[...] orou ao Senhor
e chorou abundantemente” (1 Sm 1.10).
O endereço certo
para derramarmos nossas lágrimas, nossos gemidos e gritos é aos pés de Deus,
pois somente Ele entende o que é de fato a amargura de alma. Todos nós podemos
correr o risco de estar amargurados, mas não podemos deixar que isso nos
domine, pois o que deve permear o nosso ser é o fruto do Espírito (Gl 5.22).
Na situação
que vivia Ana, fazendo uma paráfrase, ela não podia recorrer aos médicos ou
psicólogos, visto que os judeus entendiam que somente Deus era que tinha o
poder de curar e consultar médico era negar o poder divino, inclusive
considerado como buscar um médium. Já dissemos que havia fragilidade na
teologia judaica. Essa teologia irá avançar mais adiante, de maneira que logo
Lucas será considerado como um dos servos de Deus na companhia de apóstolo (Cl
4.14).
O Pedido de Ana
Ana tinha
consciência de que seu problema só quem poderia resolver era o Senhor. Era
costume nos cultos os judeus fazerem votos, promessas, desejando assim uma
bênção da parte de Deus. Ela fez um voto a Deus, afirmando que, caso Ele lhe
desse um filho, iria dedicá-lo completamente à sua obra.
Ana queria que
seu filho fosse plenamente envolvido nas coisas de Deus desde cedo, e que fosse
criado no Tabernáculo. Também seria um nazireu, isto é, na sua cabeça não
passaria navalha nem ele beberia vinho. Vale dizer que Samuel não seria um
nazireu por um tempo, como era de costume, mas, sim, por toda sua vida. A
questão do voto seguia algumas normas judaicas, inclusive teria que ser
aprovado pelo marido (Nm 30.8), mas creio que, frente à sua aflição, ela já
tivesse conversado com o marido, recebendo dele aprovação para tal.
Diante de sua
amargura de alma, essa mulher fez duas coisas importantes. Demorou-se em sua
oração e só movimentava os lábios, orando com o coração, razão pela qual Eli a
teve como embriagada. Eli era um homem experiente e, através do tempo de
ministério, pôde contemplar todo tipo de pessoa fazendo oração no Tabernáculo.
Como de praxe, alguns judeus oram em alta voz, mas aqui duas coisas o
incomodavam: a oração silenciosa e sua demora no pedido. Não sabia ele que essa
mulher estava clamando pela vinda do homem que iria fazer toda a diferença em
Israel, o seu filho Samuel.
É bom entendermos a questão da oração em voz
alta e a oração silenciosa. Para os judeus, a oração em voz alta, além de
espantar o sono, dá maior concentração, porém, a oração silenciosa pode
expressar duas coisas: segredos que não se quer que sejam conhecidos de todos e
dor profunda na alma. Existe oração que só pode ser feita dentro do nosso
quarto, por isso precisamos seguir a recomendação de Cristo Jesus: “Tu, porém,
quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que
está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6.6, ARA).
Sem entender o
que se passava com Ana, julgando-a como embriagada, pensando na honra do
Tabernáculo, Eli a repreende. No Targum, que são traduções ou paráfrases do
Antigo Testamento feitas em aramaico, afirma-se que Ana se conduzia como uma
louca. Ana, com respeito, esclarece sua situação ao sacerdote e diz que estava
ali derramando tudo o que estava no seu interior, no coração — seus
ressentimentos e dores —, ao Senhor, pois somente Ele poderia reverter a
situação.
Ana diz para Eli
não a ter como filha de Belial, ou seja, de Satanás, que tem o sentido de vil,
isto é, uma alcoólatra no santuário, pois somente pessoas que estão cheias do
inimigo é que podem querer fazer isso na casa de Deus. Veja o contrassenso. Os
filhos de Eli, que eram beliais, que exerciam o sacerdócio (1 Sm 2.22), não
foram severamente repreendidos pelo pai, mas uma mulher, que era piedosa, foi.
Depois que Ana
explica toda a situação, Eli então age como deveria, compartilhando com ela de
sua dor. Daí pede a Elohim, o Deus Poderoso, que atenda e confirme seu pedido.
Logo em seguida, essa mulher agradece a Eli por seu apoio concedido, ademais,
ela entendeu que havia achado graça perante os olhos de Eli, assim entendeu
prontamente que seu pedido havia sido atendido, por isso de imediato faz três
coisas: (1) segue o seu caminho; (2) alimenta-se; e (3) manifesta grande
júbilo.
Essa nova
postura de Ana declara sua confiança plena em Deus e a certeza de que a bênção
era certa, pois Ele tinha ouvido suas orações. Sobre o pedido de Ana, não se
deve considerar uma troca, ou algo egoísta. Ela queria ser mãe e pede um filho
para o consagrar inteiramente à obra de Deus. No Comentário Bíblico Beacon,
esclarece-se muito bem o propósito do pedido de Ana, que não deixa dúvida de
que ela não queria algo apenas para si, mas para Deus.
A oração de Ana por um filho incluía o voto
de que (a) ele seria entregue ao Senhor por todos os dias da sua vida e (b)
sobre sua cabeça não passará navalha. Este último detalhe era a característica
provincial dos nazireus (Nm 6.5), homens ou mulheres que eram especialmente
consagrados a Deus. Os votos dos nazireus deveriam ser seguidos por um período
de tempo limitado, mas o propósito de Ana era a dedicação de seu filho para
toda a vida. 36
O pedido de Ana
estava dentro dos propósitos divinos, em momento algum ela pediu algo para
contrapor com sua rival, para ter um menino apenas para ela, mas dedicaria a
Deus. Para um entendimento mais claro desse pedido de Ana recorremos às
palavras de McNair, que diz:
É bom lembrar que Ana vivia sob a Lei. Isto
é evidente pelo caráter da sua oração. Essa oração parecia uma troca de favores
com Deus: caso Deus lhe desse um filho, ela prometia dedicá-lo a Ele. Tem-se
dito que não devemos pedir nada ao Senhor a não ser a dádiva de Sua graça. Jacó
prometeu a Deus o dízimo de tudo em troca de ser alimentado, vestido e
protegido (Gn 28.20-22), uma boa troca de favores. Mas os que conhecem o Deus
da graça sabem que não é necessário fazer isso. Não podemos enriquecer a Deus
pelas nossas dádivas e Ele não vende os seus favores. Sua Palavra é: “Pedis e
recebereis, para que o vosso gozo seja completo” (Jo 16.24). 37
Jamais devemos ter em mente que Ana estivesse
barganhando com Deus ou, como se diz, “uma santa barganha”. Antes, seu desejo
era puro, verdadeiro e visava à glória de Deus.
No livro O Espírito
nos Ajuda a Orar, 38 seus autores afirmam que é possível que a oração de Ana
tenha sido registrada na Bíblia mais por questão de consequências do que por
outra razão. Sua oração gerou um dos mais influentes profetas de Israel,
Samuel, que se tornou o agente de Deus na seleção e unção do incomparável rei
Davi. Note que nesse caso aqui a ênfase está sendo dada mais a Samuel, mas é
bom lembrar que Deus leva em conta um pedido sincero e verdadeiro. Tiago diz
que alguns não têm nada porque não sabem pedir (Tg 4.2). Ana soube pedir bem,
Jacó soube pedir bem. Eles não estavam querendo barganhar com Deus, mas
glorificá-lo mediante as bênçãos dEle recebidas.
Com essa bênção recebida ficava provado que
ela não era uma mulher amaldiçoada, como muitos diziam, mas que apenas Deus
havia cerrado sua madre por um propósito. Nossos pedidos a Deus não podem estar
firmados em trocas, desejos egoístas, mas devem, sim, sempre corresponder ao
querer de Deus, por isso é que João dá ênfase à necessidade de orar segundo a
sua vontade (1 Jo 5.14).
III. A DEDICAÇÃO DE
SAMUEL
O Nascimento de Samuel
Retornando da
peregrinação em Siló, logo pela manhã, bem cedo, Elcana toma suas duas mulheres
e os demais que estavam com ele e retornam a Belém. Estando já em casa, Elcana
tem relação sexual com sua esposa Ana, que a versão Almeida Revista e Corrigida
está certíssima quando faz uso do verbo hebraico yada, “conhecer”.
Entendemos então
que Ana fez sua parte como serva de Deus ao orar e votar a Ele, mas está claro
no texto que, pelo relacionamento sexual, uma ação humana, é que se dá a
concepção, do hebraico harah, que quer dizer “estar grávida”. O nascimento de
Samuel segue o tempo normal de uma gravidez. Esses detalhes esclarecem que Deus
agiu em favor de Ana pelos meios naturais.
O nome que Ana dá
ao seu filho é Samuel, o que corresponde à narrativa textual: pedido ao Senhor.
O comentarista bíblico R. N. Champlin, 39 falando do nome de Samuel, escreve:
nas palavras de Hillerus, ele dá a seguinte definição: Saul-mul-el, pedido aos
olhos de Deus, isso porque Ana fez tal pedido e o voto no Tabernáculo do
Senhor, mas o nome certo, conforme diz Gesênio, o sentido certo do nome de
Samuel é o nome de Deus, apelar para Saul é querer fazer corresponder ao
acontecimento envolvendo as questões circunstanciais. O Comentário Bíblico
Beacon, falando sobre o nome de Samuel, pontua:
Quando a
criança nasceu, Ana chamou o seu nome de Samuel (20 shemuel em 1Cr 6.33), que
literalmente significa nome de Deus ou um nome piedoso. Como recebera a criança
em resposta à sua oração, Ana procura por um nome e um caráter divino. Os nomes
do Antigo Testamento compostos por “el” são derivados de Elohim ou El, os
termos hebraicos genéricos para Deus. 40
O nascimento
foi humano, mas tudo se processou pela ação divina, assim, sendo um homem, Ana
queria dar a seu filho um nome que fizesse jus a todo o acontecimento, que
apresentasse um menino que veio de Deus por meio da oração, que ele se
revelaria como piedoso. Na obra Estudos Bíblicos Expositivos em 1 Samuel, de
Richard D. Phillips, ele nos agracia com uma boa explicação sobre o nome de
Samuel. Veja:
Ana pediu um
filho, e sabia que Deus a havia ouvido assim que orou porque ela conhecia Deus.
Então, quando o filho nasceu, ela quis louvar a fidelidade de Deus ao atender a
sua oração. Aonde quer que Samuel fosse e o que quer que ele fizesse, seu nome
dava testemunho de uma grande e importante verdade sobre Deus. Ele seria um
exemplo vivo de que quando o povo de Deus pede humildemente, o Senhor ouve e
responde com misericórdia e graça. 41
Entendemos que o nome que a mãe põe no filho
não é algo ocasional, sem sentido, antes, havia um propósito especial, que era
testemunhar da fidelidade do Senhor, que respondeu à sua oração. Caso
semelhante se nota no nome que é dado a Isaque. Devido à idade de Abraão e
Sara, o acontecimento iria servir de deboche, mas Sara deseja que todos se
juntem a ela para sorrir por causa da bênção recebida da parte de Deus, mesmo
contrariando toda e qualquer lei da lógica humana.
O cristão, ao olhar para o nascimento de
Samuel, entende claramente que, quando alguém entrega a Deus os seus problemas,
tendo ciência de que Ele é o Senhor dos exércitos, que ouve as orações, agirá
primeiramente tratando com nós mesmos, como fez com Ana, fazendo com que seu
semblante não fosse mais o mesmo e gerando a certeza de que todos quantos se
entregam confiantemente nas mãos de Deus, milagres acontecem.
Com Ana
aprendemos que orar vale a pena em qualquer situação e que não podemos nos deixar levar pelas críticas,
rivalidades, pelas más interpretações que alguém possa fazer de nós, pois, ao
orarmos, os céus vêm a nosso favor.
O Cumprimento do Voto
O voto se
trata de uma promessa solene, através da qual uma pessoa que tem fé se
compromete com Deus. Nas páginas do Antigo Testamento, muitas pessoas fizeram
votos a Deus, os quais eram regulamentados pela lei (Lv 27; Nm 6.2,30; Dt
23.21), mas a prática dos votos vem mesmo antes da implantação da lei. Por isso
que se vê Jacó fazendo voto a Deus (Gn 28.20). Deus não obriga ninguém a votar,
mas quem o fizer deverá cumprir cabalmente (Sl 50.14; 56.12; 65.1; Ec 5.4).
Por um tempo, Ana não subiu com o esposo a
Siló, ficando em casa com o pequeno Samuel, o que revela a mãe cuidadosa que era.
Gosto muito da colocação que Matthew Henry faz sobre o lado de Ana como mãe:
Ana, apesar de sentir um caloroso afeto
pelos átrios da Casa de Deus, rogou para permanecer em casa. Deus quer
misericórdia, e não sacrifícios. Os que por vezes veem-se impedidos de servir a
Deus publicamente, por criarem e cuidarem de suas crianças pequenas, podem
consolar-se com este caso e crer que, se cumprirem este dever com o espírito de
justo, Deus os aceitará afavelmente. 42
É dever dos
pais levar os filhos à casa de Deus, mas existem alguns momentos que isso pode
se tornar inviável, mas não é desculpa para que eles não sejam ensinados,
orientados, e nem para as mães se tornarem relapsas nesse particular.
O marido de
Ana, Elcana, logo iria com os demais para cumprir com suas responsabilidades
religiosas. Na opinião de diversos comentaristas bíblicos, ele estava indo
agradecer possivelmente pela festa da Páscoa ou dos Tabernáculos, sendo que a
última era um tipo de agradecimento pela colheita abundante (Dt 16.10).
O texto diz que
ele subiu para cumprir o seu voto e, nesse particular, alguns tendem a afirmar
que Elcana juntou-se a Ana no propósito feito por ela, de ter um filho e
dedicar a Deus. É claro, o texto não alude a isso, mas, pelo grande amor que
ele tinha por ela, isso não pode ser descartado.
Posteriormente,
Ana iria ao Tabernáculo em Siló para cumprir o voto que havia feito e, enquanto
esse momento chegava, ela aproveitava o tempo que tinha para ficar pertinho do
seu filho, o qual logo seria dedicado a Deus e se tornaria juiz, profeta, um
homem especial nas mãos de Deus. Não foi fácil para Ana cumprir o voto, pois
ela passou algum tempo olhando para o filhinho que tanto desejava, amamentou-o
por aproximadamente três anos, o que intensificava o amor ainda mais, porém,
mesmo assim, ela estava consciente do seu compromisso e não demoraria a
entregá-lo por toda a vida ao Senhor Jeová. Por isso, as palavras sentimentais
do comentário de Champlin são louváveis:
Ana ainda dispunha de poucos meses preciosos
para desfrutar da presença do filho. O voto que ela havia feito era difícil de
cumprir. Nesse cumprimento, grande foi o sacrifício pessoal de Ana. Samuel
precisava ser primeiramente desmamado, para que o voto fosse cumprido. Este
versículo é comovente. Poucos meses agora restavam para que mãe e filho
continuassem juntos. Depois disso, Yahwe tonar-se-ia o companheiro especial de
Samuel. 43
Uma coisa é
clara: na dedicação completa de Samuel a Deus, Ana não perdeu nada. Ainda que
ficasse longe do filho, logo ele seria um grande instrumento para abençoar todo
o povo de Deus. Seria o divisor de águas, um novo vulto. Com ele, uma nova
história iria começar. Como é bênção para os pais saber que colocaram no mundo
filhos que procuram servir, que são úteis à nação, quer seja na política, quer
no judiciário, na educação, na engenharia, ou onde for. Mais especial ainda é
quando esses filhos são instrumentos de Deus a favor da salvação dos pecadores.
Ana diz que, no
momento em o menino for desmamado, ela irá cumprir o seu voto e entregá-lo ao
Senhor. Na questão do desmame, os costumes são diversificados. Alguns povos o
faziam aos dois anos de vida para meninos e aos três para meninas. Na leitura
do apócrifo de Macabeus 7.27, os meninos eram desmamados com a idade de três
anos. Podemos crer que o costume de Israel era mesmo de três anos. Elcana vai
cumprir o voto que havia feito e, depois, será a vez de Ana.
No versículo
24, é dito claramente que Ana cumpriu o seu voto, acompanhado do rito que era
exigido. Note que, pelo texto hebraico, fala-se em três novilhos, o que, para
alguns críticos, na verdade foi um descuido do autor, posto que a Septuaginta
menciona apenas um novilho de três anos de idade, mas em nada isso afeta a
autoridade do texto bíblico, pois não se trata de questão doutrinária. Os 28
litros de farinha, que eram o efa, e o odre de vinho eram elementos necessários
ao rito da consagração, que, por fim, davase o holocausto do animal.
Agora se dará o momento mais difícil para Ana.
Ela teria que deixar o menino Samuel com Eli. O texto diz que ele era muito
criança, no hebraico na`ar, que quer dizer “menino, moço, jovem”, mas crê-se
que ele teria aproximadamente três anos de idade. Ana era consciente de seu
voto e tinha no seu coração a certeza do que Samuel iria ser na obra de Deus.
Por isso, o deixa ali e, é claro, como mãe teve o seu coração partido de dor.
Ana fez um grande sacrifício, mas logo iria louvar a Deus pelas grandes bênçãos
que aconteceriam por intermédio do seu filho.
Dedicação de Samuel
Depois da realização dos sacríficos,
segundo as exigências divinas, Samuel foi conduzido e apresentado à presença de
Eli, o sacerdote, o que doravante estará com ele para ensinar a atuar como
profeta e sacerdote do povo de Deus. Foi servindo no Tabernáculo que Samuel
aprendeu a desenvolver as atividades atinentes ao culto levítico, dentre outras
responsabilidades.
Ana relembra a Eli que três anos atrás
estivera ali e fizera um voto, então agora estava pronta para cumpri-lo (1 Sm
1.10-18). Relata o teor do seu voto e agora quer que ele aceite a criança para
cumprir o compromisso feito com Deus, isso porque não era permitido uma criança
de três anos estar no Tabernáculo, a não ser que o sacerdote permitisse. Ela,
então, esclarece que seu voto era o de dedicar aquela criança ao trabalho do
Senhor por toda a vida. Seu voto era de nazireu. Eli entendeu que Deus estava
trabalhando e, por isso, prontamente aceita cuidar da criança. Ana entrega
Samuel a Eli, que aparece na expressão bíblica “devolvido ao Senhor”. Ela tinha
consciência de que Samuel tinha uma missão grandiosa a cumprir e, caso ficasse
somente em casa, isso jamais iria acontecer. Se quisermos ver Deus agir
grandiosamente, precisamos fazer grandes sacríficos também, por isso é que
Paulo fala da importância de entregar os nossos corpos como sacrifícios vivos
para Deus usar (Rm 12.1).
Depois de tudo,
Elcana louva a Deus, ou, possivelmente, todos da família, e deixa Samuel com
Eli, voltando para Ramá. É claro, o texto não diz, mas não podemos jamais
deixar de falar do sentimento profundo de mãe, o qual com certeza fizeram
lágrimas rolar nos olhos de Ana, mas ela parte com o sentimento de dever
cumprido e alegria de saber que estava deixando seu filho no lugar certo, e que
ele se tornaria um grande homem de Deus.
Osiel Gomes - O Governo divino em mãos
humanas
COMENTÁRIO I.
A Vida e Ministério de Samuel. 1:1 - 7:17.
A. O Nascimento e a Infância de Samuel. 1:1 - 4:1a.
1 Samuel 1
1:
1. Um homem de Ramataim-Zofim. A LXX diz: um homem de
Arimatéia (cons. Mt. 27:57), um zufita. Ramataim, Elevação Dupla, é a
forma dupla de Ramá, "elevação". De acordo com este livro, Ramá foi o
lugar do nascimento (1:19), residência (7:17) e sepultamento (25:1) do
profeta Samuel. Costuma ser identificado com Beit Rima, uma aldeia na
orla ocidental dos planaltos centrais da Palestina, 19,3kms a noroeste de
Betel e 19,3 kms a oeste de Silo. Zufe era um antepassado de Elcana (v.
1) e Ramá, o lar de Samuel (1:19), ficava na terra de Zufe (9: 5).
Portanto, Ramá pode ser o nome abreviado de Ramataim-Zofim. Um
efraimita. Elcana (e portanto Samuel) era um levita (veja I Cr. 6:33) morando em território efraimita. Isto não era coisa fora do comum, uma
vez que os levitas não tinham território tribal mas habitavam entre as
tribos em cidades específicas.
2. Duas mulheres. A poligamia, em desacordo com o ideal para o
casamento (Gn. 2:24), foi praticada por Abrão, Jacó, Gideão, Davi e
Salomão. Este casamento bígamo (provavelmente de acordo com Dt.
21:15-17), foi sem dúvida causado por causa de um primeiro casamento
sem filhos. Nenhuma acusação moral está sendo feita aos casamentos de
Elcana. Ana, ou Graça, também era o nome da profetiza Ana (Lc. 2:36)
e a mãe da Virgem Maria (de acordo com uma tradição), e da irmã da
Rainha Dido de Cartago, sobrinha da Rainha Jezabel. Penina, "Coral" ou
"Pérola", pode ser comparado à Margarida, que significa "pérola".
3. Senhor dos Exércitos. Um título para Deus, o líder dos exércitos
da terra de Israel (Êx. 7:4; Sl. 44:9), e o comandante dos exércitos
celestiais, tanto dos a) corpos celestiais, tais como o sol, a lua e as
estrelas, como dos b) seres celestiais. Este título aplicado ao nome divino
de Jeová, aparecendo pela primeira vez no V.T. em Samuel, proclama
Sua soberania universal. Em Silo. Silo continuava sendo o centro
religioso da nação até depois da perda da arca da aliança na desastrosa
batalha de Ebenézer. Nobe então substituiu Silo como centro religioso.
Jeremias destaca a desolação de Silo como testemunha constante do
juízo divino: "Ide agora ao meu lugar, que estava em Silo, no princípio,
fiz habitar o meu nome, e vede o que lhe fiz, por causa da maldade do
meu povo de Israel" (Jr. 7:12, 14). Os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias.
Os dois nomes são egípcios. Hofni, significa girino, e Finéias - o negro.
4. Oferecia. Seu sacrifício foi uma oferta de gratidão, pois os
adoradores só participavam das ofertas de gratidão (Lv. 7:11-18). Parte
do animal era oferecido em sacrifício a Deus, e o restante era consumido
pelos adoradores em um despretensioso culto de comunhão.
5. A Ana, porém, dava porção dupla. Muitos comentários acusam
Elcana de favoritismo para com Ana. Esta falsa interpretação surgiu na
tradução da Bíblia de Genebra de 1560, que diz: uma porção digna, com base na tradução do Targum da difícil palavra hebraica ‘apayim ("de
duas faces"?) para excelente. A LXX diz ‘epes-ki, "mas", dando a
entender que Elcana dava a Ana apenas uma porção, embora a amasse. O
favoritismo de Elcana consistia não em sua discriminação na mesa da
refeição, mas em amar Ana mais do que amava Penina.
6. A sua rival a provocava. Ka'as, a palavra traduzida para
"provocar", indica o sentimento despertado por causa de tratamento não
merecido. Usa-se em relação ao sentimento divino de triunfo sobre os
inimigos de Israel (Dt. 32:27). Para a irritar. Literalmente, para fazê-la
trovejar. A palavra ra'am significa provocar intimamente, perturbar,
despertar comoção íntima. Mais tarde, a Versão Siríaca traduziu esta
palavra para "lamento, queixa, murmuração".
8. Melhor do que dez filhos. Dez é um número redondo usado para
expressar um grande número. "Não te sou melhor que uma grande
família?" é o significado.
9. Eli, o sacerdote pertencia à família de Itamar, o quarto filho de
Arão. A obrigação dos membros desta família era cuidar da propriedade
material do Tabernáculo. Exatamente quando o sumo sacerdócio passou
para a família de Eli não se sabe. Alguns mestres acham que o templo de
Silo era uma tentativa fracassada da família de Itamar de usurpar o
controle do sumo sacerdócio. Outros acham que a linhagem do sumo
sacerdócio de Eleazar ficou decadente ou talvez até se extinguisse e por
isso este ofício foi transferido para a seção mais promissora da família.
Templo do Senhor. Literalmente, palácio do Senhor. Hekal é uma
palavra emprestada do sumeriano É-gal, "casa grande". Originalmente
era usada para indicar o palácio do rei, enquanto que mais tarde foi usada
significando o templo da divindade. O Tabernáculo era chamado de
"palácio de Jeová", não por causa da magnificência e esplendor do
edifício, mas por ser o lugar da habitação de Jeová dos Exércitos, o
Deus-Rei de Israel (cons. Sl. 5:7).
10. Amargura de alma. Eliseu usa a expressão, "a sua alma está
em amargura", descrevendo a seu servo Geazi o desespero da rica mulher sunamita diante da morte do seu jovem filho (II Reis 4:27). A
frase usada com referência a Ana transmite a idéia de amargura mental,
profundo desapontamento.
11. E fez um voto. Seu voto foi duplo: a) serviço de levita para toda
a vida; b) voto de nazireu para toda vida. Nenhuma dessas posições era
necessariamente permanente entre os hebreus. Um levita servia até a
idade de cinqüenta anos; o voto de nazireu era tomado por período de
tempo específico (veja Nm. 6:2 e segs. com referência à Lei dos
nazireus). Sansão, Samuel e João Batista foram dedicados a um
nazireado perpétuo desde o nascimento.
13. Seus lábios se moviam, porém não se lhe ouvia voz
nenhuma. Oração silenciosa não era característica dos antigos hebreus.
A oração fora do comum de Ana levou Eli a pensar que estivesse
embriagada.
16. Filha de Belial. Belial foi usado em literatura pós-bíblica como
substituto para Satanás. Aqui significa "mulher indigna".
17. O Deus de Israel te conceda a petição. Comentadores judeus
oferecem uma alternativa de tradução que faz Eli predizer que Deus
daria a Ana um filho. O texto hebraico implica em desejo piedoso, não
em predição profética.
18. A mulher se foi seu caminho. A LXII diz: voltou ao seu
alojamento e comeu. Ambas as traduções, a E.R.A. e a LXX, dão a
entender que Ana interrompeu sua rejeição para orar pedindo um filho.
19. Levantaram-se de madrugada, e adoraram. Este costume de
se levantarem cedo para orar é comprovado pelos essênios de Qumran.
Lembrando-se dela o Senhor. A sugestão aqui é que a ação direta do
Senhor foi necessária para a concepção. A partir desta idéia só há um
passo para a crença que uma grande família era recompensa da virtude e
que a esterilidade era sinal de conduta pecaminosa.
20. Passado o devido tempo. Explicado por Kimchi (falecido em
1235), o comentador judeu, como "no fim do período da gestação". É
melhor entender como "ao começar do novo ano", isto é, na próxima peregrinação anual de Elcana. Samuel. Uns fazem este nome derivar de
shemu'a-'el, "ouvido de Deus"; outros, de shemu-'el, "seu nome é
poderoso". No entanto, a derivação de "o nome de Deus", conforme
apresentado por Gesenius, é a explicação preferida. Duas outras pessoas
do V.T. têm o nome de Samuel (Nm. 34:20; 1 Cr. 7:2).
21. A cumprir o seu voto. Talvez Elcana se unisse a Ana na
apresentação dos votos diante do Senhor. A LXX traduz votos e
acrescenta que nesta ocasião ele pagou "todos os dízimos de sua terra"
(cons. Dt. 12 : 26, 27). Segundo Josefo, já se ventilou que o copista
hebreu omitiu o que a LXX registrou por causa da improbabilidade de
um levita pagar dízimos. Contudo, Josefo descreve Elcana como sendo
um levita e de acordo com Nm. 18:26 e segs. e Ne. 10:38, os levitas
pagavam dízimos.
22. Quando for o menino desmamado. De acordo com II Mac.
7:27, as mulheres hebréias amamentavam seus filhos até os três anos de
idade.
23. Confirme o Senhor a tua palavra. Deus ainda não se revelara
a Ana. Talvez as palavras de Eli (v. 17) levaram-no a pensar que Deus
tinha falado por meio do nascimento, e assim eles antecipavam alguma
palavra subseqüente. A siríaca e a LXX dizem: tua palavra, como
expressão de Elcana dizendo que Ana cumpriria o seu voto no devido
tempo.
24. Três novilhos. Dois novilhos, de acordo com Ehrlich, eram
presentes para Eli, e um foi sacrificado (v. 25). Keil sugere que todos os
três foram sacrificados, um pelo voto do menino, um pela oferta
queimada anual e um pela oferta anual de graças. A LXX diz: um
novilho de três anos.
26. Que aqui esteve contigo. Orava-se a) de pé, como Ana e
Abraão (Gn. 18:22); b ) ajoelhando-se, como Salomão (I Reis 8:54) e
Daniel (Dn. 6:10); ou c) prostrando-se, como Moisés e Arão (Núm.
16:22) e Jesus (Mt. 26:39).
28. Como devolvido ao Senhor. Devolver é uma palavra
inexpressiva para descrever o presente que Ana fazia de Samuel para o
serviço do Senhor, no templo de Suo. Aqui a dedicação é completa e
irrevogável.
1 Samuel 2
2:1.
Minha força está exaltada no Senhor é a figura de um boi
selvagem com a cabeça levantada confiando em sua força. Minha boca
se ri dos meus inimigos refere-se a um gesto ainda usado no Oriente
Médio para mostrar escárnio e desprezo.
2. Não há santo como o Senhor. É a santidade do Senhor que o
torna diferente dos homens, transcendente. Esta transcendência é mais
em termos de intensidade que de distância. Rocha . . . como o nosso
Deus. Rocha é uma metáfora freqüente que expressa a força e a
permanência do Senhor. As rochas, passíveis de fácil defesa, eram
freqüentemente usadas como lugares de refúgio. A força de Deus é um
lugar de refúgio (Sl. 91:1, 2).
3. Pesa todos os feitos. Com a figura da balança provando o valor
humano (Pv. 16:2; Dn. 5:27 ), podemos comparar a familiar ilustração
do Livro dos Mortos dos egípcios, onde o coração do falecido é
representado sendo pesado em uma balança com o símbolo da Verdade e
da Justiça, antes que o morto seja admitido no reino de Osíris. O texto ao
qual a parte hebraica se refere, contudo, aplica-se a esta vida.
4. O arco dos fortes é quebrado. Fora de Is. 51:56, hatat não é
usado para indicar a quebra de coisas externas, mas o quebrantamento
humano.
6. Faz descer à sepultura, e faz subir. Embora isto possa se
referir à ressurreição dos mortos, geralmente se entende que os assuntos
da vida e morte estão nas mãos de Deus; e pode se referir ao homem que
Deus conduz até as portas da morte, mas poupa.
8. Levanta. .. do pó, e desde o monturo. O monte de lixo da
cidade era o lugar onde os mendigos dormiam de noite e pediam esmolas
durante o dia. Este versículo mostra como Deus cuida dos fracos e dos necessitados. Assim como o juiz humano tem o dever de julgar a favor
da viúva, do órfão, do estrangeiro e do pobre (Isa. 1:17; Jr. 5:28), assim
Deus, o Juiz divino, julga a favor do desamparado (Sl. 43:1; Is. 11:3, 4).
Assim, sua justiça torna-se o sinônimo da salvação (Is. 46:13; 51:4 -8).
Do Senhor são as colunas. Isto é, os príncipes e os governadores. O
Senhor colocou os homens nos lugares de autoridade e assentou sobre
elas (eles) o mundo, isto é, colocou o governo dos reinos sobre os seus
ombros (cons. Gl. 2:9, onde os homens são chamados de "colunas").
9. Seus santos (hasidim). A palavra hebraica hasidaw fica melhor
traduzida para "lealdade no amor". Transmite a idéia de lealdade a um
acordo. O melhor exemplo nos negócios humanos é a fidelidade aos
votos matrimoniais – lealdade e amor. Hasidaw é geralmente traduzido
para "misericórdia", "bondade", "benevolência". É a raiz de Hasidim "os
piedosos".
10. Seu rei . . . seu ungido. Esta é a primeira referência nu VT. ao
rei como ungido do Senhor. Mais tarde, no pensamento escatológico do
Judaísmo, esta expressão tornou-se característica do esperado Libertador,
o Messias ou o Cristo, que aliviaria os sofrimentos do mundo em uma
era messiânica.
11. Servindo o Senhor. Servir na presença do Senhor indica a
realização das obrigações dos sacerdotes ou levitas em conexão com a
adoração de Deus. Em tal serviço Samuel participava enquanto crescia,
sob a superintendência de Eli e de acordo com suas instruções.
13-17. Costume daqueles sacerdotes. Aquilo que se justifica pelo
precedente De fato, o precedente se encontra na lei de Dt. 18:3 e Lv.
7:31-34. Os filhos de Eli eram culpados de duplo pecado: a) em vez de
tornar apenas a porção que lhes era devida, tiraram tudo o que o garfo
apanhasse, e b) tomavam a sua parte antes que a gordura e o sangue
fossem oferecidos ao Senhor. Ao que parece, os sacerdotes não
aceitavam convites para as refeições familiares, mas queriam que os
pedaços escolhidos fossem enviados aos seus lares. Para se certificarem de que receberiam esses pedaços melhores, insistiam em que seus servos
fossem buscá-los antes das ofertas serem feitas.
18. Vestido de uma estola sacerdotal de linho. A estola sacerdotal
era uma vestimenta leve (II Sm 6:14) usada pelos sacerdotes menos
graduados, os levitas juízes e pessoas importantes, corri propósitos
religiosos. Não deve ser confundido com o éfode usado na profecia.
Embora os sacerdotes egípcios também usassem roupas de linho (ipd),
não podemos ter certeza se suas vestes influenciaram ás dos sacerdotes
hebreus.
19. Uma túnica pequena. O hebraico me'îl indica uma espécie de
manto longo e solto usado pelos reis (I Cr. 15:27), profetas (I Sm.
15:27), homens de posição (Jó 2:12) e mulheres da sociedade (II Sm.
13:18). Tinha uma abertura para passar a cabeça e cortes dos lados para
os braços, mas não mangas. Era usada por cima das roupas de baixo.
21. Cresceu. O mesmo verbo foi usado para com Moisés (Êx. 2:10
e segs.). Pode indicar desenvolvimento mental e moral, além de
crescimento físico.
22. As mulheres que serviam à porta. Êxodo 38:8 menciona estas
mulheres "que se reuniam para ministrar". Há quem pense que os dois
filhos de Eli introduziram a prostituição religiosa de Canaã no templo de
Silo. Outros acham que estas mulheres eram aquelas que cuidavam de
crianças pequenas como Samuel.
24. Fazendo transgredir o povo. A LXX diz: de modo que o povo
do Senhor não adora, isto é, recusa-se a assistir aos cultos por causa da
imoralidade dos líderes.
25. Pecando o homem contra o próximo. Quando um homem tem
uma queixa contra o outro, o assunto pode ser resolvido por Deus através
do seu representante, o juiz (Sl. 82:3), ou por meio da sorte sagrada
lançada pelas mãos do sacerdote. Mas no caso em que Deus é o
queixoso, não pode haver referência a uma parte desinteressada e o
crime incorre em vingança direta do céu. Porque o Senhor os queria
matar. Cons. a linguagem de Êx. 4:21 e Js. 11:20, onde lemos que o Senhor endureceu os corações de Faraó e dos cananeus; e I Sm. 16:14,
onde se diz que um espírito maligno "da parte do Senhor" atormentava
Saul. Contudo, temos certeza de que "o senhor se deleita na
misericórdia" (Mq. 7:18), e "não tem prazer na morte dos ímpios" (Ez.
18: 32).
Esta coexistência da misericórdia com o juízo na vontade divina
(Êx. 34:6,7) é um mistério que transcende a nossa compreensão. Mas é
preciso tomar o cuidado de observar que só depois que Faraó fez-se
surdo diante das repetidas advertências, só depois que os cananeus se
contaminaram com intoleráveis abominações é que Deus endureceu os
seus corações. Só quando os filhos de Eli ignoraram e desafiaram Suas
leis, é que Ele tomou a decisão de matá-los.
27. Um homem de Deus. O cântico de Ana e a profecia do homem
de Deus são os únicos exemplos registrados de profecia desde os dias de
Débora no começo do período dos Juízes.
À casa de teu pai. Isto é, Arão. Embora a genealogia de Eli não se
encontre em parte alguma do V.T., o escritor das Crônicas declara (I Cr.
24: 3) que um dos descendentes de Eli era um "dos filhos de Itamar", o
quarto filho de Arão. Também, o nome de Finéias, outro filho de Eli, é
outro elo de ligação entre ele e a família de Arão (Êx. 6:23, 25).
28. Para queimar o incenso era aspergir um pó sobre brasas vivas
e assim criar um aroma. Cananeus, hebreus, gregos e romanos, todos
usaram isto no culto ás divindades.
29. Por que pisas aos pés. A figura é de um animal mimado e
intratável (Dt. 32:15).
31-35. O versículo 31 refere-se ao massacre dos sacerdotes em
Nobe; os versículos 32, 33, da deposição e conseqüente pobreza de
Abiatar; o versículo 35, da ascensão de Zadoque ao sumo-sacerdócio.
Ezequiel, em sua visão do novo templo, viu os filhos de Zadoque como
sacerdotes verdadeiros.
36. Alguns mestres modernos acham neste versículo uma figura das
dificuldades a que os sacerdotes dos santuários locais foram levados
quando estes últimos foram abolidos pela reforma de Josias.
1 Samuel (Comentário Bíblico Moody)


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