domingo, 29 de setembro de 2019

1- Conhecendo os Dois livros de Samuel





                                               INTRODUÇÃO

Em se tratando do Reino de Deus, tudo se estabiliza ou cresce com uma boa liderança, que tem sua operosidade por meio de homens que Deus usa. A anarquia visível no livro de Juízes (Jz 21.25) revela a instabilidade e o insucesso por falta de uma sólida liderança.
       O momento áureo que irá despontar na liderança de Davi e de Salomão, como descrito em 1 e 2 Samuel e 1 Reis 1–11, contrasta com a conflituosa e instável vivência no livro de Juízes e tonicamente ressalta a significância de bons e verdadeiros líderes, que tenham compromisso com Deus e queiram, de fato, fazer a vontade dEle, tendo súditos que se submetam às normas divinas.
       As mudanças implementadas por Davi e Salomão serão grandiosas no campo político, social e religioso.1Haverá um crescimento sem precedente. As páginas áridas de Juízes serão pintadas com as ações enérgicas de Davi, sob a potente mão de Deus, e embelezadas pelo seu filho Salomão, o que redundará em um panorama florescente.
         O limiar da história de Israel, ainda que apresentado como um povo que confiava em Deus, por vezes revela suas fragilidades, de modo que, sendo composto por tribos, ligadas por laços sociais, errava, pecava, daí voltava-se para o Soberano buscando seu auxílio. Com Davi e Salomão nascerá um reino forte, glorioso, de modo que Israel será a nação mais expressiva e poderosa na região do Oriente Médio.
       A significativa mudança do período dos juízes para a monarquia é visível. Observe que o capítulo 1 de 1 Samuel descreve a família de Elcana indo adorar em Siló. Não havia nada de suntuoso nesse santuário de adoração, ao contrário do Templo feito por Salomão, onde sua glória pungente é majestosa, cheia de sistemas. Precisava-se de uma arrecadação grandiosa para a sua manutenção.
        Ao estudarmos 1 e 2 Samuel, devemos ter em mente que são relatos históricos sólidos e reais de personagens importantes; alguns mantinham relacionamento diretamente com Deus. O que se pretende ao analisar pedagogicamente a vida desses homens é que a fidelidade deles a Deus era a chave para o sucesso e que os problemas nascem quando eles quebram essa aliança.2
       Walter A. Henrichsen,3 tratando sobre o estudo dos personagens bíblicos, denominado biográfico, está certo quando diz: “Esta espécie de estudo bíblico é divertida, pois você tem a oportunidade de sondar o caráter das pessoas que o Espírito Santo colocou na Bíblia e de aprender de suas vidas”.
       Os personagens bíblicos não eram perfeitos, nem etéreos, mas seres humanos como cada um de nós; por isso, nas páginas das Sagradas Escrituras não se ocultam suas fraquezas, lapsos, pecados, mas evidenciam-se aqueles que, apesar de tudo, buscavam vencer tais fraquezas recorrendo ao poder de Deus.
        Joyce G. Baldwin (1921–1995), em seu comentário bíblico sobre 1 e 2 Samuel, percebe na vida desses homens matéria-prima em grande abundância para estudar-se a condição humana, pois eles apresentam a vida real com todas as suas ambiguidades, mas sem o tipo de análise de caráter ou motivação, tal como poderíamos esperar de textos modernos.

       Os homens que tinham comunhão com Deus são descritos como pessoas normais, com erros e acertos; deles podemos aproveitar aquilo que estava de acordo com a Palavra de Deus e rejeitar os atos dissonantes, conflituosos, resultantes da quebra da aliança divina.

       Paulo está certo quando diz que o que foi escrito é para nossa advertência (1 Co 10.11). Sendo assim, faremos um passeio turístico pela Bíblia que compreende 130 ou 140 anos, envolvendo os seguintes personagens: Samuel, Saul e Davi, cada um apresentando algo positivo e algo negativo. Nesse caso, devemos seguir a recomendação de Paulo: julgar todas as coisas e reter o que é bom (1 Ts 5.21).

                                                                                    Pr. Osiel Gomes





I. CONTEXTO HISTÓRICO DE 1 E 2 SAMUEL
A Originalidade de Samuel
Para uma visão panorâmica do conteúdo de 1 e 2 Samuel, faremos um passeio em aspecto geral, no afã de situar você, leitor, no contexto, a fim de que possa assimilar bem o que nele está proposto.
        Ao abrir a Bíblia Hebraica Stuttgartensi, logo você lerá Shemoel a b b (a, b) e, na Septuaginta, Basileion A. B. G. D. O Cânon Hebraico apresenta 1 e 2 Samuel como um só livro, ou seja, sem a divisão que consta em nossas Bíblias em português. Diversos nomes aparecem nas páginas desses dois livros, mas o protagonista é Samuel, ainda que a ênfase sobre ele seja mais forte nos primeiros quinze capítulos do primeiro livro. Já no segundo, seu nome não aparece, mas ele continua sendo o personagem influente.1
        Particularmente, podemos asseverar que isso se deve ao fato de ele haver ungido os dois primeiros reis de Israel, Saul e Davi, o que se tornou algo indelével, mas, talvez, essa ênfase nos dois livros resulte de sua forte influência como profeta de Deus. No segundo livro que leva seu nome, Samuel não aparece mais, posto que a última referência a ele consta em 1 Samuel 28.20.
       O nome de Samuel é forte nos dois livros, sendo que ele é citado 125 vezes só no primeiro livro. Em diversos outros livros das Escrituras Sagradas, seu nome também aparece, como em Crônicas, Salmos, Jeremias, Atos e Hebreus. No geral, perfaz um total de 136 vezes que seu nome é citado. Quanto a essa ênfase constante do nome de Samuel, podemos estar convictos de que não se trata de mera casualidade, mas de dois fatores preponderantes: a presença do Senhor em sua vida e a sinceridade em suas palavras.
        Em sua origem, como dissemos, no hebraico, esses livros eram um só. A alteração se dá com o surgimento da Septuaginta (LXX) e daí surge a divisão em dois — 1 e 2 Samuel —, os quais eram denominados Livros dos Reinos. Nessa época, também os livros de 1 e 2 Reis, como aparecem em nossas Bíblias, eram chamados de Livros dos Reinos III e IV.2 Vale ressaltar que é importante que entendamos a citação dos livros dentro do Cânon Hebraico, também feita por Jesus Cristo (Lc 24.44). Segue então essa estrutura no hebraico:

•Lei. Os cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
•Os profetas. Estão arrolados em oito livros.
- Os primeiros quatro livros são chamados de profetas anteriores: Josué, Juízes, Samuel, Reis.
- Profetas posteriores, mais quatro livros, os quais envolvem os primeiros três profetas maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel.
- Profetas menores, um livro, mencionando os outros doze profetas.
•Os Kethubhim ou Escrituras. Esses são em número de onze livros, os quais podem ser classificados assim:
- Os poéticos. São três livros: Salmos, Provérbios, Jó.
- Os cinco rolos ou Megilloth. Cantares de Salomão, Rute, Lamentações de Jeremias, Eclesiastes, Ester.
- Os três livros históricos: Daniel, Esdras (com Neemias), Crônicas.

      Esses livros fazem um total de 24 do Antigo Testamento no Cânon Hebraico, o que, nas nossas Bíblias, corresponde a um total de 39 livros. Em que se baseia a contagem diferente? Podemos responder a essa pergunta usando as palavras do Dr. Turner, em sua Introdução ao Velho Testamento:
Os livros históricos, Reis, Crônicas, e Esdras-Neemias, são por nós divididos em duas partes ou livros dos profetas menores, que os hebreus consideravam como um livro só, fazem com que 24 livros mais 11 livros sejam os mesmos 39 livros que temos em nossas Bíblias. Ocasionalmente os judeus uniam Rute com Juízes e Lamentações com Jeremias, perfazendo assim um total de somente 22 livros. (Isso correspondia às letras do alfabeto hebraico).3
      É bom levar em consideração que o livro de Samuel é da categoria dos profetas anteriores, incluindo ainda os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Essa classificação se dá simplesmente pelo fato de relatarem a história que começa com a morte de Moisés indo até o desfecho do reino. A inclusão de Daniel como histórico, e não profético, é resultado de dois fatores: primeiramente, ele não era considerado profeta, ainda que tenha profetizado; em segundo lugar, a metade do seu livro se enquadra em um conteúdo histórico.

Os Personagens Principais do Livro
     Diretamente citamos os seguintes nomes: Samuel, o profeta, e logo em seguida vêm os dois reis que ele ungiu — Saul e Davi. É bom lembrar que Samuel, sendo filho de Elcana, era um levita. Conforme descreve o texto, ele nasceu em Ramataim-Zofim, que pertencia ao território de Efraim.

      Stanley A. Ellisen,4 falando de personagens importantes que se destacaram no Antigo Testamento, salienta três nomes: Moisés, Samuel e Esdras. Esses três homens tiveram um papel relevante na formação da Palavra do Senhor. De Moisés veio o Pentateuco, os primeiros cinco livros da Bíblia. Esdras contribuiu com quatro ou cinco livros e organizou o cânon. Já o profeta Samuel é apontado como autor de três dos livros do meio desse período.
     É notável que Samuel tem destaque não somente por ser profeta e escritor, mas, sim, porque através dele foi que se deu a ação da unção dos primeiros dois reis de Israel por ordem do Senhor, o que prosseguirá com outros profetas, culminando com o ato solene de João Batista ungir a Jesus Cristo como uma consequência profética (Mt 3.14-16).

        Acreditamos também que não foi por mera casualidade que os tradutores passaram a usar como título do livro o nome Samuel. Na verdade, é claro, evidenciava sua humanidade, mas crê-se que essa reminiscência tinha como propósito egrégio falar de um humano pedido a Deus, ou ouvido por Deus.

       O nome Samuel tem origem no hebraico Shemu’el, que quer dizer literalmente seu nome é Deus. O primeiro elemento tem relação com o aramaico shem, shema, shum, que significa nome, e o segundo, El, quer dizer Deus, Senhor. A Vulgata Latina de Jerônimo conferiu aos dois primeiros livros, de um total de quatro, o nome de Samuel. Na Bíblia Vulgata Latina, você encontrará a seguinte expressão: Incipit Liber Samuhelis, O livro de Samuel começa. Creio, particularmente, que o trabalho de Samuel, na transição entre teocracia e monarquia, tenha certa ligação com o seu nome, isso porque na questão teocrática era Deus agindo pelo seu povo por meio de homens, os quais eram escolhidos, como antes Ele vinha fazendo por meio de Moisés e de Josué.
        O momento teocrático, que se iniciou ainda no Êxodo, quando Deus agiu selecionando homens para conduzir seu povo à Terra Prometida, perpassando por Josué, juízes e chegando até Samuel, revela que, diante da vida marcada de pecado de Israel, de Eli e seus filhos, Deus estava atento a tudo, por isso escolhe Samuel para ser o seu representante nos momentos deploráveis.

         Samuel vai ser o personagem de um novo e grande momento na conquista da vida israelita, a monarquia. Aos olhos de cada judeu será algo maravilhoso, pois representará uma conquista histórica, social e política no aspecto organizacional; todavia, no quesito espiritual, nascerá uma crise grandiosa que causará grande recuo, que só será vencida com a segunda vinda de Cristo à terra.
      Não se pode apenas falar de fracasso no período monárquico, posto que Deus trabalha como Ele quer. Assim, afirmamos categoricamente que esse momento da monarquia foi usado também por Deus, pois é de Davi, no sentido de descendência, que Jesus virá. Nesse particular, são cabíveis as colocações de Roy B. Zuck, que entende a monarquia como um meio usado por Deus para relacionar o seu povo entre outros povos. O terceiro ofício usado por Deus para mediar o seu reino entre os povos foi a monarquia ou a realeza. A mudança na liderança de juízes para reis foi dramática e traumática. O governo por juízes permitia as tribos manterem maior independência. Os juízes surgiam espontaneamente e, com raras exceções, não perpetuavam o governo aos filhos que tiveram. Os reis reinavam sobre o todo o Israel continuamente e eram sucedidos por filhos quer fossem dignos ou não. Mesmo assim, o Senhor trataria com o rei no que tange ao merecimento e o mediria de acordo com o concerto davídico e o ideal davídico. Subsequentemente, o rei ideal tonar-se-ia o principal tema nos profetas, um rei que julgasse o povo de forma honesta e com justiça. Nesse grande futuro escatológico, este rei ideal será chamado de Davi, visto que Ele cumprirá mais do que o ideal davídico (Ez 34.23,24).5

        Entendemos que, a partir desses personagens bíblicos — Samuel, Saul, Davi —, deve-se levar em consideração o aspecto humano, de maneira que, ainda que fossem bons ou perfeitos relativamente, não poderiam ser o modelo ideal para a nação de Israel, de maneira que ela iria sempre periclitar na sua busca constante por alguém que se tornasse de fato o rei que os israelitas desejavam, razão pela qual nasce o ideal davídico.

      Precisamos entender, no entanto, que é por meio das fragilidades de cada um dos personagens elencados acima, de seus complexos psicológicos, que o Deus transcendente buscou ser imanente em cada um, tratá-los de modo que pudesse fazê-los viver segundo a sua vontade.

       A humanidade de Samuel, Saul e Davi, em suas complexidades existenciais, emocionais, falhas, jamais foram obstáculo para que Deus os usasse, porém, a despeito de Saul, sua obstinação, teimosia contumaz, o levou a ser desprezado por Deus, não por causa de sua humanidade, mas, sim, por sua vontade deliberada de não se submeter a Deus. Nesses três personagens, podemos enxergar cada um de nós, com nossas individualidades, nossos complexos, nossos desejos, aspirações, falhas, pecados, ambições e, por vezes, as posições que ocupamos nos fazem esquecer de Deus, porém, essa humanidade frágil, suscetível constantemente de queda, pode ser amalgamada pela presença do Eterno, o que resultará nas palavras de Paulo: “E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (2 Co 12.9).
        Nossa ínfima humanidade não é razão para Deus deixar de nos usar. Prova disso é que Ele usou homens normais, com falhas, mas que se dispuseram a viver segundo a sua Palavra. O senhor quer usar qualquer pessoa, desde que seja humilde e que renuncie seu egocentrismo, prepotência humana, diante do poder divino.

Propósito de 1 e 2 Samuel
      Transição deve ser a palavra certa para tratar do propósito dos livros de 1 e 2 Samuel, isso porque eles visam, de modo conexo, narrar a história pormenorizada dos eventos que se sucederam dos antigos juízes ao período da monarquia. Não se pode fazer qualquer desconexão do livro de Samuel com os outros presentes no Antigo Testamento, pois se harmonizam na contextura histórica de modo geral.

        Moisés foi o primeiro juiz de Israel, uma grande figura para o povo de Deus. O último deles será Samuel, que também será apresentado como um grande profeta, que ungirá os dois primeiros reis de Israel. O propósito maior desses dois livros é descrever o papel desse homem como agindo na difícil transição da teocracia para a monarquia, como também de seu grande ofício profético nas páginas veterotestamentárias, indo até João Batista, como é citado: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele” (Lc 16.16, ARA).
        O doutor Stanley A. Ellisen nos agracia com uma maravilhosa e propícia colocação ao tratar sobre o objetivo dos dois livros de Samuel:

O objetivo dos livros de Samuel é apresentar a história do desenvolvimento de Israel desde um estado de anarquia até um estado de monarquia teocrática. Dá uma descrição religiosa do crescimento da nação, mostrando a futilidade da tentativa de unificação e crescimento nacional por esforço e liderança humanos, bem como o grande poder e prestígio de uma nação fundada em princípios teocráticos sob um rei indicado por Deus. Motivo dominante é a glória e o poder de uma nação que corresponde ao Senhor Soberano.6

       Nessa colocação, percebemos que qualquer busca por crescimento, unificação por forças humanas, sem a presença de Deus é inútil. Isso fala fortemente para nós, Igreja do Senhor, que devemos priorizar o crescimento, o sucesso, pautado nos princípios espirituais, jamais nos esquecendo de que sem Jesus nada podemos fazer (Jo 15.5).

      Há, claro, uma variedade de assuntos presentes em 1 e 2 Samuel, porém asseguramos que, no tocante aos propósitos, destaca-se o que foi supracitado. Além disso, há aqueles que podem ser listados como exemplo para nós no que tange à questão espiritual e moral, os quais são resultado das experiências vividas pelos três personagens principais dos livros.
       Com Samuel, aprendemos que o crescimento e a estabilidade do nosso ministério dependem de nosso servir com obediência e sinceridade, ser verdadeiro no falar (1 Sm 3. 19-21). Com o rei Saul, aprendemos que podemos estar vulneráveis a forças demoníacas, entre outros transtornos, quando não confiamos em Deus, quando nos deixamos levar pela sede de poder. Seu insucesso resultou da não obediência à voz divina (1 Sm 14.26). Já com Davi, aprendemos que podemos perder grandes privilégios ao nos envolvermos com o pecado. Esse procedimento quase lhe custou a vida e o trono.

II. AUTORIA E DATA
Autor e Título

     Trataremos primeiramente do autor do livro. É variável e questionável essa questão por diversos estudiosos, todavia, no seu elemento interno, atribui-se a Samuel parte do escrito do livro, dentre outros nomes que vêm depois dele, como Natã e Gade (1 Sm 10.25; 1 Cr 29.29). Além desses, não há qualquer menção a outros autores que pudessem ter escrito 1 e 2 Samuel.

        Entendemos claramente que no seu todo Samuel não escreveu os dois livros, pois sua morte se deu quando o rei Saul ainda vivia. Ademais, o glorioso reinado de Davi não foi presenciado por ele, mas é forte o argumento do Talmude ao afirmar que boa parte dessa obra tenha sido escrita por esse profeta.
         Podemos dizer que as críticas volumosas sobre o autor de Samuel se devem a essas duas interfaces — que Samuel morreu antes de Saul e que o segundo livro reserva seu conteúdo para tratar especificamente sobre o reinado de Davi. Nesse cenário é que a alta crítica7 irá atuar, assegurando que esses livros tiveram diversas origens, daí o motivo de se falar em múltipla autoria.
        A alta crítica, obviamente, fala das contradições, relatos que são duplicados, presentes nos dois livros. Sendo assim, através da múltipla autoria, poderia se resolver certas dificuldades que foram surgindo no decorrer do tempo, pois os autores se apropriaram de algumas informações históricas dignas de confiança, como também de informações orais, tradicionais. A alta crítica argumenta ainda que, de Deuteronômio a Reis, aconteceu uma reescrita de tudo, o que se deu em 621 e 550 a.C., e que esses mesmos compiladores foram os responsáveis por escrever os dois livros de 1 e 2 Samuel.
        Existe também a teoria das fontes informativas. Por meio delas se assevera que 1 e 2 Samuel nascem de um misto de fontes diversas. Fala-se em dois ou três tipos delas. Para Eissfeldt, 1 e 2 Samuel procedem das fontes informativas J, E e L, sendo que as duas primeiras são oriundas das teorias J. E. D. P. S.
        Muitos estudiosos apelam para essas fontes, afirmando que os livros bíblicos de Gênesis a Reis advieram delas. No tocante à letra L, ela pode expressar ou tratar de informantes leigos; também evidencia opiniões vulgares, sem qualquer pretensão teológica, firmadas na Arca da Aliança. São muitos os que creem nesses tipos de teoria ou fontes, razão pela qual ratificam que os livros de Gênesis a Reis foram escritos fundamentados nelas.8

        Nesse parâmetro, existem aqueles que questionam se algumas fontes alcançaram o conteúdo de 1 e 2 Samuel.9 Bentzen crê que as fontes J e E não fizeram parte do conteúdo de Samuel. Albright descarta essas duas fontes como sendo recorridas para o conteúdo ora apresentado. Para Segal, que também dispensa as fontes informativas para Samuel, houve outras narrativas que se ajustaram, como sendo independentes, no tocante a Samuel, Davi e Saul: a Arca. Entra em cena também sobre a questão de 1 e 2 Samuel a denominada Escola Tradicional Histórica. Seus idealizadores propõem que as sagas no tocante à Arca da Aliança, dentre outros assuntos, foram criadas. Daí se tem diversas crônicas sem uma harmonização plena, mas desconexas, por isso remetem os escritos de 1 e 2 Samuel a tempos posteriores, ou seja, o período pós-exílio.

        Muitos dos que não creem na inspiração bíblica, como deveriam, procuram desfazer dos escritos canônicos e, para isso, apresentam suas evasivas. No tocante a Samuel, afirmam que são meros conteúdos de tradições orais, ou simples fragmentos de novelas históricas buscando exaltar certas personagens bíblicas, como, por exemplo, Davi, mas que, na verdade, ainda que exista algum elemento histórico nesse particular, seria mutável, variável, flutuante.

        Podemos considerar o esforço de muitos em compreender a autoria real dos livros de 1 e 2 Samuel, todavia, entendemos que o melhor de tudo é ficar com o que realmente crônicas relata (1 Cr 29.29) e que um compilador organizou — o que os três autores fizeram, inclusive o ato de recorrer ao Livro dos Justos (2 Sm 1.18), que se tratava de uma fonte histórica.

       Há grande perigo em seguir as teorias das fontes. Nesse sentido, Joyce está correto ao encetar em seu livro três colocações sobre a questão das fontes. Ele é partidário do ponto de vista de que perguntas quanto à composição dos livros poderiam ser feitas, porém as fontes apresentadas por esses pesquisadores não se firmaram em dados sólidos.
         Podemos dizer que o trabalho de Wellhausen e demais pesquisadores, pelos métodos de estudos adotados, contribuíram grandemente na pesquisa envolvendo conhecimento linguístico, literário e histórico, o que levou muitos a terem interesse por um conhecimento mais profundo do texto das Escrituras Sagradas. O grande problema nessa questão toda, porém, é que antes os estudiosos eruditos se rendiam perante o texto, mas, doravante, o texto ficava sob seu controle, de maneira que faziam o que pretendiam com ele. Assim, a rigor, a autoridade sobrenatural foi descartada e valorizou-se mais o método científico, buscando sistematização e crença por meio unicamente da razão.

         A essência do que consta nas Escrituras é que sua mensagem, por si mesma, é vivificante, conforme escreveu o escritor aos Hebreus, ao afirmar que a Palavra de Deus é viva e eficaz (Hb 4.12), Desse modo, o texto bíblico não pode se restringir ou ser delimitado pelo seu leitor, antes, deve se render com temor a ele para poder desfrutar das maravilhas ali presentes, clamando como o salmista: “Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei” (Sl 119.18).

Uma Descrição das Fontes Diversas
      Sabe-se que comumente os judeus viam o Pentateuco como sendo de autoria de Moisés, pensamento que também irá permear o ambiente cristão. Foi, porém, em 1670, quando um judeu de nome Baruch Spinoza passou a dizer que na verdade o Pentateuco poderia ter outro autor, no caso Esdras. Passou a surgir nesse particular teoria diversa sobre esse assunto.

       No comentário bíblico editado por F. Davidson (O Novo Comentário da Bíblia), falando dessas críticas das fontes e documentos, o autor descreve com precisão os males que tais fontes causam. Por isso é que precisamos rejeitá-las.

Não vem a propósito encetar uma discussão acerca dos princípios sobre os quais os críticos liberais construíram uma teoria que lhes permite dividir o Velho Testamento por escritores desconhecidos como J, E, P, D, bem assim como por muitos outros com estes intimamente relacionados. Pensamos que esses críticos e suas escolas construíram as suas teorias sobre alicerces errados. Muitas das suas suposições basearam-se em ideias erradas e rejeitou-se sempre o elemento sobrenatural da revelação. Procurou-se, sobretudo, fixar as fontes de origem numa data recente, a fim de atribuir as elevadas concepções morais e espirituais do Velho Testamento a naturais princípios de evolução, eliminado assim o elemento sobrenatural ou, pelo menos, reduzindo-o ao mínimo. Para os críticos liberais, os livros de Samuel comprovam, ainda mais que os do Pentateuco, a existência sobre autores diversos.10

        Abaixo apresentaremos alguns representantes das teorias documentárias, mas atentando para o que foi dito acima: elas se fundamentam em ideias erradas, não consideram o aspecto sobrenatural, espiritual, pontuando que as elevações morais e espirituais são evolutivas.

       Essas teorias se originaram devido aos diversos nomes de Deus, os recursos literários. As fases diversas dos cultos fizeram com que os críticos passassem a pensar que para tudo isso existiam inúmeros documentos originais; dentre eles iremos apresentar alguns. O primeiro a se mencionar é Jean Astruc (1753), que afirmou que era possível haver autoria dupla para o Pentateuco, posto que ali estivessem presentes dois nomes de Deus: o primeiro, Elohim, que passa a ter a fonte E.; o segundo, Yahweh, que tem a fonte J., do nome Javé. Quem anda nessa mesma linha de pensamento é Johann Eichorn (1780); para ele havia dois escritores para o Pentateuco, posto que os estilos literários eram diferentes.
        Diferentemente dos dois nomes citados acima, aparece Alexander Geddes, também conhecido como W. M. Wett (1792). Ele acreditava que no caso do livro de Gênesis não havia apenas um autor, Moisés, mas que eram diversos, ao passo que alguém reuniu todos esses documentos partindo dos mais primitivos.

         Mais três nomes merecem ser destacados aqui: Karl Graf, Hermann Hu- pfeld, Abraham Kuenen (1853-69), os quais trabalharam na divisão de um documento E., buscando separar um código denominado Sacerdotal P. Eles entenderam que Deuteronômio era o último documento denominado D. Por fim, vamos citar o nome de Julius Wellhausen (1876). Por meio dele se deu a clássica organização da teoria documentária em ordem JEDP. Esse homem apresentou datas tardias para o Pentateuco, afirmando que fora escrito durante o exílio ou posterior a ele. Para a compreensão dessas letras, vamos especificar o sentido de cada uma delas:
•Letra J. Trata de Javé. Nesse caso, os escritos se deram no Reino do Sul
(950 a.C.).
•Letra E. Corresponde ao nome de Deus — Elohim. Fazia parte do Reino do Norte (850 a.C.).
•Letra D. Deuteronômio. Sua época é antes de Josias (650 a.C.).
•Letra P. Código Sacerdotal. Nele constavam as tradições mosaicas, as genealogias sacerdotais. É pós-exílio, tendo sua data em 525 a.C.

        Com a apresentação dessas fontes, destacamos que duas coisas aconteciam: primeiramente, a inspiração divina é posta em questionamento, pois cada livro é produto das invenções religiosas, e não palavras diretas do Senhor. A segunda é que os acontecimentos presentes nos livros, ou seja, suas narrativas, não são confiáveis, pois alguns acontecimentos não passam simplesmente de alguma coisa criada por seguidores de suas próprias crendices ou religiosidade.
       Agora trataremos da data do livro, que é muito discutida, todavia, se levarmos em consideração que quem os escreveu foi Samuel, Natã e Gade, tais escritos foram feitos no período do reinado de Davi, ou tempos próximos. Na questão dessas datas, os pesquisadores patinam grandemente. Eles apontam os capítulos 9–20 de 2 Samuel como tendo sido escritos no século X a.C.; as demais porções foram escritas em tempos posteriores, chegando até o período pós-cativeiro babilônico.
         Apresentam-se dois fortes argumentos para se confirmar que esse livro foi escrito em datas anteriores: primeiro, a questão da promessa davídica, que, nesse caso, Davi a teria imposto para preservar sua dinastia, o que também preservaria o reinado de Salomão, seu filho, e que isso teria que ser no limiar do seu reinado, ainda que da parte de Judá aceitasse Davi como rei, as demais não. O outro argumento está no texto de 1 Samuel 27.6, afirmando que Ziclague pertence ao rei de Judá; assim ficava prova do que o livro de Samuel fora escrito no período da monarquia dividida, depois do reinado de Salomão. Para outros, porém, essas palavras foram colocadas tempos depois. Diante de todos esses pontos discursivos, a datação apresentada para os livros é a seguinte: 970 a 722 a.C.

A Situação Espiritual e Política de Israel

        O panorama que é descrito logo no preâmbulo do capítulo 1 de Samuel é um quadro de letargia espiritual grandiosa, mas não para por aí. Lendo o capítulo 7 de 1 Samuel, a idolatria, que era proibida terminantemente por Deus, estava sendo praticada pelo povo de Deus de forma descabida.
       Outra coisa forte no meio israelita era a imoralidade, a qual tinha atingido os dois sacerdotes filhos de Eli, que serviam no sacerdócio em Siló. O coração deles era dominado pela luxúria, cobiça, dentre outros pecados. No tocante a Eli, Deus não o repreendeu por qualquer falha no seu sacerdócio; antes seu pecado era devido à falta de disciplina para com os seus filhos, razão pela qual sofreria as consequências divinas, inclusive a perda do sacerdócio (1 Sm 2.29,33).

        É preciso entender que não somente Eli e seus filhos estavam vivendo essa lassidão espiritual e moral, mas também o povo de Deus estava atolado no lamaçal do pecado e da imoralidade. Muitos estavam vivendo dissimuladamente uma religião de aparência, pois praticavam os mais absurdos atos imorais e idolátricos. Por tudo isso, era inevitável o julgamento da parte divina, que viria através dos filisteus. Por causa desses pecados, eles perderam a Arca. Eli e seus filhos faleceram de maneira dramática.

       Podemos dizer que o fracasso político de Israel derivava também de sua situação espiritual, no século 11 a.C.; percebem-se lideranças fracas, divisões presentes, uma anarquia total, tudo por causa da falta de um grande líder. Juízes confirma isso quando começa falando da morte de Josué, que, depois dele, a nação se fragmentou, ficou sem liderança forte (Jz 1.1), razão pela qual surgiram os líderes emergentes, ou seja, os juízes, por vezes indicados por Deus, mas, em alguns casos, pelos próprios sacerdotes.
        Vale dizer que, fora esses problemas, Israel enfrentava as ferrenhas perseguições dos seus opositores, com destaque, claro, para os filisteus da região sudoeste. Havia também os vizinhos consanguíneos. Foram os filisteus que os derrotaram e tomaram a Arca da Aliança, mas eles também dominaram e se apossaram de boa parte da Jordânia Ocidental.

        No tempo do reinado de Davi, a questão do estado político, especialmente da união, é bem problemática, primeiramente porque ele terá que enfrentar oposição do lado de dentro e, mais adiante, também do lado de fora, mas, sendo ele o líder escolhido por Deus, grande guerreiro, sempre dependendo do auxílio divino, paulatinamente foi lutando e colocando as coisas no devido lugar. Não demorou para que a nação começasse a ter grande respeito e crescimento político.
       Como um líder nato e selecionado por Deus, Davi, com sua liderança forte, conseguirá derrotar e expulsar os filisteus; não somente eles, mas a força de Edom, Moabe, Síria, Amom, dentre esses muitos se tornaram subservientes a Davi; outros ainda irão fazer com ele pacto de paz. Mais uma vez destacamos que tudo isso aconteceu porque Davi sempre buscou o socorro em Deus, pois é Ele quem estabelece reis (Dn 2.21).

III. A TEOLOGIA NO LIVRO DE SAMUEL
O Historicismo Profético

Na questão do historicismo profético, não se atrelando ao lado histórico profético como fonte, o que se pretende enunciar é que os acontecimentos envolvendo os três capítulos mais destacados dos livros de Samuel, os quais assinalam a grande mudança na sua estrutura espiritual e social, não transcorreram por mera casualidade do destino, mas se desenrolaram sob a égide divina, por meio do peso das palavras proféticas, as quais são definidas como pressuposições teológicas.
        Em cada momento vivido pelo povo de Deus, Israel, o Senhor estava no controle de tudo — é isso o que se pode ver na análise dos três capítulos que revelam esse lado teológico. O conteúdo dos livros de Samuel é histórico, mas sabe-se que ambos têm um peso teológico muito forte, que diversos autores salientam como três pontos principais: (1) a soberania divina; (2) o pecado; e (3) o pacto davídico.
Joyce G. Baldwin, falando do ponto de vista teológico do livro, assegura:

Nos livros de Samuel, há três capítulos que se destacam como marcas, caracterizados por sua interpretação das mudanças históricas que estavam ocorrendo na estrutura de liderança de Israel. São eles: 1 Samuel 7, 1 Samuel 12 e 2 Samuel 7. Isso não quer dizer que o restante dos livros não seja teológico, pois pressuposições teológicas permeiam o todo; contudo, nesses capítulos um profeta expõe a palavra divina para cada etapa da crise que o povo de Deus estava atravessando.11

        No que tange à questão do aspecto teológico presente nos livros de 1 e 2 Samuel, é preciso entender que existem elementos nas Escrituras que não podem ser apresentados ou entendidos somente em um contexto histórico, físico, mas somente em Deus, o autor da Bíblia.12
         A teologia desses dois livros, segundo Roy B. Zuck,13 está em dois níveis: no dos acontecimentos envolvendo a vida de Samuel, que é um jovem que aprende na casa do Senhor, torna-se um juiz de fé, e também no de Davi e Saul, revelando o lado humano e o tratamento divino com cada um, pois ainda que apresentassem pecados, erros, falhas, Deus estava controlando cada acontecimento para concretizar os seus propósitos.

        Primeiramente temos que entender no texto que é descrito tanto a vontade soberana como a vontade permissiva da parte do Senhor. É claro  que em momento algum Deus ficou feliz com a atitude do seu povo em querer um rei como as demais nações, inclusive de ele lutar suas batalhas, posto que desse modo estavam desprezando a vontade soberana do Senhor (1 Sm 8.7). Deus permitiu que Israel tivesse um rei, inclusive posteriormente afirma que o abençoaria, mesmo tendo o povo feito a escolha, no caso Saul (1 Sm 9.16).
        Uma leitura precisa do texto mostra que Deus deu oportunidade a Saul para que tivesse condições de fortalecer o seu reino, inclusive a ênfase é bem clara: “para sempre” (1 Sm 13.13). O que leva Saul a ser rejeitado é o seu próprio pecado. Não há qualquer apontamento de Samuel em afirmar que a perda da dinastia de Saul era porque ele fora predestinado, mas, sim, porque não procedera como deveria. Desse modo ele é punido por seus pecados.
         Podemos entender que de antemão Deus sabia e previu tudo o que aconteceria com Saul, mas, como disse, Ele deixou acontecer para evidenciar ao povo que um rei escolhido apenas pela vontade humana é muito prejudicial. O que deve se levar em consideração na questão de Saul é que envolvia também o lado da responsabilidade humana.
         Creio que você tenha percebido que o primeiro aspecto teológico dos livros de 1 e 2 Samuel é em relação à soberania de Deus. O segundo é quanto ao pecado cometido pelos personagens mais influentes do livro — Eli, Samuel, Davi, Saul. A princípio são evidenciados os pecados mais dissolutos e abusivos cometidos pelos filhos de Eli na condição de sacerdotes (1 Sm 2.13-17; 3.13), os quais não são, em momento algum, penalizados pelo pai. Em se tratando de Samuel, a causa que levará o povo a pedir um novo rei deriva de pecados cometidos por seus filhos, o que acontecerá de fato (1 Sm 8.5).
        Observe que a ênfase envolvendo cada um desses personagens destaca o lado humano, como a vulnerabilidade para o pecado, fosse quem fosse. Saul, por exemplo, sendo escolhido, separado para ser rei, não demorará para mostrar seu lado pecaminoso. Ele será um rebelde contumaz, não obedecendo à voz de Deus, indo às mais baixas e miseráveis condições, pois espíritos malignos o dominam. Ele manifestará uma inveja doentia, que, para alguns, é evidência de algum tipo de demência precoce, mas que, na verdade, era pecado mesmo, pois quem peca vive em situações as mais deploráveis.
        A condição degradante de Saul é vista no caso de ele buscar orientação com a feiticeira de En-Dor (1 Sm 28.6). Por não ter mais resposta de Deus por causa de sua rebeldia, ele apela para esse vergonhoso recurso. A condição espiritual e moral do rei Saul era a mais triste. Esse rei teve um fim triste, tudo porque não procurou andar nos caminhos verdadeiros do Senhor.
       É severa a maneira como as Escrituras Sagradas abordam os degradantes atos pecaminosos cometidos por Davi, um homem que fora escolhido e que era do coração de Deus, que tinha uma grande paixão pela presença de Deus, que realmente expressa grande fé nEle. Não se pode apagar os momentos cintilantes da vida desse grande rei de Israel, mas não se pode ocultar o seu duplo pecado, os quais aconteceram de modo covarde: adultério e homicídio — resultado da não vigilância, do descuido.
        Deus usou de misericórdia e graça para com Davi, perdoando seus pecados quando foram confessados (2 Sm 12.13), porém as consequências foram sérias e inevitáveis: ele teve que arcar com todas e de maneira caríssima.

        O que aprendemos com os relatos bíblicos envolvendo esses personagens que foram escolhidos por Deus é que cada um deles era humano, cometia pecados, falhas, errava, e, como líderes, não eram perfeitos. Quando, entretanto, procuravam se voltar para Deus com sincero coração, prontamente eram abençoados. Assim, ainda que venhamos a falhar, podemos nos voltar para Deus com um coração sincero e quebrantado
— Ele não nos abandonará.
Frente a todos os pecados e erros de Davi, Deus o perdoou, e não somente isso, fez com ele um pacto. Segundo alguns biblistas, esse pacto implementou algo a mais àquilo que havia sido dito no pacto abraâmico.
         Podemos considerar três pontos fortes nesse pacto davídico: (1) linhagem eterna; (2) firmeza no trono; e (3) um reino eterno.

       É bom levar em consideração que, no tocante ao governo eterno, mais uma vez dizemos que se tratava de Jesus Cristo, o qual descenderia da casa de Davi. Por isso, nesse sentido, Champlin escreve:
A Davi foi prometida uma linhagem permanente, um trono firme e um reino perpétuo. O direito de governar Israel para sempre caberia a um de seus descendentes, promessa que antecipa e garante o reinado eterno do Senhor Jesus Cristo, o Filho maior de Davi. A fidelidade e o amor constante de Deus por Seu servo Davi podem ser vistos no fato de que Ele o perdoou graciosamente de seu grave pecado duplo: adultério e homicídio.14
O rei Davi em tudo reconheceu a bondade divina direcionada à sua pessoa, por isso agradece com louvor ao Deus bendito, entendendo que tudo o que tinha alcançado vinha dEle. Ademais, ele se sente ainda mais feliz por causa da promessa que Deus fez para com a sua casa, ou seja, o pacto davídico (2 Sm 23.1).

Em Busca de um Rei

       A busca por um rei não será algo sem causa. Na verdade, ela é resultado não propriamente da culpa direta de Samuel, que em todo tempo manteve-se fiel a Deus e ao seu trabalho. Samuel foi um grande administrador e conservador da Palavra divina, mas erra como Eli, pois seus filhos eram pecadores e se renderam a práticas de subornos; não eram sinceros nos julgamentos, antes os pervertiam (1 Sm 8.3).
       Podemos dizer que o encetamento pela busca de um rei nasceu de um quadro geral — primeiramente o fato de Samuel não ter um sucessor; em segundo lugar, depois que os filisteus levaram a Arca, ainda que devolvida, ela permaneceu na casa de Abinadabe por 20 anos, sem uso, e, dessa maneira, os israelitas estavam sem um lugar para a adoração.
        Toda essa situação plangente criou temor no povo, que logo viu a força filisteia voltar com ímpeto contra os israelitas, assim, eles entenderam que, se não tivessem uma liderança forte, como as demais nações, ficariam vulneráveis a qualquer ataque dos inimigos. Diante disso, procuraram imitar as outras nações, querendo ter um rei como todas as outras.

         Nessa perspectiva, a da busca por um rei, os israelitas passaram a caminhar do lado oposto, pois adotar a monarquia era não exercer em Deus uma verdadeira fé. Ademais, ela tinha seus lados negativos, conforme escreveu Moisés (Dt 17.14). O ideal proposto por Deus ao seu povo era a teocracia, o Senhor sempre sendo o seu rei (1 Sm 8.7).
        Na busca por um rei ao modelo das outras nações, com desprezo pela teocracia e também sob uma pressão muito forte contra Samuel para providenciar esse rei, este, como profeta, alerta a todos sobre tudo o que estava acontecendo e que iria suceder caso fosse como estavam querendo. Mesmo assim, seus ouvidos não quiseram apurar nenhuma das palavras de advertência ditas pelo profeta, razão pela qual viriam a pagar caro por isso (1 Sm 8.9-22).
       Como pediram, irão receber um rei. Observe que o primeiro monarca que Israel receberá é Saul. Sua presença enchia os olhos. Ele tinha carisma, talento e notabilidade, porém não era o homem segundo o coração de Deus, mas, sim, apenas segundo o coração dos israelitas, o que gerará grandes consequências para todos.
        Quando Saul ainda reinava, Samuel teve que ungir Davi, que era o rei segundo o coração de Deus (1 Sm 13.13,14). Assim, passou-se a ter dois reis ungidos, um no cargo e outro não, de maneira que se dará uma perseguição acirrada e ciumenta de Saul contra Davi, o que levará à morte de muitos, inclusive de sacerdotes. Mesmo depois da morte de Saul, com a coroação de Davi por parte dos de Judá (2 Sm 2.11), do outro lado ficaria a casa de Saul. Morrendo o herdeiro dela e unificando-se as tribos em Davi, o espírito de divisão nunca se ausentou da vida do povo de Deus, de modo que, durante toda a monarquia, a independência entre as duas partes predominou até o ano 586 a.C., quando, por fim, Jerusalém foi dominada e destruída pelo poder babilônico.
          Toda essa paisagem nos alerta que é sempre perigoso querer que nossos desejos sejam realizados desprezando a busca pela orientação divina. Israel sofreu grandes consequências por ter desprezado o modelo divino de confiar realmente em Deus, de apelar para Ele apenas nos momentos de crise. Se os israelitas tinham caminhado até aquele momento sob os cuidados do divino e supremo Pastor, deveriam então entregar tudo em suas mãos, mas não quiseram. Optaram pelo caminho da imitação, e não da obediência.

Os Alicerces da Dinastia Davídica
O que realmente se pode entender bíblica e teologicamente sobre os alicerces da aliança davídica? Há contorno peculiar em referência à aliança que Deus fez com o patriarca Abraão. Ela se caracteriza por quatro tipos de bênção: (1) espiritual; (2) territorial; (3) nacional; e (4) pessoal.

        Em referência à aliança davídica, podemos certificar que seu cunho ou propósito é outro; seu objetivo tinha como função primordial destacar um panorama nacional ligado ao rei, assim, podemos então destacar os alicerces dela afirmando que primeiramente o que se nota é que Deus prometeu que os descendentes de Davi teriam o trono da nação de Israel para sempre; essa linhagem procederia especificamente de seu filho Salomão.15
          É importante destacar o aspecto escatológico dessa aliança. Ela não se restringira apenas ao tempo de Davi, razão pela qual logo que se lê o que Mateus escreveu no capítulo primeiro, por causa dessa aliança ele pôde provar a razão de Jesus poder ser o rei de Israel, isso por causa da genealogia por meio de José, reportando-se para Davi e Salomão.
        Entende-se claramente que logo que começa seu Evangelho, Mateus não parte tratando da genealogia envolvendo Maria, isso porque sua linhagem era de Natã, não procedente do rei Salomão. Essa aliança seria firme, não se quebraria, ainda que houvesse infidelidade da parte dos homens, posto que ela se estabeleceria na fidelidade divina.

IV. SAMUEL: O DIVISOR DE ÁGUAS
Antecedentes Históricos

O homem Samuel vai se destacar grandemente como sendo uma personagem forte na liderança do povo de Deus, Israel, o que pode ser comprovado em diversas passagens das Sagradas Escrituras. Do hebraico, seu nome16 quer dizer ouvir de Deus ou nome de Deus, descrito nos anais bíblicos como o grande profeta depois de Moisés e o último dos juízes (Jr 15.1; At 3.24; 13.20; Hb 11.32). Ele é descrito como sendo aquele que faz o elo entre a teocracia e a monarquia.
         O surgimento de Samuel se dá em um momento sombrio, quando os filisteus dominavam e os sacerdotes estavam comprometidos com o pecado. O cenário descrito era de palidez espiritual, todavia, como nunca fica na história alguém sem ser usado por Deus, Ana, uma mulher de fé, orava pedindo um filho a Deus, prometendo dedicá-lo por completo à obra, ou seja, ele seria um nazireu de Deus (1 Sm 1.20-28; Nm 6). Então aparece Samuel, o qual irá ungir reis, e seu destaque será como o primeiro profeta depois de Moisés e o último maior juiz da nação de Israel.
        O que há de relevante nesse homem é que ele desde criança servirá na casa de Deus (1 Sm 2.18; 3.1). Além disso, em tenra idade já será um aprendiz de Eli. Enquanto a nação vivia em um declínio espiritual total, sem compromisso com Deus, sendo sua Palavra rara, Samuel começou a receber a mensagem divina em Siló e posteriormente começou a falar dela para todo Israel (1 Sm 3.21; 4.1).

        Vale dizer que, por causa dos pecados de Hofni e Fineias, e da passividade de Eli, seus filhos foram mortos, a Arca, tomada, o que desde então se entende claramente que Siló fora abandonado por Deus (Sl 78.60; Jr 7.12).
         Na atuação de Samuel, podemos afirmar que ele desenvolveu seu ministério como juiz em Betel, Gilgal, Mispa (1 Sm 7.16). Atuou como profeta, sendo o primeiro a formar um seminário para profetas em Ramá (1 Sm 19.18,19), que distava de Jerusalém ao norte 13 quilômetros. Foi também um governador. Agiu no intento de purificar Israel dos seus pecados, pois estavam os israelitas comprometidos com a idolatria envolvendo Baal e Astarote (1 Sm 7.4, 15-17), e lhes conduzirá à vitória.

O Líder Samuel

        O segredo de Samuel tornar-se um grande líder em meio à nação israelita está no elemento interno da própria Bíblia, como supracitado — seu nascimento se dá por meio de oração e tudo o que é feito com oração e sinceridade Deus aprova. Samuel é tanto pedido quanto consagrado a Deus (1 Sm 1.1-20,28). O livro de 1 Samuel o descreve servindo a Eli e ministrando perante o Senhor (1 Sm 2.18; 3.1). Desde então se diz que Deus falava com ele (1 Sm 3.1-14).
      Um líder que sempre ouve a voz de Deus e põe em prática o que Ele fala terá sucesso em tudo. Foram essas as palavras de Deus para Josué, afirmando que, caso ele atentasse para tudo o que estava dizendo, então prosperaria (Js 1.5,8). Revelado está que o fracasso de Saul foi porque ele rejeitou resoluta e rebeldemente a voz de Deus.
         Como líder, a Bíblia faz menção a algumas atividades de Samuel. Ele começa a liderar com aproximadamente trinta anos de idade, depois da morte de Eli. Não houve da parte desse jovem qualquer atitude de rebeldia contra o sacerdote. Ele jamais ousou apontar erros do seu líder, nem desejou seu posto, mas o servia com humildade e sinceridade, razão pela qual se firmará diante do Senhor.

         É lamentável, mas muitos estão servindo não com bons propósitos, apenas desejando posição, título, fama, motivos pelos quais sempre que encontram qualquer falha no seu líder expõem-na a outros, inclusive usando meios eletrônicos, cartas, querendo a posição do outro. É bom sempre lembrar, porém, que não devemos tomar a capa de Elias. Ela só pode cair nas mãos daqueles que servem bem, assim serão usados pode- rosamente nas mãos de Deus (2 Rs 2.9-14).

         Depois que Eli morre é que Samuel começa a desenvolver na prática seu ministério. Julga a Israel (1 Sm 7 e 8); unge o primeiro rei, Saul (1 Sm 10.1); repreende a nação por causa dos seus pecados e da quebra da aliança com Deus (1 Sm 12.6-25); fala seriamente contra Saul, o qual ungira rei sobre a nação de Israel, mas que não estava procedendo como Deus queria (1 Sm 13.13; 15.16-23); não deixa Agague viver (1 Sm 15.33). Ele ainda teve o privilégio de ungir o segundo rei de Israel, Davi, o qual iria substituir Saul (1 Sm 16) e, por fim, morre como um homem de vida limpa e consagrada a Deus. Foi sepultado em Ramá, terra em que nasceu e viveu (1 Sm 1.19,20; 7.17; 25.1).
         Frente ao que apontamos acima, ressaltamos que a grande missão de Samuel como líder era despertar um povo que estava em pecado, com vida totalmente contrária aos princípios bíblicos do Senhor. Nesse caso, só mesmo um homem cheio de Deus e de sua Palavra estaria em condições plenas de o fazer.

          Samuel consegue levar o povo a um reavivamento espiritual porque primeiramente ele mesmo era dominado pela Palavra do Senhor, tinha comunhão gloriosa com Ele, pois não pode falar de poder de Deus, graça, visão, revelação quem nunca teve experiência. Ele leva o povo à adoração verdadeira porque desde cedo fora ensinado por seus pais sobre a importância de estar na presença do Senhor. Entendemos então que Samuel não visava apenas ao crescimento do povo como nação; antes, seu desejo era que primeiramente os israelitas reatassem a comunhão verdadeira com Deus, abandonando todo tipo de idolatria, que era a causa do fracasso deles, depois, procurassem servir ao Senhor com verdade, sinceridade, pois esse seria o caminho para obterem a vitória.
         Líderes de verdade não procuram se exibir egoisticamente, nem buscam apenas vantagens para os seus liderados, antes seu grande anelo é que todos tenham verdadeira comunhão com Deus, pois não adianta ganhar o mundo e perder a vida eterna (Mt 16.26). Um bom líder aspira boas coisas para os seus servos. Ele pode desejar saúde e prosperidade para todos, mas seu maior desejo é que todos estejam bem espiritualmente.

                                                                    O Governo Divino em Mãos Humanas
                                                                                                                                                                                                              Pr. Osiel Gomes


                                                    Resultado de imagem para O Governo divino em mãos humanas ( Livro de apoio de Adultos do 4º Tr.





                              1Samuel—2Samuel
      Qualificações para um rei e o estabelecimento da                linhagem de Davi


TÍTULO
Nos manuscritos hebraicos mais antigos, 1Samuel e 2Samuel eram considerados um só livro; mais tarde, eles foram divididos em dois pelos tradutores da versão grega (Septuaginta), e essa divisão foi seguida pela tradução para o latim (Vulgata) e pelas traduções modernas na nossa língua e no hebraico. Os primeiros manuscritos hebraicos deram ao primeiro livro o nome de “Samuel” em homenagem ao homem que Deus usou para estabelecer o reino de Israel. Os textos hebraicos subsequentes e as versões em português chamaram o livro dividido de “1Samuel e 2Samuel”. A Septuaginta os designou “O Primeiro e o Segundo Livros dos Reinos”, e a Vulgata, “Primeiro e Segundo Reis”, sendo que os nossos 1Reis e 2Reis são chamados de “Terceiro e Quarto Reis”.

AUTOR E DATA
A tradição judaica atribuía a autoria de “Samuel” ao próprio Samuel ou a Samuel, Natã e Gade (com base em 1Cr 29:29), mas Samuel não pode ser o autor, já que sua morte foi registrada em 1Samuel 25:1, antes mesmo dos acontecimentos associados ao reino de Davi. Além disso, Natã e Gade foram profetas do Senhor durante a vida de Davi e não estariam vivos quando o livro de Samuel foi escrito. Embora os registros escritos desses três profetas pudessem ter sido usados como fonte de informação para escrever 1Samuel e 2Samuel, o autor humano desses livros é desconhecido. Essa obra chega ao leitor como uma composição anônima, isto é, o autor humano fala em nome do Senhor e dá a interpretação divina dos acontecimentos narrados.
Os livros de Samuel não contêm qualquer indicação clara da data de sua composição. Que seu autor os escreveu depois da divisão do reino entre Israel e Judá em 931 a.C. é evidente por causa das muitas referências feitas a ambos como entidades distintas (1Sm 11:8; 17:52; 18:16; 2Sm 5:5; 11:11; 12:8; 19:42-43; 24:1,9). Também a declaração de que “Ziclague pertence aos reis de Judá, até ao dia de hoje” em 1Samuel 27:6 nos apresenta uma clara evidência de que este foi escrito em data pós-salomônica. Entretanto, não existe essa clareza sobre qual seja a data mais tardia possível para a composição. No entanto, no cânone hebraico, 1Samuel e 2Samuel foram incluídos nos Profetas Anteriores, juntamente com Josué, Juízes e 1Reis e 2Reis. Se os Profetas Anteriores foram compostos como uma unidade, então Samuel deve ter sido escrito durante o cativeiro babilônico (por volta de 560- 540 a.C.), já que 2Reis termina durante o exílio (2Rs 25:27-30). Contudo, como Samuel possui um estilo literário distinto do de Reis, é muito provável que tenha sido escrito antes do exílio, durante o período do reino dividido (por volta de 931-722 a.C.), sendo que posteriormente passou a fazer parte dos Profetas Anteriores.

O REINO DE DAVI

CENÁRIO E CONTEXTO
 A maior parte da ação registrada em 1Samuel e 2Samuel aconteceu na região do planalto central da terra de Israel e seus arredores. A nação de Israel se concentrava em grande parte numa área que se estendia por uma área de aproximadamente 144 quilômetros da região montanhosa de Efraim, ao norte (1Sm 1:1; 9:4) até a região montanhosa de Judá, ao sul (Js 20:7; 21:11), e entre 24 e 56 quilômetros do leste a oeste. Essa cadeia de montanhas central eleva-se entre 450 e 1000 metros acima do nível do mar, e as cidades principais de 1Samuel e 2Samuel estavam localizadas nesse planalto central: Siló, residência de Eli e do tabernáculo; Ramá, a cidade natal de Samuel; Gibeá, o quartel-general de Saul; Belém, o local do nascimento de Davi; Hebrom, a capital de Davi quando ele governou Judá; e Jerusalém, a “cidade de Davi” definitiva.

Os acontecimentos de 1Samuel e 2Samuel ocorreram entre cerca de 1105 a.C., o nascimento de Samuel (1Sm 1:1-28), até por volta de 971 a.C., as últimas palavras de Davi (2Sm 23:1-7). Portanto, os livros compreendem aproximadamente 135 anos de história, e, durante esses anos, Israel passou de um grupo de tribos frouxamente unidas sob “juízes” a uma nação unida, governada por uma monarquia centralizada. Os livros contemplam Samuel (por volta de 1105-1030 a.C.), Saul, que reinou aproximadamente de 1052- 1011 a.C., e Davi, que foi rei da monarquia unificada no período de 1011-971 a.C.

PRINCIPAIS PERSONAGENS
1SAMUEL
Eli — sumo sacerdote e juiz de Israel durante quarenta anos; treinou Samuel para ser juiz (1:3-28; 2:11—4:18).
 Ana — mãe de Samuel; dedicou seu filho ao Senhor quando ainda bebê (1:2—2:11,21).
Samuel — sacerdote, profeta e o maior juiz de Israel; ungiu os dois primeiros reis de Israel (1:20; 2:11,18-26; 3:1-21; 7:3—13:15; 15:1— 16:13; 19:18-24; 25:1; 28:3-16).
Saul — primeiro rei de Israel nomeado por Deus; teve inveja de Davi e tentou matá-lo (9:2—11:15; 13:1—19:24; 20:24-33; 21:10-11; 22:6 —24:22; 25:44—27:4; 28:3—31:12). Jônatas — filho de Saul; tornou-se amigo de Davi e o protegeu de Saul (13:1—14:49; 18:1—23:18; 31:2).
Davi — o maior rei de Israel; também pastor, músico e poeta; antepassado direto de Jesus Cristo (16:11—30:27).
2SAMUEL

Davi — (ver anteriormente).
 Joabe — comandante militar do exército de Davi (2:13—3:39; 8:16; 10:7—12:27; 14:1-33; 18:2—24:9).
Bate-Seba — cometeu adultério com Davi; tornou-se rainha de Israel e mãe de Salomão; antepassada direta de Jesus (11:1-26; 12:24).
Natã — profeta e conselheiro de Davi; persuadiu-o a se arrepender de seu pecado (7:2-17; 12:1-25).
Absalão — filho de Davi; tentou derrubar o trono de Israel (3:3; 13:1 —19:10). A VIDA DE DAVI

PALAVRAS-CHAVE EM 1SAMUEL

Ouvir: em hebraico, shama' — 1:13; 2:23; 4:14; 7:9; 8:18; 17:11; 23:11; 25:24 —, também significa “obedecer”. Essa importante palavra do AT aparece mais de 1.100 vezes e implica que o ouvinte está dando atenção total ao locutor. Em alguns casos, seu significado vai além de ouvir e indica obediência ao que foi dito. Abraão foi abençoado não apenas por ouvir a voz de Deus, mas por obedecer-lhe (veja Gn 22:18, onde essa palavra é traduzida como “obedeceu”). No terceiro capítulo de 1Samuel, Samuel está ouvindo a palavra de Deus e está 147 determinado a obedecer-lhe. Esse jovem é um exemplo do tipo de pessoa que Deus se compraz em usar — aquela que está sempre pronta para receber a palavra de Deus e a segui-la.

Rei: em hebraico, melek — 2:10; 8:6; 10:24; 15:11; 18:22; 21:11,16; 24:20 —, pode descrever o governante mesquinho de uma pequena cidade (Js 10:3) ou o monarca de um vasto império (Es 1:1-5). A competência de um rei da antiguidade incluía a força militar (8:20), a economia (1Rs 10:26-29), a diplomacia internacional (1Rs 5:1- 11) e o sistema jurídico (2Sm 8:15). Muitas vezes, atuava como líder espiritual (2Rs 23:1-24), apesar de que os reis de Israel eram proibidos de desempenhar algumas funções sacerdotais (13:9-14). A Bíblia apresenta Davi como um exemplo de rei justo determinado a servir fielmente a Deus (At 13:22). A promessa de Deus de dar a Davi um reino eterno (2Sm 7:16) foi cumprida em Jesus Cristo, cuja ancestralidade humana se dá por meio da família real de Davi (Lc 2:4).

Destruir por completo, exterminar: em hebraico, charam — 15:3,8,9,15,18,20 —,refere-se à “separação” de coisas inapropriadas, normalmente por causa de impureza associada à idolatria. No mundo antigo, qualquer coisa sagrada ou impura era considerada inapropriada para o uso comum, portanto, estava sujeita à destruição completa. Segundo Deuteronômio 13:12-15, Israel deveria destruir todos e tudo que fossem perversos o suficiente para ser considerado corrompido. A violação desse mandamento custou a vida de Acã (Js 7) e o trono de Saul (15:9-11). Paulo nos lembra de que somos todos perversos, portanto, somos impuros e merecemos a destruição. Porém, Deus, em sua misericórdia, optou por salvar aqueles que depositam sua confiança em Jesus (Rm 3:10-26).


TEMAS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS
No início de 1Samuel, Israel estava espiritualmente deficiente. Os sacerdotes eram corruptos (1Sm 2:12-17,22-26), a arca da aliança não estava no tabernáculo (1Sm 4:3—7:2), havia prática de idolatria (1Sm 7:3-4) e os juízes eram desonestos (1Sm 8:2-3). Mediante a influência piedosa de Samuel (1Sm 12:23) e Davi (1Sm 13:14), essas condições foram revertidas. O livro de 2Samuel termina com a ira do Senhor sendo afastada de Israel (2Sm 24:25).

Durante os anos narrados em 1Samuel e 2Samuel, os grandes impérios do mundo antigo estavam enfraquecidos. Nessa época, nem o Egito, nem as forças da Mesopotâmia, da Babilônia e da Assíria eram consideradas ameaça para Israel. As duas nações mais hostis, aos israelitas eram a dos filisteus (1Sm 4; 7; 13—14; 17; 23; 31; 2Sm 5), a oeste, e a dos amonitas (1Sm 11; 2Sm 10—12), a leste. O maior contingente de filisteus havia migrado das ilhas egeias e da Ásia Menor no século XII a.C. Depois de ter acesso negado ao Egito, eles foram se estabelecendo entre outros filisteus que já estavam lá ao longo da costa mediterrânea da Palestina. Os filisteus controlavam o uso do ferro, o que lhes dava certa vantagem militar e econômica sobre Israel (1Sm 13:19- 22). Os amonitas eram descendentes de Ló (Gn 19:38) que viviam no planalto transjordaniano. Davi conquistou os filisteus (2Sm 8:1) e os amonitas (2Sm 12:29-31), juntamente com outras nações ao redor de Israel (2Sm 8:2-14).

Em 1Samuel e 2Samuel há quatro temas teológicos predominantes. O primeiro é a aliança davídica. Os livros são emoldurados por duas referências ao rei “ungido”: na oração de Ana (1Sm 2:10) e na canção de Davi (2Sm 22:51). Essa é uma referência ao Messias, o Rei que triunfará sobre as nações que se opõem a Deus (veja Gn 49:8-12; Nm 24:7-9,17-19). De acordo com a promessa do Senhor, esse Messias viria por meio da linhagem de Davi e estabeleceria o trono de Davi para sempre (2Sm 7:12-16). Os acontecimentos da vida de Davi registrados em Samuel prenunciam as ações do filho maior de Davi (isto é, Cristo) no futuro.

 O segundo tema é a soberania de Deus, vista claramente nesses livros. Um exemplo é o nascimento de Samuel em resposta à oração de Ana (1Sm 9:17; 16:12-13). Também, com relação a Davi, é bem evidente que nada pode frustrar o plano de Deus de fazê-lo reinar sobre Israel (1Sm 24:20).

Terceiro, a obra do Espírito Santo na capacitação de homens para desempenhar tarefas designadas por Deus é evidente. O Espírito do Senhor veio sobre Saul e Davi após terem sido ungidos como reis (1Sm 10:10; 16:13), e o poder do Espírito Santo trouxe profecia (1Sm 10:6) e vitória na batalha (1Sm 11:6). Quarto, os livros de Samuel demonstram as consequências pessoais e nacionais do pecado. Os pecados de Eli e de seus filhos resultaram na morte deles (1Sm 2:12-17,22-25; 3:10-14; 4:17-18). A falta de reverência pela arca da aliança levou à morte muitos israelitas (1Sm 6:19; 2Sm 6:6-7), e a desobediência de Saul resultou em seu julgamento pelo Senhor, que o rejeitou como rei de Israel (1Sm 13:9,13-14; 15:8-9,20-23). Embora Davi tenha sido perdoado pelos pecados de adultério e assassinato depois de sua confissão (2Sm 12:13), ainda assim sofreu as inevitáveis e devastadoras consequências deles (2Sm 12:14).

PALAVRAS-CHAVE  EM  2SAMUEL
 Arca: em hebraico, ’aron — 6:2,4,10,12,17; 7:2; 11:11; 15:24 —, pode ser traduzida como “caixa” (2Rs 12:9) ou “sarcófago” (Gn 50:26), mas com mais frequência aparece na frase ’aron haberith, que significa “arca da aliança”. A arca era um baú de madeira revestido de ouro (Êx 25:10-22), onde ficavam guardados os Dez Mandamentos (Êx 40:20), a vara de Arão e um vaso de ouro contendo o maná (Hb 9:4). Ficava no Lugar Santíssimo como lembrança da aliança de Israel com Deus e de sua presença entre eles, e, quando os israelitas se tornaram descuidados com a arca (1Sm 4:1-11), Deus permitiu que ela fosse capturada para demonstrar que seu relacionamento com eles transcendia símbolos e superstições. O que ele exigia era contínua obediência à sua aliança e um coração contrito entregue a ele (Sl 51:17; Is 57:15).

 Jerusalém: em hebraico, yerushalaim — 5:5; 8:7; 11:1; 15:8,29; 16:15; 17:20; 19:19; 24:16 —, relacionada à palavra “paz”. Durante o reinado de Davi, Jerusalém se tornou a capital política e religiosa de Israel e central ao plano redentor de Deus. Essa cidade é descrita de várias formas no AT como a cidade de Deus (Sl 87:1-3), o lugar onde Deus colocou seu nome (2Rs 21:4), um lugar de salvação (Is 46:13), o trono de Deus (Jr 3:17) e uma cidade santa (Is 52:1). Os profetas anteciparam um período em que Jerusalém seria julgada por causa de sua iniquidade 148 (Mq 4:10-12), mas, no pronunciamento do julgamento, eles podiam ver também sua restauração gloriosa (Is 40:2; 44:25-28; Dn 9:2, Sf 3:16-20). Essa visão de uma Jerusalém restaurada incluía a esperança de uma Nova Jerusalém em que Deus reuniria seu povo (Is 65:17-19; Ap 21:1-2).

Guerreiros (também “valentes” ou “poderosos”): em hebraico, gibbor —, 1:25; 10:7; 16:6; 17:8; 20:7; 23:8,22 — enfatiza excelência ou qualidade extraordinária. No AT, é usada para denotar a excelência de um leão (Pv 30:30), a valentia de homens bons ou ruins (Gn 10:9; 1Cr 19:8), de gigantes (Gn 6:4), de anjos (Sl 103:20) ou até mesmo de Deus (Dt 10:17; Ne 9:32). As Escrituras afirmam que o “guerreiro” não é vitorioso por causa de sua força (Sl 33:16), mas por causa de seu entendimento e conhecimento do Senhor (Jr 9:23-24). A expressão “Deus Poderoso” é usada três vezes no AT, inclusive na profecia messiânica de Isaías do nascimento de Jesus (Is 9:6; 10:21; Jr 32:18).


DESAFIOS DE INTERPRETAÇÃO
Os livros de Samuel contêm algumas questões de interpretação bastante discutidas: (1) Qual dos manuscritos antigos está mais próximo do original? O texto padrão hebraico (massorético) foi mal preservado e a Septuaginta diverge dele com frequência. Assim, a interpretação precisa do original do texto é, em algumas passagens, difícil de ser determinada (veja 1Samuel 13:1). Essa é a razão de termos tantas discrepâncias numéricas. (2) Seria Samuel ambivalente em relação ao estabelecimento de um reino humano em Israel? É dito que, embora 1Samuel 9—11 apresente uma visão positiva do reinado, 1Samuel 8 e 12 são firmemente contra essa questão. É preferível, entretanto, ver o livro como apresentando uma perspectiva equilibrada do reinado humano. Conquanto o anseio de Israel por um rei fosse aceitável (Dt 17:15), sua razão em querer um rei demonstrava falta de fé no Senhor. (3) Como explicar o comportamento bizarro dos profetas? É comum assumir que 1Samuel e 2Samuel apresentam os profetas como porta-vozes místicos de comportamento bizarro, exatamente como os profetas pagãos das outras nações. Porém, no texto não há nada que seja inconsistente com a visão dos profetas como comunicadores da revelação divina, algumas vezes profetizando com acompanhamento musical. (4) Como o Espírito Santo ministrava antes do Pentecoste? O ministério do Espírito Santo em 1Samuel 10:6,10; 11:16; 16:13-14; 19:10,23; 2Samuel 23:2 não estava descrevendo a salvação como no sentido do NT, mas como uma capacitação do Senhor para o seu serviço (veja também Jz 3:10; 6:34; 11:29; 13:25; 14:6,19; 15:14). (5) Qual era a identidade do “espírito maligno do Senhor”? Seria um ser pessoal, isto é, um demônio, ou um espírito de descontentamento criado por Deus no coração (cf. Jz 9:23)? Tradicionalmente, esse espírito tem sido visto como um demônio. (6) Como Samuel apareceu em 1Samuel 28:3-5? Parece melhor entender essa aparição de Samuel como o Senhor permitindo que o Samuel morto falasse com Saul. (7) Qual é a identidade da semente de Davi em 2Samuel 7:12-15? Normalmente, é considerada como sendo de Salomão. Entretanto, o NT refere-se a essas palavras como sendo Jesus, o Filho de Deus em Hebreus 1:5.

RESPOSTAS PARA PERGUNTAS DIFÍCEIS
1. Se aceitarmos a visão crítica de que os antigos manuscritos sobreviventes de 1Samuel e 2Samuel foram relativamente mal preservados, qual deveria ser nossa atitude com relação a esses livros como parte da Palavra de Deus? Em vista dos desafios envolvidos no processo de cópia à mão e de preservação dos rolos, é impressionante o fato de termos os documentos antigos que temos. Nossa atitude deveria estar mais inclinada para o maravilhamento de que há tão poucas discrepâncias do que para a preocupação com as dificuldades que possam nos intrigar e desafiar. Muitas descobertas na ciência da análise de manuscritos antigos envolvem os erros típicos que comumente aparecem quando documentos escritos à mão são copiados. Por exemplo, quando duas linhas de texto terminam com a mesma palavra ou com as mesmas palavras, os olhos do copista tendem a pular a segunda linha, apagando-a completamente. Comparações cuidadosas entre manuscritos e reconstrução do texto muitas vezes revelam esses erros simples.

No caso de 1Samuel e 2Samuel, temos duas famílias de textos antigos: (1) o texto massorético, em hebraico, e (2) a Septuaginta, traduzida para o grego por estudiosos judeus em torno de 100 a.C. Comparando os dois textos, é verdade que eles diferem com mais frequência aqui do que em outros livros do AT. Há discrepâncias frequentes entre os textos com relação aos números. Na resolução dessas discrepâncias, em virtude da idade e do idioma do texto massorético, este é geralmente considerado uma versão mais próxima do manuscrito original, a menos que a gramática e o conteúdo indiquem erro de cópia.
Um fato essencial a ser lembrado quando pensamos na possibilidade de erros textuais na Bíblia é o seguinte: as doutrinas fundamentais da fé cristã jamais se baseiam em um único versículo da Escritura, tampouco dependem de um trecho controverso da Escritura. O plano de salvação de Deus e a ideia central dos ensinamentos cristãos podem ser encontrados em toda a Escritura.

2. Como 1Samuel e 2Samuel nos ajudam a entender o papel do Espírito Santo nos dias do AT? Os livros 1Samuel e 2Samuel ilustram parte do papel do Espírito Santo no AT. As ações específicas do Espírito são notadas nas seguintes passagens: 1Samuel 10:6,10; 11:6; 16:13-14; 19:20,23; 2Samuel 23:2. Essas referências oferecem várias conclusões a respeito do ministério do Espírito Santo: (1) era uma “vinda” ocasional sobre certa pessoa escolhida para uma tarefa ou declaração específica; (2) o ministério do Espírito não era controlado pela pessoa; (3) a expectativa da ajuda do Espírito podia ser dada e retirada; e (4) o Espírito Santo inspirava certas pessoas a falarem ou escreverem a mensagem de Deus. Jesus prometeu a habitação do Espírito Santo, e não visitas-surpresa. Com certeza, algumas vezes os cristãos podem experimentar uma capacitação específica do Espírito Santo para determinada tarefa, porém, a imagem do ministério do Espírito Santo sofre uma mudança: de uma visitação externa por parte de Deus no AT para uma presença residente por parte Deus na vida do cristão no NT.

3. O governo dos reis fazia parte do plano de Deus desde o início ou a reivindicação do povo por um rei trouxe a monarquia como uma forma de disciplina divina? Ao entrar na Terra Prometida, os israelitas encontraram cidades-estado cananeias governadas por reis (Js 12:7-14). Mais tarde, durante os dias dos juízes, Israel foi escravizado e oprimido por nações lideradas por reis (Jz 3:8,12; 4:2; 8:5; 11:12). O livro de Juízes menciona repetidamente a falta de um rei (Jz 17:6; 18:1; 19:1; 21:25). A ideia de ter um rei, como tinham as nações vizinhas, tornou-se uma grande tentação. Segundo Deuteronômio 17:14, no entanto, Deus sabia que esse seria o desejo deles e ele mesmo predisse que concederia autorização. Primeiro Samuel 8:4-20 revela que a motivação dos israelitas era, na verdade, a rejeição de Deus.
Apesar das advertências de Samuel a respeito das desvantagens da monarquia, o povo ofereceu o que eles achavam que eram três motivos razoáveis por que precisavam de um rei (1Sm 8:20): (1) ser como as outras nações; (2) ter um juiz nacional; e (3) ter um campeão de guerra. Cada um desses motivos contradizia os propósitos específicos de Deus: (1) Israel deveria ser uma nação santa; (2) Deus era o supremo juiz; (3) Deus havia lutado as batalhas dos israelitas por eles, enquanto um rei os enviaria para a batalha. O problema de Israel não consistia em ter um rei, mas substituir Deus por um governante humano. Eles trocaram um Governante maravilhoso e poderoso que não podiam ver por um que eles podiam ver, mas estava sujeito ao fracasso.

                                                                                                   Manual bíblico MacArthur







Nenhum comentário:

Postar um comentário