terça-feira, 15 de outubro de 2019

Lição 3 - A chamada Profética de Samuel




                          I. DEFININDO O PROFETISMO EM 1 E 2 SAMUEL

A Menção de Profeta no Livro Fazendo alusão ao profetismo presente no livro de 1 e 2 Samuel, pode-se destacar que foi um movimento usado por Deus buscando incentivar, renovar uma nova comunhão com Ele e o povo. É a partir de Samuel que o movimento profético terá uma maior airosidade.

Samuel vai se destacar como um grande profeta. Isso porque nos seus dias havia quase um comprometimento de todos com o pecado, razão pela qual a Palavra do Senhor era rara e não havia visão manifestada (1 Sm 3.1). Não demorará para que todo o Israel, desde Dã até Berseba, tenha Samuel confirmado como profeta do Senhor (1 Sm 3.1,19,20).

Pelo exposto acima, entendemos que com Samuel o movimento profético terá um grande vulto, pois se caracterizará tanto como resistência como gerando nova esperança. Por meio do profetismo, aconteceria um despertamento da fé de Israel, um novo ânimo viria ao povo.

Os profetas eram usados por Deus. Viviam controlados pelo sobrenatural divino, tendo visões e revelações, e por isso às vezes eram chamados de “videntes”, que eram aqueles que mantinham contato com o mundo superior por meio de visões e posteriormente transmitiam o que viam. Citamos, por exemplo, o profeta Ezequiel. Ele é descrito como tendo grandes visões: “E aconteceu, no trigésimo ano, no quarto mês, no dia quinto do mês, que, estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu vi visões de Deus” (Ez 1.1).

O profeta era um homem que mantinha comunicação com Deus, recebendo dEle os oráculos divinos. Dirigia-se ao Senhor por meio de súplicas, dava ênfase à justiça e ao direito, realizava milagres, pronunciava julgamentos por meio de atos simbólicos — tudo isso estava ligado ao movimento profético.

A comunidade de Israel via nesses homens enviados por Deus a presença da palavra profeta e vidente. É isso que se pode notar em 1 Samuel 9.9: “(Antigamente em Israel, indo qualquer consultar a Deus, dizia assim: Vinde, e vamos ao vidente; porque ao profeta de hoje antigamente se chamava vidente.)”.

 A palavra vidente no hebraico é ro´eh e hozeh, que quer dizer “aquele que vê, que percebe, tem visão”. Já profeta estaria mais ligado à palavra, à oralidade; ele seria o porta-voz do Senhor.

No ato de profetizar, o profeta estava comunicando aquilo que Deus realmente desejava que todos ouvissem, tencionando que cada um passasse a entender o que estava na mente de Deus, o que Ele queria, que era o retornar de todos para uma vida de santidade e obediência, que resulta em verdadeira adoração e comprometimento.

 Definição de Profeta

Nabi provém da raiz naba do hebraico e seu sentido primário é “alguém que declara ou anuncia algo”. No contexto bíblico, fala daquele que recebeu por revelação direta de Deus suas palavras para proclamar ao povo. O nabi aparece mais de trezentas vezes nas páginas velhotestamentárias, isso dentro de diversos contextos, o que pode ser visto em passagens como: Gênesis 20.7; Números 12.6; 1 Samuel 3.20; 1 Reis 1.8; Salmos 74.9; Jeremias 1.5. Roy B. Zuck define profeta seguindo a concepção judaica da seguinte maneira:

A palavra profeta é tradução do hebraico nabi. A etimologia é incerta. Certos estudiosos discutem a favor do significado de borbulhar, mais um reflexo da ideia de profeta do que uma etimologia. Outros argumentam que significa ser chamado. A palavra significa, mais certamente, portavoz de Deus, mas a etimologia exata não pode ser determinada. A passagem veterotestamentária clássica sobre profeta é Deuteronômio 18, quando Moisés estava preparando os israelitas para entrarem em Canaã, onde eles encontrariam todos os tipos de práticas ocultas.

Ainda que etimologicamente o termo profeta não possa ser definido por completo em sua essência, é primordial que se entenda que ele não era visto apenas como um declarador de algo, mas, sim, como homem de Deus. Essa definição era aplicada também a nabi, de modo que isso o caracterizava como um escolhido para uma missão especial ou profética da parte de Deus.

Na contextura hebraica, além de homem de Deus, o profeta era visto como um atalaia e pastor (Jr 6.16; Ez 3.17). Assim, conclusivamente dizemos que a visão que se tinha do profeta no Antigo Testamento é que ele era um escolhido de Deus para levar a mensagem divina ao povo. Não tinha nada de si mesmo, mas tudo partido do alto. Ele não poderia falar no seu nome, mas no nome daquEle que o tinha enviado.

O Novo Testamento tem sua definição também para o prophétes, palavra que aparece 159 vezes. O prefixo da palavra pro, antes, phemi, falar, já esclarece em si o significado: uma pessoa que fala em nome de outra. Portanto, o profeta seria inspirado por Deus para falar as suas palavras.

A vida do profeta era caracterizada pelo sobrenatural. Ele podia predizer coisas futuras, envolvendo acontecimentos tanto de ordem nacional como das particularidades da vida de pessoas. Vale dizer que o profeta neotestamentário caracterizava-se também pelo oficio profético e, nesse particular, podia exortar, ensinar, orientar, estar à frente de um rebanho. Historicamente, podemos entender que havia os profetas que se tornaram conhecidos no meio da comunidade do povo de Deus e outros que eram procurados para dar orientações particulares, todavia, não eram reconhecidos publicamente. Pode-se dizer que o profeta verdadeiro não tinha como prioridade revelar algo para vidas isoladas, antes, sua maior missão era revelar a todos a mensagem de Deus, confrontar quem quer que fosse para ajustar suas vidas e retornar em quebrantamento ao Senhor.

Para a distinção entre aqueles que tinham o ministério profético e os que apenas eram chamados de profetas, pode-se tomar a pessoa de Abraão, o primeiro a ser chamado de profeta (Gn 20.7), mas não no sentido de exercer um ministério, posto que o protótipo maior para a função de profeta nacional será Moisés (Êx 18.15-19).

 Samuel e os demais Profetas

Antes de falarmos sobre a escola de profetas nos dias de Samuel, mister se faz que analisemos com perícia o real preparo desses homens que estariam a serviço de Deus e de sua obra. À luz do contexto bíblico, o profeta aparecia no cenário humano de modo repentino, mas não sem preparo. Primeiramente, ele já vinha capacitado com aquilo que Deus havia posto em seu coração, ou seja, nele estava a Palavra divina (Êx 3.1.4,17; Jr 1.4-19; Ez 1.3; Jn 1.1).

As Escrituras nos falam que às vezes aparecia um profeta que ousadamente falava em nome do Senhor sem que Ele tivesse mandado, profetizando palavras do seu próprio coração, mas era punido pela ação divina (Jr 14.14; 23.21). A atividade profética era algo presente na vida do povo israelita, primeiramente porque se acreditava que Deus estava agindo na história. Ele intervinha nela de modo soberano e, nesse particular, entravam em ação os profetas, de modo que, no geral, inspirados por Deus, eles entregavam a mensagem divina. Por meio deles veio a Lei de Deus (Êx 2.11; Dt 24.19-22; Is 45.20-22).

Os profetas passam a ser uma figura central no meio do povo de Deus. Além de receberem inspiração para revelar a mensagem divina, muitos deles guiavam e orientavam os reis em suas decisões, os quais passaram a ser cognominados “profetas da corte” ou “estadistas”, mas pode-se dizer que, devido à sua sinceridade, tinham que pagar caro. Muitos deles foram perseguidos e mortos; isso pode ser comprovado nas palavras de Jesus Cristo (Mt 23.37).

 Vale ressaltar que o próprio povo judeu esperava do sumo sacerdote a capacidade para profetizar também, o que declara que eles não seriam apenas oficiantes de algo, mas dotados de capacitação sobrenatural para se comunicarem com Deus. Analisando Êxodo 28.30 e Números 27.21, isso se daria através do Urim e Tumim; por esse meio buscava-se entrar em contato com Deus e profetizar ou falar algo ao povo.

Conforme descrevemos acima, ficará impresso na mente de cada judeu a importância do ofício profético, o que logo dará início à ordem profética, que resultará da imagem que o povo passa a ter tanto do profeta como do sacerdote, sendo homens inspirados por Deus para revelarem a sua vontade. Nesse parâmetro, afirmamos que a escola ou instituição profética não é algo que surge aleatoriamente, no querer de qualquer um, mas, sim, pela representação de homens escolhidos por Deus, que, como figura primordial, se destacam Moisés e Arão dentre outros.

Isso fala muito sério a nós, especialmente nos dias que estamos vivendo, em que cada pessoa busca ser profeta, pastor, bispo, sacerdote, sei lá mais o quê, sem uma base bíblica e tradicional, querendo cada um se fazer profeta e sacerdote ao seu bel-prazer, contrariando a normativa divina. Esse procedimento foi adotado pelo rei Jeroboão, que escolheu dentre o povo pessoas sem qualificação e sem serem da tribo de Levi para assumirem o sacerdócio, o que foi seriamente combatido por Deus (1 Rs 12.31).

O ideal profético estaria presente no povo devido ao modelo visto na pessoa de Moisés (Dt 18.9-15). Assim, todos viviam na expectativa de um profeta maior, Jesus Cristo, mas esse ideal será conspurcado por alguns líderes, que, chegando aos dias de Eli, estará no mais baixo nível, razão pela qual o profeta Samuel diz que a Palavra e as visões eram raras (1 Sm 3.1).

É com Samuel que o ofício profético terá um novo avivamento, sendo ele levita, claro, da família de Coate (1 Cr 6.28). Será a pessoa certa para promover um grande impulso no movimento profético e fará isso por meio de sua vida de comunhão com Deus, vida espiritual e moral equilibrada, como também através de ações sociais (1 Sm 9.22). Falando dessas escolas proféticas e de sua importância, especialmente por ser Samuel o seu fundador, o Novo Comentário da Bíblia diz:

Julgam muitos ser Samuel o fundador das escolas dos profetas, que durante séculos tão profunda influência exerceu na vida da nação. À volta destas escolas não só se espiravam o ambiente da vida espiritual de Israel, mas ainda o de sua vida cultural e educativa. Se Moisés promulgou a Lei, foi Samuel quem garantiu que ela fosse propagada juntamente com outras revelações de Deus.

Note-se que a escola de profetas tinha como alvo maior preservar a espiritualidade do povo de Deus, e a cultura visava à preservação da lei e das mensagens que eram recebidas; não se tratava apenas de uma escola qualquer, que visasse empurrar cuca adentro velhas tradições, mera intelectualidade, ensinos oriundos de mestres sem afinidade com o divino, mas, sim, o crescimento na comunhão com Deus por meio de sua mensagem revelada aos seus servos.

Com Samuel vai surgir a escola de profetas, porque nele todos passavam a ver o brilho do ideal visto em Moisés, e, desse modo, ele será a mola propulsora. Em seus dias, surgirão homens que desejarão ser profetas também, assim como ele. O movimento profético não somente ressurgirá, como se desenvolverá grandemente e manterá sua estrutura (1 Sm 19.18-20; 2 Rs 2.3-5; 6.1).

O que distinguia o profeta de fato enviado por Deus daquele que queria ser profeta por vontade própria era a inspiração. O profeta não inspirado por Deus inventava coisas de sua mente e coração; é isso o que fala Jeremias e Ezequiel (Jr 23.16; Ez 13.3). O profeta enviado por Deus era inspirado pelo Espírito Santo, recebia a mensagem por meio de visões e revelações (Nm 11.17-25; 1 Pe 1.21).

De diversas maneiras, Deus se apresentava ou inspirava esses profetas, usando a mente deles para lhes revelar os seus mistérios. O modo como Deus fazia por vezes parece estranho para nós, mas é bom lembrar que isso se tratava de algo sobrenatural, não se daria no campo das explicações humanas. Lendo algumas passagens do Antigo Testamento, podemos perceber as multiformes maneiras como Deus se revelava aos profetas (2 Rs 3.15; 1 Sm 10.5; Is 6.1; Ez 1.1). Por meio de sonhos, visões, palavra direta, “Assim diz o Senhor...”, era como Deus se revelava e tudo isso pode ser considerado inspiração divina.

Sendo homens inspirados por Deus, logo a comunidade de Israel passou a olhar para os profetas como aqueles que recebiam a Palavra do Senhor, com autoridade para ensinar, repreender, corrigir, alertar (Is 58.1; Mq 3.8), e convocar todos ao arrependimento sincero (Is 40.1,2). Os profetas assumiam diversas funções: poderiam ser embaixadores, estadistas, atalaias e, em casos extremos, até desempenhar funções sacerdotais, como foi o caso de Samuel (1 Sm 16.6-13). Mas, na verdade, seu alvo maior era inculcar na mente e no coração de cada judeu que todos pertenciam a Deus, por isso deveriam ter vida santa, íntegra, e corresponder ao querer divino, sem jamais perder a identidade como povo escolhido do Senhor, atentando sempre para os ditames divinos (Êx 2.11; Mq 5.4; Is 45.20-22).

II. O CHAMADO E O DESENVOLVIMENTO PROFÉTICO DO MINISTÉRIO DE SAMUEL

 Lendo o capítulo 2.18-21 de 1 Samuel já se nota o seu comprometimento com as coisas de Deus. Enquanto os filhos de Eli estavam atolados no pecado, ele, sendo uma mera criança, não imitava seus procedimentos pecaminosos. Um detalhe importantíssimo que pode ser visto nesse relato é que se descreve Samuel vestido com uma estola de linho ministrando ao Senhor; isso porque só quem podia se vestir assim era o sacerdote (Êx 28.4; 2 Sm 6.14). Podemos crer que foi Eli quem deu essa vestimenta para o jovem Samuel, posto que o que sua mãe lhe fazia era uma túnica, ou seja, um sobretudo. Desse modo, Eli pôde notar características presentes naquele rapaz que o qualificavam para estar ali.

Pela expressão ministrava perante o Senhor, o que se entende é que o rapaz estava a serviço de Deus; essa é a ideia do verbo hebraico sharath. No ato de Eli e Ana se envolverem na providência de um vestuário sacerdotal para Samuel, posto que o Talmude Babilônico relata que a mãe de um sacerdote poderia fazer a túnica para ele, prova que os dois viam claramente na vida dessa criança um chamado especial para a obra de Deus. O que Eli não viu nos seus filhos via tudo agora na pequena criança que estava diante de seus olhos, Samuel: ele seria um grande homem para a nação do povo de Deus.

Há evidências na vida de alguém que tem o chamado para se envolver na obra de Deus: desde cedo ele começa a manifestar algum tipo de sinal que declara isso nitidamente. No tocante ao chamado, podemos fazer uso das palavras do pastor Warren W. Wiersbe e Howard F. Sugden, os quais apontam algo que prova esse chamado:

Como podemos saber se temos um chamado? Para alguns, isso se dá em meio a situações dramáticas — como as enfrentadas por Moisés com a sarça ardente; Isaías, no templo; ou Paulo, na estrada para Damasco. Já para a maioria de nós, trata-se de simplesmente de uma convicção crescente e inegável de que Deus tem sua mão sobre nós. Paulo expressa esse sentimento da seguinte forma: “se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim se não anunciar o evangelho!” (1Co 9.16). Quando se é chamado, há uma convicção íntima que não lhe permite investir a vida em nenhuma outra vocação.

Pelas palavras desses dois teólogos, o que se nota é que a prova de um verdadeiro chamado está no comprometimento. No Antigo e no Novo Testamento, há exemplo manifesto disso. Eliseu, quando chamado, deixou tudo para fazer a obra de Deus e isso pode ser comprovado pela ação de sacrificar os bois e a sua carroça, inclusive pela presença do verbo hebraico quwn, “levantar-se, pôr-se de pé, erguer-se”, dando sempre ideia de movimento (1 Rs 19.21).

Paulo reforça a questão do chamado quando afirma que o obreiro procura agradar aquele que o arregimentou. O verbo satisfazer ou agradar do grego é aresko, que quer dizer “esforçar-se para agradar, acomodar-se à opinião do seu superior, de quem o chamou” (2 Tm 2.4). Assim, quem é chamado não tem outra visão, ou sentimento, outra vontade, a não ser a de Deus, por isso está sempre pronto a dizer como o profeta Isaías: “Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então, disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim” (Is 6.8, grifo nosso).

O versículo 21 do capítulo 2 mostra que Samuel tinha mais seis irmãos; a questão de sete é tão somente um fato exposto nas tradições judaicas pelas palavras citadas por Ana no seu cântico em 1 Samuel 2.5, falando de perfeição. Cremos que a questão da citação dos demais irmãos de Samuel não era simplesmente para destacar a bênção dada a Ana por sua fidelidade a Deus, mas reforçava também um destaque especial para o jovem Samuel, o qual seria chamado para ser um vaso, instrumento nas mãos de Deus, por isso é que o texto fala do seu preparo desde cedo para assumir uma grande missão. Enquanto não chegava o tempo, ele recebia o treinamento e o ensino necessário.

O Crescimento de Samuel como Profeta

 O capítulo 2.21 de 1 Samuel, tratando sobre o seu crescimento, diz: “Visitou, pois, o Senhor a Ana, e concebeu e teve três filhos e duas filhas; e o jovem Samuel crescia diante do Senhor”. Interessante que o verbo hebraico gadal, que fala de tornar-se grande, poderoso, realizar coisas grandes, mostra que primeiramente Samuel cresce de diante do Senhor, que é o caminho certo, pois nenhum obreiro pode fazer coisas grandes sem o auxílio divino. O sucesso que Samuel irá obter vem primeiramente de Deus.

 Saber que Deus é quem faz coisas grandes por nós exclui o orgulho pessoal, o querer gabar-se, como se nós produzíssemos alguma coisa. Nós, obreiros, por vezes somos assediados pelo sentimento de querer mostrar que fazemos as coisas, provar que temos capacidade para tal. Em Paulo, vemos sua humildade e modéstia; nele havia consciência de que sua capacidade vinha de Deus.

 Em 2 Coríntios 3.5, Paulo sabia que dele mesmo não havia capacidade para desempenhar a missão na qual estava envolvido, mas afirma que sua suficiência vinha de Deus. No grego, a palavra suficiência é hikanotes, que fala de habilidade ou capacidade para fazer algo. Uma prova clara de que Paulo era conhecedor de que tudo vinha de Deus, ele diz que só era alguma coisa pela graça de Deus e que seu trabalho era também ação dessa graça (1 Co 15.10).

Vamos analisar exegeticamente esse versículo para entender o que realmente ele quer dizer. No texto da Vulgata Latina, no latim, essa conjunção é autem — “no entanto, mas, depois, além disso”, e no grego é de, “mas, e”; pode ser adversativa e aditiva. Aqui ela está iniciando o versículo e então podemos entender que esteja funcionando como adversativa, pois o apóstolo entendia que era o menor dos apóstolos, porém, contava com essa graça para ser alguma coisa. Na verdade, ele estava relatando o efeito que ela tinha produzido no seu ministério.

Em se tratando da graça, do grego cháris, ela tem diversos significados no texto grego e o mais comum é “favor”, mas ela aponta também para atratividade graciosa, capacidade. Observe que o nome de Deus está no caso denominado genitivo, que pode apontar para origem. A graça aparece aqui no seu aspecto instrumental, que foi por meio dela ou com ela que ele pôde ser o que foi e trabalhar como trabalhou (Rm 1.5; 2 Co 8.1; 1 Pe 4.10).

Leon Morris afirma que por meio dessas palavras Paulo estava afirmando que tudo o que realizou na obra de Deus foi pela graça divina. Por meio dela é que ele foi transformado de perseguidor em pregador das verdades divinas. Ele só pôde ir longe por causa dessa graça. Só pôde ser apóstolo por causa dessa graça. Ainda podemos acrescentar mais aos seus dizeres: “Paulo acentua que tinha labutado arduamente no desempenho do seu apostolado”. Ele não diz que realizou mais coisas, mas que trabalhou mais arduamente que os demais. Muito mais do que todos eles poderia significar mais do que todos eles juntos, ou, mais do que qualquer deles. Como ele está engrandecendo a graça de Deus, talvez seja mais provável que o primeiro é o seu sentido, e até onde vai a informação de que dispomos, foi esse na verdade o caso. Conquanto os seus começos não fossem nada promissores, a graça de Deus possibilitou a realização de um maravilhoso volume de trabalho.

 Paulo descarta terminantemente o homem e coloca tudo na graça que vinha de Deus para desenvolver o trabalho para Deus. Entendemos que o crescimento de Paulo foi atribuído a Deus.

Está bem claro o crescimento de Samuel como profeta do Senhor. Atente a estes dois versículos: “E crescia Samuel, e o Senhor era com ele, e nenhuma de todas as suas palavras deixou cair em terra. E todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava confirmado por profeta do Senhor” (1 Sm 3.19,20).

Normalmente Samuel vai crescendo, como aconteceu com Jesus (Lc 2.52), só que seu crescimento não se dá apenas fisicamente, nas tradições do seu povo, mas no Senhor. Daí a expressão: “E o Senhor era com Ele”. Ele cresce como profeta, razão pela qual se diz que nenhuma de suas palavras caiu por terra. Isso significa que as palavras dele foram honradas por Deus, isto é, cumpridas.

 A credibilidade desse homem como profeta perante o povo vem de sua comunhão com Deus e da sinceridade no que falava. Ele será um novo modelo que gerará no povo esperança. Ademais, levantará a classe de profeta e a valorização ao sacerdócio, pois a casa de Eli a tinha comprometido, relegado a nada. É bom levar em consideração que a classe de profetas, que será elevada por Samuel, perdurará até o cativeiro babilônico, tendo ele como modelo de referência. Samuel não será apenas um conselheiro, um mestre, mas um profeta de verdade, inspirado pelo Senhor. Tudo o que ele falava se cumpria.

Como é maravilhoso quando o povo crê naquilo que pregamos! Por vezes alguém pode ter muito conhecimento bíblico, teológico, exegético; seus sermões podem ser firmados nos mais belos pilares da hermenêutica e da homilética, porém, sem uma vida que possa gerar credibilidade, o que é falado se torna difícil de ser ouvido e digerido pelos ouvintes. Para que o povo possa se apetecer daquilo que pregamos, ensinamos, precisamos ter uma vida de sinceridade. Nossas palavras, conforme disse Paulo, têm que ser temperadas com sal, ou seja, inspiradas pelo Senhor, e, desse modo, terão seu total cumprimento (Cl 4.6).

 Samuel crescia como profeta porque primeiramente se apegou com Deus, procurou não seguir o caminho exposto pelos filhos de Eli, mas andar na contramão, sendo ele mesmo um protesto, não se harmonizando com desobediência, imoralidade, iniquidade e avareza. Procedendo assim, tudo o que ele dizia, falava, se cumpria (1 Sm 9.6). Deus vela pela sua Palavra (Jr 1.12) e, quando o obreiro procura vivê-la plenamente, honrá-la, seu crescimento é certo.

 A vida sincera de Samuel começou a ser vista e divulgada em todos os lugares. Isso pode ser comprovado por meio da expressão “Todo o Israel [...] conheceu”. A fama desse homem foi nacional. Isso se deve ao fato de ele agir com verdade e sinceridade; o que pregava, ensinava, falava era testado pelo povo e comprovado como verdadeiro.

 Pela expressão “desde Dã até Berseba” se pode dizer que era desde o extremo norte de Israel até o extremo sul, ou seja, em todos os termos territoriais de Israel. Acredita-se que a distância entre esses dois pontos fosse de aproximadamente 240 quilômetros.

Agora o povo de Deus estava vivendo um novo momento com essa figura importante, que mantinha comunhão com Deus. Ele seria o modelo para os novos profetas, estimularia o comportamento necessário para que outros pudessem seguir, daria valor ao sacerdócio, à classe de profetas, e, no ato da formação da monarquia, sua pessoa seria um símbolo constante.

Espiritualmente, quem sustenta a Igreja é Jesus. É aquEle que tem as estrelas em suas mãos e que anda em meio aos castiçais (Ap 2.1), ou seja, sustenta e inspeciona, mas, quando não procuram proceder como padrão, com verdade e sinceridade, os líderes à frente dessa instituição divina colocam em cheque sua credibilidade. Por isso que Paulo, em 1 Timóteo 4.12, pediu que Timóteo fosse padrão para os fiéis, tanto na palavra como no procedimento. Obreiros que agem como os da casa de Eli podem levar uma instituição a ficar sem moralidade.

 Portanto, queridos obreiros, sejamos homens sinceros, verdadeiros profetas do Senhor, para não contribuirmos para o descrédito da instituição Igreja, fazendo com que seja vista de modo negativo, antes, vivamos como Paulo, que declarou aos irmãos de Éfeso que todos sabiam do seu comportamento; que ele não havia feito nada que comprometesse o evangelho de Jesus Cristo (At 20.18), pois aqueles que trazem escândalo para o Reino sofrerão graves consequências.

A Formação de Samuel como Profeta

A formação se trata da maneira como uma pessoa é criada, educada, o que lhe molda o caráter, a personalidade. Samuel foi o que foi devido à influência do seu lar, especialmente de sua mãe, e também de seu envolvimento com o sacerdote Eli, desde cedo. Estando na casa de Eli, podemos dizer que Samuel já era um adolescente; não se tem uma ideia precisa sobre sua idade, mas o termo hebraico na´ar trata de moço, menino. O historiador Flávio Josefo opta por informar que ele tinha 12 anos de idade; pode ser verdade porque a inclusão de um jovem na vida judaica, ou seja, um filho da lei, se dá nessa idade (Lc 2.39).

A expressão “o jovem Samuel servia ao Senhor perante Eli” evidencia duas coisas: em primeiro lugar, ele servia a Deus; em segundo, servia a Eli. Esse rapaz estava na condição de discípulo, de um aprendiz; passivamente ele atendia a tudo o que Eli lhe falava e se submetia a ele em outras atividades que se faziam necessárias no ofício sacerdotal.

Estar pronto para ouvir a Deus e àqueles que estão à frente de sua obra é o caminho certo para o crescimento. Josué veio a ser um grande líder porque primeiramente aprendeu a servir ao lado de Moisés. No Pentateuco, ele é descrito como servidor de Moisés (Êx 24.13; Nm 11.28). Eliseu deitava água nas mãos de Elias (2 Rs 3.11) e, no Novo Testamento, Paulo diz que Timóteo lhe servia como um filho (Fp 2.22). Procurava aprender de Paulo com muita verdade e sinceridade, razão pela qual o apóstolo chegou a dizer que ele havia sido inspiração para ele, tanto na doutrina como no modo de viver e em suas intenções (2 Tm 3.10). Explicando 2 Timóteo 3.10, J. N. Kelly fala que o relacionamento entre Paulo e Timóteo era como o de um mestre com um discípulo. Esse jovem obreiro seguia bem de perto tudo o que Paulo fazia, ensinava, dizia; seguir em espírito, notar cuidadosamente para reproduzir da mesma maneira é o que compete ao discípulo em relação a seu mestre. Em seus acréscimos ele cita:

 Este é o sentido que é apropriado ao presente contexto, pois desde a sua conversão Timóteo tem sido o associado íntimo ao apóstolo, e como tal deve ter assimilado, e aprendido a usar como modelo para si mesmo, seu ensino e procedimento (modo de vida).

 Esses relatos provam para nós que os homens que se tornaram modelo nas páginas da Bíblia Sagrada não desceram do céu, não se formaram sozinhos, antes, cresceram ao lado de outros mestres que foram treinados no serviço divino. Samuel terá uma boa formação porque estará ao lado do sacerdote Eli. Com ele terá as primeiras orientações de como responder a Deus e não somente isso, mas noções de como proceder como um sacerdote segundo o querer de Deus.

Um obreiro vocacionado deve se esmerar em pesquisas, estudos; poderá fazer os cursos das melhores universidades do mundo, seminários evangélicos, porém jamais deve descartar as experiências daqueles que o antecederam, isso porque eles já trilharam caminhos que nem sequer um obreiro novato sabe como neles andar.

No capítulo 3, nada é dito acerca de que Samuel se tornaria o que se tornou, mas o panorama que se descreve é que ele estava sendo preparado para ser um grande instrumento nas mãos de Deus, em uma época em que a Palavra do Senhor era rara e quando não havia visões frequentes, as quais eram vistas e dadas pelos profetas (Is 2.1). O quadro que se descreve aqui é que o povo não tinha em quem confiar, nem buscar uma revelação de Deus.

Pessoas, lugares, acontecimentos — tudo isso contribui para a formação de um obreiro. Foi o que aconteceu com Samuel. Sua formação de profeta envolveu a vida religiosa de seus pais, a conscientização do voto de sua mãe de o dedicar para ser um nazireu de Deus, e a convivência com Eli.

O convívio perante Eli, conforme descrito acima, envolvia também o ambiente sacerdotal. Pelas palavras em 1 Samuel 3.1-10, podemos entender que Samuel dormia em uma área do templo bem próxima à Arca e sua chamada se dará já quando o dia está amanhecendo. Isso pode ser comprovado pelo fato de que a lâmpada de Deus já estivesse quase se apagando. Lendo Levítico 24.2,3, esse objeto com sete braços era preenchido com óleo para queimar a noite toda. No tocante à palavra templo, conforme aparece no texto, do hebraico heykal, pode se tratar do santuário, ou seja, antes era a tenda, mas agora poderia ter construído algo permanente. Todavia, o melhor mesmo é entender a citação de templo de modo anacrônico.

Dormindo próximo a Eli, em uma das áreas do templo, perto da Arca, já envolvido em um ambiente totalmente espiritual, é que se dá a formação e o chamado profético de Samuel. A despeito das muitas concepções de que lugares sagrados são propícios para sonhos, visões, revelações, o que sabemos é que esse jovem obreiro desde cedo foi envolvido no mundo sacerdotal. Também já tinha conhecimento dos desmandos da casa de Eli, mas manteve-se fiel a Deus, por isso ouvirá a sua voz.

O versículo 5 de 1 Samuel trata do primeiro chamado de Deus ao jovem. Ele ainda não tinha consciência dessa tamanha honra, e esse chamado ainda se repetirá por três vezes, sem compreensão do que realmente se tratava, pois não tinha experiência para responder corretamente ao chamado divino.

 O chamado de Samuel da parte de Deus não veio ao coração ou à sua mente, mas, sim, de fora, externamente. A voz era de tal forma audível que ele pensava que era Eli chamando. Um chamado poderá ocorrer de diversas maneiras, por exemplo, a voz no coração, a qual poderá falar à mente, ou por uma visão, sendo que tudo vem de Deus. Ele pode chamar alguém de variadas formas, mas caberá a quem Ele chama buscar o discernimento para entender e compreender o motivo do seu chamado.

A Disciplina de Samuel

Os versículos 5-10 de 1 Samuel não somente tratam de sua chamada como provam que ele era um jovem bem disciplinado, comedido. Crê-se que ele dormia perto de Eli porque lhe servia de pés e mãos, pois o sacerdote não enxergava bem e tinha muitas outras dificuldades. Quando Deus chama Samuel, que vai direto a Eli, porque o velho sacerdote costumeiramente lhe chamava.

 Samuel era um rapaz bem educado, sempre pronto a servir. Logo que ouviu a voz a chamá-lo pelo nome, supondo ser de Eli, correu até o sacerdote, mostrando assim que não queria vê-lo insatisfeito com nada. Sua vida disciplinar envolvia primeiramente a obediência ao sacerdote. Observe que Eli diz que não o chamou e que o rapaz voltasse a dormir.

Jamais devemos pensar que a voz que chamava o jovem rapaz se tratasse de algum tipo de voz no seu subconsciente, como sugerem alguns especialistas, ou que ele estivesse sonhando; isso era impossível, posto que ele estava em constante movimentação. Na verdade, o que de fato estava acontecendo era Deus trabalhando para formar esse jovem obreiro em um grande homem na história da nação israelita.

 Na segunda chamada, vemos a prontidão de Samuel em atender Eli ao dizer: “Eis-me aqui”. Podemos pontuar duas coisas: a primeira é que Deus continua de modo persistente a chamar o jovem e a segunda é que ele não se incomoda em levantar quantas vezes fossem necessárias para atender Eli.

É triste dizer, mas muitos obreiros não somente deixam de atender a voz de seu superior como ainda se sentem incomodados em ser orientados, comandados. A causa de tantas divisões tem sido também esta, a insubordinação, o não querer se submeter àquele que foi colocado por Deus para estar à frente do trabalho, agir no espírito de Coré, Datã e Abirão, que, se Moisés manda chamar, eles não atendem, antes questionam sua autoridade. Fazem isso porque querem a sua cadeira (Mt 23.2). Esse tipo de procedimento revela falta de temor a Deus e de disciplina. “E Moisés enviou a chamar a Datã e a Abirão, filhos de Eliabe; porém eles disseram: Não subiremos” (Nm 16.12).

 No entendimento de Gordon J. Wenhan, a postura desses homens, com resposta truculenta, revelava o desprezo que tinham para com os planos de Deus, apresentado por Moisés, como também revelava a sede que Coré tinha pelo sacerdócio.

Sendo ainda jovem e sem muita experiência no campo religioso, o que é reforçado no versículo 7, Samuel ainda não conhecia ao Senhor. Na verdade, já adorava a Deus, porém não tinha a experiência com revelações especiais. Pelos Targuns, afirma-se que o jovem ainda não tinha aprendido a doutrina da parte de Deus, que vinha pela direta comunicação divina.



Tudo isso nos mostra que Samuel precisaria das orientações e das instruções de Eli para poder desempenhar bem sua missão. No terceiro chamado, logo Eli entendeu que era o Senhor querendo falar com o menino e, assim, sendo conhecedor profundo das tradições judaicas, procura ensiná-lo como responder a esse maravilhoso chamado. Eli diz ao jovem Samuel que Deus falava diretamente com os seus servos e que ele deveria apenas responder do modo certo para que pudesse receber a mensagem.

Eli foi o orientador, mentor de Samuel. É interessante entender que Deus poderia dizer “Samuel, sou Eu, o Senhor, que te chamo”, mas não o fez, respeitando Eli, que deixou que o jovem fosse até ele e dele recebesse a orientação. Eli instruiu Samuel a tão somente dizer: “Fala, Senhor, porque o teu servo ouve”. Estar preparado para ouvir e obedecer revela uma boa postura de disciplina.

Existem muitos que se preparam apenas para falar, ensinar, pregar. É claro, isso deve ser feito, mas o melhor é estar preparado para obedecer, que é o caminho certo para que ministério esteja sempre de pé.

No quarto chamado de Deus, já instruído por Eli, Samuel respondeu como deveria. Um detalhe importante: Samuel entendia a voz que o chamava como sendo a voz do sacerdote Eli, o que denuncia que não havia nada de misterioso na voz. Seu crescimento para com o Senhor, a partir de então, se dará continuamente. Outro detalhe muito interessante no texto é que, ao responder o chamado, não se tem a presença de nuvem ou de fogo, antes, a manifestação foi sem espanto para o jovem Samuel.

 Depois que Deus relatou tudo a Samuel, o pecado na casa de Eli, mais uma vez se pode notar o quanto ele era disciplinado, respeitador, pois temeu contar ao sacerdote o que o Senhor lhe havia dito. Nota-se que Eli, ao chamar o rapaz, entendia que Deus havia falado com ele e, nesse sentido, já estava o reconhecendo como um profeta de Deus. Por sua experiência, o sacerdote entendia que a mensagem divina não seria boa, razão pela qual fez até ameaças a Samuel para que dissesse tudo; se ele não o fizesse assim, as coisas ruins ditas por Deus recairiam sobre a sua cabeça. Samuel não tinha saída. Além da pressão para contar tudo, crê-se, segundo Flávio Josefo, que ele tenha sido obrigado, por meio de juramento, a dizer o que o Senhor lhe falara. Atente para o que diz Champlin:

Eli obrigou Samuel, mediante juramento, a declarar-lhe o que tinha sido revelado pelo Senhor. Foi um juramento muito solene. Ele suspeitava que Deus havia ameaçado com juízos severos, porquanto reconhecia que sua família se tinha tornado muito criminosa.

O que Samuel falou trouxe tristeza e pesar, mas Eli aceitou com humildade a sentença divina, por isso declarou: “[Ele] é o Senhor; faça o que bem parecer aos seus olhos”. Apesar das falhas dos filhos de Eli e de agora Deus procurar uma criança para lhe entregar a mensagem divina, o que declarava preferência por Samuel e desprezo por Eli, em nada elevou o coração desse rapaz. Não houve de sua parte qualquer sentimento de acusação contra o sacerdote; antes, o que se nota é respeito, consideração pelo ancião, ainda que sua casa estivesse em pecado. Tudo isso mostra o quanto Samuel era disciplinado e respeitoso.

III. O MINISTÉRIO PROFÉTICO NA ATUALIDADE

A Diferença entre o Ministério Profético e o Dom da Profecia

 Há uma distinção bem clara quanto ao ministério profético e o dom da profecia. Podemos confirmar isso pela citação do teólogo Robert Brandt, que diz:

 Qual é a diferença entre o dom de profeta e o dom de profecia? Primeiro, é um dom para os líderes do corpo, de tempo integral. Já o dom de profecia é o dom de transmitir uma mensagem, inspirada. O dom de profeta destina-se a uma parcela muito pequena dos membros do corpo. O dom de profecia está ao alcance de todos os membros (1Co 14.31). [...] A diferença entre o ministério de profeta e o dom de profecia é a seguinte: todos aqueles chamados a exercer o ministério de profeta profetizam. No entanto, nem todos os que profetizam têm o ministério de profeta.

Para que não haja confusão, precisamos distinguir entre os dons ministeriais e os dons espirituais, conforme dito. O dom de profeta faz parte do grupo dos dons ministeriais, enquanto que o dom de profecia é destinado a toda a Igreja, o Corpo de Cristo.

 O profeta do Novo Testamento exercia um ministério e isso se comprova pelo fato de alguns homens serem dados como dons à Igreja. A autoridade ministerial do profeta era vista pela Igreja, o que pode ser comprovado em Atos 13.1-3 e 14.23, mas, é claro, não podemos ligar ministério profético com o dom da profecia, ainda que ambos venham da mesma fonte, Deus. Não podemos negar que a profecia como um dom existe, especialmente no seu aspecto preditivo, o que pode ser comprovado por meio das profecias faladas por Ágabo (At 11.27,28; 21.10,11). Deus, por seu grande poder soberano e por amar seus servos, pode, em momentos de necessidade, em extremas circunstâncias, avisá-los para se colocarem em estado de alerta, vigilância. É claro, a profecia preditiva deve ser analisada, jamais dogmatizada, e sua veracidade não se dá no ato de sua verbalização, mas, sim, no seu cumprimento (Dt 18.22).

O ministério profético, à luz do Antigo Testamento, tinha como missão precípua revelar as verdades divinas, as quais foram depois concluídas, e, desse modo, se finda com Malaquias o compêndio das profecias, as quais o escritor aos hebreus diz que “de muitas maneiras Deus falou” (Ml 4.4,5; Hb 1.1). Depois de 400 anos de silêncio da parte de Deus, aparece o último profeta da era cristã, João Batista, que vai ajudar na formação do Cânon do Novo Testamento e que se dará por meio de profetas e apóstolos através das revelações divinas. No término da era cristã, tem-se então o fechamento das Escrituras. Deus, pelos seus servos, revelou o mistério que estava oculto. Desse modo, através dos seus servos, deu-nos as Escrituras, que é a base para a edificação espiritual da Igreja (Ef 2.20; 3.3-6; 4.11,12; Rm 16.25,26).

Entendemos que há uma distinção tremenda entre o ministério profético e o dom da profecia. Observe que em sua profecia preditiva, Ágabo apenas prediz pelo Espírito o que iria acontecer e os irmãos procuraram providenciar o necessário. Quando falou a Paulo o que lhe aconteceria, pedindo que não subisse a Jerusalém, ele, que tinha conhecimento das profecias, a quem o Espírito Santo também falava, ficou firme no seu propósito, pois entendia que estava nos planos de Deus, razão pela quais todos disseram: “faça-se então a vontade do Senhor”.

O dom da profecia não pode ser normativo, posto que a regra infalível da fé do cristão é a Santa Palavra de Deus, aliás, o que é usado com o dom da profecia deve se sujeitar às Escrituras, assim como os que exercem o ministério do ensino e pregação. Nesse particular, Paulo se via como um profeta (1 Co 14.37).

Onde Estão os Profetas?

Não há dúvidas de que o ministério profético exista hoje, pois Deus, através do seu Espírito Santo, continua a dar homens como dons para atuar na estrutura do Corpo de Cristo, a Igreja. Também vale dizer que não podemos jamais desprezar o dom da profecia alegando falhas da parte dos homens, exageros, pois podemos estar entre dois extremos. Caso fiquemos apenas no formalismo, corremos o risco de sermos apenas uma instituição social, limitando o agir de Deus. Caso sejamos demasiados nesse dom, podemos nos tornar fanáticos. O que vale dizer é que o mais importante é que tanto quem exerce o ministério profético como quem é usado com o dom da profecia deve evidenciar em sua vida o fruto do Espírito, pois através dele é que se conhece a árvore (Mt 7.15-23; Gl 5.21,22).

O ministério profético se reveste de grande significado pelo fato de que quem fala a Palavra de Deus está plenamente inspirado, iluminado pelo Espírito Santo de Deus para expor com fervor e graça sua mensagem divina. O teólogo Ralph M. Riggs, falando sobre a profecia, diz: “A profecia é a capacidade de falar em nossa própria língua através do poder do Espírito Santo, ou ter uma habilidade divina para proclamar, bem como para prever”. Nesse particular, eu pergunto: Onde estão os profetas?

                                               O GOVERNO DIVINO EM MÃOS HUMANAS: 
                                                            liderança do povo de Deus em 1º e 2º Samuel
                                             

                           Resultado de imagem para 3- A chamada Profética de Samuel



             II- O PROFETA EM O NOVO TESTAMENTO
1. A importância do termo “profeta” em o Novo Testamento.
Em o Novo Testamento, só há um livro profético — O Apocalipse. Nenhum personagem neotestamentário, além de João, o Evangelista, escreveu outro livro com esse caráter. Mas, ao longo dos livros do Novo Testamento encontramos referências a profetas, que tiveram papel relevante. Vamos refletir um pouco sobre eles.
 
UM DOM MINISTERIAL
Em sua carta aos coríntios, o apóstolo Paulo fala da importância do corpo de Cristo, enfatizando que os crentes são “seus membros em particular” (1 Co 12.27). E o faz, depois de demonstrar a necessidade da unidade do corpo de Cristo, fazendo uma analogia com o corpo humano, mostrando que nenhum membro do corpo pode dispensar a função do outro. “Mas, agora, Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Agora, pois, há muitos membros, mas um corpo” (1 Co 12.18-20). Daí, porque nenhum dom ministerial é maior que o outro. A ordem dos dons, no texto, é questão de prioridade.
Com essa visão, da unidade do corpo de Cristo, que é a Igreja, o apóstolo apresenta uma lista de dupla referência. Primeiro, fala de homens a quem Ele põe na igreja, ao que tudo indica, numa ordem de prioridade. São “homens-dons”, por assim dizer. Nessa lista, os “profetas” aparecem em segundo lugar. Sem dúvida, não é por acaso, mas segundo o entendimento do Espírito Santo. Os profetas eram os homens usados por Deus para transmitir mensagens divinas para a comunidade dos que eram ganhos para Cristo. Os doutores eram os que cuidavam do ensino ou do discipulado, estudando, interpretando e ensinando os fundamentos da fé cristã com profundidade.Eram mensagens sobrenaturais.
Na segunda parte do texto, vemos Paulo apresentar uma lista de ministérios, indispensáveis à unidade, a edificação, ao fortalecimento e à própria administração da igreja local: “depois, milagres, depois, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas” (1 Co 12.28 b), e faz indagações que enfatizam o valor do uso dos dons de modo integrado e não fragmentado (1 Co 12.29-31). Se um dom fosse maior que o outro, não promoveria a unidade indispensável do corpo de Cristo.
Escrevendo aos efésios, Paulo é mais didático ou explícito, em relação aos dons ministeriais. “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo ” (Ef 4.11-13 — grifos nossos). Observe que, à semelhança do texto de 1 Coríntios 12.28, os profetas vêm em segundo lugar.
Elinaldo Renovato. Dons espirituais & Ministeriais Servindo a Deus e aos homens com poder extraordinário. Editora CPAD. pag. 86-87.
 
No Novo Testamento, a palavra comumente usada é prophétes, que aparece por cento e quarenta e nove vezes, que exemplificamos com Mat. 1:22; 2:5,16; Mar. 8:28; Luc. 1:70,76; 7:16; Joio 1:21,23; 3:18,21; Rom. 1:2; 11:3; I Cor. 12:28,29; 14:29,32,37; Efé. 2:20; Tia. 5:10; I Ped. 1:10; 11 Ped. 2:16; 3:2; Apo. 10:7; 11:10. O substantivo prophetela, «profecia », é usado por dezenove vezes no Novo Testamento: Mat. 13:14; Rom. 12:6; I Cor. 12:10; 13:2,8; 14:6,22; I Tes. 5:20; I Tim. 1:18; 4:14; 11 Ped. 1:20,21; Apo. 1:3; 11:6; 19:10; 22:7.10,18,19. Essas palavras derivam-se do grego pro, «antes.., «em favor de.., e phemi; «falar.., ou seja, «alguém que fala por outrem.., e, por extensão, «intérprete.., especialmente da vontade de Deus. Tais palavras gregas, naturalmente, estão por detrás do termo português «profeta... Os profetas eram tidos como representantes de Deus. Eles serviam de elo vital na questão das revelações, bem como veículos do conhecimento espiritual. As revelações por eles recebidas, por ordem do Senhor em alguns casos tomaram-se concretas nos livros que escreveram. Esses livros, por sua vez, foram canonizados, com a passagem do tempo, sendo então aceitos como Escrituras Sagradas.
CHAMPLIN, Russell Norman, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol. 5. Editora Hagnos. pag. 424.
 
Estes versículos expõem quatro aspectos da metáfora. Primeiro, os apóstolos e profetas são as pedras da fundação do templo (20a). Recebem esta designação, porque sua função é proclamar a Palavra do Senhor. Wesley observa que “a palavra do Senhor, declarada pelos apóstolos e profetas, sustenta a fé de todos os crentes”. Certos estudiosos veem uma contradição no pensamento de Paulo ao usar esta metáfora aqui e em 1 Coríntios 3.11. Lá, Cristo é o fundamento. O problema se resolve quando nos damos conta de que ele emprega a metáfora em sentidos diferentes. Na passagem coríntia, o pensamento gira em torno de si mesmo e de outros como construtores. Na relação aqui está claro que Cristo é o fundamento sobre o qual eles constroem. Paulo está enfatizando as pedras usadas na construção. Nesta relação, Cristo é a pedra da esquina. Todos os outros são pedras de menor significação. Mas, mesmo sendo de menor importância, os apóstolos e outros ministros na igreja são pedras de fundação no edifício de Deus.
Nos versículos 4 a 22, temos o assunto: “A Igreja, a Morada de Deus”. A unidade da Igreja Invisível é o tema de fundo. 1) A fundação da Igreja, 20; 2) A construção da Igreja: inclusiva, 11-19; exclusiva, 4-11; de projeto simétrico — bem ajustado; cresce até à conclusão — cresce para templo santo no Senhor, 21; 3)
 “Em Cristo”, a Igreja é a morada de Deus no Espírito, 22 (G. B. Williamson).
Willard H. Taylor. Comentário Bíblico Beacon. Editora CPAD. Vol. 9. pag. 143-144.
 

A profecia é uma manifestação do Espírito de Deus e não da mente do homem, e é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso: 1 Co 12.7.
    Embora o dom da profecia nada tenha a ver com os poderes normais do raciocínio humano, pois é algo muito superior, isso não impede que qualquer crente possa exercitá-la: “Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados”, 1 Co 14.31.
    Ainda que nalguns casos o dom da profecia possa ser exercido simultaneamente com a pregação da Palavra, é evidente que esse dom é dotado de um elemento sobrenatural, não devendo, portanto, ser confundido com a simples habilidade de pregar o Evangelho.
Dada a importância desse dom em face dos demais dons espirituais, e dentro do contexto da doutrina pentecostal, necessário se faz uma análise cuidadosa, no sentido de conceituá-lo no seio da Igreja hoje.
    O apóstolo Paulo adverte os crentes a procurar “com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar” (1 Co 14.1); isto por razões que ele mesmo enumera:
    a. Porque “o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação... O que profetiza edifica a igreja”, 1 Co 14.3,4.
    “Edificação”, “exortação” e “consolação” são os três elementos básicos da profecia, são a razão de ser e de existir desse dom. É evidente que isto contraria a crença tão popular entre nós, de que o principal elemento da profecia é o preditivo (predição do futuro). Certamente, que tanto o Antigo quanto o  Novo Testamento contêm numerosas profecias preditivas, muitas das quais já se cumpriram, e outras estão se cumprindo, e outras ainda se hão de cumprir, No entanto, no conteúdo geral das Escrituras, o elemento preditivo da profecia é relativamente o menor.
    b. Porque ‘‘se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado. Os segredos do seu coração ficarão manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós”, l Co 14.24,25.
    Há algo mais que precisamos ter em mente quanto ao dom de profecia e o seu uso na Igreja hodiemamente:
    a) O dom de profecia nunca deve exercer propósitos diretivos ou de governo sobre a Igreja. No Antigo Testamento, Israel era governado por reis e o culto era dirigido pelos sacerdotes, mas nunca por alguém que se tivesse distinguido por um ministério cem por cento profético. Os profetas eram apenas colaboradores na condução do povo. O mesmo aconteceu com a Igreja dc Novo Testamento: o seu governo sempre esteve sob a responsabilidade dos presbíteros ou bispos, ou pastores, mas nunca sob a responsabilidade de profetas.
    Escreveu o missionário Eurico Bergstén, que “quando alguém, por meio de profecia, penetra na direção da igreja, mostra que é dominado por influências estranhas. Abre-se, então, uma porta para a perturbação... Quando alguém se faz ‘oráculo de profeta’, para responder a perguntas e orientar os crentes, está usando indevidamente o dom de profecia... O dom de profecia não atinge, nesta dispensação, a faixa de consulta, pois tem uma outra finalidade: a edificação da Igreja”.
   b) Devido a possíveis abusos quanto ao uso do dom da profecia, este dom está sujeito a análise e a consequente julgamento. Recomenda o apóstolo Paulo: “...falem dois ou três profetas, e os outros julguem”, 1 Co 14.29.
   Paulo arremata suas advertências quanto ao dom de profecia, dizendo: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”, 1 Co 14.37.
  O dom de profecia não deve ser desprezado (1 Tm 4.14), mas despertado (2 Tm 2.16), a fim de que a Igreja seja enriquecida: 1 Co 1.57.

                             Raimundo F. de Oliveira. 
                           A Doutrina Pentecostal Hoje. Editora CPAD.

FONTE: apazdosenhor.org





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