segunda-feira, 12 de março de 2018

Lição 11 - Os Gigantes da Fé e o seu Legado para a Igreja




A
               Comentário de Hebreus 11.1 -40
 leitura do capítulo 11 de Hebreus deve ser feita à luz do que foi dito no capítulo 10. Ali, o autor completou o seu longo argumento sobre o sacerdócio de Cristo (Hb 10.18) e, parenteticamente, como de costume, usou um tom exortativo para alertar seus leitores sobre o perigo de voltar atrás. O capítulo 11 traz a galeria dos heróis da fé, como uma forma de exemplificar como viveram e agiram os grandes homens e mulheres de Deus do passado. O objetivo é que seus exemplos sejam seguidos pelos cristãos hebreus que davam sinais de desesperança e falta de fé.
    “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não veem" (v. 1). Mais do que um conceito, o autor faz aqui uma afirmação sobre a fé que é oposta àquela que estava sendo demonstrada por seus leitores. Os Hebreus davam sinal de fraqueza espiritual justamente porque estava faltando-lhes a fé. O substantivo grego pistis, traduzido aqui como "fé”, ocorre 243 vezes no Novo Testamento; 30 vezes somente em Hebreus, sendo que, somente no capítulo 11, há o registro dessa palavra 24 vezes.1 A palavra grega hypostasis, traduzida aqui como "fundamento", tem, no texto grego, o sentido de certeza, garantia, segurança} Nesse sentido, era usada como atestação ou garantia de uma propriedade. Para o autor, a fé era como ter em mãos um documento que atestava a posse de determinado objeto. E mais: a fé é a convicção das coisas que não se viam. O termo grego elenkos, traduzido aqui como "prova”, mantém o sentido de "evidência”.3
       “Porque, por ela, os antigos alcançaram testemunho” (v. 2). Nesse versículo, a construção en tauté gar emartyrethesan presbyteroi ("pois nela, isto é, na fé, os antigos obtiveram testemunho"). Aqui, é o próprio Deus quem dá testemunho dos feitos que a fé realizou na vida dos antigos.
        “Pela fé, entendemos que os mundos, pela palavra de Deus, foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente" (v. 3). Aqui, a fé é usada no sentido instrumental. É por meio da fé que temos a percepção das coisas espirituais. Mediante a fé, sabemos que o universo foi criado pela palavra de Deus. Os expositores veem aqui um contraste entre a percepção mental e sensitiva, quando o autor usa o termo grego noeo (aquilo que está relacionado ao conhecimento intelectual). A fé vai além do conhecimento sensorial e empírico para acreditar que o mundo visível não tenha existido a partir das coisas que são visíveis.4
         “Pela fé, Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons, e, por ela, depois de morto, ainda fala" (v. 4). Abel abre a galeria dos heróis da fé. O texto de Gênesis 4.2-16 silencia sobre o que teria distinguido o sacrifício de Abel daquele oferecido por Caim. Todavia, o autor de Hebreus diz que a oferta (gr. propheró) de Abel foi melhor (gr. pleion). Donald Hegner observa que “a entrega sem reservas à realidade de Deus e ao caráter absoluto das vindicações de Deus sobre nós — fez uma diferença decisiva. De certa forma, Caim retraiu-se em relação a Deus, quer na própria oferta, quer em seu coração”.5
        "Peia fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte e não foi achado, porque Deus o trasladara, visto como, antes da sua trasladação, alcançou testemunho de que agradara a Deus” (v. 5). A palavra grega metatithemi, usada três vezes em Hebreus e outras três vezes no Novo Testamento, significa "mudar”, “transpor", "transferir”, "remover” e “trasladar”.6 Na interpretação do autor, Enoque, tendo obtido o testemunho de haver agradado a Deus, foi trasladado ao céu e não passou pela morte. “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (v. 6). De forma parentética, como costumeiramente vinha fazendo, o autor aproveita o espaço para fazer uma exortação sobre a necessidade de se exercer a fé na caminhada cristã. Aqueles que creem precisam saber que Deus existe e está pronto a premiar aqueles que o buscam, não os que desistem pelo caminho. Quem não tem fé não segue avante.
      "Pela fé, Noé, divinamente avisado das coisas que ainda não se viam, temeu, e, para salvação da sua família, preparou a arca, pela qual condenou o mundo, e foi feito herdeiro da justiça que é segundo a fé” (v. 7). Nessa passagem, o autor tem em mente o relato de Gênesis 6.8,9, 13-22; 7.1. Aqui, o particípio aoristo krematistheis (avisar, advertir, instruir) antecede a ação do verbo principal. Primeiramente, o Senhor avisou a Noé sobre o Dilúvio que viria, e, a partir daí, Noé começou a trabalhar no projeto da Arca. Não havia nada além da palavra de Deus, nenhuma prova material ou física, para Noé saber que aquilo que lhe fora dito iria cumprir-se. Noé, porém, ousou crer naquilo que o Senhor dissera a ele. O texto destaca que a iniciativa para livrar Noé e sua família teve início em Deus.
        “Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia” (v. 8). Agora, o autor entra no universo dos patriarcas. O particípio presente kaloumenos (gr. kaléô, chamar) tem o sentido temporal aqui. Quando Deus chamou a Abraão, este não vacilou, mas obedeceu sem fazer perguntas. À semelhança de Noé, Abraão não tinha nenhuma prova, além da palavra de Deus, que, de fato, chegaria a essa terra que a ele foi prometida. Ele não sabia onde era essa terra, muito menos seu caminho.
        O texto diz que o patriarca saiu “sem saber para onde ia”. Somente a palavra de Deus serviu-lhe de bússola e guia naquela longa jornada.
       “Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa" (v. 9). A fé fez Abraão sair do seu mundo conhecido, e a mesma fé fê-lo chegar ao mundo até então desconhecido para ele. A fé leva-nos a fazer coisas incríveis. Todavia, essa terra ainda não era dele, mas apenas uma promessa. Na verdade, Abraão morava nas promessas de Deus e vivia em Canaã. Ali, ele não passava de um estrangeiro. A fé dizia que essa terra, embora não lhe pertencesse fisicamente, era dele por herança divina. A fé era o único documento que ele tinha de propriedade daquela terra.
      “Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (v. 10). Abraão descansava na fé, mesmo habitando em tendas. O autor põe em relevo a fé de Abraão, que, mesmo sabendo que aquela terra era sua pela promessa de Deus, continuou morando em tendas. E assim o fazia porque sabia que era um nômade e que a sua verdadeira morada era a celeste. A fé tirava seus olhos da terra e colocava-os no céu. Quando a fé não está presente, facilmente miramos para baixo ou para os lados, mas nunca para cima.
        “Pela fé, também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber e deu à luz já fora da idade; porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prometido” (v. 11). O autor sagrado põe Sara na lista da fé, embora o relato de Gênesis 18.12 mostre Sara rindo quando recebeu a promessa de gerar um filho. Ela sabia que já havia passado da idade de tê-lo. Querendo retirar essa aparente dificuldade do texto, alguns comentaristas entendem que o sujeito da frase é Abraão, e não Sara. Dessa forma, o autor estaria se referindo primeiramente ao patriarca, e não a sua esposa, Sara. A Nova Versão Internacional traduziu desta forma: “Pela fé Abraão — e também a própria Sara, apesar de estéril e avançada em idade — recebeu poder para gerar um filho”. Fritz Laubach destaca que o autor, com seus olhos espirituais,
 "tem capacidade para constatar fé no lugar em que outras pessoas não notam nada. Além disso, temos de considerar ainda outro aspecto: as dificuldades do texto se dissolvem quando entendemos o matrimônio de Abraão com Sara no sentido original conforme a criação, como a união total de duas pessoas segundo corpo, alma e espírito. O que é afirmado sobre Sara vale de modo idêntico para Abraão. Na fé, Abraão e Sara obtiveram a força para gerar descendência, apesar de que isso era humanamente impossível (cf. Rm 4.18-21). Sua fé se atém exclusivamente à promessa e à fidelidade de Deus, não às possibilidades imanentes”.7 1
      “Pelo que também de um, e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar" (v. 12). A palavra "amortecido" traduz o grego “nekrów e tem o sentido de “considerado como morto”. Paulo usa essa palavra em Colossenses 3.5 no sentido de mortificação da natureza adâmica. Abraão, mesmo amortecido pela idade avançada, foi, pela fé, capaz de gerar descendência. Essa descendência não era apenas física, mas, sobretudo, espiritual (Gl. 3.7-9).
         "Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas, mas, vendo-as de longe, e crendo nelas, e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra" (v. 13). Um fato descrito aqui pelo autor e que vai contra a crença popular é que quem tem promessas morre! Abraão, por exemplo, viu o nascimento de Isaque, mas não viu a promessa da posse da terra de Canaã concretizada. As pessoas as quais o autor acabou de referir-se morreram na fé, sem, contudo, obterem a plenitude das promessas. Deve ser sublinhado que o texto está falando de promessas não apenas no sentido físico, mas, sobretudo, espiritual.
          "Porque os que isso dizem claramente mostram que buscam uma pátria” (v. 14). Aqui, o autor demonstra que não estava se referindo apenas às promessas materiais no versículo 13. Ao aceitar serem peregrinos e estrangeiros em terra alheia, os patriarcas comportaram-se como quem de fato acredita em outra pátria, a Canaã celestial.
         “E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar” (v. 15) O expositor Richard Taylor traduziu esse versículo assim: “E se eles realmente tivessem lembrado daquela (terra) de onde tinham saído, eles teriam tido continuamente a oportunidade de voltar”.8
          “Mas, agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade” (v. 16). Abraão teve a oportunidade de voltar atrás, mas não voltou. O contraste com a geração do êxodo a qual se refere o autor fica evidente. Os israelitas que peregrinaram no deserto tentaram voltar para o Egito por inúmeras vezes. O autor mostra que, da mesma forma que os patriarcas agiram, indo sempre para frente em direção às promessas de Deus, os seus leitores deveriam fazer o mesmo. Eles deveriam também ansiar a pátria melhor, a Canaã celeste, e nunca pensar em voltar atrás.
         "Pela fé, ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado, sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigénito" (v. 17). O verbo grego prosphero, “oferecer”, é um dos termos preferidos do autor de hebreus, ocorrendo 20 vezes no texto. O seu sentido é o de "sacrificar”, “oferecer sacrifícios”. A palavra "testou” (ARA) em vez de “tentou (ARC) traduz melhor o termo grego peirasmos. Aqui, o seu sentido é determinado pelo contexto, que é claramente de uma prova. A fé de Abraão é demonstrada no fato de que o cumprimento das promessas de Deus feitas a ele dependia de um Isaque vivo, e não morto. Muitas vezes, é preciso matar, mesmo simbolicamente, o "Isaque” para que as promessas de Deus sejam cumpridas. Isaque não era filho único de Abraão (havia também Ismael). Todavia, a palavra monogenes, traduzida aqui como “unigénito", quer dizer “único do gênero". Isaque era o filho da promessa, Ismael não.
        “Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar” (v. 18). Todas as promessas de Deus a Abraão estavam em Isaque: “Em Isaque será chamada a tua descendência [...]". A fé de Abraão acreditava que Deus era poderoso para ressuscitar uma promessa, mesmo que esta tivesse morrido.
         "E daí também, em figura, ele o recobrou” (v. 19). Abraão não chegou a sacrificar Isaque, mas, figuradamente, isso aconteceu! Na mente de Abraão, quando Deus pediu Isaque, ele considerou a possibilidade de perdê-lo, mesmo que momentaneamente. Abraão acreditava que, de alguma forma, as promessas de Deus relativas a Isaque seriam cumpridas, mesmo que o Senhor tivesse que o ressuscitar dentre os mortos.
          “Pela fé, Isaque abençoou Jacó e Esaú, no tocante às coisas futuras" (v. 20), O autor tem o olhar sempre no horizonte quando descreve a fé. Aqui, Isaque — e não Abraão — é o personagem principal. A fé conduziu-o a abençoar seus filhos, Jacó e Esaú, com relação a coisas que só o tempo poderia comprovar sua veracidade. Como abençoou, assim aconteceu. A fé não é míope; ela enxerga longe.
          “Pela fé, Jacó, próximo da morte, abençoou cada um dos filhos de José e adorou encostado à ponta do seu bordão" (v. 21). O autor sublinha o fato de Jacó estar para morrer quando abençoou os filhos de José. Mesmo acamado, o velho patriarca, em adoração a Deus, proferia uma benção profética. Sem dúvidas, muitas profecias modernas não se cumprem porque são dadas por quem não adora.
          “Pela fé, José, próximo da morte, fez menção da saída dos filhos de Israel e deu ordem acerca de seus ossos" (v. 22). José não é conhecido apenas por sua fidelidade, mas também por sua fé. Pela fé, ele faz menção do êxodo quando deu instruções sobre os seus ossos. O que José viu pela fé foi cumprido à risca (Êx 13.19; Js 24.32). A fé enxerga longe e costuma honrar aquele que a exercita.
         “Pela fé, Moisés, já nascido, foi escondido três meses por seus pais, porque viram que era um menino formoso; e não temeram o mandamento do rei" (v. 23). Uma análise simples do relato de Êxodo não permite enxergar unais do que o cuidado de pais zelosos pelo filho que tinham gerado (Êx 2.2). O autor usa a palavra asteios, traduzido aqui como “formoso”, para justificar esse instinto de proteção materno e paterno. Essa mesma construção grega é usada por Estevão em Atos 7.20, onde significa “agradável a Deus”. F. F. Bruce destaca que “formoso" “significa algo mais que sua condição de beleza. Havia algo na aparência do menino que indicava que não era um menino comum, senão alguém destinado por Deus para fazer grandes coisas".9
         "Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó" (v. 24). A Bíblia não identifica quem era essa princesa que era filha de Faraó. Muitas conjecturas são levantadas, mas não há certeza em nenhuma delas.10 O fato relevante aqui é apontado para a fé de Moisés, que escolheu sofrer como um peregrino do que viver na luxuosa vida dos faraós. A fé tirou-o do palácio para colocá-lo no deserto. Todavia, essa mesma fé não o deixou lá. Ela levou Moisés para o centro da vontade de Deus, que era livrar o seu povo da escravidão do Egito.
         “Escolhendo, antes, ser maltratado com o povo de Deus do que por, um pouco de tempo, ter o gozo do pecado" (v. 25). O autor sublinha o fato da escolha feita por Moisés. Nesse texto, o termo helomenos tem o sentido de “tendo escolhido”. Esse mesmo vocábulo é usado por Paulo para retratar seu dilema de escolher entre partir para estar com Cristo na eternidade ou ficar na igreja (Fp 1.22). O autor quer sublinhar o dilema que Moisés tinha diante de si — duas opções, mas ele teria somente uma para escolher. Aparentemente, a mais vantajosa seria aquela que o faria permanecer no palácio em vez da outra, que o expulsava de lá. A fé fez Moisés escolher a que contemplava a eternidade.
          "Tendo, por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa" (v. 26). Nessa passagem, o contraste é entre "riquezas" e "vitupério". Moisés fez uma escolha entre viver "honrado” ou "desonrado”. Viver no palácio era viver no luxo, no glamour. Em contrapartida, ficar do lado dos cativos era ser exposto ao desprezo. Mas a fé não vê o que é imediato; ela vê o longe. Aqui, Moisés não viu os luxuosos palácios faraônicos, mas, sim, o rude monte Calvário.
          “Pela fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o invisível” (v. 27). Viver pela fé envolve desafios. Muitas vezes, significa remar contra a correnteza. Outras vezes, significa conquistar muitos inimigos. No entanto, nada disso abalou Moisés — ele lançou-se nos braços da fé porque conseguia ver o que ninguém via. Ele via a Cristo.
          "Pela fé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor dos primogênitos lhes não tocasse" (v. 28). O ritual da Páscoa está registrado em Êxodo 12. A Páscoa apontava para Cristo. O cordeiro deveria ser sem defeito (Êx 12.5); o sangue deveria ser posto do lado de fora, nas umbreiras, para proteger quem estivesse dentro, só há segurança para quem está na Igreja, em Cristo (Êx 12.7). A Páscoa deveria ser realizada com pães ázimos, isto é, sem fermento (Êx 12.8), pois o fermento incha! A vida cristã não pode ter inchaços. Fazia parte do ritual da Páscoa a presença de ervas amargas (Êx 12.8). A vida cristã não é só prosperidade, mas também adversidades. Em muitos momentos da vida, para manter-se o testemunho cristão, é necessário comer ervas amargas. O cordeiro deveria ser comido assado (Êx 12.9-10). A vida do cristão não pode ser “cozinhada”, nem tampouco “crua”, mas queimada com fogo (Mt 3.11; At 2.3). Nada da Páscoa podia ser usado para outros fins (Êx 12.10). A vida do crente é consagrada a Cristo e não deve ser usada para fins profanos.
        “Pela fé, passaram o mar Vermelho, como por terra seca; o que intentando os egípcios, se afogaram” (v. 29). A fé cria desertos dentro d agua. Às vezes, constrói pontes onde não há nenhuma (Mt 14.29).
         "Pela fé, caíram os muros de Jericó, sendo rodeados durante sete dias” (v. 30). Aqui, o autor põe em destaque a fé de Josué. Os capítulos 1 a 7 do livro de Josué revelam essa grande façanha conquistada pela fé. Primeiramente, vemos que os homens passam, mas Deus continua o mesmo (Js 1.1,2); conquistas futuras são determinadas por decisões tomadas no passado (Js 1.2-7); mais importante do que manusear uma espada é o manuseio da Palavra (Js 1.7-9); conflitos e guerras não são para amadores, mas para pessoas treinadas, habilitadas (Js 1.14); nenhuma fortaleza é conquistada sem antes ser conhecida (Js 2.1); se Deus estiver atrás, não importa quem está na frente (Js 3.1-3); antes da bênção, deve vir a consagração (Js 3.5, 15,16); devemos levar sobre os ombros somente "pedras” de gratidão (Js 5.5-7); se não cortarmos a própria carne, não há livramento completo (Js 5.1 -9); devemos manter nossos olhos no céu, mas sem esquecer que temos nossa missão aqui na terra (Js 5.11-12); quando Deus está no comando, ganha-se até no "grito” (Js 6.1-6); devemos aprender que não há explicação para o inexplicável (Js 6.14-16); quem se cobre com o manto do pecado ficará descoberto depois (Js 6.17; 7.21).
      “Pela fé, Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias” (v. 31). A fé transformou Raabe, a meretriz, em uma filha de Deus. E mais: de Raabe, vem a linhagem do Messias. Ela casou-se com Salmom e deu à luz Boaz, bisavô de Davi. Dessa forma, Raabe tornou-se da linhagem de Jesus.
         “E que mais direi? Faltar-me-ia o tempo contando de Gideão, e de Baraque, e de Sansão, e de Jefté, e de Davi, e de Samuel, e dos profetas" (v. 32). O autor coloca outros homens do Antigo Testamento na galeria da fé: Gideão, que, com seus 300 homens, derrotou os midianitas; Baraque, que, juntamente com Débora, deu grande livramento a Israel; Sansão, que, com sua força extraordinária, proveu grandes livramentos a seu povo; Jefté, que, mesmo tendo feito um voto precipitado, transformou-se num hábil guerreiro; Davi, o estrategista militar por excelência e o homem segundo o coração de Deus; Samuel, o último dos juizes e um profeta respeitado entre seu povo. Por fim, o autor cita os profetas nessa galeria que fizeram coisas estrondosas por meio da fé.
       “Os quais, pela fé, venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas dos leões" (v. 33). Aqui, o autor não é específico em sua citação. A vitória sobre reinos pode ser a conquista da terra de Canaã sob a liderança de Josué ou as muitas vitórias de Davi. A prática da justiça é muito comum nos profetas que exigiam dos reis uma maior atenção ao desamparado. Alguém observou que 60% das profecias do Antigo Testamento estão relacionadas com a justiça social. Eles também alcançaram as promessas.
         “Apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos" (v. 34). A citação sobre o fogo é, provavelmente, extraída de Daniel 3.1-30. A referência à espada não é tão especifica. Pode ser uma referência ao profeta Elias, que escapou da espada de Jezabel (1 Rs 19.2-8), ou ao profeta Jeremias (Jr 36,19,26). As vitórias nas batalhas não são fáceis de precisar. Há muitos eventos no Antigo Testamento que podem ser identificados dentro da descrição do autor.
        “As mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos; uns foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição" (v. 35). A referência à ressurreição é perfeitamente identificada com a viúva de Sarepta (1 Rs 17.17-24) e a Sunamita (2 Rs 4.25-37). Outros foram torturados por sua fé.
         “E outros experimentaram escámios e açoites, e até cadeias e prisões" (v. 36). Bruce vê aqui uma referência ao profeta Jeremias (Jr 20.2; 20.7; 37.15). O homem que viu a promessa da chegada da Nova Aliança (Jr 31) deve servir de exemplo àqueles que agora viviam esse novo pacto.
          “Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos a f o da espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados” (v. 37). As citações são genéricas, mas é possível identificar aqui o apedrejamento de Zacarias (2 Cr 24.20,22; Mt 23.35). C. S. Keener entende que o autor está aludindo aqui a tradição na qual se afirma que o profeta Isaías fora cerrado ao meio.11 É possível associar os vestidos de pelo de cabra ao profeta Elias. O expositor Richard Taylor observou que
 "a fé em tempos prósperos logo desaparece diante do assalto violento das tempestades que abalam a alma. Se a fé é relevante somente para ser feliz e próspera neste mundo, ela não passa de uma muleta débil e inútil de um mundanismo egoísta. A verdadeira fé cristã, por outro lado, encontra seu maior triunfo, não nos feitos visíveis, mas numa confiança e equilíbrio interior quando não existem circunstâncias encorajadoras. A fé mais brilhante é uma fé que é brilhante quando o certo é derrotado e o errado está no trono, quando a vida parece completamente irracional".
        “(homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra” (v. 38). Esses heróis, dos quais o mundo não era merecedor, que deveriam ser honrados, reconhecidos, viveram como errantes no mundo. Todavia, aceitaram viver uma vida à margem da sociedade do que perder as promessas de Deus.
        E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa" (v. 39). A promessa não alcançada aqui é a mesma que os crentes judeus deveriam aguardar. Os crentes da Antiga Aliança morreram por ela, e os da Nova devem fazer o mesmo.
         "Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados" (v. 40). Eles viveram na fé, porém na sombra das promessas. Os crentes da Nova Aliança vivem já a realidade dessa promessa com a morte, ressurreição, glorificação de Cristo e o consequente derramamento do Espírito Santo. O termo grego teleioô, traduzido aqui como aperfeiçoar, tem o sentido de alcançar o alvo ou objetivo. Para o autor, só existe um povo de Deus ou igreja, constituída pelos santos da Antiga e Nova aliança. Quando todo o povo de Deus estiver junto, então o alvo foi alcançado. Adam Clarke comenta: "Posto que o evangelho é a última dispensação, os fiéis das dispensações anteriores não podem ser concluídos (aperfeiçoados), mesmo na glória, senão até que a igreja chegue aos céus dos céus”.13

A SUPREMACIA DE CRISTO


A CARTA AOS HEBREUS - Introdução e Comentário

por DONALD GUTHRIE

 

HEBREUS 11:1
É, porém, o aspecto da fé que fornece a ligação com o capítulo seguinte, uma descrição dalguns dos heróis da fé.

B. A FÉ (11.140)
O escritor está bem consciente de que a vida da fé não é fácil, mas chama à mente as proezas de muitos homens e mulheres da fé no passado. Produz uma galeria de arte, em miniatura, de retratos de pessoas piedosas que, a despeito das suas realizações, não herdaram plenamente as promessas, porque tinham vivido antes dos tempos de CRISTO.

HEBREUS 11:1

 Sua natureza (11.1-3)

1, Não há separação alguma entre este versículo e o anterior. O panorama da eficácia da fé no curso da história do povo de DEUS visa fornecer uma exposição baseada “naqueles que são da fé e conservam a alma” (10.39).
O escritor deseja ilustrar a continuidade entre os cristãos hebreus e os homens piedosos da antigüidade.95 Suas proezas são vistas como um prelúdio apropriado para a era crista (conforme demonstra 11.39, 40).
Este relato começa com algumas declarações gerais acerca da fé (w. 1-3). Não precisamos supor que o escritor está tentando oferecer uma definição precisa da fé na sua declaração inicial. Cita, pelo contrário, aqueles aspectos importantes que são tão vividamente ilustrados nas experiências passadas do povo de DEUS. A declaração: Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, introduz a palavra “fé” (pistis) sem o artigo, que demonstra que o escritor está pensando da fé em geral e não especificamente da fé cristã. Tem certas qualidades que se aplicam tanto à era précristã quanto à era cristã. A palavra traduzida “certeza” (hypostasis) já tinha sido usada em 1.3 no sentido de “natureza” ou “essência” (“Ser” em ARA) e em 3.14 no sentido de “convicção.” Estes usos diferentes poderiam ser aplicados à presente passagem, e é uma questão para debate qual dos significados é melhor adaptado a ela. Se o primeiro for melhor, Um escritor alemão recente, E. Grasser: Der Glaube im Hebraerbrief (1965), faz de uma exposição de “fé” nesta Epístola a chave para a compreensão do tema inteiro. Considera que a fé tomou-se mais acadêmica do que pessoal, como é em Paulo. Para Grasser, o fundo histórico de Hebreus é um estado de desespero.
Mas cf. as críticas desta posição no Excurso 2 de G. Hughes: Hebrews and Hermeneutics (1979), págs. 137-142. a declaração significaria que a fé dá realidade às coisas esperadas. Se o segundo sentido for melhor, teríamos, então, que a fé consiste na convicção de que as coisas que se esperam acontecerão. A diferença é aquela entre um estado e uma atividade. Para decidir qual sentido é preferível, o significado da palavra adicional convicção (elenchos) deve ser considerado. Esta palavra significa “prova, teste,” que sugere que a fé é vista como a prova da realidade de fatos que se não vêem. Se as duas partes da sentença devem ser consideradas paralelas entre si, seria melhor considerar que as duas palavras-chaves indicam a função demonstradora da fé. Apesar disto,a diferença entre coisas que se esperam e fatos que se não vêem enfraquece o paralelo e sugere que as duas palavras-chaves possam ser entendidas, uma a respeito de um estado e a outra de uma atividade. Bruce faz uma comparação acerca das coisas visíveis e a fé que faz a mesma coisa no caso da ordem das coisas invisíveis.
Coisas que se esperam é bem geral e focaliza-se na “esperança” mais do que em qualquer objeto específico da esperança. Não é, porém, a esperança como conceito abstrato (elpis), mas o resultado da atividade de esperar. Esta estreita conexão entre a fé e a esperança acha sua expressão nas Epístolas de Paulo, como, por exemplo, em 1 Coríntios 13.13 (cf. também Ef 4.4-5). A fé é o ato de compromisso da parte do crente, ao passo que a esperança é o estado da mente. Do outro lado, fatos que se não vêem descreve de modo geral tudo quanto está além do conhecimento normal do homem ou dos seus poderes de compreensão. Inclui, portanto, a gama inteira de experiências espirituais, embora provavelmente vise ter o sentido mais restrito daquelas realidades espirituais que se relacionam com o futuro, e, neste caso, aproxima-se em certa medida da esperança. A fé fornece uma plataforma para a esperança e uma percepção da realidade que, doutra forma, ficaria sem ser vista. Na discussão acerca dos homens da fé,
esta atração do invisível fica em evidência especial.

HEBREUS 11:2-3

2. Quando o escritor continua, dizendo: Pois (garj, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho (“aprovação divina”, RSV), está oferecendo um julgamento tirado da experiência que o homem tem de DEUS).

É uma espécie de resumo da experiência humana no passado, e especialmente dos homens a serem mencionados no catálogo que se segue. Não se pode disputar que estes homens receberam a aprovação divina. Quaisquer leitores que tivessem sido criados no judaísmo ortodoxo teriam aprendido a reverenciar estes heróis do passado como pessoas que obtiveram favor espe- ciai com DEUS. Ademais, o mesmo seria aplicável aos leitores gentios que tivessem adotado o Antigo Testamento como Escritura e que logo aprenderiam a reconhecer o carimbo divino de aprovação sobre estes homens do passado. A palavra traduzida bom testemunho (emartyrèthêsan) aparece no grego sem mencionar DEUS, mas fica claro pelo uso do mesmo verbo no v. 4 (cf. também v. 39) que DEUS é considerado o agente (daí “aprovação divina” em ARA). 3. Ao contemplar a origem do mundo observável da natureza, o escritor reconhece a necessidade de um salto da fé. Se a explicação fosse restrita a fenômenos que podem ser testados, nenhuma fé seria necessária. O invisível seria automaticamente excluído, porque somente as coisas que podem ser vistas seriam consideradas como dados válidos. Mas as palavras Pela fé entendemos demonstram que o conhecimento não é independénte da fé. Esta declaração tem alguma aplicação ao conceito científico do mundo. A ciência não poderia rejeitar a idéia de que o universo foi formado pela palavra de DEUS, porque este conceito não depende de uma avaliação científica dos fatos “vistos.” O escritor reconhece que a aceitação de um ato criador especialmente de DEUS é possível somente à fé. Mas por que introduz o assunto a esta altura da sua discussão? Que relevância tem para este catálogo dos homens de fé? A resposta acha-se no fato de que não pode considerar o mundo dos homens à parte do seu meio-ambiente. Pelo contrário, o interesse que DEUS tem na fé dos indivíduos é condicionado pelo Seu propósito na criação. Se a fé é exercida pelos homens na terra, deve dizer respeito ao fato que tudo quanto existe na terra está sob o controle de DEUS. O escritor já deixou claro em 1.2 que o Filho foi o agente através de quem DEUS criou o mundo, embora empregue aqui um verbo mais expressivo (katêrtisthai) para o ato da criação. Neste contexto significa “mobiliar completamente ou equipar” e assim chama a atenção à perfeição do número total de atos criadores e vê a totalidade como uma unidade equilibrada e completa. É a função da fé fazer este discernimento. O resultado da fé é declarado assim: o visível veio a existir das coisas que não aparecem. Quer dizer que a fé postula que um poder invisível foi a causa eficaz do mundos dos fenômenos. Este é um ponto de vista em plena harmonia com a narrativa da criação em Gênesis. Esta idéia da criação exnihilo não era favorecida pelo mundo grego contemporâneo.

HEBREUS 11:4
(ii) Exemplos do passado (11.4-40)
4. Seguem-se agora alguns comentários sobre homens da era entre a criação e o dilúvio (w. 4-8). Três homens se destacam para ilustrar os vários
aspectos da fé. O primeiro a ser mencionado éAbel, com sua fé sacrificial.
A narrativa de Gênesis não se refere, na realidade, à fé de Abel. Simplesmente
declara que Abel trouxe das primícias do seu rebanho, e da gordura
deste (Gn 4.4). Não é dada nenhuma indicação da razão porque seu
sacrifício revelou-se mais aceitável. O único indício é que foi dito a Caim
que se procedesse bem, ele também seria aceito (Gn 4.7), o que sugere que
tinha muito a ver com a atitude e o estilo de vida de Abel. Mas o escritor
aos Hebreus oferece sua própria interpretação, e liga o mais excelente sacrifício de Abel com a sua fé. É freqüentemente suposto que o sacrifício de
Abel era superior porque era um sacrifício de sangue, ao passo que o de
Caim não o era. Mas não havia precedente para os sacrifícios de sangue,
nem evidência alguma para sugerir que DEUS tinha instruído os irmãos acerca
do tipo de ofertas que deviam fazer. Apesar disto, Abel, como o primeiro
a oferecer sacrifícios animais, é de interesse especial para o escritor.
Nenhuma sugestão é feita quanto ao método que DEUS usou para
demonstrar Sua aceitação do sacrifício de Abel. O escritor simplesmente
diz: obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de DEUS quanto
às suas ofertas, porque a narrativa de Gênesis não é mais específica do que
isto. Dalguma maneira, no entanto, Abel e Caim sabiam qual era o julgamento
divino quanto às suas ofertas. A aceitação das ofertas está claramente
ligada com o testemunho de ser justo e a aprovação de DEUS, que,
por sua vez, está ligada com o sacrifício mais aceitável. A justiça referida
parece consistir-se de uma atitude mental correta que agrada a DEUS.
Talvez pareça que Abel recebeu uma miserável recompensa pela sua
aceitação por DEUS, quando seu irmão o matou. Mas o escritor está impressionado com o caráter eterno da fé de Abel. É por meio dela que ainda fala, a demonstração mais antiga de que a morte, até mesmo a morte violenta, não pode impedir a mensagem da fé. Esta interpretação é sustentável
se Por meio dela (d.V autès) se refere à fé, mas a palavra fé não ocorre no texto. É possível referir o pronome (autès) mais para trás na sentença e aplicá-lo ao sacrifi'cio, mas parece preferível entender que a fé é o substantivo oculto, porque é ela o tema da passagem. O pensamento principal é que o tipo de fé que Abel exerceu pode comunicar durante todo o decorrer do tempo. Ainda fornece uma fonte de inspiração em comum com os demais exemplos da fé. Onde a verdadeira fé em DEUS opera, é relevante em qualquer época. Se o padrão da fé nestes antigos homens da fé podia falar aos Hebreus, não há razão porque não deva se aplicável a nós também.

HEBREUS 11:5

5. É natural num catálogo de antigos homens da fé, que apareça facilmente uma menção a Enoque. Nas genealogias um pouco monótonas
de Gênesis 5, o breve comentário sobre Enoque brilha como uma jóia e dificilmente tem um paralelo noutro lugar da Escritura quanto à sua qualidade
eficazmente concisa. “Andou Enoque com DEUS, e já não era, porque DEUS o tomou para si” (Gn 5.24). A Septuaginta, que diz: “Enoque agradou
a DEUS” e “não foi achado” é seguida pelo autor. Seu comentário sobre aquela declaração ressalta dois aspectos, (i) Que a libertação de Enoque da experiência da morte deveu-se à sua fé. Trata-se de uma interpretação da declaração não foi achado, (ii) Que obteve testemunho de haver agradado
a DEUS antes de ser trasladado. Este, por sua vez, é um comentário interpretativo do fato de que andou com DEUS. O escritor toma por certo que somente um homem de fé poderia desfrutar de comunhão íntima com
DEUS, e que qualquer pessoa que tivesse tido semelhante comunhão com
Ele forçosamente Lhe teria agradado. Foi indubitavelmente uma suposição correta. O que há de notável em Enoque é que esteve sublimemente acima
da corrupção dos seus tempos. Foi por esta razão que DEUS resolveu removê-
lo do cenário desta maneira incomum? Certamente sua trasladação misteriosa impressionou profundamente nosso escritor.

HEBREUS 11:6-7
6. A referência à fé de Enoque é justificada pelo comentário: De fato, sem fé é impossível agradar a DEUS. O relacionamento entre o homem e DEUS é edificado numa confiança mútua, e a comunhão verdadeira não pode existir sem ela. O escritor passa, na realidade, a indicar algo muito mais elementar, mas que percebeu claramente que era necessário mencionar.
(i) É necessário que aquele que se aproxima de DEUS creia que ele existe.
Já foi visto quão central a esta Epistola é a idéia de aproximar-se de
DEUS (4.16; 7.25; 10.1, 22). A presente declaração deve, portanto, ser considerada uma ligação da experiência de Enoque com o propósito inteiro da carta. Talvez pareça estranho que numa Epístola que começa com uma asseveração de DEUS (1.1), o escritor considere necessário indicar a necessidade de crer na Sua existência. Está, porém, argumentando a partir da experiência humana da comunhão com DEUS para o fato de que sua fé na existência de DEUS deve ser verdadeira,

(ii) Tais adoradores também devem crer que se toma galardoador dos que o buscam. Esta declaração (97) Outra menção de Enoque no Novo Testamento é Judas 14, onde é feita uma citação do livro de Enoque. Isto nos faz lembrar que Enoque era uma escolha familiar entre os apocalipsistas. É mencionado nos livros dos Jubileus 4.17; Ben Siraque 44.16; 1 Enoque 71.14; e em todos eses casos seu exemplo é citado com aprovação.
Cf. também Filo: De Abraão 17-18; Das Recompensas e dos Castigos 17. visa renovar a certeza daqueles que estão duvidando se a busca de DEUS sempre é bem-sucedida. Aceitar isto requer fé, mas a convicção de que DEUS galardoa aquele que O procura com sinceridade está em plena harmonia com a natureza de DEUS conforme Ele Se fez conhecer através de todas as Suas revelações aos homens. Não há receio de que qualquer pessoa que O busca deixará de achá-Lo, se agir com fé.

7. A próxima pessoa notável no período primitivo é Noé, sem dúvida
alguma, e, mais uma vez, suas realizações são atribuídas à fé. Sua fé desenvolveu- se em resposta a uma advertência específica de DEUS (<divinamente instruído, chrèmatistheis). O verbo já foi usado em 8.5 a respeito da instrução que DEUS deu a Moisés, com a força de um mandamento autorizado.
Aqui se diz que o assunto da instrução foi acontecimentos que ainda não se viam, que é uma alusão indireta ao dilúvio, um símbolo do julgamento divino. A natureza da fé de Noé é vista na sua resposta à advertência
{sendo temente a DEUS, aparelhou.... eulabètheis kateskeuasen). O primeiro destes dois verbos, que ocorre somente aqui no Novo Testamento, tem o sentido de reverente temor. Este temor piedoso formava um elemento importante na fé de Noé. Era ligado com a obediência imediata aos mandamentos específicos de DEUS a respeito da arca. A fé de Noé, além disto, não era apenas eficaz em prol de si mesmo, mas também em prol de sua casa. Este aspecto coletivo da fé demonstra uma aplicação mais extensiva do que a fé de Abel ou de Enoque.
Parece provável que as palavras pela qual (dV hès) visam referir-se à arca, embora gramaticalmente pudessem referir-se à fé de Noé. De qualquer maneira, a arca era evidência visível da sua fé, diante dos seus contemporâneos descrentes e zombadores. A vista da arca sendo construída era um desafio para aqueles contemporâneos, e forçou sobre eles a sua própria condenação. Com sua descrença, estavam realmente rejeitando a advertência divina. É um pensamento solene que a fé de Noé, por causa da sua natureza, foi identificada como o ato mediante o qual condenou o mundo.
Onde a fé é resistida ou rejeitada, leva à condenação.
A expressão: herdeiro da justiça que vem da fé é interessante porque liga a justiça (dikaiosynê) com a fé (pistis) de uma maneira que relembra a
Paulo (cf. Rm 4.11; 10.6 e Fp 3.9 para várias fórmulas usadas). Aqui se diz que a justiça é “conforme (kataj a fé,” mas ARA, que vem da fé, provavelmente tem razão em ver a fé como o canal através do qual vem a justiça.
A idéia de “herdeiro” já ocorreu duas vezes neste Epístola, uma vez a respeito do Filho (1.2) e uma vez a respeito dos herdeiros da promessa (6.17).
No caso de Noé, a justiça não era algo no futuro, mas no presente. Na realidade, é o primeiro homem especificamente descrito como justo no Antigo
Testamento (Gn 6.9).

HEBREUS 11:8-9
8. Não é surpreendente que os comentários do escritor sobre Abraão ocupam mais espaço do que é dedicado a qualquer outra personagem antiga (w. 8-19). Suas proezas atraíam o interesse de judeus e cristãos igualmente.
Ele era por excelência um homem de fé. O primeiro aspecto da suá fé que é notado é sua obediência pessoal. Quando chamado, obedeceu, a fim de ir... uma referência direta a Gênesis 12.1-3. A construção no grego demonstra que a obediência acompanhou a chamada. Foi, na realidade, espontânea, o que é tanto mais notável porque não sabia aonde ia. Sua fé era de um tipo diferente daquela de Noé, porque as instruções deste último eram mais pormenorizadas. A fé que Abraão tinha era altamente recomendável porque aceitou uma herança em confiança, sem mesmo saber onde haveria de ficar. Foi porque deixou para trás o mundo “visível” dos seus dias anteriores e lançou-se num projeto que envolvia uma herança não vista que se tomou um exemplo da fé que ousa e merece o título de “pai do fiéis,”
O que é especialmente relevante no ato de fé da parte de Abraão é que começou a emergência da comunidade teocrática. Abraão agiu como indivíduo, mas mesmo assim, muitos dos seus familiares o seguiram.

9. O desenvolvimento e a extensão da fé de Abraão são vistos no fato de que Isaque e Jacó estão ligados a ele como herdeiros com ele da mesma promessa (cf. 6.17). A fé de Abraão consistiu em mais do que o ato inicial de deixar a cidade de Ur. Estendeu-se à sua experiência na terra da promessa. A palavra usada para peregrinou (parõkèsen) tem o significado de habitar como forasteiro num local, sentido este que é fortalecido pelas palavras como em terra alheia. Embora habitasse na terra da promessa, não o fez como dono legítimo, mas como um estrangeiro. Este fato é ressaltado pelo caráter nomádico da sua existência (habitando em tendas). É um boa recomendação da fé de Abraão que era tão tenaz em circunstâncias tão incertas: A fé transformara em realidade aquilo que nem sequer era aparente.

HEBREUS 11:10-11
10. Certamente há um contraste marcante entre as tendas em Canaã
e a cidade que tem fundamentos que a fé de Abraão antegozava.
Há alguma coisa especialmente atraente na qualidade da fé que vê estabilidade em coisas diferentes das materiais. Abrãâo poderia ter achado que o mínimo que DEUS poderia fazer era permitir-lhe que edificasse uma cidade na terra prometida para si mesmo e seus descendentes, especialmente tendo em vista o número considerável dos seus acompanhantes. Mas tinha PAdrões de valores totalmente diferentes — de uma cidade cujos fundamentos são totalmente inabaláveis. O escritor pensa em termos espirituais da cidade que DEUS está construindo. Podemos comparar esta idéia com a visão da nova Jerusalém que é descrita em Apocalipse 21 e 22, onde, mais uma vez, os aspectos espirituais são inquestionavelmente os mais importantes.
Abraão tinha um horizonte amplo e nobre além do meio-ambiente imediato para o qual conseguia olhar. Das duas palavras que descrevem a participação
de DEUS na cidade, a primeira é arquiteto (technitès), o planejador
de cada parte e o integrador destas partes separadas numa só totalidade.
A segunda palavra, edificador (dêmiourgos) focaliza-se mais especialmente
na execução dos planos. Ocorre somente aqui no Novo Testamento.98

11. Talvez seja surpreendente achar Sara mencionada como um exemplo da fé, porque segundo Gênesis destacava-se mais como um exemplo de dúvida. Mas visto que o nascimento da comunidade teocrática está em mente, o papel de Sara era tão importante quanto o de Abraão. Tendo em vista o avançado da idade dela, precisava dalgum poder (dynamis) além dela mesma para conceber e dar à luz uma criança. Um texto alternativo atribui a Abraão o recebimento do poder para conceber, que é mais natural do que atribuí-lo a Sara. A mudança do texto, no entanto, parece uma tentativa de evitar uma dificuldade aparente. A despeito do fato de que Sara riu quando ouviu pela primeira vez que iria ter um filho, sua zombaria deve ter se transformado em fé muito tempo antes de Isaque nascer. Era necessário uma mulher de fé para ser a esposa de um crente tão
destacado quanto Abraão. Ela também tinha de chegar à mesma convicção
que seu marido, de que o DEUS que prometera cumpriria a Sua palavra
(teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa). Em todas as crises espirituais é mais fácil duvidar do que crer, e Sara deve ser parabenizada por sua disposição de alterar sua abordagem e dar lugar ao desenvolvimento
da sua fé. A convicção de que DEUS é fiel é um dos aspectos principais
da doutrina bíblica. É tão forte no Antigo Testamento quanto no
Novo Testamento. É a pedra fundamental da fé do povo de DEUS.

HEBREUS 11:12-13

12. O pensamento do autor volta agora ao próprio Abraão como pai do povo de DEUS. Há um contraste aqui entre um e a posteridade... inumerável Um contraste semelhante entre “um só” e os “muitos” descendentes dele ocorre na teologia paulina de Adão em Romanos 5.12ss.
A linguagem figurada das inumeráveis estrelas e grãos de areia vem di retamente do relato de Gênesis (22.17; cf. 32.12). É uma lembrança vívida da magnitude da promessa de DEUS, especialmente dirigida àquele que estava já amortecido. A vida abundante estava para vir de uma morte aparente, um exemplo sublime de como os caminhos de DEUS diferem da estimativa humana daquilo que e' possível (considere Rm 4.19 onde ocorre o mesmo exemplo). Vale observar que o Por isso (dio) no começo deste versículo demonstra a importância da fé de Sara no cumprimento da promessa
a Abraão.
13. A esta altura um resumo geral da piedade patriarcal é introduzido
(w. 13-16). As palavras: Todos estes morreram na fé, subentendem,
que a fé foi sua característica dominante até o fim dos seus dias. As palavras
na fé (kata pistin) poderiam ser mais literalmente traduzidas “de conformidade
com a fé,” que demonstra que a fé é a regra pela qual viveram
e morreram. A despeito de não terem recebido a promessa, tiveram uma
certa medida de experiência dela: (i) vendo-as, porém, de longe, eram como
homens que tinham visto o objetivo no horizonte, mas nunca chegaram
realmente a ele nesta vida. Este é um exemplo notável da declaração no
v. 1 que “a fé é a convicção de fatos que se não vêem,” só que a convicção
ficou tão forte que o “não visto” já foi visto, (ii) Saudando-as. Assim
fica mais pessoal, como se o cumprimento da promessa nas multidões de
descendentes tivesse se tomado tão real que aqueles descendentes podiam
continuadamente saudá-lo. As palavras vendo-as, porém, de longe, e saudando-as ecoam o texto de Deuteronômio 3.15-27, uma descrição de Moisés recebendo um vislumbre da terra prometida."
Os patriarcas tinha confessado (homologèsantes) sua verdadeira condição
de estrangeiros e peregrinos. Abraão usou a mesma descrição para si
mesmo em Gênesis 23.4. Em 1 Pedro 1.1; 2.11 uma descrição semelhante
é aplicada aos cristãos. Em Hebreus a idéia encaixa-se na alusão anterior
às peregrinações dos israelitas no deserto (capítulo 3) e o alvo do escritor
é claramente usá-la como padrão. Tudo está em harmonia com o princípio
subjacente da Epístola de que são as coisas celestiais e não as terrestres as
mais importantes.

HEBREUS 11:14-16
14. Esta idéia de estrangeiros e peregrinos é exposta nos próximos
três versículos, cuja idéia principal é a pátria melhor (v. 16). O registro
dos patriarcas no Antigo Testamento demonstra que nunca obtiveram
uma pátria (patris) verdadeira. A palavra usada é significante, porque é
rara tanto na Septuaginta quanto no Novo Testamento. Significa mais
do que um lugar para habitar. Significa uma pátria onde uma nação pode
achar suas raízes. Este era o desejo dos patriarcas, e era um tema contínuo
para o povo de Israel no curso da sua história, embora o escritor desta
Epístola esteja pensando em termos espirituais mais do que nacionais.

15. Claramente não era a Mesopotâmia, de onde Abraão saíra, a
pátria da qual pensavam. A despeito da facilidade com que ele pudesse ter
voltado, nem ele nem seus descendentes imediatos desejavam fazê-lo. Isto
é tanto mais notável quando se reconhece que a terra que deixaram para
trás chegara a uma etapa de civilização muito mais adiantada do que a terra
de Canaã, para onde foram. É bem possível que o escritor esteja apelando
ao exemplo do patriarca que recusou-se a voltar para trás, a fim de colocar
pressões sobre aqueles leitores que estavam sendo tentados a voltar-se
contra o cristianismo que aceitaram.

16. A pátria superior é imediatamente identificada como sendo celestial.
A identificação dos dois adjetivos (kreittonos, epouraniou) é uma
característica específica desta Epístola. Coloca a ênfase na herança espiritual
e não na material. É talvez surpreendente, tendo em vista este fato,
descobrir que aquilo que DEUS lhes preparou é descrito em termos de uma
cidade, um símbolo do gênio criador do homem e especialmente da sila
vida social. Mas até mesmo a cidade pode ter uma conotação espiritual,
conforme demonstra 12.22. O que na realidade foi preparado é uma cidade
ideal, da qual as cidades dos homens são as mais pálidas imitações. Já
notamos quão surpreendente é que um grupo de nômades procurasse uma
coisa tão estável quanto uma cidade (veja v. 10).
Nenhuma recomendação maior poderia ser dada a quaisquer homens
do que dizer que DEUS não se envergonha deles, de ser chamado o seu DEUS.
O Antigo Testamento não oculta as fraquezas dos patriarcas, mas aqui o
escritor está olhando a história em retrospecto. Seleciona para sua atenção
a sua fé, que não pode ser negada. Além disto, sabe que o título “o DEUS
de Abraão, o DEUS de Isaque, e o DEUS de Jacó” foi o nome especialmente
escolhido por DEUS quando Se apresentou a Moisés na ocasião do êxodo
(Êx 3.6). É certamente incomum ler que DEUS não Se envergonhou, visto
que a vergonha é característica dos homens. De qualquer forma, era num
sentido especial o seu DEUS, conforme demonstra a história do povo escolhido.
Deleitava-Se em ser conhecido como o DEUS de Israel.

HEBREUS 11:17-18
17. Depois destes comentários gerais sobre os patriarcas, o escritor
volta para o exemplo supremo da fé de Abraão: ofereceu Isaque. Este evento
indica o paradoxo da fé — sua disposição de abrir mão do cumprimento
daquilo que herdou na forma de promessas. A provação de Abraão faz com
que sua fé se destaque em relevo ainda maior. A qualidade da sua fé é
vista na obediência. Conforme diz Westcott, de modo apropriado: “O mandamento
específico podia ser cumprido de uma só maneira: a promessa
poderia ser cumprida de mais de uma.”
É por isso que o ato do oferecimento é aludido no tempo perfeito
(prosenénochen) como se aquilo que havia em mente fosse considerado um
ato completado com uma conseqüência contínua. O segundo verbo (prosepheren)
é traduzido: estava mesmo para sacrificar, numa tentativa de ressaltar
a distinção entre este verbo e o anterior, e de indicar que o ato foi
considerado na intenção e não na realização. O aspecto patético do dilema
de Abraão é vividamente ressaltado pelo uso do termo monogenês (filho
único), que deve ser compreendido com relação à promessa. Ismael também
era filho de Abraão, mas Isaque era o único herdeiro das promessas.
Era isto que se constituía na verdadeira provação da fé de Abraão. Ser ordenado
a oferecer qualquer dos seus filhos teria sido um desafio esmagador,
mas duplamente assim no caso do filho da promessa. O escritor desta
Epístola, assim como Paulo na sua Epístola aos Romanos, não discute o
problema moral de DEUS ordenar um sacrifício humano, porque para
ele não havia questão de DEUS aceitar tal sacrifício. A promessa se interpunha.
Realmente, a promessa tomou impossível a conclusão do sacrifício.

18. As palavras a quem se havia dito (pros hon elalêthê) se referem
a Abraão. As palavras citadas de Gênesis 21.12 visam explicar a natureza
das promessas mencionadas no v. 17. Há razão de ser óbvia tanto no contexto
de Gênesis quanto aqui na referência específica a Isaque. DEUS falou
a Abraão as palavras Em Isaque será chamada a tua descendência, depois
de Sara ter pedido que este lançasse fora o filho de Agar. Chamavam a
atenção ao plano de DEUS para a descendência de Abraão, em contraste
com os planos do próprio Abraão.

HEBREUS 11:19-21

19. Refletindo sobre a natureza da fé de Abraão, o escritor faz conjecturas
sobre aquilo qúe deve ter acontecido no pensamento de Abraão.
A conclusão à qual chegara é expressa num ato decisivo e cuidadosamente
arrazoado, conforme demonstra o verbo (logisamenos, considerou). A
capacidade de DEUS até para ressuscitá-lo dentre os mortos não teria sido
muito facilmente aceita até mesmo por Abraão, mas chegara ao ponto
de vista de que esta seria a única maneira de DEUS poder manter Sua integridade se a oferta de Isaque tinha de prosseguir. Argumentar assim é uma
recomendação da maturidade da fé de Abraão, porque teria sido mais natural
questionar sua orientação no caso da oferta de Isaque. Mas parece
não ter dúvidas quanto a esta orientação. As palavras poderiam, naturalmente,
ser entendidas de uma maneira diferente para referir-se ao nascimento
de Isaque, que era igualmente um desafio para a fé de Abraão. Na
realidade, a citação no v. 18 é tirada da narrativa do nascimento de Isaque.
Assim a expressão “filho único” teria mais razão de ser, porque era este o
filho que foi virtualmente ressuscitado da morte do ventre de Sara. Este é
o sentido em que Paulo considera a fé de Abraão em Romanos 4.
A frase grega traduzida figuradamente (en parabolè) deu origem a
várias interpretações. Se a referência na primeira parte do versículo diz
respeito a Isaque sendo sacrificado e depois salvo deste sacrifício, o significado parabólico ou simbólico pode ser achado no carneiro substituto
que foi oferecido no lugar de Isaque. Do outro lado, se a alusão diz respeito
ao nascimento de Isaque, o caráter parabólico da ação quando Abraão o
recebeu de volta achava-se na relevância mais profunda daquele evento, i.é,
o nascimento do Filho da promessa, que é CRISTO. Alguns entendem que
en parabolè se refere à ressurreição geral dos mortos. Mas a referência diz
respeito especificamente a Isaque.

20. A posição de Isaque na linha sucessória era diferente de Abraão,
porque os seus dois filhos gêmeos estavam dentro da linha sucessória. As
bênçãos invocadas sobre eles foram reconhecidamente anuladas pela Providência divina, porque DEUS inverteu a ordem natural e o herdeiro da promessa ficou sendo o segundo entre os gêmeos, ao invés do primeiro. O problema da escolha que DEUS fez de Jacó ao invés de Esaú é aludido em Romanos 9.13, o único outro livro no Novo Testamento que menciona Esaú.
O autor de Hebreus, diferentemente de Paulo, não cita a declaração que
aparece em Malaquias 1.2 (“Todavia amei a Jacó, porém aborreci a Esaú”).
Mesmo assim, descreve-o como “impuro ou profano” em 12.16. No presente
contexto está ocupado somente com a fé que ativou Isaque quando
abençoou a Jacó e a Esaú, acerca de coisas que ainda estavam para vir. Não
é mencionado o logro praticado por Rebeca, presumivelmente porque o
proprio Isaque reconheceu que a bênção que dera a Jacó não poderia ser
anulada.

21. A bênção que passava do pai para o filho era de grande relevância
para a mente hebraica. Nosso escritor vê o ato como um ato de fé. No
caso de Jacó, as bênçãos de despedida sobre cada um dos filhos de José são
mencionadas como evidência específica da sua fé (cf. Gn 48.16ss.). E mais
uma vez a ordem natural foi deixada de lado, porque Rúbem era o filho
primogênito de Jacó, mas José foi escolhido para receber a bênção maior.
Vale notar, além disto, que o escritor não demonstra aqui nenhum interes se pela importância dos outros filhos de Jacó como representantes das tribos
de Israel. Nem sequer são mencionados. A fé de Jacó é paralela à de
Isaque por perceber a mão de DEUS em abençoar o mais jovem, Efraim, antes
do mais velho, Manassés. Os caminhos de DEUS são soberanos e Sua escolha deve ser aceita pela fé. Realmente, o escritor vê todas as etapas dominantes da história de Israel como uma progressão de atos de fé.
Quando se diz que Jacó abençoou e, apoiado sobre a extremidade do
seu bordão, adorou, as palavras seguem a Septuaginta ao invés do texto
massorético, que tem “cama” ao invés de bordão. O detalhe é transferido
de um encontro anterior entre Jacó e José em Gênesis 47.31, mas o escritor
evidentemente o registra por causa do seu significado religioso. A despeito
da idade avançada de Jacó, o ato de bênção é visto como um ato
de adoração. Além disto, o bordão era significante no pensamento hebraico
como sinal do favor de DEUS, e pode haver um indício de semelhante
significado simbólico aqui.

HEBREUS 11:22-23
22. A fé atribuída a José era de um tipo diferente, porque ao dar
ordens quanto aos seus próprios ossos teve fé para crer que seus descendentes um dia partiriam do Egito para a terra prometida. Acalentou a
promessa feita a Abraão, a Isaque e a Jacó, e deu a entender sua própria
confiança (Gn 50.24ss.). Este era um ato de fé considerável, que revelouse
plenamente justificado. O êxodo dos filhos de Israel veio a ser um dos
eventos mais relevantes da história de Israel. A palavra “êxodo” não é frequente no Novo Testamento, porque ocorre, fora daqui, somente em Lucas
9.31 com referência à morte de CRISTO e em 2 Pedro 1.15 a respeito
da morte de Pedro. A idéia dominante é de uma libertação triunfante.

23. Não é surpreendente que a fé de Moisés recebe um tratamento
mais extensivo do que a de Isaque, Jacó, ou José. O êxodo tinha uma
posição de destaque para todo judeu devoto ao demonstrar a ação de
DEUS em prol do Seu povo, e Moisés, como conseqüência, era tido na mais
alta estima. Nosso escritor vê dois aspectos da sua fé: pessoal e nacional.
A primeira evidência da fé foi exercitada pelos pais de Moisés, em prol dele.
Em Êxodo 2 há a descrição de como a criança foi ocultada durante três
meses, e ali é contado que Moisés, depois daquele período, foi colocado no
Nilo num cesto de vime calafetado com betume e piche. Tendo em vista
o decreto do rei que condenou à morte os filhos dos hebreus, esta fé era
corajosa. Confiaram em DEUS para efetuar a libertação.
O fato de que a criança era formosa também é mencionado em Atos
7.20 no discurso de Estêvão, e é derivado diretamente de Êxodo 2.2. Nas
duas ocorrências no Novo Testamento, a mesma palavra grega (asteios) é
usada; nos papiros é usada para a elegância no vestir. Claramente havia algo
de notável na aparência de Moise's, para criar semelhante impressão na
filha do Faraó.

HEBREUS 11:24-25

24. Quando já homem feito indica um novo desenvolvimento na história
de Moisés, porque agora tem condições de exercer fé por conta própria,
e assim faz ao recusar ser chamado filho da filha de Faraó. O tempo
do verbo recusou (èmèsato) indica um ato específico de escolha. Ilustra
a fé que age numa crise, embora não precisa subentender a ausência de
bastante premeditação. O que o escritor nota cuidadosamente é a qualidade
da fé que podia fazer uma decisão deste tipo. Estêvão, no seu discurso,
não faz referência à fé de Moisés, mas ressalta sua decepção porque os israelitas não compartilhavam da sua convicção de que DEUS o usaria para
livrá-los. A fé, neste caso, pressupõe que Moisés tinha uma convicção firme
de que DEUS o chamara para uma tarefa dificílima.

25. O contraste entre as alternativas que Moisés tinha diante dele é
demonstrado vividamente — ser maltratado ou os prazeres transitórios do
pecado. Que sua fé escolheu aquele ao invés destes demonstra seu caráter
de abnegação. Moisés tinha muitas coisas atraentes para perder, embora os
prazeres sejam especificamente atribuídos ao pecado. A fé e o prazer pecaminoso não caminham juntos. A palavra traduzida ser maltratado (synkakoucheisthai) aparece somente aqui no Novo Testamento e serve para juntar os sofredores. Havia uma solidariedade entre Moisés e o povo de DEUS depois dele ter lançado sua sorte entre eles, uma solidariedade no sofrimento.
No contraste que é feito ali, não há uma restrição comparável de tempo
no ser maltratado em contraste com os prazeres, que são proskairon, “por
um tempo,” transitórios. O máximo que o pecado pode fornecer é o prazer
temporário, mas os maus tratos dados ao povo de DEUS não têm semelhante
caráter temporário. Aqueles que se identificam com o povo de DEUS
imediatamente ficam sendo alvos dos inimigos de DEUS.

HEBREUS 11:26-27

26. O escritor passa, então, a comentar a razão porque Moisés fez
tal escolha. Expressa-a num outro contraste — a superioridade do opróbrio
por amor a CRISTO aos tesouros do Egito. Esta é uma superioridade estranha
e irracional, que parece lúdicra numa época materialista. Mas parte da grandeza de Moisés era que reconhecia haver coisas mais valiosas na vida do
que os tesouros materiais. É surpreendente que é dito que o opróbrio foi
sofrido por amor a CRISTO, porque isto parece ser uma atribuição de condições cristãs aos tempos de Moisés. Não é, no entanto, inteiramente inapropriado para um escritor, que muitas vezes nesta Epístola investiu as alusões do Antigo Testamento com relevância cristã, fazer a mesma coisa
aqui. Dá a entender que todos os sofrimentos do povo de DEUS estão ligados
dalguma maneira com os sofrimentos em prol do Messias, o represente
perfeito de DEUS. Tudo quanto Moisés sofreu era em prol do plano de
salvação que DEUS fizera pelo Seu povo, culminando no opróbrio que foi
empilhado sobre o próprio CRISTO, do qual o escritor tem forte consciência
nesta Epístola.
As palavras porque contemplava o galardão significam que Moisés
focalizou seus olhos num alvo mais nobre. O verbo (apeblepen) significa
“olhar para longe”, o que subentende deliberadamente desviar-se de uma
coisa para outra. Já foi notado que a idéia do galardão e especialmente a
palavra usada aqui (misthapodosian, “recompensa”) é característica desta
Epístola. A palavra ocorre alhures em 2.2 e 10.35. Em nenhuma das ocorrências a recompensa é definida. No contexto da vida de Moisés, deve ser
interpretada no que diz respeito aos tesouros espirituais que sabia que seriam
dele, tendo em vista o fato de que não tinha licença de entrar na terra
prometida. Os galardões espirituais, diferentemente das vantagens materiais,
têm uma qualidade perpétua que realça infinitamente o valor deles.

27. As conseqüências históricas da escolha de Moisés agora são mencionadas
resumidamente — abandonou o Egito e subseqüentemente celebrou
a páscoa (v. 28), e dirigiu o conseqüente êxodo de Israel do Egito.
Os muitos passos que levaram ao êxodo são omitidos porque, mais uma
vez, é a atividade poderosa da fé que ocupa o escritor. A fé é vista como
mais poderosa do que a cólera do rei, realização notável, quando se lembra
que o rei tinha poderes despóticos. Posto que a ira deste tipo pode ser tirânica,
é necessário um homem corajoso para desafiá-la, mas a fé pode fornecer
semelhante coragem. Tendo em vista esta declaração, pode parecer
à primeira vista que há uma contradição com Êxodo 2.14-15, que declara
que Moisés ficou com medo e fugiu de Faraó. A explicação pode ser que
Moisés temia que os propósitos de DEUS seriam impedidos se ele não escapasse, mas isto deve ser distinguido do medo pessoal.
Uma explicação espiritual é dada para a coragem de Moisés: permaneceu
firme como quem vê aquele que é invisível. O olho da fé pode ver
aquilo que é invisível aos olhos dos outros. Moisés, em todas as peregrinações
no deserto, tinha notável consciência da presença de DEUS (cf. Êx
33; Nm 12.7-8). O escritor procura o segredo da perseverança de Moisés
numa fohte além dele mesmo, de cuja existência seus oponentes nunca
souberam coisa alguma. Em Colossenses 1.15, Paulo fala de DEUS como
sendo invisível, embora reconheça que mostrara Sua imagem em CRISTO.
Há, sem dúvida alguma, um paradoxo em ver o invisível, mas isto é da
própria essência da fé (cf. 11.1).

HEBREUS 11:28-29

28. A páscoa ocupava um lugar de considerável relevância para a
mente judaica, e veio a ter um significado ainda maior para os cristãos,
porque estava estreitamente ligada à Paixão de JESUS (cf. 1 Co 5.7). Foi
naturalmente um evento de importância histórica a instituição da páscoa
original. Tinha como seu centro a fé de Moisés, segundo este escritor. Foi,
essencialmente, realizada pela fé, porque a aspersão do sangue não parecia
ser um meio lógico de afastar o anjo da morte. Na expressão: o derramamento
do sangue o substantivo grego (proschysin) vividamente coloca
a festa da páscoa e a aspersão em estreita proximidade como objetos do
mesmo verbo, mas nem por isso deixam de ser vistos como ações separadas.
No texto hebraico de Êxodo 12.23, é o Senhor quem executará o
julgamento, mas aqui há simplesmente uma referência ao exterminador. A
alusão diz respeito ao anjo da morte que passou por cima das casas onde
o sangue sacrificial tinha sido aspergido nas ombreiras e nas vergas das portas, o que garantia que os primogênitos fossem poupados.

29. O pensamento agora se afasta da fé individual para a fé nacional,
embora a fé do povo ainda fosse inspirada pela fé de Moisés. Claramente,
o movimento dos israelitas para fora da escravidão no Egito foi um esforço
em conjunto. Em nenhum tempo a fé foi mais necessária, com maior
urgência, do que quando os israelitas enfrentaram o obstáculo formidável
do Mar Vermelho que impedia seu avanço, com os egípcios no seu encalce.
A maneira segundo a qual atravessaram o Mar Vermelho como por terra
seca, ao passo que os egípcios foram tragados de todo, viria a tomar-se
uma saga nacional da libertação divina. Agora é considerado qúe isso aconteceu pela fé. É importante nos lembrarmos de que a fé coletiva deste tipo
não é apenas a soma total da fé de cada indivíduo. Semelhante fé, no entanto,
deve ser comparada com o desenvolvimento da descrença durante
as peregrinações subseqüentes no deserto. Quanto a isto, o escritor já comentou nos capítulos 3 e 4, e aqui contenta-se com os aspectos mais positivos da fé.

HEBREUS 11:30-32

30. O próximo evento dramático que vem à mente do escritor é a
conquista de Jericó, não somente por causa da maneira milagrosa da sua
realização, mas também porque selou a conquista vindoura de Canaã.
Cercar Jericó durante sete dias exigia uma alta qualidade de fé coletiva,
porque parecia completamente fútil aos espectadores pagãos que não tinham
conceito algum daquilo que DEUS poderia fazer no Seu poder. Além
disto, a confiança extraordinária e os métodos incomuns devem ter enchi
do de terror as mentes das pessoas nas demais cidades cananitas. A fé freqüentemente requer a convicção de que DEUS pode realizar o que parece
ser impossível.

31. A posição da mulher Raabe, que ofereceu proteção aos espias
em Jericó (Js 2.1ss.), captou a imaginação de nosso escritor, que, a despeito
do fato de ser ela pagã e meretriz, menciona-a entre os heróis da fé. O
fato de que a fé podia ser exercida por semelhante pessoa era evidência
do seu caráter universal. Outro escritor do Novo Testamento, Tiago (2.25),
também ficou impressionado com o ato de Raabe. A distinção entre Raabe
e os demais habitantes de Jericó é marcada pela descrição deles como os
desobedientes. Dá a entender que o povo de Jericó, tendo ouvido falar das
proezas de DEUS em prol do Seu povo, deveria ter reconhecido estes atos
ao inves de resistir ao povo de DEUS. Certamente Raabe deve ter sido inspirada por tais relatos dos tratos de DEUS para acolher com paz aos espias.
Não os considera como inimigos, mas como agentes de DEUS, e esta percepção é atribuída à sua fé.

32. A entrada dos israelitas na terra prometida foi apena o início, e
muitas proezas da fé se seguiram na história acidentada do povo de DEUS.
O escritor reconhece que não há possibilidade de falar de mais atos individuais
de fé, e, portanto, contenta-se em oferecer um tipo de inventário de
várias proezas. Em primeiro lugar, registra uma lista de nomes que supõe
serem tão bem conhecidos que não há necessidade de mencionar seus atos.
A pergunta retóricarí’ que mais direi ainda? quase sugere que ele não
considera haver bons motivos para mencionar mais exemplos. Aqueles que
já foram citados são suficientemente impressionantes. Além disto, a falta
de espaço impede-o de continuar com pormenores iguais. Os seus mencionados pelo nome são representantes principais do período dos juizes e do princípio da monarquia. A eles são acrescentados os profetas como um
grupo. Todos eles juntos abrangem a história bíblica de Israel. Vale notar
que os juizes não são mencionados na ordem cronológica, mas na ordem da
sua importância. Para Gideão, cf. Juizes 6-8; para Baraque, Juizes 4-5;
para Sansão, Juizes 13-14; e para Jefté, Juizes 11-12. O espaço dedicado
à história de Samuel e Davi no Antigo Testamento é uma medida da sua
maior relevância na história de Israel. A menção especial deles aqui pode
ser porque Samuel serve de ligação entre os juizes e a monarquia, ao passo
que Davi é o representante mais destacado desta última.

HEBREUS 33-34.

Nestes versículos, nove declarações são feitas, descrevendo
as realizações da fé. São dispostas em três grupos de três cada. Em cada
grupo há um aspecto comum para catalogar as declarações.

O primeiro grupo marca realizações — a conquista de reinos, o estabelecimento da
justiça, a herança das promessas espirituais. Tudo isto era verdadeiro em
grau notável nos tempos de Davi, mas todas as três realizações podem ser
ilustradas de vários períodos da história de Israel. Os livros dos Juizes e de
Samuel estão repletos de relatos em que a fé subjugou reinos, no sentido
de exércitos mais fracos, recebendo poder de DEUS em resposta à fé, vencerem os inimigos de Israel. Praticaram a justiça (êrgasanto dikaiosynèn)
no sentido de fazer dela o princípio funcional da sociedade. Esta idéia
da justiça é diferente da justiça da qual o apóstolo Paulo fala num sentido
teológico, mas tem semelhanças com ela. Ressalta a prática ao invés do estado de justiça. Os homens da fé escolhem a justiça e odeiam a injustiça,
porque o próprio DEUS faz isso. Nesta Epístola, o exemplo de Abraão já
foi mencionado como alguém que obteve promessas (as mesmas palavras
gregas epetuchen epagelias, são usadas em 6.15). Abraão era o exemplo
supremo, mas era o primeiro numa longa linhagem de herdeiros espirituais.
O segundo trio diz respeito ao tipos específicos de perseverança e de
libertação. Fecharam bocas de leões, uma alusão clara às proezas de Daniel
(Dn 6) e talvez também às de Sansão (Jz 14.6) e de Davi (1 Sm 17.34-35).
No caso de Daniel, foi DEUS quem fechou as bocas, mas a própria fé de
Daniel destaca-se na história. Os casos de Sansão e Davi matarem leões
são exemplos da coragem que era fortalecida pela fé. A referência na declaração seguinte — extinguiram a violência do fogo - é presumivelmente
uma referência à fornalha dos três hebreus em Daniel 3. Mais uma vez, aquilo
que DEUS realizou é atribuído à fé dos homens que foram milagrosamente
livrados. O terceiro perigo do qual houve livramento é descrito como o
fio da espada, que resume uma gama ampla de ações violentas. A frase é
familiar no Antigo Testamento.
O terceiro trio volta-se das libertações maravilhosas para mencionar
realizações mais positivas. Da fraqueza tiraram força. À primeira vista,
parece um paradoxo, mas alguns casos podem ser lembrados, como, por
exemplo, o de Ezequias (Is 38), ou, talvez mais vividamente, o caso trágico
de Sansão. Seu último ato desesperado foi considerado um ato de fé.
Um exemplo neotestamentário pode ser visto na revelação feita ao apóstolo
Paulo de que a força se amadurece na fraqueza (2 Co 12.9). Paradoxalmente,
o aspecto seguinte é que fizeram-se poderosos em guerra. A idéia
da força aqui é uma extensão da idéia da força tirada da fraqueza, mas na
área específica da batalha. Mais uma vez, este aspecto é vividamente ilustrado
nos tempos de Davi. Uma extensão deste pensamento é que puseram
em fuga exércitos de estrangeiros. Claramente, ao contemplar a história
passada de Israel, o escritor desta Epístola vê suas proezas militares como
parte integrante da sua fé em DEUS, embora o Antigo Testamento nem
sempre se ocupe com este elemento da fé. Para ele, todos os heróis do passado ilustram da mesma maneira a dependência de DEUS, que é interpretada em termos da fé.

HEBREUS 11:35-37

35. Segue-se nos três próximos versículos uma série de exemplos
de realizações notáveis de perseverança. A primeira declaração, no entanto,
fica sozinha — Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos
— como talvez a evidência mais destacada do poder da fé. Dois casos deste
tipo são registrados no Antigo Testamento. Elias ressuscitou o filho da
viúva(l Rs 17.17ss.) e Eliseu ressuscitou o filho da sunamita (2 Rs 4.18ss.).
Em nenhum dos casos, no entanto, a fé foi exercida pelas mulheres, mas
pelos profetas. Vale notar que mulheres estavam implicadas, dalguma maneira,
em todas as ocasiões no Novo Testamento em que mortos eram
resuscitados (o filho da viúva em Naim, a filha de Jairo, e Lázaro, irmão
de Maria e Marta, em Betânia). As palavras pela ressurreição (ex anastaseõs)
significam literalmente “fora da ressurreição”, como se a ressurreição
fosse a esfera da qual os mortos emergiam para a vida.
O catálogo de proezas de perseverança indica o caráter indomitável
do espírito humano enfrentando disparidades incríveis, o que exige uma
fonte interior de fortaleza que só vem aos homens da fé.
Em primeiro lugar, Alguns foram torturados, o que atrai atenção vívida à desumanidade do homem ao homem. Ainda não está fora da moda, porque a tortura como meio de forçar as pessoas para dentro de um só molde ainda é usada com agrado nos sistemas políticos totalitários. A referência primária aqui
é geralmente considerada a matança dos sete irmãos no período dos macabeus (2 Mac. 6.18ss.). Há alguma disputa acerca do sentido exato do verbo foram torturados (etympanisthèsan). Pode ter denotado surras com clavas ou açoites.100 Os sofrimentos extremos de muitos judeus no período
inter-testamentário eram presumivelmente bem conhecidos aos leitores
desta Epístola. No caso dos mártires macabeus, não aceitaram seu resgate,
embora recebessem esta oportunidade na condição de dispor-se a abrir
mão dos seus princípios. Estes mártires colocaram sua esperança na ressurreição do corpo, e declararam que seus perseguidores se colocaram fora
de semelhante esperança (2 Mac. 7.9ss.). A superior ressurreição que escolheram era considerada superior em contraste com uma existência terrestre que lhes negaria o direito às suas convicções.

36. Os sofrimentos doutras pessoas que vieram a ser modelos de perseverança agora são enfocados. Escámios, açoites, algemas e prisões caracterizam os sofrimentos aos quais muitos foram sujeitados tanto nos tempos da história de Israel quanto durante o desenvolvimento da igreja cristã. Jeremias pode ser citado do Antigo Testamento e Paulo do Novo Testamento.
Os leitores desta Epístola sem dúvida devem ter conhecido alguns dos
seus próprios contemporâneos, a respeito dos quais a descrição seria relevante. Mas a esta altura, o escritor confina-se à história de Israel.

37. Outra lista de privações de um tipo ainda mais agudo passa agora
a ser enumerada. A morte pelo apedrejamento era um modo bem-estabelecido
de execução (cf. o caso de Acã na história judaica antiga). As palavras
serrados pelo meio são consideradas uma alusão à tradição da morte de
Isaías conforme é registrada tanto por Justino quanto por Orígenes. O livro
apócrifo: A Ascensão de Isaias relata assim a morte de Isaías. A morte
ao fio da espada também era comum naqueles tempos (cf. 1 Rs 19.10). Alguns
textos inserem entre a primeira e a segunda declaração uma outra:
provados (epeirasthèsanj, mas parece tão inesperada no contexto que é melhor omiti-la. Parece uma duplicação modificada do verbo anterior: serrados
pelo meio (epristhèsan).
Além da morte violenta, havia casos de privações prolongadas, dos
quais quatro amostra são dadas. Eram proscritos da sociedade, vivendo
uma existência primitiva tendo apenas peles por roupas, necessitados, privados até mesmo das necessidades da vida, afligidçs, maltratados. As roupas de peles relembram as vestes de Elias que, sem dúvida, serviu de modelo para os trajes semelhantes de João Batista.

HEBREUS 11:38-40

38. A exclamação: homens dos quais o mundo não era digno é uma inteijeição a esta altura, como se o escritor repentinamente tomasse consciência da estatura espiritual dos homens sendo descritos. Por comparação, os homens do mundo, a despeito das suas posses e da sua posição, são tão inferiores que não são dignos de ser comparados com os homens de fé. Sempre tem sido verdadeiro que o mundo tem deixado de dar valor a alguns dos seus filhos mais nobres. Tem havido, no entanto, alguma disputa acerca da palavra traduzida digno (axios). Tem sido argumentado que se for entendida como “digno”, a declaração é quase um truísmo, e que é melhor entendê-la no sentido de “hospitaleiro”101 Mas a idéia de que o mundo não oferecia hospitalidade à lista formidável de pessoas perseguidas é um truísmo tanto quanto a alternativa. Desertos, montes, covas e antros são todos lugares de solidão, como se a atitude da sociedade fosse banir estes homens da fé. A negação do convívio com outras pessoas freqüentemente pode ser uma privação difícil de suportar. Como ilustrações destas adversidades, podemos notar a referência a cem profetas escondidos numa caverna (1 Rs 18.4), e ao profeta Elias escondido numa caverna (1 Rs 19.9). 39-40. O relato dos triunfos e das provações da fé agora é concluído com uma declaração de que havia coisas melhores para se seguir. A promessa ainda não foi cumprida, porque o cumprimento não era possível até a vinda de CRISTO. Realmente, a promessa era sinônima dessa vinda. Apesar disto, o escritor não quer deixar estes heróis do passado sem testificar outra vez da sua fé. Comenta que todos estes obtiveram bom testemunho por sua fé.
Ao explicar o relacionamento entre os santos do Antigo Testamento e a igreja cristã, o escritor volta ao plano de DEUS. Emprega a palavra que é traduzida provido (problepsamenou), que chama a atenção ao conceito global de DEUS da Sua missão para a salvação do homem. O pensamento estende- se para o futuro, para o tempo da consumação, quando ficará completa a soma total do povo de DEUS. É por esta razão que os dignatários do Antigo Testamento ainda não poderiam receber a promessa. Coisa superior a nosso respeito refere-se, indubitavelmente, à superioridade da revelação cristã, que dá condições para o desenvolvimento de uma fé à altura do seu objeto. O tema de superior já ocorreu tantas vezes na Epístola que sua presença aqui era de ser esperada. É possível que o escritor tivesse em mente alguns que tinham exaltado os heróis da história judaica de tal maneira que se esqueceram das suas imperfeições e da sua necessidade de serem complementados pelos crentes em CRISTO.

HEBREUS 11:40-12:1

A chave acha-se nà palavra aperfeiçoados (teleióthõsin), outra idéia familiar nesta Epístola. Aqui, no entanto, é usada num sentido coletivo, com a idéia de ficar completo. Nenhuma parte da comunidade cristã verdadeira pode ficar completa sem o restante. Há um forte elemento de solidariedade por detrás desta idéia (cf. a referência à “igreja dos primogênitos” em 12.23), que também fica evidente nalgumas das metáforas neotestamentárias para a igreja, tais como o corpo ou o edifício. Os dois primeiros versículos do capítulo 12 passam a dar uma exortação ética com base nos heróis do passado, que então leva para uma seção de uma natureza mais prática para concluir a Epístola, sem deixar de haver muitos apartes teológicos.





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