segunda-feira, 5 de março de 2018

Lição 10, Dádiva, Privilégios e Responsabilidades na Nova Aliança



Comentário de Hebreus 10.1-39
N
este capítulo, o autor continua sua exposição para consolidar o  que iniciara nos capítulos anteriores acerca da superioridade do sacerdócio de Cristo em relação ao levítico. Essa argumentação estende-se até 10.18. Neste capítulo, há muitos pontos que atuam como uma espécie de recapitulação do que fora dito anteriormente. Há, todavia, a presença de elementos novos quando o autor introduz no texto o Salmo 40 e faz uma nova aplicação da profecia de Jeremias 31.
     "Porque, tendo a lei a sombra dos bens futuros e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam" (v. 1). O autor começa esse versículo com uma declaração que deve ter provocado espanto em seus leitores — a Lei é uma sombra da realidade, e não a própria realidade. A palavra grega skian mostra que a Lei é uma sombra ou projeção de um objeto que é a realidade. Em contraste com a sombra, o autor coloca a imagem, do grego eikôn, que é o próprio objeto que projeta a sombra que a Lei representa. A referência, aqui, é ao sacerdócio de Cristo como a realidade da qual a Lei era apenas uma sombra. “Doutra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque, purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado" (v. 2). Se, de fato, o sistema levítico fosse eficaz, não haveria necessidade da repetição contínua de ofertas e sacrifícios. Ele, porém, demonstrava-se ineficaz porque não conseguia penetrar dentro do homem, permanecendo apenas uma limpeza ritual.
       “Nesses sacrifícios, porém, cada ano, se faz comemoração dos pecados” (v. 3). É exatamente isso o que o autor diz que acontecia anualmente no ritual da expiação. Os pecados eram relembrados ou trazidos à mente outra vez em uma espécie de rememoração. Aqui, o termo "comemoração” (ARC) não consegue expressar o sentido do original, anamnesis, que é o de "recordação” e “lembrança”, como traduz a Almeida Revista e Atualizada.
       “Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire pecados" (v. 4). F. F. Bruce, comentando in loco esse versículo, diz:
 "A contaminação moral não pode ser removida por meios materiais. O valor espiritual que o ritual sacrificial podia ter tido residida no fato que era uma prefiguração material ou uma lição objetiva de uma realidade moral e espiritual”.
      “Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste" (v. 5). Aqui, o autor cita o Salmo 40.68 e segue a Septuaginta para referir-se à pré-existência de Cristo. Deus não estava satisfeito com o culto apenas formalista na Antiga Aliança e, por isso, mostra aqui a necessidade de um sacrifício superior em tudo. Cristo daria seu corpo em sacrifício a Deus. Artur Weiser observa que
"A rejeição radical de todo o culto sacrificial explica-se, como no caso dos profetas, pela supracitada percepção da falsa atitude fundamental em relação a Deus, que encontra sua expressão no culto sacrificial e, pela sua origem e natureza, nasceu de outra área cultual. O homem não pode, por seus sacrifícios, situar-se no mesmo plano de Deus, nem ‘colocar em ordem’, pelos próprios esforços, o seu relacionamento com Deus’’.2
         “Holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram" (v. 6). As palavras olokautôma ("holocausto", "oferta queimada”) e peri hamartias ("oferta pelo pecado”) são uma referência ao cerimonial levítico.
       “Então, disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade" (v. 7). No contexto do Salmo 40, o poeta anseia por uma vida piedosa e autêntica. Inspirado pelo Espírito Santo, o autor de Hebreus vê nas palavras do salmista uma referência clara à pessoa de Cristo. É dEle que as Escrituras fazem referência como aquEle que havia de vir.
      "Como acima diz: Sacrifício, e oferta, e holocaustos, e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se oferecem segundo a lei) (v. 8). Mesmo sabendo que o sistema sacrificial levítico fora instituído por Deus, uma exigência da Lei, o autor mostra que tal sistema não era a instância final. Se o antigo sistema tinha caráter transitório, isso significa que Deus havia providenciado algo muito melhor — o sacrifício de Cristo.
       "Então, disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tira o primeiro, para estabelecer o segundo" (v. 9). O expositor Fritz Laubach comenta com maestria esse texto:
 "A trajetória do Messias a que se alude profeticamente na palavra do Sl 40.7-9, a saber, que o Cristo haveria de entregar a Deus o seu próprio corpo como oferenda para sacrifício, levou Jesus Cristo, de acordo com a vontade de Deus, à cruz. Dessa maneira, a revelação da vontade de Deus no AT, ‘o obedecer é melhor do que o sacrificar’ (1 Sm 15.22), obteve sua potenciação e último aprofundamento. Cristo foi ‘obediente até à morte’ (Fp 2.8) e entregou-se a si próprio como sacrifí­cio. Nessa obediência extrema de Jesus à vontade de seu Pai, explica-se também o mistério de sua autoridade na oração. Somente porque Jesus cumpriu integralmente a vontade de Deus, ele também possui agora plenos poderes ilimitados, a fim de, como nosso eterno Sumo Sacerdote, intervir perante Deus em nosso favor, pela intercessão, sem cessar”.3
       "Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez” (v. 10). Um dos aspectos da vida de Cristo que o autor de Hebreus põe em relevo é o da sua obediência, como Filho, à vontade de Deus. Esse texto faz eco com Filipenses, onde Paulo diz que a obediência de Cristo levou-o à morte e morte de cruz (Fp 2.6-8). Essa obediência levou-o a sacrificar-se pelo pecador. A palavra grega prosphora, traduzida aqui como oblação, tem o sentido de oferta. Foi por meio da oferta ou sacrifício de Cristo que nós fomos santificados. A palavra egiasmenoi é um particípio perfeito no texto grego, que mostra essa santificação como sendo posicionai. Esse fato é demonstrado pelo uso da palavra ephapaks, que tem o sentido de de uma vez por todas. Em palavras mais simples, Cristo santificou-nos quando cremos nEle e continua santificando-nos ainda hoje quando permanecemos nEle.
       “E assim todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados" (v. 11). Donald Guthrie comenta esse versículo, pondo em destaque que
"A continuidade interminável dos sacrifícios inadequados segundo a velha ordem está em contraste marcante com a nova ordem. Os aspectos principais de interesse no presente versículo são: (i) a posição dos sacerdotes (todo sacerdote se apresenta — lit. "fica de pé”), (ii) a continuidade dos sacrifícios (a oferecer muitas vezes) e (iii) sua ineficácia de realizar o seu propósito (i.e, para remover pecados). O primeiro aspecto tem contraste marcante no versículo seguinte com a posição de Cristo: assentou-se. Estes sacerdotes nunca poderiam sentar-se porque sua obra nunca era completa. Em segundo lugar, muitas vezes (pollakis) está em direto contraste com uma vez por todas (ephapax). E em terceiro lugar, a incapacidade das antigas ofertas removerem os pecados é contrastada no v. 12 com a única oferta de Cristo pelos pecados. Mais uma vez, a fraqueza da velha ordem fica sendo o pano de fundo para a demonstração da maior glória da nova”.4
        “Mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus" (v. 12). O antigo sistema sacerdotal levítico chegara ao fim quando Cristo, de uma vez por todas e como Sumo Sacerdote da Nova Aliança, fez a purificação dos pecados.
       “Daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés” (v. 13). O autor volta novamente a citar o Salmo 110.1 para pôr em destaque a obra de Jesus Cristo. F. F. Bruce vê aqui uma advertência do autor a seus leitores para não serem contados entre os inimigos de Cristo, mas, sim, entre aqueles que são seus amigos.5 É possível ver aqui também uma citação de cunho escatológico quando Cristo, na consumação final, porá todos os seus inimigos debaixo de seus pés (1 Co 15.24-28).
       “Porque, com uma só oblação, aperfeiçoou para sempre os que são santificados" (v. 14). Mais uma vez, o autor volta a falar do aspecto definitivo da obra de Cristo e, dessa vez, ele usa o tempo perfeito do verbo teleioô para destacar a natureza desse sacrifício. Cristo completou a obra da salvação no passado, mas seus efeitos sobre os crentes continuam no presente. Fomos santificados nEle e continuamos em processo de santificação diária, também nEle.
       E também o Espírito Santo no-lo testifica, porque, depois de haver dito" (v. 15). O autor fará uma citação do profeta Jeremias no versículo 16, mas, antes, ele põe em realce que a profecia foi dada por inspiração do Espírito Santo. Com essa observação, o autor consolida sua argumentação de que ele não está falando nada fora da autoridade divina. O que ele argumentou tem o selo do Espírito Santo.
        "Este é o concerto que farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis em seu coração e as escreverei em seus entendimentos, acrescenta’’ (v. 16). Como já havia feito anteriormente (Hb 8.8-12), o autor volta a citar a profecia de Jeremias (Jr 31.31-34). É posto em destaque o contraste interno da Nova Aliança com o externo da Antiga.
       “E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades” (v. 17). Na Antiga Aliança, o antigo sistema de sacrifícios jamais podia tratar de forma definitiva com o pecado. Sempre havia lembrança deles, o que era feito anualmente no dia da expiação. Todavia, na Nova Aliança, o sangue de Cristo tratou de forma definitiva com o problema do pecado, de modo que não há mais necessidade da repetição contínua dos sacrifícios.
        “Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado’’ (v. 18). Aqui, o argumento do autor é conclusivo: Cristo tratou do problema do pecado de forma definitiva. Não havia mais necessidade de a sombra representar a realidade porque a realidade havia chegado. O sistema sacerdotal levítico tomara-se obsoleto e chegara a seu fim. A obra de Cristo foi perfeita e conclusiva. Nesse versículo, o autor encerra a longa discussão que havia começado sobre o sacerdócio de Cristo. Agora, ele partirá para as implicações práticas que essa doutrina conduz.
        “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus” (v. 19). Aqui, o autor tem em mente o santuário interior, o Santo dos Santos, que não era permitido entrada ao povo e nem mesmo aos sacerdotes, mas somente ao sumo sacerdote, de ano em ano, para fazer expiação. O autor mostra que, agora, todos os crentes têm acesso ao Santo dos Santos pelo sacrifício de Jesus. Essa entrada deve ser feita com ousadia e confiança nEle.
       “Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (v. 20). Jesus Cristo inaugurou um novo caminho para a presença de Deus. Não mais o antigo caminho, já trilhado pelos sumos sacerdotes judeus, mas um novo e vivo caminho. Esse caminho anteriormente desconhecido está agora disponível a todos aqueles que foram chamados. A expressão kata-petasma, traduzida aqui como “véu”, corresponde à segunda cortina, a que separava o santo lugar do Santo dos Santos. É essa cortina que foi rasgada quando Cristo deu o brado na cruz do Calvário (Mt 27.51). Estava aberto, portanto, o acesso à presença de Deus. Os intérpretes entendem que a expressão “pela sua carne” é uma referência à vida humana de Jesus quando Ele apresentou-se a Deus.
       “E tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus" (v. 21). Aqui, a referência ao "grande sacerdote” remete ao texto de Levítico 21.10, onde está em vista o sumo sacerdote. Ele era o grande sacerdote. No entanto, aqui o autor mostra que, no santuário celeste, no qual os crentes agora têm acesso pelo sacrifício de Cristo, Jesus é esse “grande sacerdote” sobre a família de Deus.
       “Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência e o corpo lavado com água limpa" (v. 22). O autor tem sempre em mente a purificação interior que o sangue de Jesus proporciona. A referência ao corpo lavado com água limpa pode ser uma alusão a Lv 16.4, onde o texto mostra que, no dia da expiação, o sacerdote “lavava seu corpo com água". Nesse sentido, o autor estaria dizendo que o cristão já está limpo diante de Deus pelo sacrifício de Cristo. Por outro lado, alguns intérpretes acreditam que a referência aqui é ao batismo cristão (1 Pe 3.21).6 De qualquer forma, o que está em destaque aqui é que o crente está interiormente limpo para entrar na presença de Deus.
         “Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu" (v. 23). Aqui, os crentes são exortados a manter firme a confissão ou profissão de fé que haviam feito. A palavra “confissão”, do grego homologia, aparece outras duas vezes nesta carta (Hb 3.1; 4.14). Em 2 Coríntios 9.13, é traduzida como sendo a obediência ao evangelho que os crentes haviam professado. Da mesma forma, em 1 Timóteo 6.12,13, é usada primeiramente em relação a Timóteo, que havia feito a boa confissão diante de várias testemunhas e de Jesus Cristo, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão.
          “E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras" (v. 24). Na caminhada da vida cristã, o autor lembra que os cristãos precisam considerar uns aos outros. Esse "considerar” é tido como uma ponderação ou meditação. É algo no qual se deve pensar. O tempo presente significa que essa deve ser uma prática, um hábito, e não algo esporádico. No que, portanto, devemos considerar quando o assunto for as relações interpessoais? Devemos "estimular” uns aos outros na prática do amor e das boas obras. A palavra "estimular” no texto grego tem o sentido de “incitar”, “provocar”. Quantos cristãos desanimam por falta de estímulos!
        “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia” (v. 25). A palavra grega episynagogé, traduzida como “congregação”, é a junção da preposição grega epi (sobre, em adição) com a palavra synagogé (Sinagoga). No contexto do Novo Testamento, essa palavra ocorre aqui e em 2 Tessalonicenses 2.1 com o sentido de reunião. O abandono da congregação e o consequente afastamento dos demais irmãos de fé é um sinal de enfraquecimento espiritual. O autor exorta seus leitores porque observou que alguns já estavam com esse mau costume, e isso era extremamente nocivo à comunhão cristã. É um alerta que ecoa forte nestes dias onde aumenta assustadoramente o número de desigrejados.
         “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados” (v. 26). Nesse versículo, o autor novamente volta à sua exortação sobre o perigo da apostasia sobre a qual ele já advertira nos capítulos 2, 3 e 6. Donald Hegner destaca que “as palavras se voluntariamente continuarmos no pecado não se referem a pecados comuns, mas ao pecado mais grave, o pecado final: apostasia (...) Esse é o pecado que, pela sua natureza, coloca o ofensor fora do alcance do perdão de Deus e, portanto, é pecado do qual não se encontra retomo".7 Aqui, como fizera em Hb 6.4-6, o autor mostra tratar-se de cristãos verdadeiros, pois somente cristãos salvos "receberam o conhecimento da verdade”. Se o cristão verdadeiro não pode abandonar a fé, essas palavras não passariam de uma advertência vazia, totalmente destituída de sentido.8 John Wesley acreditava que, nessa passagem, o autor estaria se referindo não a um pecado qualquer, mas à apostasia, e ele aplicou isso a cristãos. Wesley entendia que o texto estava se referindo a “qualquer um de nós cristãos" que pecamos contra Deus por uma apostasia total e voluntaria. Segundo ele, isso acontecia depois de havermos “recebido o conhecimento experimental da verdade do Evangelho", e, nesse caso, “não resta mais sacrifício pelos pecados”.9
         "Mas uma certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários" (v. 27). Para o apóstata, que voltou atrás, não resta mais nada a fazer, apenas esperar o juízo (Is 26.11).
       "Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas” (v. 28). O autor tem em mente as testemunhas descritas em Deuteronômio 17.6,7 e 19.15. Em Deuteronômio 13.6-11 e 17.2-7, estão as referências àqueles que se afastavam de Deus por quebrarem a sua Palavra. O expositor C. S. Keener observa que
“os mestres judeus reconheciam que todo mundo pecava de uma forma ou de outra; mas um pecado com o qual uma pessoa declarava: 'eu rejeito parte da palavra de Deus’, se considerava como equivalente rechaçar toda a Lei e se reconhecia como apostasia’’.10
        "De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (v. 29). Esse versículo detalha de forma específica o que é o pecado de apostasia. Em primeiro lugar, é um “pisar” no Filho de Deus. O vocábulo katapateô tem o sentido de "pisar”, "pisotear”. É o mesmo termo usado em Mt 5.13 para descrever o sal que foi pisado pelos homens por haver perdido o sabor. Lucas, no terceiro evangelho, usa esse vocábulo para descrever a semente que caiu à beira do caminho e foi pisada (Lc 8.5). Hughes diz que essa palavra indica tratar algo com o maior desprezo. Haubeck traduz como “fazer pouco caso”.11 Semelhantemente, Robertson destaca que se trata de uma “negligência cheia de escárnio, como em Zacarias 12.3. Veja a mesma ideia em Hb 6.6”.12 Em segundo lugar, o apóstata é alguém que "profanou” o sangue da aliança.13 O termo grego usado aqui é koinos, que tem o sentido de “tomar comum” ou "imundo". É a mesma palavra usada por Pedro quando teve a visão dos animais limpos e imundos (koinos) em Atos 10.14. Essa palavra também é usada em Apocalipse 21.27 para afirmar que nada "imundo’ entrará na Nova Jerusalém. O sentido, portanto, é o de alguém que desprezou o sangue de Cristo, não vendo na expiação, como diz Robertson, nada mais do que “uma religião de carnificina’’.14 O comentarista carismático C. S. Keener destaca que o autor tem em mente aqui o sangue de Cristo que santifica os cristãos (Hb 9.19-22) e, por outro lado, a concepção judaica que considerava o corpo de Cristo morto como um cadáver imundo (Dt 21.23).IS Em terceiro lugar, o apóstata é alguém que "ultrajou o Espí­ rito da graça”. O verbo grego enybrizo (ultrajou) só ocorre aqui e tem o sentido de “tratar com muito desprezo, insultar arrogantemente".16 Robertson comenta dizendo que “é uma palavra forte para expressar o insulto ao Espírito Santo depois de ter recebido suas bênçãos (Hb 6.4)”.17 De forma semelhante, Adam Clarke comenta:
"O assunto refere-se a um apóstata deliberado — alguém que rejeita completamente a Jesus e seu sacrifício e renuncia a todo o sistema evangélico. Isso nada tem a ver com os desviados no uso comum do nosso termo. Um homem pode cair repentinamente em uma falta ou ainda deliberadamente andar em pecado e, porém, não rejeitar o evangelho nem negar ao Senhor que lhe comprou. Sua situação é temerá­ ria e perigosa, mas não sem esperança. O único caso sem esperança é do apóstata deliberado, que rejeita o evangelho, depois de haver sido salvo pela graça ou convencido da verdade do evangelho. Para o tal, já não resta mais sacrifício pelo pecado, porque já houve um, o de Jesus, e ele rejeitou-o por completo’’.18 (veja um estudo completo dessa passagem no Apêndice).
         "Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo’’ (v. 30). Esse versículo mostra a severidade do juízo divino para as pessoas descritas no versículo 29. "Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (v. 31). Aqui, o autor cita Deuteronômio 32.35,36, onde Deus fala de vingar-se contra seu próprio povo.
      "Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportastes grande combate de aflições” (v. 32). Esses crentes, que haviam sido iluminados (Hb 6.4-6), são novamente advertidos a fazer um retrospecto das suas vidas na fé. No início de suas caminhadas, eles suportaram lutas e tribulações por amor a Cristo, e esse fato deveria motivá-los a prosseguir.
        "Em parte, fostes feitos espetáculo com vitupérios e tribulações e, em parte, fostes participantes com os que assim foram tratados” (v. 33). Não era possível esquecer a abnegação que demonstraram quando foram submetidos à prova. Eles foram expostos como espetáculo, vituperados e atribulados, mas, mesmo assim, permaneceram fieis. Por que retroceder agora?
        “Porque também vos compadecestes dos que estavam nas prisões e com gozo permitistes a espoliação dos vossos bens, sabendo que, em vós mesmos, tendes nos céus uma possessão melhor e permanente” (v. 34). O autor faz um elogio ao lembrá-los de que, enquanto ele estivera preso, os hebreus demonstraram cuidado com ele. E mais: eles haviam suportado com alegria o espólio de seus bens por acreditarem que possuíam um melhor tesouro no céu. O que estava acontecendo com essa fé que fora ousada?
         “Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão” (v. 35). Toda aquela ousadia, fé e confiança demonstradas no início da carreira cristã não deveriam, de forma alguma, ser abandonadas. Elas seriam recompensadas pelo Senhor.
        “Porque necessitais de paciência, para que, depois de haverdes feito a vontade de Deus, possais alcançar a promessa" (v. 36). A promessa da Terra Prometida, a Canaã celeste, existe. Ela, porém, só é alcançada por aqueles que estão dispostos a fazer a vontade de Deus, demonstrando ser pacientes. A jornada é longa, e o cansaço e a fadiga podem deixar muitos pelo caminho.
      “Porque ainda um poucochinho de tempo, e o que há de vir virá e não tardará” (v. 37). A expectativa do autor — e também de todo cristão — é que o Senhor retome logo. O tempo não existe para Deus, pois Ele é o Pai da eternidade; todavia, existe para os homens e, às vezes, devido às circunstâncias desfavoráveis, ele parece demasiadamente longo. Urge aguardar nas promessas de Deus.
      “Mas o justo viverá da fé; e, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele” (v. 38). Nessa passagem, o autor já sinaliza do que irá tratar daqui para frente — a fé. Ele sabe que a fé é o elemento necessário para permanecermos caminhando na estrada da vida. Deus não demonstra prazer nos que recuam.
       “Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que creem para a conservação da alma" (v. 39). Como havia feito em Hebreus 6.9, o autor traz uma palavra de ânimo e consolação a seus leitores. O perigo de recuar, de cair da fé, é real, e não uma hipótese; ele, todavia, demonstrou como evitar isso. Os que continuam perseverando com ânimo e fé conservarão as suas almas.
 A Supremacia de Cristo


                        A CARTA AOS HEBREUS - Introdução e Comentário

                                                 por DONALD GUTHRIE

 Sua oferta de Si mesmo em prol doutros (10.1-18)


1. Poder-se-ia pensar que o escritor comprovou suficientemente seu argumento para dispensar qualquer comentário adicional sobre o sacrifício sem igual de CRISTO, mas quer inclucar a compreensão da ineficácia da totalidade do culto ritual levítico. Inevitavelmente há nesta seção alguma coincidência parcial com as seções anteriores, mas não deixa de haver algumas novas idéias para ocupar a nossa atenção. Em primeiro lugar, há uma declaração sucinta das insuficiências da velha ordem (w. 14). O contraste entre a sombra (skian) e a imagem real (eikona) corresponde ao contraste entre a antiga e a nova aliança, a antiga e a nova abordagem a DEUS. Há, porém, uma conexão básica semelhante entre elas, assim como um objeto tem alguma semelhança com sua sombra. Uma sombra nunca pode alegar que é uma revelação completa do seu objeto. No máximo, pode apenas dar um mero esboço da realidade. Além disto, uma vez que a forma verdadeira tenha sido vista, a sombra se toma irrelevante. Esta observação é usada pelo escritor para ressaltar mais uma vez as insuficiências dos antigos procedimentos tipo sombra. Os bens vindouros são claramente o evangelho com seu sumo-sacerdócio espiritual. Alguns escritores patrísticos os identificavam com os sacramentos cristãos.87 Mas a interpretação aqui parece ser mais geral, no sentido de todas as coisas boas que a lei fornecia somente como adumbração. Isto nos leva de volta à lista de coisas “melhores” já mencionadas na Epístola. Vale notar que é dito que a lei “tem” a sombra ao invés de “ser” a sombra, o que sugere que a lei mesma não é a sombra, mas só que possui a sombra, i.é, o culto cerimonial. Há, também, entesourado na lei aquilo que é mais permanente, i.é, as exigências morais. A despeito do caráter impressionante de um cerimonial que deve ser repetido ano após ano, não podia realizar aquilo que era necessário. A repetição da oferta em cada Dia da Expiação sucessivo e as ofertas diárias contínuas davam testemunho de um caráter temporário. Já vimos anteriormente que o autor está muito preocupado com a procura da perfeição (o verbo teleioõ, tomar perfeito, ocorre 9 vezes e o substantivo teleiòsis uma vez), e reconhece que o sistema levítico não poderia fornecêla. A impossibilidade é declarada de modo enfático (nunca jamais, oudepote). Tivera um longo período em que podia demonstrar este fato. A descrição daqueles que esperavam obter benefícios como os ofertantes [lit. “os que se aproximam”] forma paralelo com a descrição dos que vinham através de CRISTO (cf. 7.25; 10.22). Aproximar-se de DEUS é a atividade mais sublime do homem.

2. A dedução feita da repetição das ofertas é sua insuficiência.
Se a perfeição tivesse sido conseguida, as ofertas teriam cessado, o que não ocorreu segundo o antigo sistema. O que as ofertas faziam era providenciar purificação para pecados cometidos desde a oferta anterior, mas nada podiam fazer  ontra o pecado, a causa que jazia à raiz. Todos os que prestam culto segundo o sistema antigo sabiam que não tinham sido purificados de modo definitivo (kekatharismenous). Mais uma vez, a ênfase aqui recai sobre uma vez em contraste com perpetuamente no v. 1. É a qualidade definitiva da obra expiadora de CRISTO em prol da perfeição do Seu povo que está em mente como contraste. A consciência (syneidèsin) de pecados é levada a efeito pela lembrança constante da necessidade do homem nos sacrifícios repetidos, o oposto exato do efeito da oferta de CRISTO, que leva à aniquilação do pecado (cf. 9.26).
3. Esta função das ofertas levíticas como recordação de pecados todos os anos demonstrava vividamente sua insuficiência para levar a efeito uma remoção permanente do pecado e das suas conseqüências.
Toda oferta que era feita testificava da insuficiência da oferta anterior e lembrava o adorador que outra oferta semelhante deveria acontecer. O senso da responsabilidade pelo pecado era, portanto, conservado vivo. A mesma palavra é achada na instituição da Última Ceia ao descrevê-la como memorial à morte de CRISTO, uma lembrança da completa libertação do pecado através daquela morte. A superioridade desta recordação cristã sobre os sacrifícios é vívida. Estes últimos sacrifícios, que foram ordenados por DEUS, visavam assim preparar o caminho para aquela oferta perfeita que podia tratar eficazmente com as conseqüências do pecado, muna base permanente.

4. A impossibilidade referida neste versículo é moral.
Os sacrifícios de animais, por serem irracionais, não podiam ter efeitos permanentes em realizar a remoção do pecado. Embora formassem parte da ordenança divina segundo a lei, sua intenção era temporária, e prenunciavam o perfeito auto-sacrifício de um ser moral. A longa seqüência de derramar o sangue de touros e de bodes visava um alvo impossível, se tal alvo fosse a perfeição. Aqueles cristãos judaicos que vieram de um passado de adoração no Templo precisariam aprender, mediante a reflexão, a futilidade ulterior do sistema que abandonaram. 0 alvo do autor era demonstrar a superioridade incomensurável de CRISTO, e demonstrar que o sistema sacrificial do Antigo Testamento tinha validez somente porque prenunciava o sacrifício supremo e definitivo de CRISTO. Os adoradores na era do Antigo Testamento recebiam certos meios da graça mas aqueles meios nunca conseguiram realizar uma remoção completa dos pecados, que somente poderia ser realizada por um sacrifício humano perfeito, em contraste com um sacrifício animal.

5-6. Em vista da insuficiência do sacrifício animal, é demonstrada a necessidade de uma abordagem mais eficaz, e o escritor passa a dar a resposta.
Vê um prenúncio dela no Salmo 40.6-8 que primeiramente cita, e então passa a expor. Não tem dificuldade em atribuir as palavras do salmista ao próprio CRISTO, como se CRISTO falasse através do salmista. Certamente, as palavras não acharam seu cumprimento perfeito até que se aplicassem a CRISTO. A palavra por isso (dio) forma uma ligação imediata com a insuficiência das ofertas levíticas mencionadas no v. 4. A cláusula qualificante, ao entrar [CRISTO] no mundo, demonstra que o contexto do Salmo é transferido para os termos de CRISTO e é visto como mais aplicável nesta ocasião. É como se o escritor visse CRISTO, depois da Sua encarnação, tomando nos Seus lábios as palavras deste Salmo como a expressão da Sua missão. A referência, portanto, não diz respeito exclusivamente ao evento de encarnação, mas à consciência contínua de JESUS de que estava cumprindo a vontade do Seu Pai. Deve ser notado que o texto grego não menciona o nome de CRISTO neste versículo, mas meramente emprega a terceira pessoa. O escritor toma por certo que todos imediatamente identificarão Aquele Que entrou no mundo. O título “CRISTO” é transportado de 9.28. Não há dúvida de que o autor está convicto quanto à realidade da pré- xistência de CRISTO.
Na citação do Antigo Testamento quatro palavras são usadas para as ofertas levíticas: sacrifícios (thysia), ofertas (prosphora), holocaustos (holokautõmata) e as ofertas pelo pecado (peri hamartias). O primeiro par é geral, o segundo é representativo. Juntamente, resumem de modo equitativo a totalidade do sistema levítico. Na primeira declaração, o contraste é feito entre o suposto desejo de DEUS pelo sacrifício e a provisão que realmente fez de um corpo para a obra sacrificial do Seu Filho. As palavras antes corpo me formaste seguem o texto da Septuaginta que difere do hebraico; este último tem “ouvidos abriste para mim.” A mudança é notável e a Septuaginta deve ser considerada uma interpretação e extensão do hebraico. O fornecimento de ouvidos demonstra a exigência de que DEUS seja ouvido e, implicitamente, que espera-se a obediência a Ele. 0 corpo incluiria, naturalmente, a facilidade de escutar, mas vai além dela. A declaração refere-se ao funcionamento perfeito do corpo humano, o que foi cumprido somente em CRISTO. Conforme é aplicada aqui, a citação sugere que aquilo que CRISTO fez tinha de ser feito no “corpo,” i.é, como ser humano. Era como homem que Ele devia demonstrar Seu perfeito cumprimento da vontade de DEUS. Embora o tempo do verbo na citação esteja no passado, não pode neste caso referir-se a um ato já completado, porque o cumprimento ainda é futuro. Expressa, pelo contrário, aquilo que é eterno na mente de DEUS. Pode-se perguntar em que sentido um corpo poderia ser formado (katartizõ — “preparar”) como se suas partes separadas tivessem de ser juntadas para formar o todo. Mas o verbo, provavelmente, foi escolhido somente para sugerir o caráter perfeito da provisão.
A declaração paralela no v. 6, que demonstra que DEUS não tem mais prazer nos sacrifícios específicos do que nos gerais, serve para acrescentar ênfase àquilo que já foi dito, de conformidade com o estilo da poesia hebraica. Embora os sacrifícios fossem ordenados por DEUS, era a atitude dos adoradores que interessava a Ele. A história de Israel já demonstra a tendência de que o sistema sacrificial fosse considerado uma finalidade em si mesmo, tomando-se mera formalidade. A necessidade de cumprir a vontade de DEUS fora negligenciada, daí a aplicabilidade das palavras do Salmista.

7. À medida em que a citação continua, a obediência exigida à vontade de DEUS toma-se mais explícita.
Então eu disse parece referir-se ao tempo quando o corpo foi plenamente preparado, e, neste caso, as palavras foram cumpridas na encarnação e dizem respeito à abordagem de CRISTO ao Seu ministério todo.  As palavras Eis aqui estou expressam um fato consumado, não uma predição, e traduzem as palavras do Salmista na própria vida e ressaltada nos Evangelhos, especialmente no Evangelho segundo João. Foi enviado da parte de DEUS e veio cumprir uma missão divina. Para fazer, ô DEUS, a tua vontade é o alvo do homem perfeito. Tem sido apenas parcialmente cumprido até mesmo pelos mais piedosos entre os homens, com a exceção de JESUS. Aquilo que foi visto pelo Salmista como o alvo mais desejável, fica sendo uma expressão de fato nos lábios de JESUS. Realmente cumpriu a vontade de DEUS, ao ponto de Se tomar obediente até à morte.
Alguma disputa existe acerca da palavra traduzida rolo (kephalis), po causa da obscuridade da sua derivação com este significado. Apesar disto, é achada algures na Septuaginta (cf. Ez 2.9). A frase rolo do livro refere-se, aparentemente, a algumas instruções autorizadas que governavam o comportamento e as atividades do Salmista-rei. Parece claro que para JESUS o livro abrange a totalidade das revelações escritas dos propósitos de DEUS e, portanto, fornece o padrão perfeito para a vontade divina. Quando é aplicado a JESUS CRISTO, portanto, há a alusão óbvia a tudo quanto DEUS fez conhecer profeticamente acerca do Messias vindouro. No Novo Testamento há muitas citações do Antigo Testamento introduzidas com a fórmula está escrito (gegraptai), e que se revestem, portanto, de um caráter autorizado. Este fato é bem ressaltado na maneira de Lutero entencler a palavra como “permanece escrito”. Aquilo que permanece escrito possui um caráter inviolável.

8-9. A repetição, aqui, das idéias principais já achadas nos w . 5-7 enfatiza, mais uma vez, o contraste entre o meio antigo e o novo de chegar- se a DEUS.
Especialmente notável é a nova ocorrência das palavras:
Eis aqui estou para fazer, ô DEUS, a tua vontade como uma expressão da perfeita obediência de CRISTO. O comentário geral sobre a citação inteira é: Remove o primeiro para estabelecer o segundo. Uma palavra incomum é empregada para a abolição do primeiro, porque o verbo que é traduzido remove (anaireij geralmente tem o sentido de “matar.” Há algo de definitivo no desaparecimento do velho. Se não tivesse sido assim, o segundo nunca poderia ter sido estabelecido. É a diferença entre o fracasso total das ofertas irracionais levarem a efeito uma solução final e a suficiência total da obediência racional para estabelecer um novo caminho uma vez por todos.

10. Nessa vontade refere-se à vontade de DEUS que acaba de ser mencionada na citação. Seu único cumprimento completo é visto na perfeita obediência de CRISTO. O efeito imediato é que temos sido santificados. A idéia parece ser que aqueles que estão em CRISTO foram de tal maneira identificados com Ele que nEle eles também cumpriram a vontade de DEUS. Este sentido de solidariedade com CRISTO não é tão freqüente nesta Epístola como nas Epístolas de Paulo, mas é tanto mais notável neste contexto. O processo da santificação é um que nunca foi completado senão em CRISTO. Se não fosse assim, o verbo não poderia ter sido usado no tempo perfeito, como o é aqui. Posto que CRISTO é perfeitamente santificado mediante Sua perfeita obediência à vontade de DEUS, pode ser dito que Sua santificação é compartilhada por todos aqueles que crêem. É digno de nota, no entanto, que o escritor não define melhor os beneficiários — o “nós” deve ser interpretado à luz do capítulo anterior (cf. 9.28). O acréscimo das palavras mediante a oferta do corpo de JESUS CRISTO esclarece os meios mediante os quais a obediência de CRISTO pode ser eficaz para nós. É importante notar que foi o corpo de CRISTO que foi oferecido, porque isto chama a atenção à centralidade da cruz. Aquilo que Ele fez, fê-lo no corpo, na esfera da vida humana, o mesmo tipo de vida humana que nós possuímos. Na Sua oferta de Si mesmo, reuniu a humanidade. Naturalmente, o escritor não está dizendo que os crentes não têm mais necessidade de obediência porque CRISTO a cumpriu, mas, sim, que DEUS nos recebeu com base no perfeito cumprimento da vontade de DEUS feito por CRISTO. A quâlidade definitiva disto (uma vez por todas, ephapaz) já foi mencionada em 7.27 e 9.12.

11. A seção seguinte (w. 11-14) concentra-se na glória atual de CRISTO a fim de completar a declaração no v. 10 acerca da oferta do corpo.
Embora sua qualidade definitiva seja mencionada, não era o fim. Nesta Epístola, como noutras partes do Novo Testamento, a morte é ligada com a glorificação. A continuidade interminável dos sacrifícios inadequados segundo a velha ordem está em contraste marcante com a nova ordem. Os aspectos principais de interesse no presente versículo são: (i) a posição dos sacerdotes (todo sacerdote se apresenta — lit. “fica de pé”), (ii) a continuidade dos sacrifícios (a oferecer muitas vezes) e (iii) sua ineficácia de realizar o seu propósito (i.é, para remover pecados). O primeiro aspecto tem contraste marcante no versículo seguinte com a posição de CRISTO: assentou-se. Estes sacerdotes nunca poderiam sentar-se porque sua obra nunca era completa. Em segundo lugar, muitas vezes (pollakis) está em direto contraste com uma vez por todas (ephapax). E em terceiro lugar, a incapacidade das antigas ofertas removerem os pecados é contrastada no v. 12 com a única oferta de CRISTO pelos pecados. Mais uma vez, a fraqueza da velha ordem fica sendo o pano de fundo para a demonstração da maior glória da nova. A última cláusula chama a atenção à qualidade dos sacrifícios, conforme demonstra o relativo que (haitines, “que são de tal tipo”). Era inerente na sua própria natureza que faltava-lhes o poder de remover (perielein) pecados. A palavra significa literalmente “remover o que cerca,” como despir um manto indesejado. É mais sugestiva do que a palavra paralela usada no v. 4 (aphairein). A palavra achada aqui é usada em 2 Coríntios 3.16 para a remoção do véu da mente do homem quando se volta para o Senhor. Vale notar, ainda, que embora em 10.4 o tempo seja presente, aqui é passado (aoristo), para corresponder à ação completa da oferta de CRISTO no v. 12.

12. Há um contraste aqui entre todo sacerdote e “este” (que ARA identifica como JESUS).
Ressalta-Se, em contraste com eles, como um sacerdote de um tipo inteiramente diferente. A construção no grego poderia permitir que as palavras traduzidas para sempre (eis to diènekes) sejam ligadas à parte final da frase, i.é, para demonstrar a qualidade definitiva da entronização de CRISTO. Mas a tradução de ARA ressalta a idéia que é básica nesta Epistola, i.é a qualidade sem igual e completa do sacrifício de CRISTO, e isto parece preferível.88 A constante reiteração desta idéia cristã central talvez sugira que o escritor sabia que alguns dos seus leitores não tinham muita certeza quanto a ela e talvez estivessem em dúvida se ainda havia a mesma inadequação dos antigos sacrifícios. O caráter conclusivo do sacrifício de CRISTO é visto não somente no Seu sacrifício único como também na Sua entronização: assentou-se à destra de DEUS. Isto foi mencionado duas vezes antes (1.3; 8.1) e volta a ocorrer outra vez em 12.2, o que demonstra que, é uma das características dominantes da carta, para a qual um bom título geral poderia ser: “CRISTO entronizado.”

13. O período de espera entre a entronização de CRISTO e Seu triunfo final sobre Seus inimigos é idêntico à presente era.
Não há dúvida quanto ao resultado final. Ao discutir a razão pela demora em subjugar os inimigos visto que a vitória já foi ganha, Hughes comenta: “A demora deve ser vista mais como um prolongamento do dia da graça, e, portanto, como sinal da misericórdia e da longanimidade de DEUS.” O subjugar dos inimigos é outro eco do Salmo 110 (v. 1), já muitas vezes citado nesta Epístola. Estava mesmo na mente do escritor quando começou a escrever (cf. 1.13). Esta idéia é tirada mais da linguagem figurada da entronização do que ofício sumo-sacerdotal. É a esta altura que a ordem de Melquisedeque é claramente aplicável, já que nosso Sumo Sacerdote também tomou a Si o cargo de Rei. É como Rei que não permitirá que Seus inimigos triunfem. A mesma idéia é exposta por extenso por Paulo em 1 Coríntios 15.23ss., onde, porém, não tem ligação alguma com o tema sumo-sacerdotal.

14. O pensamento volta para o Sumo Sacerdote e Sua única oferta a fim de chamar a atenção ao resultado obtido por ela, ou seja: a obtenção da perfeição para os crentes.
A ligação entre a oferta e o ato da purificação já foi feita no v. 10 e, portanto, a ênfase aqui deve recair sobre o verbo aperfeiçoou (teteleiõken). Este verbo considera a ação como já sendo completa, embora presumivelmente só num sentido antecipatório, conforme subentendem as palavras para sempre. Em Si mesmo CRISTO reuniu todos aqueles que Ele representa para compartilhar com eles a Sua perfeição. A frase quantos estão sendo santificados (tous hagiazomenous) está no tempo presente contínuo e pode ser interpretada: “os que estão constantemente sendo santificados,” i.é, a sucessão contínua das pessoas que vêm sob a aplicação eficaz da única oferta.

15. A esta altura a discussão volta-se novamente à Nova Aliança como a seção final da parte doutrinária principal da Epístola (w. 15-18).
Mais uma vez, como em 8.8ss., é citada uma passagem de Jeremias 31, embora, desta vez, a seleção é consideravelmente mais curta. Há, na realidade, algumas diferenças significantes, das quais a primeira é a fórmula introdutória. Em 8,8ss. nenhuma fórmula é usada, mas aqui o testemunho específico do ESPÍRITO SANTO é visto na passagem (como em 3.7 ao introduzir SI 95). Neste caso parece que a função especial do ESPÍRITO SANTO é chamar a atenção à combinação da idéia de uma lei interna e a completa remoção do pecado. Atribui-se, claramente, importância à conexão das duas  idéias na passagem original{porquanto, após ter dito ... Acrescenta), que demonstra o conceito que o escritor tem da inspiração, que se estende à seqüência das idéias. A expressão: E disto nos dá testemunho também o Espirito SANTO pode ser entendido alternativamente no sentido de testemunho com relação a nós, ao invés de dirigido a nós. Mas fica claro o ponto essencial. Aquilo que Jeremias escreveu tem relevância direta tanto para o escritor quanto para seus leitores.

16. Na primeira parte da citação há uma mudança da redação, sendo que corações e mentes foram trocados entre si em comparação com 8.10. Não faz diferença ao sentido.

17. Na segunda parte há um acréscimo das palavras e das suas iniqüidades, que apenas define mais especificamente a natureza dos seus pecados, i.é, aqueles atos que são contrários à lei de DEUS.

18. Como um tipo de tiro para cobrir a retirada, o escritor volta a tirar a conclusão de que já não há oferta pelo pecado.
Já que a remissão é prometida sob a Nova Aliança, a necessidade de semelhante oferta cessou de existir. Não se pode duvidar que, visto que esta seção principal da Epístola termina desta maneira, a perfeição da oferta que CRISTO fez visa acabar finalmente com a celebração do antigo culto ritual. Raiou uma nova era. Está em vigor uma nova aliança que toma obsoletos os sacrifícios de Levítico. Qualquer mensagem que eles visassem transmitir está mais perfeitamente cumprida em CRISTO.

II. EXORTAÇÕES (10.19-13.25)
Embora vários apelos aos leitores tenham sido feitos no decorrer da seção doutrinária, os últimos capítulos contêm conselhos cristãos acerca de várias questões de vida prática. Há, também, grandes passagens sobre fé e disciplina.
A. A POSIÇÃO PRESENTE DO CRENTE (10.19-39)
O escritor expõe os privilégios e as responsabilidades da vida cristã. A exposição leva a mais uma passagem de advertência solene e a uma lembrança do valor da experiência cristã passada.

 O novo e vivo caminho (10.19-25)

19. Que aplicação da discussão doutrinária anterior começa aqui fica claro na palavra pois, que é melhor entendida como sendo uma referência à totalidade da demonstração anterior.
É com base em tudo quanto foi dito acerca do Sumo Sacerdote e Sua oferta eficaz que a declaração no presente versículo pode ser feita. Tendo... intrepidez é declarado como um fato. Tendo em vista tudo quanto CRISTO já fez e agora é, não há razão porque todos os crentes não possam aproximar-se com confiança. No curso da sua exposição acerca do Sumo Sacerdote, o escritor lembrou os leitores da sua confiança em CRISTO (3.6; 4.16). A palavra aqui traduzida intrepidez (parrèsia) é a palavra para a “confiança” que o Novo Testamento geralmente relaciona com a liberdade do homem por causa do seu novo relacionamento com DEUS.90 Esta confiança aqui é especificamente relacionada com a abordagem a DEUS, com a entrada no SANTO dos Santos, entendido como símbolo da presença de DEUS. É um quadro de todos os crentes, que agora têm um convite para entrarem no SANTO dos Santos, já não reservado para o sacerdócio. Está escrito que a via de aproximação é pelo sangue de JESUS, que aqui resume tudo quanto JESUS fez por nós ao oferecer-Se a Si mesmo. O SANTO dos Santos já não está mais separado para a realização contínua dos sacrifícios. Está totalmente aberto por causa da oferta perfeita já feita. Deve ser notado, porém, que o acesso está disponível somente àqueles que são classificados como irmãos, àqueles que, segundo 3.1: “participam da vocação celestial.” É importante notar que aqueles que descobrem uma nova abordagem a DEUS mediante JESUS CRISTO tambe'm descobrem um novo relacionamento uns com os outros.

20. Ao descrever o acesso como um novo e vivo caminho, o escritor emprega uma palavra que ocorre somente aqui no Novo Testamento.Novo (prosphaton) originalmente significava “recentemente morto”, mas seu significado derivado é “novo” ou “recente.”
Visa formar um contraste com a velha ordem, e assim chama a atenção à sua novidade, que imediatamente a liga com a obra de CRISTO. A idéia do caminho também é sugestiva, não somente porque era o título pelo qual os cristãos primitivos eram conhecidos, mas também por causa de um jogo de palavras em grego entre esta palavra e a palavra usada no v. 19 para “entrada” (hodos e eisodos). Aliás, a totalidade da frase usada aqui seria uma descrição apta para o conceito do cristianismo mantido por este escritor. A idéia do caminho já foi introduzida em 9.8 e parece ter sido algum tipo de termo técnico para o acesso a DEUS. No grego não há palavra que corresponda a pelo, o que faz com que caminho seja o objeto de consagrou (ou “abriu”) e liga-nos com a idéia da entrada no v. 19. A construção é difícil no grego, mas parece claro que as palavras não identificam JESUS com o caminho. O caminho de acesso é, na realidade, o resultado da Sua obra expiadora. As palavras seguintes: pelo véu, isto é, pela sua carne, têm dado ocasião a muitos debates. O primeiro problema diz respeito ao véu. Posto ser esta uma alusão ao véu que separava o SANTO dos Santos, parece mais natural considerar o véu como um obstáculo e ser vencido antes de se obter acesso. Mas é difícil vincular este obstáculo com “sua carne”, porque neste caso subentende que a vida humana de JESUS O separava de DEUS e que tinha de ser penetrada antes da comunhão ser restaurada. Reconhecidamente, a vida humana de JESUS impunha restrições sobre Ele e, nesse sentido rigorosamente limitado, podia ser descrita como um “véu” através do qual tinha de passar. Mas, por outro lado, não deve ser suposto que, ao assim fazer, descartou Sua verdadeira humanidade ao entrar. Estas dificuldades desapareceriam se as palavras pela (dia) sua came forem entendidas como uma explicação do caminho, e neste caso o significado seria “pelo novo e vivo caminho, isto é, pela sua came.” Este seria o equivalente de dizer que o novo caminho para DEUS fora aberto por JESUS como ser humano, o que concordaria com a discussão no capítulo 2 acerca da necessidade da encarnação. É possível, do outro lado, considerar a cortina como símbolo do meio de abordagem ao invés de ser um empecilho a tal abordagem, e neste caso haveria menos dificuldade em vincular a “came” com o “véu.” No que dizia respeito ao sumo sacerdote no Dia da Expiação, o véu cessava momentaneamente de ser um obstáculo e ficava sendo, pelo contrário, o caminho de entrada. Uma vez que o grande sacerdote é mencionado no versículo seguinte, é altamente provável que esta idéia tinha a primazia na seqüência de pensamentos do escritor. Há algum debate sobre se o escrito aqui alude, de qualquer maneira, ao rasgar do véu do Templo na ocasião da morte de JESUS. Seja qual for o ponto de vista adotado quanto a isto, fica claro que considera o SANTO dos Santos totalmente aberto por meio de JESUS CRISTO.

21. Já em 4.14 JESUS é descrito como “grande sumo sacerdote,” e a presente declaração é um eco daquele título.
A grandeza consistia na eficácia sem igual da obra de CRISTO em abrir um novo e vivo caminho. A expressão sobre a casa de DEUS é uma lembrança das declarações em 3.1-6, onde a superioridade de JESUS sobre Moisés é vista em relação à casa de DEUS. Aqui as palavras são abrangentes, e incluem tanto a igreja na terra quanto a igreja no céu, mas a ênfase principal recai sobre a comunidade terrestre, conforme demonstra a seqüência.

22. É aqui que chegamos à exortação principal nesta Epístola.
É expressa em três etapas: aproximemo-nos (v. 22), guardemos firme (v. 23) e consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras (v. 24). A primeira exortação refere-se à devoção pessoal, a segunda à consistência, e a terceira às obrigações sociais. Esta não é a primeira vez que os leitores são exortados a aproximar-se, porque uma declaração semelhante é feita em 4.16 antes da discussão sobre a obra sumo-sacerdotal de JESUS ter começado. A repetição da mesma idéia visa a ênfase. Tendo em vista tudo quanto foi dito na passagem interveniente, há tanto mais razão para exortar os adoradores a se aproximarem. Quatro condições de aproximação são definidas neste versículo: (i) Com sincero coração. Se o adjetivo for entendido no mesmo sentido que em 8.2, refere-se àquilo que é real em contraste com aquilo que é apenas aparente. Não pode haver fingimento de uma devoção que não é verídica. A expressão, segundo parece, refere-se à realidade da aproximação a DEUS feita pelo adorador. (ii) Em (en) plena certeza da fé. Alguma ênfase já tem sido dada à fé nesta Epístola, e haverá mais no capítulo 11. Esta plena certeza é importante, porque já não há razão alguma para duvidar que o acesso será obtido. O escritor não somente é claro quanto à possibilidade da plena certeza, como também toma por certo que ela está presente em todos os adoradores que fazem uso do “novo caminho.” O uso da preposição (en) realmente sugere que esta certeza da fé é a esfera ou ambiente em que a aproximação deve ser feita. (iii) Tendo os corações purificados de má consciência. Sem dúvida, a metáfora da aspersão (aqui purificação) é derivada do culto ritual levítico, onde é mencionado o sangue aspergido sobre o povo como ratificação da antiga aliança (Êx 24.8) e na ocasião da consagração de Arão e dos seus filhos (Êx 29.21). Não há menção específica ali, como há aqui, da purificação da consciência. Mas o meio totalmente mais eficaz de purificação, que os cristãos possuem, relaciona-se diretamente com a consciência. É mais do que um ato ritual; é uma condição moral. (iv) E lavado o corpo com água pura. Parece tratar-se de uma alusão ao batismo cristão, embora este ponto de vista não esteja sem dificuldades. Se for correta, exigiria algum rito iniciatório de natureza pública antes de alguém poder aproximar-se. Mas visto que as demais condições não são externas, parece estranho que a quarta condição o seja. A lavagem do corpo talvez ache alguma explicação em Efésios 5.26 onde está escrito que CRISTO purificou a igreja “por meio da lavagem de água pela palavra,” que é mais intelegivelmente interpretado num sentido espiritual. O uso do adjetivo “pura” também pareceria sugerir um significado simbólico. A diferença entre (iii) e (iv) seria, portanto, entre a pureza das atitudes internas e a dos atos manifestos.

23. A segunda exortação — guardemos firme - usa um verbo (katechò) que já foi usado em 3.6, 14, no sentido de guardarmos firme a nossa ousadia (parrèsia) ou a confiança que desde o princípio tivemos (tèn archèn tès hypostaseòs).
Aqui, no entanto, é outra palavra que é usada, i.é, a confissão (homologian). Não há, porém, muita distinção na idéia principal destas diferentes palavras, porque as duas se referem à verdade básica da posição cristã. Claramente, uma exortação para “guardar firme” nunca é inapropriada num mundo em que os valores estão em contínua mudança, mas onde os padrões cristãos são constantes. A expressão inteira: a confissão da esperança, é surpreendente, porque teríamos esperado “fé” ao invés de “esperança.” Mas a esperança é mais abrangente, porque inclui promessas específicas a respeito do futuro. Há uma conexão mais específica entre a fé e a esperança no capítulo seguinte (cf. 11.1). Vale notar, além disto, que em 3.6 há uma ligação entre a confiança e a esperança como coisas que vale a pena guardar. Para outras referências à esperança, cf. 6.11, 18; 7.19. Certamente, esta Epístola olha para o futuro e oferece glórias do porvir que brilham mais do que as glórias da velha ordem. Apesar disto, o escritor tem consciência de que alguns dos seus leitores talvez passem o perigo de relaxar seu apego a esta esperança, porque os conclama a segurar firme sem vacilar (aklinè). A palavra grega traduzida desta maneira é usada somente aqui no Novo Testamento, e é baseada na idéia de um objeto reto que não se inclina em nenhuma direção. Não há lugar na experiência cristã para uma esperança firme numa ocasião e vacilante noutra. Sustentar esta certeza não é um ato sem justificativa, porque não depende de si mesma, mas da fidelidade de quem fez a promessa. Algumas facetas das promessas dè DEUS serão ilustradas no capítulo seguinte, que é, na realidade, um comentário da declaração feita aqui. (Não somente registra a fé dos homens, como também a fidelidade de DEUS. Outras declarações específicas na Epístola, que chamam a atenção à fidelidade, são 2.17 e 3.2 que se referem ao nosso Sumo Sacerdote fiel, e 11.1 onde está escrito que Sara reconheceu a fidelidade de DEUS.

24. A terceira exortação focaliza-se na responsabilidade social.
É relevante que a palavra considerar (katanoòmen) seja usada aqui, porque aquilo que o escritor conclama evidentemente exige pensamento concentrado. O alvo proposto é nos estimularmos ao amor e às boas obras. Um pouco de raciocínio é claramente necessário para resolvermos como podemos fazer isto da melhor maneira possível. Algo mais do que o esforço individual é necessário para promover o amor e as boas obras. Os cristãos precisam estar alertas às necessidades do seu próximo. A ação em conjunto é indispensável. A palavra traduzida estimular (eis paroxysmon) é um termo notável que significa “incitação” e ou é usada, como aqui, num bom sentido, ou, como em Atos 15.39, num mau sentido (i.é, contenda). Parece sugerir que amar uns aos outros não acontecerá automaticamente. É necessário trabalhar o amor, até mesmo provocá-lo, assim como se faz com as boas obras. Esta combinação de amor e de boas obras é notável por enfatizar que o amor deve ter resultados práticos. O adjetivo traduzido boas (kalos) demarca as obras como boas na aparência, por possuírem uma qualidade atraente. Sugere que as obras devem ser tão evidentemente boas em si mesmas que nenhuma dúvida possa existir acerca do seu valor verdadeiro.

25. Outra exigência de um tipo social, que tem aplicação direta à declaração anterior, é a necessidade da comunhão coletiva.
É lógico que nenhuma provocação ao amor é possível a não ser que ocorram oportunidades apropriadas para o processo de despertamento ter efeito. As palavras: Não deixemos de congregar-nos, presumivelmente referem-se a cultos de adoração, embora o fato não seja declarado. Talvez tenha sido propositadamente deixado ambíguo a fim de incluir outras reuniões de um tipo mais informal, mas a palavra grega (episynagògè) sugere alguma assembléia oficial. Parece que alguns tinham negligenciado seus encontros com os irmãos cristãos, o que é visto como uma séria fraqueza. É possível que os leitores tenham se separado do grupo principal, o que significava que suas oportunidades de estimular-se ao amor e ás boas obras estavam severamente limitadas. As assembléias cristãs visam ter um resultado positivo e útil: i.é, “encorajar uns aos outros” (fazer admoestações, ARA). A palavra usada aqui (parakaleõ) pode igualmente ser traduzida “exortar.” A idéia básica é que os cristãos devem fortalecer e estimular uns aos outros. Não há dúvida de que influência incalculável para o bem pode advir do exemplo poderoso de pessoas retas em associação com outras do mesmo tipo. O Novo Testamento não oferece apoio algum à idéia de cristãos isolados. A comunhão estreita e regular não é apenas uma idéia agradável, como também uma absoluta necessidade para o encorajamento dos valores cristãos. De início, é surpreendente que o escritor acrescente a esta altura as palavras: e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima. Nada preparou os leitores para a menção do “Dia”. Há muitas referências noutros livros do Novo Testamento ao Dia do Senhor (e.g. 1 Ts 5.2; 2 Pe 3.10) e deve ser suposto que os leitores desta Epístola teriam sabido imediatamente a que se referia. De qualquer forma, é familiar por causa do Antigo Testamento, mas o escritor o usa de uma maneira especificamente cristã, subentendendo um dia de prestação de contas (cf. Lc 17.26; Rm 2.16; Ap 6.17). Certamente tem conexão com a Segunda Vinda de CRISTO, embora esta não seja mencionada aqui tampouco. Tudo quanto está em mira é o efeito salutar de ser lembrado da aproximação do dia. A expressão “aproximar-se” (engizõ) é comumente usada no Novo Testamento para descrever a aproximação do dia (cf. Rm 13.12; Fp 4.5; Tg 5.8; 1 Pe 4.7). Para um apelo semelhante ao dia que se aproxima como base para o comportamento ético cuidadoso, cf. 2 Pedro 3.11. Vale notar, no presente contexto, que o verbo é indicativo e registra uma realidade consumada — vedes — e não está, como os verbos anteriores, na forma de uma exortação. A iminência do dia era cosiderada clara. Não devia ser considerada um segredo. Os cristãos deviam viver como se o raiar do dia estivesse tão próximo que sua chegada estava só um pouco além do horizonte. Apesar dos séculos que se passaram desde então, a possível iminência do dia ainda fornece uma motivação poderosa para muitos crentes no sentido de padrões morais elevados.

 Outra advertência (10.26-31)

26. Este versículo introduz uma nova seção (w. 26-31) que adverte contra os perigos da apostasia de maneira muito semelhante às advertências no cap. 6.
Presumivelmente, é provocada pela menção do dia da prestação das contas no v. 25. Os aspectos sérios do julgamento contrário são vividamente focalizados. Se vivermos deliberadamente em pecado coloca a ênfase no pecado responsável, no tipo de pecado no qual as pessoas entram com os olhos abertos. A posição da palavra deliberadamente (hekousiõs) como a primeira palavra na frase reforça esta idéia. O culto ritual levítico oferecia providências para os pecados inadvertidos, mas não para os pecados voluntários. A esta altura o uso que o escritor faz da primeira pessoa do plural (“nós” oculto, hèmón), identifíca-se com aqueles que recebem a advertência. O pleno conhecimento da verdade é aludido como uma coisa recebida, o que sugere que tem uma forma reconhecida. Ademais, o artigo com a palavra verdade (tès alétheias) toma claro que já existe um corpo de doutrina definível, que todos os cristãos devem conhecer. É o equivalente à totalidade da revelação cristã. O apóstolo Paulo tem muito mais para dizer sobre o conhecimento (epignõsis) do que o autor desta Epístola. De fato, este é o único lugar nesta Epístola onde esta palavra é usada. Ressalta a qualidade deliberada do pecado se uma compreensão inteligente da “verdade” já tinha  sido adquirida. Semelhante pecado deliberado, ocorrendo depois de obtida um domínio de “a verdade”, subentende uma rejeição da verdade, cujo aspecto cardeal é a singularidade do sacrifício de CRISTO. Se este for rejeitado, não sobra nenhum outro sacrifício adequado. Em grego, a ordem das palavras é significante mais uma vez, porque a ênfase recai sobre as palavras: pelos pecados. Pode haver sacrifício, mas nenhum que tenha qualquer eficácia para a remoção dos pecados. Desta maneira, as sérias conseqüências do pecado deliberado são ressaltadas.

27. Sem um sacrifício expiador no qual se possa confiar, tudo quanto permanece é juízo e fogo vingador.
A alternativa é expressa forte e vividamente. A primeira: juízo, é expressada em termos dos temores do homem (certa expectação horrível), a segunda: fogo vingador, em termos da provisão de DEUS. Completam- se mutuamente. Certa expectação horrível de juízo chama a atenção à reação que a expectativa produz naqueles que se enquadram na categoria de pecadores deliberados. A proporção em que os pensamentos do julgamento aterrorizam os transgressores depende do caráter do juiz, e, na medida em que esta passagem continua, toma-se claro que não se pode fazer pouco do Seu juízo (cf. v. 31).

28. Um exemplo da pena capital é citado da lei de Moisés como exemplo do julgamento sob a antiga aliança, de modo que fornece um paralelo para um julgamento semelhante sob a nova aliança.
O caso específico citado é aquele em que alguém tiver rejeitado (athetèsas) a lei de Moisés, i.é, deixou-a de lado como algo sem nenhuma conseqüência. Parece subentender uma recusa positiva de aceitar a autoridade da lei mosaica. Para semelhante homem não havia misericórdia sob a antiga aliança. Não poderia esperar nada senão a morte. Visto que a disposição — pelo depoimento de duas ou três testemunhas - é tirada de Deuteronômio 17.6, é razoável supor que o escritor tinha em mente, a esta altura, a passagem inteira de 17.2-6. Esta trata do pecado específico dos que estavam dentro da antiga aliança mas que tinham cometido o pecado da idolatria e, como resultado, foram condenados à morte por apedrejamento. A presença das testemunhas era exigida para garantir que ninguém fosse condenado na base de um relato falso. Nenhuma lição específica é tirada deste fato quando os paralelos com a Nova Aliança são sugeridos neste Epístola.

29. O argumento agora procede do menor para o maior, portanto as palavras quanto mais severo são aplicadas ao delito mais sério sob a nova aliança.
Os leitores estão exortados a dedicar pensamento especial a isto: julgais vós? (dokeite). Embora as palavras sejam expressas na forma de uma pergunta, não há dúvida acerca da resposta. O escritor toma por certo que o estado mental que está para mencionar é até pior do que a violação da lei mosaica. Envolve maior castigo. Ao falar deste castigo emprega uma palavra (timõria) que não ocorre em qualquer outro lugar no Novo Testamento e que o descreve precisamente em termos daquilo que o delito merece. O delito específico, que é suficientemente sério para justificar um castigo maior, é expressado de modo tríplice, (i) Primeiramente, envolvia o desprezo ao Filho de DEUS. O verbo usado aqui (katapateô) significa calcar aos pés ou tripudiar, expressão vívida quando é usada a respeito do Filho de DEUS. Deve envolver não somente uma rejeição da posição cristã, como também o mais forte antagonismo contra JESUS CRISTO. É um caso extremo de apostasia que está sendo contemplado, (ii) Em segundo lugar, o transgressor profanou o sangue da aliança. A expressão grega traduzida profanou (koinon hègêsamenos) pode ser traduziada “considerar comum” no sentido de tratar o sangue de CRISTO como não sendo diferente do sangue de qualquer outro homem, mas a interpretação mais positiva das palavras no sentido de “considerar profano” é mais provável. Posto que o sangue era o meio de ratificar uma aliança (tanto a antiga quanto a nova), considerá-lo profano era o equivalente de destruir a base inteira do acordo. Qualquer pessoa que adotasse semelhante ponto de visa estaria realmente desprezando a obra de CRISTO. Na frase qualificadora, com o qual foi santificado, o contraste é ressaltado entre uma atitude ímpia para com o sacrifício de CRISTO e os resultados santos daquele sacrifício para o crente, (iii) O terceiro ato é descrito como ultrajar o ESPÍRITO da graça. O verbo é outra palavra que não ocorre mais no Novo Testamento (enybrizein), que significa nlo somente ultraje, como também insolência. É uma rejeição arrogante do ESPÍRITO através de cujo intermédio a graça (o favor gratuito de DEUS) chegou ao homem. Esta é a única ocasião no Novo Testamento onde o ESPÍRITO é chamado o ESPÍRITO da graça, mas aqui o propósito do escritor é resumir numa palavra todos os benefícios que o ESPÍRITO trouxe. Esses três aspectos da apostasia não somente colocam o homem numa posição de condenação, como também o deixam numa posição especificamente anti- ristã. É impossível saber se o escritor tem em mente pessoas que realmente se viraram contra o cristianismo depois de terem estado associadas com ele, ou se está considerando qual seria a posição de quaisquer pessoas que chegassem a assim fazer. Quando esta passagem é considerada em conjunção como capítulo 6, fica claro que o escritor tem bem presentes as conseqüências sérias para aqueles que se tomarem antagônicos a JESUS CRISTO. Quaisquer pessoas que já tivessem feito assim não seriam demovidas pelos argumentos no decurso da Epístola que demonstram a superioridade de CRISTO. Parece melhor, portanto, supor que estas advertências fortes são propostas para demonstrar o contraste entre aqueles que entram nos benefícios do sacrifício de CRISTO e aqueles que resolutamente se recusam a entrar.

30. A fim de que ninguém pense que o escritor exagerou a perspectiva do julgamento, este chama a atenção dos seus leitores para o caráter do juiz, que é a garantia de que o julgamento será justo.
As palavras: Ora, nós conhecemos aquele imediatamente focalizam a atenção na Pessoa. Segue-se, então, uma citação, ou melhor, uma adaptação de uma citação tirada de Deuteronômio 32.35 (cf. também Rm 12.19, onde é achada a mesma adaptação). A segunda citação é tirada do versículo seguinte em Deuteronômio 32. A respectiva passagem é aquela em que Moisés faz seu discurso de despedida e relembra ao povo de Israel como DEUS o tinha tratado. O discurso também contém advertências, e é desta seção especialmente que as citações são tiradas. As duas juntas ressaltam o fato de que a vingança e o julgamento pertencem ao Senhor. A vindicação do povo de DEUS vai de mãos dadas com o julgamento dos Seus inimigos.

31. O terror da expectativa mencionada no v. 27 agora é reforçado pelo uso da mesma palavra para descrever o resultado de cair nas mãos do DEUS vivo.
A expressão “DEUS vivo” já ocorreu antes nesta Epístola (3.12; 9.14) e ocorre outra vez em 12.22. Tem relevância especial aqui por estar ligada com “mãos”, que simbolizam a atividade de DEUS. Ao falar assim das “mãos” de DEUS, o escritor está usando uma figura de linguagem bem-conhecida para o implementar, da parte de DEUS, dos Seus próprios julgamentos. Logo, neste contexto “as mãos de DEUS” estão contra aqueles que, através das suas ações ou atitudes, se colocaram fora da Sua misericórdia. Um uso diferente de uma expressão semelhante: “a poderosa mão de DEUS,” é achada em 1 Pedro 5.6.

O valor da experiência passada (10.32-39)
32. O assunto da seção seguinte, w. 32-39, é a perseverança, que primeiramente é tratada em retrospecto, e então passa a ser o assunto de mais exortações.
O processo da recordação às vezes é uma atividade frutífera quando chama à mente lições anteriores, mesmo se aquelas lições tenham sido aprendidas numa escola severa. A palavra lembrar-se (anamimnêskõ) é usada somente aqui nesta Epístola, mas ocorre duas vezes em Marcos (11.21; 14.72) e três vezes em Paulo (1 Co 4.17; 2 Co 7.15 e 2 Tm 1.6). Denota algum esforço em chamar à mente. Teríamos pensado que semelhante esforço seria desnecessário quando o assunto da lembrança são os sofrimentos anteriores do crente, mas é surpreendente como a memória da maioria das pessoas precisa ser incitada. Os dias anteriores dão a entender que este grupo de crentes já era cristão havia algum tempo. Agora podem relembrar dias anteriores ao tempo da sua iluminação. Esta é uma maneira expressiva de referir-se à sua conversão (cf. 6.4). Relembra a declaração paulina em 2 Coríntios 4.6, onde a idéia da iluminação espiritual se destaca. A estes cristãos é dito: sustentastes grande luta. A palavra athlèsin que descreve esta luta é  outra palavra que não é achada em qualquer outro lugar no Novo Testamento, e significa um certame atlético, e, portanto, é aplicada de modo metafórico a uma luta. Neste caso a linguagem figurada parece dizer respeito a uma corrida de obstáculos, sendo que os sofrimentos são os obstáculos a serem vencidos.

33. Aqui são dados pormenores do tipo de sofrimento que os leitores tinham suportado.
É descrito como expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio, quanto de tribulações. Demonstra-se assim como tinham um envolvimento pessoal nos sofrimentos de CRISTO. Das duas palavras aqui usadas para denotar o sofrimento, “opróbrio” (oneidismoi) é achada também em 11.26 na descrição do opróbrio que Moisés sofreu como resultado da sua rejeição da posição exaltada no Egito, e em 13.13 na descrição daquilo que aguarda os que saem fora do arraial com CRISTO. É estreitamente ligado com o opróbrio que CRISTO suportou (cf. Rm 15.3). A outra palavra: tribulações (thlipsis), é muito mais comum no Novo Testamento, embora ocorra somente aqui em Hebreus. Talvez o exemplo mais notável do seu uso seja Colossenses 1.24, em que Paulo fala em preencher o que resta das aflições de CRISTO. Estes hebreus tinham participado de uma experiência semelhante. O verbo traduzido expostos como em espetáculo (theatrizomai) ocorre somente aqui no Novo Testamento, mas Paulo usa o substantivo cognato em 1 Coríntios 4.9. Tanto o verbo quanto o substantivo derivam sua força de expressão de um espetáculo no teatro, e a idéia é que os cristãos foram usados como um alvo público para maus tratos. Esta idéia também harmoniza-se com os maus tratos aos quais o próprio CRISTO foi sujeitado. Além dos seus próprios sofrimentos pessoais, às vezes sofriam mediante a associação com outras pessoas. Uma comunidade cristã com laços estreitos forçosamente experimentará os dois tipos de sofrimento quando vem a perseguição. Não se declara qual forma assumiu este segundo tipo. Bastava para o propósito do escritor relembrar aos leitores que eram coparticipantes (koinõnoi), que relembra o conceito neotestamentário familiar da comunhão ou da participação. Os crentes tinham achado um privilégio “compartilhar” dos sofrimentos uns dos outros. Esta é comunhão no nível mais profundo.

34. Aquilo que é descrito de modo geral no versículo anterior é descrito aqui de modo mais específico para servir de exemplo, mas na ordem inversa.
Vos compadescestes dos encarcerados é um exemplo de uma abordagem ativa, ao passo que aceitar o espólio é um exemplo da abordagem passiva. Estes cristãos tiveram experiência das duas situações. Tinham, na realidade, demonstrado simpatia, semelhante àquela do nosso Sumo Sacerdote (4.15), embora num nível inferior. Conforme demonstra a palavra grega (synepathèsate), esta compaixão cristã consiste na capacidade de “sofrer com” os que sofrem. Identificam-se mentalmente com os encarcerados. Nenhuma indicação é dada da natureza ou da causa do aprisionamento, mas presumivelmente era por causa da confissão cristã das respectivas pessoas. Sabemos pelas cartas de Paulo que ele mesmo foi encarcerado muitas vezes, e também sabemos que vários outros eram presos juntamente com ele. Era bastante comum naqueles dias primitivos os cristãos serem encarcerados sempre que suas convicções eram consideradas contrárias ao gosto das autoridades civis. Não fica claro em quais circunstâncias este cristãos tinham aceito com alegria o espólio dos seus bens. Certamente revelavam uma abordagem especialmente madura, porque sua atitude era mais positiva do que a mera resignação. Tinham aprendido a regozijar-se no meio das perdas. Sua abordagem às suas posses era sadia, porque sua posição espiritual não dependia das vantagens materiais. Tinham aprendido o valor superior do seu patrimônio superior, que, segundo se supõe, refere-se às suas vantagens  em CRISTO. Era a isto que CRISTO chamara de ajuntar tesouros no céu (Mt 6.19). A descrição adicional da possessão como durável acrescenta outra dimensão à sua superioridade, porque claramente esta além da possibilidade de perda.

35. O apelo à experiência passada é sempre valioso quando relembra uma confiança anterior, especialmente quando aquela confiança tinha começado a vacilar no interim.
A experiência madura como aquela que acaba de ser mencionada certamente não poderia ser jogada fora. O escritor expressa a questão como um desafio pessoal direto: Não abandoneis (apobaléte), portanto, a vossa confiança. A palavra que emprega significa “jogar fora” assim como se joga lixo que não tem mais utilidade. Seria realmente trágico se a confiança anterior destes cristãos fosse alijada desta maneira. Além disto, o escritor diz que ela tem grande galardão no tempo presente (echei), no sentido de que o crente que ficar firme já começa a ter experiência do galardão, ainda que seu cumprimento esteja no futuro.
36. Perseverança é um aspecto mais específico da confiança.
É uma persistência até mesmo quando as circunstâncias são contrárias. O capítulo seguinte fornecerá muitos exemplos da perseverança da fé. Acentuase a necessidade dos leitores (tendes necessidade), que demonstra que o escritor reconhece sua falta de um espírito de perseverança, e este fato está bem em harmonia com o pano de fundo geral dos temores do escritor no tocante aos seus leitores. O propósito da perseverança é expresso com exatidão nas palavras: para que havendo feito a vontade de DEUS... Já neste capítulo a devoção de JESUS à vontade de DEUS foi mencionada (cf. w. 5ss.), e agora o mesmo alvo é colocado diante dos leitores. Fica certo que qualquer abandono da confiança anterior não estaria de conformidade com a vontade de DEUS. Fica  claro, também, que o exemplo de JESUS CRISTO incluía sofrimentos. É uma das marcas de um cristão maduro ter um conceito da vontade de DEUS que leva em conta os acontecimentos contrários. É na base de cumprir a vontade de DEUS que os leitores alcançarão a promessa. Esta é outra maneira de referir-se ao galardão mencionado no v. 35. A idéia resume a herança gloriosa do crente, porque as promessas de DEUS são totalmente fidedignas.

37-38. Com o intuito de confirmar seu argumento, o escritor liga juntas duas passagens da Escritura: Isaías 26.20 (LXX) e Habacuque 2.34.
A primeira frase: Porque ainda dentro de pouco tempo, ecoa a linguagem de Isaías 26.20, onde as mesmas palavras são seguidas pela cláusula: “até que passe a ira,” o que demonstra que nos dias de Isaías Israel tinha que esperar até que DEUS agisse. É citada aqui para renovar a confiança daqueles que imaginavam que a falta de ação demonstrava uma falta da parte de DEUS de cumprir Sua promessa. A parte seguinte da citação vem da passagem em Habacuque, embora haja modificações do original. Há um propósito diferente, porque o profeta estava pensando na ameaça dos caldeus.94 Aqui, o pensamento diz respeito à certeza da intervenção de DEUS, que era especialmente relevante para a igreja num período de perseguição. A certeza de que aquele que vem não tardaria demonstra que qualquer demora deve ser considerada temporária. A primeira declaração no v. 38 é citada por Paulo em Romanos 1.17 para resumir o teor do seu argumento teológico (cf. também G1 3.11). Aqui, a lição principal a ser aprendida é a necessidade da fé a fim de sustentar a confiança anterior. As palavras adicionais: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma atribuem importância adicional à necessidade da fé. A possibilidade é expressa como uma cláusula condicional, e não há indicação que algum deles realmente tivesse retrocedido. Na realidade, o v. 39 sugere o inverso.

39. Aqui o escritor identifica seus leitores com ele na rejeição da própria idéia de retroceder.
As palavras traduzidas para a perdição (eis apõleianj são uma interpretação da passagem que acaba de ser citada, porque é somente assim que o escritor pode entender o resultado do desprazer de DEUS. Aqui é contrastada com o resultado da fé, i.é, que o escritor e os leitores igualmente gozarão da conservação da alma. Esta idéia da conservação, o antônimo exato da destruição, é característica da salvação. A mesma palavra é ligada com a salvação em 1 Tessalonicenses 5.9.




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