segunda-feira, 19 de março de 2018

APÊNDICE - A SUPREMACIA DE CRISTO




“ Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de  vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus I vivo” (Hb 3.12, ARA).
 "É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6, ARA).
"Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certeza expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. Sem misericórdia morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da Graça? (Hb 10.26-29, ARA).
 Fé, esperança e Ânimo em Tempo de Apostasia
 Longe de querer provocar insegurança nos seus leitores, o autor de Hebreus tenciona conduzi-los à maturidade cristã. O seu desejo é produzir ânimo, esperança e fé em tempos de apostasia: “Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança” (Hb 6.11, ARA). Todavia, sem ignorar os perigos da caminhada, ele faz severas advertências. Os perigos existem: "Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo" (Hb 3.12). Os exemplos dos crentes da Antiga Aliança que morreram no deserto e que por isso foram impedidos de entrar na Terra Prometida são usados por ele para dar o sinal de alerta: "Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi, porventura, com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto?” (Hb 3.17). Se aqueles crentes tombaram no deserto porque permitiram que seus corações fossem endurecidos pelo engano do pecado, da mesma forma os crentes da Nova Aliança também poderiam cometer o mesmo erro e ficar pelo caminho “Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13). Um coração incrédulo e endurecido pelo pecado foi a causa que impediu os crentes do antigo concerto de entrar no descanso provido por Deus: “E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade” (Hb 3.19). Todavia, o autor de Hebreus lembra seus leitores de que aquele não havia sido, de fato, o descanso verdadeiro. Havia sido apenas um tipo daquele que Cristo veio prover: "Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência” (Hb 4.11). Aquele fora um descanso terreno; aqui, o celestial: "Porque, se Josué lhes houvesse dado repouso, não falaria, depois disso, de outro dia. Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus (Hb 4.8,9).
Uma Aliança Superior, um Sacerdote Superior, um Sacrifício Superior
Dentro da temática abordada, o autor traz à tona o assunto do sacerdócio e, parenteticamente, continua com sua exortação. Todo o sistema sacerdotal levítico, com seu complexo sistema ritualístico, era apenas uma sombra do qual Cristo era a realidade (Hb 8.5). Com a manifestação de Cristo, tudo aquilo ficara antiquado, obsoleto e sem valor. Voltar atrás, portanto, era perder a realidade para mergulhar nas sombras! A antiga ordem sacerdotal passara e, em seu lugar, outra se havia estabelecido: uma ordem sacerdotal superior a de Melquisedeque, da qual Cristo tornara-se sumo sacerdote (Hb 5.10). Uma verdade chocante — que, com toda a segurança, provocaria espanto nos judeus piedosos — estava sendo demonstrada pelo autor: Toda a lei, bem como o sistema de sacrifícios levítico, havia sido abolida! Não havia como tentar viver por eles novamente. Chamando “Nova" essa aliança, ele tomou antiquada a primeira; e "o que foi tomado velho e se envelhece perto está de acabar” (Hb 8.13). A Nova Aliança havia sido implantada e não fora estabelecida com base em sangue de animais, mas no sangue de Cristo (Hb 9.12). Voltar ao velho sistema era negar a eficácia desse sangue, era negar a Cristo. O autor alerta que quem agisse dessa maneira estaria renegando de vez o Filho de Deus (Hb 6.4-6) e, por isso, seria objeto de um juízo severo (Hb 10.29). Quem agisse dessa forma estaria cometendo apostasia, e, para o apóstata, o autor alerta que
 “é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro, e recaíram sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificaram o Filho de Deus e o expõem ao vitupério" (Hb 6.4-6).
Apostasia, Desvio e Tropeço
É praticamente um consenso entre a erudição bíblica que os textos acima citados referem-se à apostasia ou queda da fé. Porém, antes de analisar essas passagens bíblicas, algumas definições são necessárias. Para a Enciclopédia Judaica, o termo apostasia é aplicado às pessoas que desertaram da fé, trocando a sua adoração por outra.1 De acordo com Katharine Doob Sakenfeld, "A palavra apostasia deriva do grego apostasia, que significa ‘um afastar-se de’ ou 'rebelar-se'. Embora originalmente essa palavra se referia a uma rebelião política ou militar, durante o império greco-romano também veio a significar rebelião religiosa”.2 O substantivo apostasia aparece em Atos 21.21 e em 2 Tessalonicenses 2.3. Já o verbo aphistemi, de onde se originou apostasia, é traduzido pelo léxico de Thayer como cair, tomar-se infiel a Deus.3 Nesse sentido, é usado em 1 Timóteo 4.1 como referência àqueles que :haveriam de apostatar da fé.4 Em Hebreus 3.12, o verbo aphistemi aparece no infinitivo aoristo com o sentido de cair, deixar, afastar, 5 O léxico de Kittel destaca que, em Hebreus 3.12, é usado expressamente acerca do declínio religioso em relação a Deus. Nesse aspecto, o oposto de apostasia é dado pelo autor de Hebreus em 3.14: "Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim”.6 O léxico de Bauer destaca que o termo aphistemi é muitas vezes usado na LXX, principalmente com o sentido de “cair diante de Deus", destacando que, em Hebreus 3.12, seu sentido é o de "cair” e "apostatar”.7 Das mais de 160 ocorrências de aphistemi na Septuaginta, 28 delas são claramente associadas à apostasia religiosa promovida por Jeroboão, filho de Nebate, e os reis que o seguiram.8 No Novo Testamento, o termo ocorre 14 vezes, sendo um deles de uso paulino (1 Tm 4.1), e o outro do autor de Hebreus (Hb 3.12). Nessas duas últimas referências, o contexto sugere um sentido de uma apostasia religiosa nos moldes do Antigo Testamento. Não exatamente na forma, mas, sim, nos princípios que a motivaram.9 Além desse vocábulo grego, há muitos outros usados na Bíblia para referir-se à apostasia. A obra The New Interpreters Dictionary ofthe Bible destaca que a apostasia, descrita comumente pelos termos hebraico (meshuvah) e grego (apostasia), é descrita de várias formas nas Escrituras:
    “A Bíblia relata numerosos casos de apostasia, embora sem usar o vocabulário hebraico e grego acima mencionado; por exemplo, a ‘rebelião’ de Saul (1 Sm 15.22-23) e aqueles que foram ‘iluminados’, mas que ‘caíram’ (Hb 6.4-6)".
 De início, é bom lembrar que a apostasia não é um pecado qualquer, nem tampouco um tropeço que o cristão teve na sua caminhada. Não é um mero desvio moral ou acidente espiritual. Fritz Laubach define como "uma ruptura completa da vida com Jesus, o abandono da verdade divina experimentada”.110 expositor I. Howard Marshall define como: "Negação da fé por aqueles que antes a sustentavam”.12
De forma semelhante, o expositor Merril F. Unger define a apostasia como "um ato de um cristão, que, consciente e deliberadamente, rejeita a verdade revelada da divindade de Cristo (1 Jo 4.1-3) e a redenção mediante seu sacrifício expiatório” (Fp 3.18; 2 Pe 2.1)." Em seu comentário sobre Hebreus, o expositor Adam Clarke, quando comenta sobre o apóstata, diz que ele é
"alguém que rejeita completamente a Jesus e seu sacrifício e renuncia a todo o sistema evangélico. Isso nada tem a ver com os desviados no uso comum do nosso termo. Um homem pode cair repentinamente em uma falta ou ainda deliberadamente andar em pecado e, porém, não rejeitar o evangelho nem negar ao Senhor que lhe comprou. Sua situação é temerária e perigosa, mas não sem esperança. O único caso sem esperança é o do apóstata deliberado, que rejeita o evangelho depois de haver sido salvo pela graça ou convencido da verdade do evangelho. Para o tal, já não resta mais sacrifício pelo pecado, porque já houve um, o de Jesus, e ele o rejeitou por completo”.14
A postasia, uma Possibilidade Real
Ao longo da História da Igreja, algumas formas de interpretar a apostasia relatada na carta aos Hebreus têm-se sobressaído. I. Howard Marshal observa que “muitos estudiosos restringem a apostasia ao abandono temporário manifestado pelos verdadeiros crentes e ao desvio dos crentes nominais de uma profissão de fé superficial e aparência exterior, mas outros afirmam que, juntamente com as declarações da eterna segurança do crente, devem ser colocadas outras explicações que alertam aos verdadeiros crentes sobre a apostasia e sobre a possibilidade de não conseguirem encontrar a entrada para o reino de Deus (Hb 6; 10.26-29)".1
A Apostasia em Hebreus Vista por Diferentes Perspectivas
1. O texto realmente se refere a cristãos que perdem a salvação;
2. O texto é um argumento hipotético para advertir os cristãos imaturos que eles devem progredir rumo à maturidade. Nesse aspecto, experimentariam a disciplina ou juízo divino se não ouvissem a exortação;
3. O texto refere-se a cristãos professos, cuja apostasia comprova que não tinham fé suficiente. Eram crentes, mas não eram regenerados;
 4. O texto é uma referência aos réprobos, aqueles a quem Deus não havia escolhido para estar entre os eleitos.
5. O texto não se refere a uma queda hipotética nem tampouco à apostasia, mas apenas ao pecado ou tropeço cometido por pessoas imaturas.16
Uma análise do capítulo 6.4-6 de Hebreus, onde está a declaração mais severa sobre a apostasia, deve levar em conta as advertências que, desde o início, o autor de sua carta vinha fazendo (capítulos 2 e 3). Essa ênfase já era forte, mas não de forma tão enfática como aqui. Havia chegado o momento de ele adverti-los sobre o que realmente estava em jogo: a real possibilidade de se decair da fé. Um a Hipótese Improvável Os argumentos em favor de uma "apostasia hipotética" não conseguem ser convincentes. Os que argumentam que o autor estaria tratando apenas de um "juízo” ou “disciplina” de advertência esquecem que ele fala de uma total exclusão sem possibilidade de retomo. O comentarista bíblico Donald Guthrie, por exemplo, insiste na tese de que Hebreus 6.4-6 trata de um “caso hipotético”, e não da real possibilidade de se decair da graça.17
 O expositor Millard J. Erickson, um teólogo de tradição batista, tenta achar um meio-termo para solucionar o problema do caso hipotético. Ele argumenta que Hebreus 6.4-6 realmente admite a possibilidade da queda na fé, mas defende que Deus não permitiria que isso acontecesse.
18 No entanto, como destaca o expositor Leon Morris, "a menos que o autor de Hebreus esteja falando de algo que realmente pudesse acontecer, não seria uma advertência sobre nada”.19 Morris acredita que algumas pessoas podem ter ido longe o suficiente na experiência cristã para saber do que se trata e, então, desviam-se. Nesse caso, elas estão crucificando Cristo novamente. Morris admite que o autor de Hebreus via a apostasia como uma possibilidade real que o autor de Hebreus não queria ver acontecer com seus leitores, M uitas Conjecturas, nenhum Consenso Mesmo sendo mais uma aporia do que propriamente um paradoxo, a tese que nega uma apostasia real entre crentes tem vários defensores e desdobramentos. Há uma extensa lista de comentaristas de renome que tentam buscar outro sentido que vai além daquele que naturalmente é exposto no capítulo 6.4-6 de Hebreus. O escritor Gleason L. Archer, por exemplo, afirma que as pessoas descritas nessa passagem não eram cristãs, mas pessoas que haviam chegado ao conhecimento do evangelho por meio da experiência dos outros. William R. Newell tenta desqualificar essas pessoas dizendo que elas haviam "provado”, mas não tinham "bebido” da salvação. R. A. Torrey falou da "animação" dos Hebreus, mas que isso não era "regeneração”. John Owen, antigo teólogo puritano, disse que "as pessoas de quem se fala aqui não são crentes sinceros e de verdade”. B. F. Wescott argumentou que o "impossível”, aqui, significa “impossível para o homem, mas não para Deus”. Delitzsch e Lenski argumentam que o pecado de Hebreus 6.4-6 é semelhante à blasfêmia contra o Espírito Santo (Mt 12.31), embora o texto citado, segundo eles, revele que quem blasfemou não eram crentes. G. H. Lang argumenta que o texto fala de crentes verdadeiros; todavia, o julgamento ao qual o autor de Hebreus refere-se não é a morte eterna, mas a física.20
Todo esse leque de interpretações conflitando entre si mostra a dificuldade que há quando se tenta atribuir um sentido diferente daquele que o texto claramente revela: a possibilidade de cair da fé.
Se partirmos do pressuposto de que o texto de Hebreus 6.4-6 está, de fato, referindo-se a uma situação hipotética e que não acontece entre cristãos, então por que o autor de Hebreus iria advertir seus leitores sobre algo que jamais poderia acontecer? Eles já não estariam seguros da mesma forma? Se o autor já sabia que Deus não permitiria que isso viesse a acontecer entre os cristãos, então por que ficaria fazendo esse jogo de cena? No caso de uma apostasia hipotética, Albert Bames, por exemplo, tenta defendê-la com duas ilustrações. Para ele, era como se alguém fizesse uma suposição: "Se um homem tivesse caído num precipício, seria impossível salvá-lo, ou tivesse uma criança caído no córrego, certamente teria sido afogada”.21 O problema com essas ilustrações de Bames é que tanto o "precipício" como o “córrego” existem. Se não existissem, não haveria razão para que se tentasse evitá-los.
 Apostasia, SalvaçAo e Regeneração
Se, por um lado, a teoria do “caso hipotético” não pode ser defendida biblicamente, por outro, é biblicamente inconcebível alguém ser crente e, ainda assim, não ser regenerado, como defende Wayne Grudem.22 O escritor John MacArthur debate-se em contorções teológicas tentando provar que essas pessoas as quais o autor de Hebreus refere-se não eram crentes de verdade. Todavia, ele mesmo demonstra não ter certeza se o texto de Hebreus 6.4-6 exclui os verdadeiros crentes.23 Essa também parece ser a opinião de Judith M. Gundry-Volf, que explica o abandono da fé em termo de "uma falsa profissão”.24 De forma semelhante, o teólogo Kenneth S. Wuest, por exemplo, esforça-se para tentar provar que o autor de Hebreus estaria se referindo ao "judeu não-salvo".25 Se esse fosse o caso, restaria explicar por que o autor de Hebreus demonstrou tanta preocupação com esse "não-salvo” perder algo que ele nem mesmo tinha: a salvação.26
Deve ser ressaltado aqui que o apóstolo Paulo fala da apostasia no contexto da parousia (2 Ts 2.3), que precede o aparecimento do Anticristo. O mesmo fato é aludido no contexto da igreja em 1 Tm 4.1: "Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios”. Nesse último texto, fica claro que a apostasia é algo que acontece dentro do contexto da igreja.
 Sentindo o Gosto do Céu, porém Proibido de Entrar nele
A posição do reformador francês, João Calvino, é a mais radical e a mais difícil de enquadrar-se no contexto de Hebreus 6. Calvino cria que esse texto estaria se referindo aos réprobos, aqueles que, mesmo não tendo direito à vida eterna, Deus tocava-os com "o sabor de sua graça”, "iluminava suas mentes com lampejos de sua luz” e, em alguma medida, "gravava a sua palavra" em seus corações. A fé deles, portanto, era apenas temporária e desvanecente.27 Mas como explicar por que Deus, sendo amor e querendo salvar a todos (Jo 3.16; 1.29; 1 Tm 2.4; 1 Jo 2.2), permitiu a esse “réprobo”, já condenado ao Inferno, experimentar o sabor da salvação se Ele não tencionava salvá-lo? Deus não seria acusado de injusto se assim procedesse? Os que acreditam na segurança condicional do crente argumentam que esse pensamento, longe de ser uma defesa de soberania de Deus, soa mais como uma distorção do seu caráter e uma negação explícita do seu amor. Em virtude daquilo que explicitamente ensina o contexto dessa passagem, essa interpretação há muito vem perdendo fôlego entre os intérpretes.
Examinando o texto — Hebreus 6.4-6
A palavra grega adynatos (impossível), usada em Hebreus 6.4-6 como referência à impossibilidade de o apóstata arrepender-se novamente, ocorre dez vezes no Novo Testamento. Esse termo depõe contra a teoria de uma apostasia hipotética. O autor de Hebreus usa esse termo outras três vezes em sua carta. Em Hebreus 6.18, é usada para dizer que é impossível que Deus minta. A palavra aparece novamente em rs» ferência ao sistema levítico, descrevendo a impossibilidade de o sangue de animais remover os pecados (Hb 10.4). Finalmente, o autor ainda descreve como impossível alguém agradar a Deus sem o concurso da fé (Hb 11.6).28 Em todos esses textos, essa impossibilidade aparece de forma absoluta, como algo real, e não como uma mera hipótese. A lógica é simples: Seria possível Deus mentir? Não. Seria possível alcançar a libertação do pecado por meio do sacrifício de animais? Não. Seria possível um crente que, consciente e deliberadamente, renegou sua fé, tomando-se um apóstata, ultrajando o Espírito da Graça e crucificando novamente o Filho de Deus, expondo-o à vergonha, continuar sendo salvo? Não. O teólogo Richard S. Taylor observa que
“muitas páginas foram escritas na tentativa de abrandar a severidade dessa passagem ao minimizar e enfraquecer a experiência anterior destes apóstatas, fazendo parecer que foram apenas simpatizantes do evangelho sem, na verdade, terem se tomado pessoas regeneradas. Mas esse mero jogo de palavras não merece a atenção de um exegeta sério das santas Escrituras de Deus, e torna suspeita a premissa doutrinária que aceita tal desvio”.29
 M ais do que uma M era S uposição
O contexto da carta aos Hebreus mostra, de forma inequívoca, que o autor está descrevendo uma realidade factível e experimental. Reconhecidos expositores da Bíblia acreditam que o autor está retratando uma realidade possível, e não apenas uma situação hipotética. Comentando Hebreus 6.4-6, John Wesley escreveu:
"Aqui não é uma suposição, mas uma simples relação de fato. O apóstolo descreve o caso daqueles que lançaram fora tanto o poder como a forma da piedade; que perderam tanto a fé como a esperança e amor, Hebreus 6.10, etc., e isso intencionalmente, Hebreus 10.26. Desses que voluntariamente apostataram, ele declara que é impossível renová-los novamente ao arrependimento”.30
O teólogo I. Howard Marshal observa que “um estudo das descrições oferecidas aqui em uma série de quatro particípios (aoristo grego) sugere, de modo conclusivo, que uma experiência genuína está sendo descrita”31. Da mesma forma, A. T. Robertson destaca que “todos estes extremos são apresentados como verdadeiras experiências espirituais”.32 O autor, portanto, não estava supondo uma situação inexistente, irreal e que existia apenas subjetivamente sem qualquer implicação objetiva.
Provou, Experimentou e Participou
Os particípios gregos presentes em Hebreus 6.4-6 e que serão analisados a seguir mostram que o autor de Hebreus via esse perigo como algo real e sobre o qual se deveria tomar todos os cuidados.
 Um Iluminado não P ode Estar nas Trevas  
Tendo sido iluminado (particípio grego: photisthentas). Primeiramente, o autor de Hebreus mostra que o apóstata é alguém que anteriormente foi iluminado, mas renegou a sua nova vida em Cristo. O expositor Neil R. Lightfoot observa que essa iluminação é uma referência à conversão.33 De fato, o autor novamente usa esse mesmo termo em Hebreus 10.32 para referir-se à experiência da conversão: "Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos” (ARA).34 Aqui, o iluminado era alguém que se convertera e que, portanto, fazia parte da igreja. Por outro lado, o escritor Gerald F. Hawthome busca na patrística, e não no contexto imediato de Hebreus, que “iluminados” seria uma referência ao sacramento do batismo, e não à conversão. Do mesmo modo, ele defende que a expressão "provaram o dom celestial” significaria que os crentes sobre os quais o autor de Hebreus refere-se teriam participado da ceia.35 A fraqueza dessa tese é que ela exporta para dentro do texto sentidos que são estranhos ao mesmo. O expositor Leon Morris destaca que, embora o termo “iluminado” seja usado neste sentido no segundo século, esse é, todavia, um uso tardio. Segundo Morris, o termo é mais bem interpretado “à luz do uso geral pelo qual aqueles admitidos à fé cristã são trazidos para aquela luz que é 'a luz do mundo’ (Jo 8; 12; ver 2 Co 4.6, 2 Pe 1.19)”.36 Assim como Morris, o Comentário Bíblico São Jerônimo destaca que o entendimento mais natural é ver “iluminados” como uma referência à iluminação dada pela fé em Cristo (2 Co.4.6) e “provaram o dom celestial” como uma metáfora de provar a salvação trazida por Jesus (Rm 5.15; 2 Co 9.15).37 Esse sentido é visto também pelo expositor William Lane, que destaca: “essas pessoas [Hb 6.4-6] haviam testemunhado ‘o fato de que a salvação era a realidade inquestionável em suas vidas”’.38
 Provou, mas não Experimentou?
 Tendo provado do dom celestial (particípio grego: geusamenous). Em segundo lugar, o apóstata é alguém que renunciou a salvação e todas as bênçãos advindas dela.39 Essa expressão é tida pelos intérpretes como uma referência ao ingresso no corpo de Cristo, à igreja e à sua participação nela. Alguns expositores, na tentativa de negar a possibilidade do fracasso na fé mostrada nesse texto, procuram fazer uma diterença entre "provar” e "experimentar”. A ideia por trás é que essas pessoas descritas pelo autor de Hebreus, como já foi exposto anteriormente, não eram, de fato, crentes genuínos. Elas teriam tido alguma forma de experiência, mas não uma autêntica transformação. Alguns expositores argumentam que a palavra geusamenous (provado) é usada em Mateus 27.34 para mostrar que Jesus "provou" o vinagre, mas não o “bebeu”. Dessa forma, esses "crentes" também teriam "provado” a salvação, mas não se haviam tomado participantes dela. Todavia, essa exegese não fica de pé diante de Atos 20.11 e Hebreus 2.9, onde esses mesmos termos gregos revelam que "comer”, "provar” e "experimentar" são usados de forma intercambiável de acordo com a conveniência do contexto. Em Atos 20.11, por exemplo, lemos: "E, subindo, e partindo o pão, e comendo, ainda lhes falou largamente até à alvorada; e, assim, partiu”.40 Aqui, evidentemente, o pão foi "comido”, não apenas provado. De forma análoga, o texto de Hebreus 2.9 diz: "Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos”. Seria um contrassenso dizer que Jesus "provou”, mas não "experimentou" a morte.
Ruach HaKodesh — uma Bênção somente para Crentes
 Tendo se tomado participante do Espírito Santo (particípio grego: genethentas). Em terceiro lugar, os que podem cair da graça são aqueles que renunciaram a esse dom. É evidente que essa advertência só tem validade para os crentes regenerados, visto que ninguém pode tomar-se participante do Espírito Santo sem que antes nasça de novo (Jo 14.17; Rm 8.9). O expositor David H. Stem, na obra Comentário Judaico do Novo Testamento, destaca que “essa terminologia faz com que seja impossível que o autor esteja falando de pseudocrentes, porque apenas verdadeiros crentes se tomam participantes no Ruach HaKodesh" ,41
 Eusébio de Cesareia x Lucas
O biblista F. F. Bruce fez uma longa exegese procurando o real sentido da expressão “tendo se tomado participantes do Espírito Santo”.42 Como um exegeta competente e conservador, Bruce sabe que esse texto não pode ser visto apenas como um caso hipotético. Ele comenta:
“tem sido questionado se é possível que alguém — que tenha sido, em qualquer sentido real, um participante do Espírito Santo — cometa apostasia, mas nosso autor não tem nenhuma dúvida de que isso é possível”.43 A meu ver, Bruce acertou quanto ao sentido desse texto, não vendo no mesmo apenas um sentido hipotético. Todavia, ele usou um exempio inadequado na sua aplicação. Bruce toma Simão, o Mago (At 8), como exemplo de alguém que apostatou. Ao tomar Simão como um exemplo de um cristão apóstata, Bruce nivela-o com os falsos profetas citados por Jesus em Mateus 7.22, sobre os quais Jesus dissera nunca os ter conhecido.
 A dificuldade com essa tese é que ela choca-se com o argumento do autor da carta aos Hebreus, que afirma ser impossível renovar o apóstata para arrependimento (Hb 6.6), e Lucas diz que o apóstolo Pedro mandou Simão arrepender-se, que seria uma solicitação absurda se ele tivesse apostatado (At 8.22). De fato, o texto diz que Simão demonstrou disposição para corrigir seu erro quando foi repreendido por Pedro (At 8.24). Em palavras mais simples, o testemunho que ficou no Novo Testamento é do pedido de perdão de Simão, o que seria impossível para um apóstata fazer. Por outro lado, mesmo que Simão tivesse apostatado (como afirma Eusébio de Cesareia; Lucas nada diz sobre isso), esse fato não depõe contra a autenticidade de sua conversão.44 Lucas diz que "o próprio Simão abraçou a fé” (At 8.13, ARA), uma expressão que deve ser entendida como sinônima de conversão (no grego, o mesmo verbo para “crer”, pisteuô, é usado em relação a Simão e aos demais samaritanos (At 8.12,13)). Menge traduz como “assim igualmente Simão se tornou crente".45 Esse fato, portanto, demonstraria, sim, que um crente, mesmo tendo sido regenerado, pode vir a naufragar na fé, como atesta o autor de Hebreus. De fato, a palavra grega apôleia (destruição), que ocorre em Atos 8.20, é usada por Pedro antes que este exorte Simão ao arrependimento, o que demonstra que, se permanecesse nessa condição pecaminosa, Simão naufragaria na fé. Isso mostra que Simão enquadra-se mais no exemplo de um crente imaturo, até mesmo carnal, do que no perfil de um apóstata.
Simão x D emas
A meu ver, Bruce teria sido mais feliz se, em vez de Simão, tivesse posto Demas como um exemplo de crente que apostatou da fé. Em Colossenses 4.14, Paulo saúda calorosamente a todos os cristãos em nome de Demas. Em Filemom 24, Demas é identificado como cooperador de Paulo. Em 2 Timóteo 4.10, Paulo diz: “Demas me desamparou, amando o presente século [...]”. Mais uma vez, o contexto é determinante para o sentido de um vocábulo bíblico ser estabelecido. O termo "abandonar” (gr. enkataleipo) tem sua significação de acordo com o contexto. Tanto o léxico grego de Bauer como o de Thayer citam como exemplo de enkataleipo (“abandonar, desertar”) a passagem de 2 Timóteo 4.10, O sentido mais natural desse texto é o de que Demas desertou du fé porque amou a presente era. Ele apostatou! 1
Uma Bênção Antecipada –
Tendo provado a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro (particípio grego: geusamenos). Em quarto lugar, o apóstata é alguém que não apenas provou do dom celestial (v. 4), mas também provou da Palavra de Deus e das virtudes do século vindouro. O mesmo termo grego usado no versículo 4 para “provar”, “experimentar”, também é usado aqui no versículo 5. Eles não apenas “experimentaram", observa Charles Trenthan, mas também “descobriram a verdade da palavra de Deus. Eles experimentaram um antegozo do que era viver na eternidade".46 Mesmo assim, renegaram tudo isso. Essa sequência de particípios gregos demonstra, de forma inequí­ voca, como afirmou Adam Clarke, que “qualquer que seja a opinião que prevaleça, existe uma terrível possibilidade de afastar-se da graça de Deus”.47
 Indo até Raiz: a Voz dos Léxicos
O expositor W. W. Wiersbe, autor de um dos melhores comentários expositivos do Novo Testamento, argumenta contra os que creem na segurança condicional do crente, afirmando que a palavra grega apostasia não está presente no texto de Hebreus 6.4-6. Ele limita-se a dar uma breve descrição etimológica do verbo grego parapipto, que aparece nessa passagem, como sendo o de "cair ao lado”.48 Uma exegese mais aprofundada desse texto não pode limitar-se apenas a questões léxicas, como o faz Wiersbe, mas também procurar entender essa passagem no seu contexto etimológico, gramatical e contextuai. O verbo grego parapipto, usado nessa passagem, está no particípio aoristo, parapesontas. O léxico de Moulton deu como tradução para esse verbo em Hebreus 6.6 os sentidos de: cair, desertar.49 G. Abbott-Smith também traduz como cair.50 Bullinger, em seu léxico, também destacou esse sentido de "queda” como uma deserção.5' Dentre outros sentidos, Liddell e Scott destacam que esse verbo tem o sentido de “queda" e era usado também em referência a algo que foi perdido ou alguém que estava numa “situação de infortúnio".52 A Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego destaca que seu sentido, dentre outros, é o de renegar.53 Esse sentido de "queda", como um desvio e abandono de um relacionamento antes estabelecido, é visto no léxico grego de Friberg.54 Friberg destaca que esse sentido passa a ser usado figurativamente no Novo Testamento como sendo: “afastar-se, cometer apostasia" 55 Semelhantemente, os léxicos de Gingrich, Barclay e Newman traduzem, respectivamente, esse "cair” como um "apostatar.56 O clássico léxico de Bauer, dentre outros significados, também define parapipto como "apostatar” 57 De forma análoga, o léxico analítico de Mounce traduziu parapipto como “rebelar-se contra, apostatar”.58
Toda essa variação léxica mostra que essa palavra possui um peso semântico muito mais amplo do que lhe atribui Wiersbe. Parapipto, portanto, não é apenas um “cair ao lado”, mas também um desvio, uma quebra de relacionamento, uma deserção, uma rebelião, uma queda; enfim, uma apostasia.
Escribas e Massoretas
Os fatos mostram, portanto, que o entendimento do vocábulo parapipto passa necessariamente por uma análise léxica, mas não pode limitar-se a isso. O contexto no qual ele é usado em Hebreus é determinante. 0 pano de fundo contextuai do autor de Hebreus é a Septuaginta grega.59 É um consenso entre os eruditos que é dessa tradução que o autor extrai a maior parte de suas citações. A obra Zondervan Illustrated Bible Backgrounds Commentary destaca que “o verbo usado em Hebreus 6.6, usado somente aqui no Novo Testamento, ocorre em contexto na Septuaginta nos quais a infidelidade está em vista (e.g. Ez 14.13; 15.8)".60De fato, na tradução dos LXX, parapipto é usado no contexto onde o seu sentido é o de “cair em transgressão” (parapeseinparaptoma, Ez 14.13) e (parapesonparaptomati, Ez 15.8).61 No contexto dessas passagens bíblicas, Deus promete “eliminar” e "consumir” os que cometeram graves transgressões contra Ele.62 O julgamento seria dado de forma tão dura que nem mesmo a intercessão de Noé, Daniel e Jó, homens reconhecidos pela sua piedade, poderia reverter a sentença divina (Ez 14.14;20).63 Os lexicógrafos Jenni e Westermann destacam os vários usos desses termos na versão dos LXX, especialmente o seu equivalente hebraico mais comum, maal. De acordo com Jenni e Westermann, "a Septuaginta emprega mais de uma dúzia de palavras gregas para traduzir maal, destacando que os tradutores são consistentes no uso de suas traduções. Ezequiel normalmente usa maal com o sentido de transgredir”. 64 Esse “transgredir" ou “cair em transgressão" de Ezequiel 14.13, onde parapipto é usado, recebe o sentido de apostatar no léxico grego da Septuaginta de Lust-Eynikel-Hauspie. 65 Esse significado de apostasia para o verbo grego parapipto fica mais claro no clássico léxico de Thayer, que o traduziu com o sentido de "cair da verdadeira fé”.66 Thayer destacou ainda o fato de que, em Ezequiel 14.13 e 15.8, a versão dos LXX usou parapipto para traduzir o hebraico ma‘al. No texto massorético, o vocábulo hebraico maal aparece em vários contextos.67
O linguista judeu Em est Klein destacou que, etimologicamente, esse termo vem de uma raiz hebraica cujo sentido é o de "cobrir" e passou a significar "agir infielmente, comportar-se traiçoeiramente”.'’* O léxico hebraico de Schokel destaca os vários sentidos que esse termo assume; por exemplo, traição, infidelidade, deslealdade, felonia, aleivosia, perfídia, rebeldia, delito.69 O léxico de Koehler & Baumgartner destaca as três dimensões nas quais esse vocábulo é usado: coisas, pessoas e Deus.70 Robin Wakely observa que, “na maioria esmagadora dos casos, o objeto de ma‘al é Deus. Josué 7.1 é a única passagem em que a referência linguística não é a pessoas ou a Deus (diretamente), mas alguma coisa (proibição), embora essa coisa represente o relacionamento divino-humano”.71 O sentido de maal, portanto, é usado para especificar os aspectos de uma relação que foi quebrada entre Deus e o homem. Dessa forma, o léxico de hebraico bíblico de A. B. Davidson traz como significados os termos “perversidade, traição, pecado contra Deus”.11 A natureza negativa desse relacionamento, observa o hebraísta R. Laird Harris, é evidenciada quando o homem comete ofensa contra o Senhor.73 O Dicionário Vine destaca esse aspecto, que são revelados tanto pelo verbo como pelo substantivo hebraico. "O verbo e o substantivo têm implicações fortemente negativas que o tradutor tem de transmitir (Ez 14.13)’’.74 O exemplo que demonstra isso é a morte de Saul, quando este caiu em transgressão contra Deus (1 Cr 10.13). Por outro lado, o hebraísta William Gesenius e os lexicógrafos F. Brown, S. Driver e C. Briggs destacam as consequências desse agir negativo: um julgamento severo para aqueles que agiram infiel e traiçoeiramente nas coisas que deveriam ser devotadas a Deus.7,5
Observa-se, portanto, que os termos “cair”, “desviar”, "afastar”, “renegar”, “desertar”, “pecar” e as expressões “cair em transgressão", “cometer ofensa contra Deus” e “cair da verdadeira fé", etc., dentro dos seus respectivos contextos, são perfeitamente entendidas como referências a uma queda ou apostasia, tanto no texto hebraico como no grego do Antigo Testamento.
A Terceira Via  
As evidências demonstram inquestionavelmente que o texto de Hebreus descreve uma situação de afastamento, de abandono e queda da fé. Todavia, alguns autores não se dão por satisfeitos com essa direção que o texto conduz. Eles têm procurado uma rota alternativa. O escritor Hal Harless, por exemplo, não crê que o autor esteja falando de uma situação hipotética nem tampouco sobre uma apostasia entre crentes. Harless, que, a meu ver, produziu uma excelente pesquisa e argumentação sobre o tema, procura evitar a polarização que esse assunto ganhou dentro das duas principais escolas teológicas do protestantismo histórico. Harless, portanto, é um daqueles que está à procura de uma terceira via.
 A análise de Harless mostra que o texto está, de fato, referindo-se a uma situação real e de verdade entre crentes; todavia, não estaria falando de uma apostasia. Segundo ele, o pecado dos hebreus revelaria mais uma situação pecaminosa temporária cometida por crentes imaturos do que uma apostasia — algo como um tropeço apenas. Ele argumenta que o texto estaria dizendo que, enquanto os crentes hebreus continuassem praticando ou participando do sistema levítico de sacrifícios, eles estariam pecando e, nessa condição, estariam sujeitos à disciplina divina.76
Harless argumenta:
 “Hebreus 6.1-9 refere-se aos cristãos que pecam, não que apostatam, ensinando o perigo da imaturidade contínua. Devemos avançar para a maturidade, uma vez que a renovação ao arrependimento é impossível enquanto re-crucificarmos Cristo por retornarmos ao sistema sacrificial do Antigo Testamento. Além disso, o texto ensina um perigo real de disciplina divina para corrigir o nosso pecado e preparar-nos para boas obras. Contudo, Hebreus nunca ameaça os crentes com a ausência ou perda da salvação”.77
De acordo com Harless, essa situação mudaria se eles abandonassem aquela prática e voltassem a Cristo. Ele argumenta que, tanto no grego clássico como na Septuaginta e também no koiné, o termo parapipto não significaria apostatar, mas somente pecar, no sentido de desvio ou tropeço. Ele cita alguns exemplos, tanto da literatura bíblica como secular, onde supostamente ficaria demonstrado esse uso (por exemplo: Et 6.10; 1 Clemente; Josefo e muitos comentaristas modernos). Entretanto, Harless pareceu-me seletivo, pois ignorou ou desqualificou obras léxicas de peso que possuem argumentação diferente da que ele adota, como, por exemplo, os clássicos léxicos de Walter Bauer e Joseph Thayer.78 Harless argumenta que algumas dessas obras, supostamente sem justificativa alguma, traduziram as ocorrências de parapipto na Septuaginta como tendo o sentido de uma apostasia. Segundo ele, o sentido de “pecar” deveria prevalecer. De fato, Harless tem razão quando diz que as ocorrências de parapipto na Septuaginta possuem primeiramente, como vimos, o sentido de cometer transgressão, pecar, falhar ou desviar.19 Esse fato é facilmente perceptível no léxico de T. Muraoka, que se limita ao uso do vocábulo parapipto na versão dos Setenta.80 Nesse aspecto, parapipto nem sempre possui o sentido de apostasia. Mesmo assim, o contexto nunca deve ser perdido de vista. Isso pode ser percebido no léxico grego de Liddell e Scott, que traduziu parapipto em Hebreus 6.6 como “cair” (fallaway), e o termo grego apostasia, em 2 Ts 2.3, com o sentido de uma rebelião contra Deus, uma apostasia. 81 Já ficou demonstrado aqui que apostasia (2 Ts 2.3) deriva de aphistemi, sendo também traduzido como "cair” (fallaway) em Hebreus 3.12 (veja Bauer). Em outras palavras, parapipto (Hb 6t#) e apostasia (Hb 3.12) são termos que aparecem como sinônimos no contexto neotestamentário de Hebreus.82
Dentro da hermenêutica bíblica, as análises léxico-gramaticais são fundamentais; todavia, o juiz de qualquer princípio léxico-gramatical é o contexto.83 O expositor John B. Taylor, comentando Ezequiel 14.13, destaca que o significado do verbo hebraico usado aqui é "agir traiçoeiramente” na quebra de uma aliança solene. Nesse aspecto, ele lembra que “é empregado para o pecado de Acã com relação às coisas condenadas (o herem, Js 7.1) e ao ato adúltero de uma esposa (Nm 5.12), sendo que os dois incorriam na pena de morte. O significado, aqui, diz respeito, de modo semelhante, a um pai que, pela sua infidelidade, merece o castigo máximo”.84 Que ‘‘grave transgressão” era essa que merecia a pena máxima? Os hebraístas Keil e Delitzsch, no clássico Commentary on the Old Testament, afirmam tratar-se da apostasia. Esses autores destacam que, em Ezequiel 14.13, o vocábulo hebraico ma‘al, que, nessa passagem, foi traduzido por parapipto na Septuaginta, possui inquestionavelmente o sentido de apostasia. Eles observam que, ali, esse termo significa literalmente "cobrir, significando agir de maneira secreta ou traiçoeira, ou reter o que lhe é devido. Na passagem diante de nós, é a traição da apostasia contra Deus através da idolatria praticada”.85
O contexto, portanto, é determinante para que se tenha uma tradução apropriada e também se a referência é usada em relação a Deus. Mesmo sendo usada em relação a Deus, o contexto é o que determinará se se trata de uma apostasia ou não.86
 Quando me refiro ao contexto aqui, não o limito apenas ao Antigo Testamento, mas também ao Novo Testamento, que é uma interpretação fidedigna daquele. Quando se observa os contextos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, fica bastante claro que as expressões cometer transgressão, cair em transgressão (que ocorrem em Ezequiel 14.13, 15.8) e caíram (em Hebreus 6.6) possuem o sentido de cair da verdadeira fé. Os léxicos, portanto, corretamente traduziram parapipto como apostasia e associaram-na a Hebreus 6.6, onde esse vocábulo possui o mesmo sentido.87 Em Hebreus, sem sombra de dúvida, o seu sentido é de uma queda da fé sem, contudo, oportunidade de retorno! De fato, o Léxico Grego-Português do Novo Testamento - Baseado em Domínios Semânticos, dos autores Johannes Louw e Eugene Nida, deu a seguinte definição para parapipto: "Abandonar um relacionamento ou uma associação que se tinha anteriormente ou dissociar-se (um tipo de reversão do ato de começar a associar-se) - “afastar-se, cair, abandonar”. Parapesontas, paíinanakainizein eis metanoian, “depois que caíram, (é impossível) trazê-los de volta a um novo arrependimento (Hb 6.6)”.
88 Etimologicamente, portanto, as evidências semânticas e contextuais demonstram uma queda da fé sem oportunidade de arrependimento.
Esses fatos acabam implodindo a tese de uma "queda temporária", como quer Harless, e, sem dúvida alguma, também desestrutura o “pecar sem apostatar”, como sugere Michaelis. De acordo com Michaelis, de quem Harless aproxima-se muito, os exemplos da ocorrência de parapipto, tanto na LXX como no NT, mostrariam que o que está em questão é a culpa de um erro ou pecado, e não de uma apostasia. Segundo ele, embora o significado deparapipto tenha sido traduzido como "cair”, no sentido de apostatar, como indica Hebreus 3.12, onde o verbo apostenai é tomado como sinônimo, todavia argumenta ser mais apropriado traduzi-lo como "ofender”, “pecar”, em vez de “apostatar", como o faz a Septuaginta.89 Em palavras mais simples, o que o autor de Hebreus estaria descrevendo é um “pecar sem apostatar”. A suposta razão que justificaria esse entendimento, argumenta Michaelis, é que não há uma referência clara a uma ofensa específica em Hebreus.
 A fraqueza dessa tese, como já ficou demonstrada, é que ela é semanticamente imprecisa e vai em direção contrária àquilo que diz o contexto de Hebreus. A exortação do autor é exatamente no sentido de que quem voltasse atrás naquilo que o autor estava advertindo não teria mais como voltar. “O autor de Hebreus”, destaca o Dicionário Bíblico Tyndale, “referiu-se aos que haviam crido e então abandonado a fé como estando em uma situação sem esperança — sem nenhuma possibilidade de arrependimento futuro (6.1-6)”.90 Aqui, não há uma ideia de alguém “pecar sem apostatar” e nem tampouco de uma "queda temporária”. Deve-se observar ainda que a argumentação de Michaelis, à semelhança de Harless, esbarra no contexto da tradução dos LXX em Ezequiel 14.13 e 15.8 e de Hebreus 6.4-6 e 10.29. O contexto dessas passagens mostra que, mesmo trocando ''apostasia" por "pecado", o sentido é o de um "voltar atrás" ou de uma queda. À luz do contexto de Hebreus, tanto faz "pecar" como "apostatar”, quando o que de fato está em relevo é o perigo de cair da graça de uma forma definitiva, e não apenas temporária. Observa-se também que a tese do "pecar sem apostatar” é falha por subjetivar demasiadamente os pecados citados, tanto na versão dos LXX como na carta aos Hebreus. O autor de Hebreus mostra uma exortação específica, objetiva e enfática, não somente nos textos de Hebreus 3.12 e 6.6, mas também em 10.29: “De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?". Nesses textos, portanto, o pecado é tratado de forma concreta, e não subjetivamente.
À luz do contexto de Hebreus, especialmente em relação às referências do profeta Ezequiel, é sensato concluir que a apostasia, como uma queda da verdadeira fé, era a imagem que o autor de Hebreus tinha em mente quando redigiu seu texto.91 O uso do mesmo termo grego,parapipto, tanto pelo profeta Ezequiel (14.13; 15.8) quanto pilo autor de Hebreus (6.6), postos em contextos onde a falta de fidelidade está em evidência, deixa esse fato em relevo. Ezequiel denuncia a idolatria como um cair em pecado, um abandono de Deus e uma grave transgressão contra o Senhor. Enfim, uma queda da fé e, sem dúvida alguma, como observaram Keil e Delitzsch, uma apostasia. É exatamente sobre o perigo da apostasia que o autor de Hebreus também está preocupado. Ele adverte seus leitores sobre os perigos de afastar-se do Deus vivo (Hb 3.12); de cair da fé verdadeira (Hb 6.6) e de ser submetido a um juízo severo (Hb 10.26-29). É relevante o fato de que, em Hebreus 3.12, o autor usa a palavra grega apostasia para advertir seus leitores sobre o perigo da queda da fé. Seria ilógico imaginar que, em Hebreus 3.12, o autor estivesse se referindo à apostasia, como, de fato, está, e, em Hebreus 6.4-6 e 10.29, onde a exortação é, sem sombra de dúvidas, muito mais severa que em Hebreus 3.12, ele estivesse tratando de algo menos grave.
 Dando Voz à Gramática
Gramaticalmente, com o particípio aoristo, parapipto (parapesontas), que ocorre em Hebreus 6.6, mantém o sentido de: tendo caído de uma forma completa ou definitiva.92 R. T. Kendall, mesmo crendo na perseverança dos santos, foi fiel ao texto e deu tradução semelhante, justificando: “parapesontas é um particípio aoristo, que é traduzido como ‘caíram’ ou 'tendo caído’. Sua queda foi um fato".93 Grant Osborne destaca que "praticamente todos os comentaristas recentes admitem que isto deve ser apostasia final, a rejeição absoluta de cristo”.94 O biblista F. F. Bruce, ao comentar Hebreus 6.4-6, destaca que o contexto é determinante para uma compreensão correta do sentido de parapesontas nessa passagem bíblica. Em posição oposta à que é defendida por Wiersbe, Bruce observa que "não é o seu significado radical, senão seu contexto o que indica que se refere aqui a apostasia — o mesmo pecado expressado por apostenai (apostasia) no capítulo 3.12”.95 Esse também é o entendimento que se observa na redação da obra A Readers Greek New Testament, que traduziu apostenai (Hb 3.12) como "desviar”, "cair", "rebelar", e parapesontas (Hb 6.6) como "cair", "apostatar".96
0 “ S e” Ausente
Esse tom exortativo e vigoroso de Hebreus 6, como vimos, tem soado demasiadamente forte para alguns intérpretes. Isso tem feito alguns deles tentarem suavizá-lo de todas as formas. Uma dessas tentativas é achar um sentido condicional para o particípio grego parapesontas e também a inserção da partícula condicional "se" (se caírem) no texto, para amenizar o sentido desse verbo.97 O escritor Kenneth Wuest argumenta, sem evidência textual nenhuma, que, no texto, existe
“um particípio condicional, um caso hipotético apresentado”.98Essa, porém, é uma excrescência que não conta com o apoio da crítica textual. O aparato crítico de Bruce M. Metzger não traz variante textual alguma sobre esse suposto “se”.99 A The NKJVStudy Bible, editada por Earl D. Radmacher, destaca que "alguns traduzem este verbo na condicional. A ausência da forma condicional no texto grego constitui um argumento contra a interpretação ‘hipotética’ desta passagem (v. 4). Recair se refere aqui a uma apostasia deliberada (3.12), uma deserção da fé’’.100
O reformador Teodoro de Beza (1519-1605), sucessor de João Calvino, introduziu arbitrariamente no texto a condicional “se”, que não aparece no original, para tentar forçar o texto a ajustar-se à sua forma de crer. Na sua versão do Novo Testamento em latim, lemos: “Si prolabantur, denuorenoventur ad resipiscentiam; ut quirursum crucifigantsibi Filium Dei, et ignominiae exponant". 101 Posteriormente, tanto Adam Clarke como Mcnight, teólogo reformado, criticaram Beza por essa interpolação.102 Mcnight destacou que
"os tradutores para a língua inglesa, seguindo Beza, o qual, sem autoridade nenhuma de manuscritos antigos, inseriu em sua versão a partícula se, traduziram essa expressão como se eles caírem, para não parecer que o texto contradizia a doutrina da perseverança dos santos. Como, porém, nenhum tradutor deveria tomar a si o adicionar ou alterar as Escrituras, por causa de qualquer doutrina predileta, traduzi parapesontas no passado, tendo caído, segundo o verdadeiro significado da palavra”.103
 Os anos passaram, e Charles Spurgeon (1834-1892), o príncipe dos pregadores, foi induzido ao erro ao valer-se desse “se” para justificar que o texto falava de uma situação hipotética.104 O escritor R. T. Kendall destacou que
“Charles. H. Spurgeon acreditava que aqueles descritos em Hebreus 6.4-6 eram obviamente salvos, mas a situação apresentada era hipotética. Spurgeon construiu toda a sua tese na pequena palavra ‘se’ - ‘se eles caírem’ (Hb 6.6). Spurgeon afirmou que isso ainda não tinha acontecido. Infelizmente, Spurgeon não conhecia grego e ele não sabia que não hâ ‘se’ no grego, em absoluto”.
105
Um a Tradução Equivocada
 Essa interpolação, que tem gerado esse equívoco exegético, ainda hoje está presente em algumas traduções da Bíblia. A conceituada Bíblia Nova Versão Internacional, em sua edição em inglês, colocou esse “se” inexistente no texto de Hebreus 6.6: “Ifthey fallaway, to be brought back to repentance, becouse to their loss they are crucifying the Son o f God ali over again and subjecting him public disgrace".106 Em tempo mais recente, Dave Hunt (1926-2013), considerado um dos maiores apologistas evangélicos, também à semelhança de Spurgeon, valeu-se desse "se”, que nunca existiu, para justificar uma suposta segurança incondicional do crente.107 Hunt escreveu: “Claramente aqueles a quem esta passagem se refere são crentes genuínos. Além disso, não diz ‘quando eles caírem’, mas ‘se eles caírem”’.108 O biblista Grant Osbome, respeitado hermeneuta contemporâneo, criticou a Nova Versão Internacional por fazer essa interpolação da partícula "se” no texto, forçando o versículo a possuir um sentido condicionante (Se eles caírem). Osbome observa que: "A NVI está errada em traduzir o particípio paralelo final como ‘se eles caírem'".m Osbome ainda observa que, posteriormente, os revisores americanos (não aparece na NVI em português) retiraram do texto essa partícula, mas colocaram-na estrategicamente em uma nota de rodapé.
Seguindo a análise de J. A. Sproule e Daniel B. Wallace sobre o uso do particípio aoristo parapesontas em Hebreus 6.6, Hal Harless observa, acertadamente, que
: "Uma condicional de segunda classe tomaria isso claro, mas no grego não há nenhuma condição em absoluto. O texto tem um particípio adjetival de parapiptõ (“caíram, Hebreus 6:6). Este particípio não pode ser condicional, já que seu artigo de controle o tom a adjetival ao invés de adverbial”.110
De fato, o gramático Daniel B. Wallace argumenta contra a condicionalidade do particípio grego parapesontas em Hebreus 6.6, destacando que essa suposta condicionalidade é uma suposição sem provas. Dessa forma, Wallace observa que Hebreus 6.6 deve ser traduzido como: “É impossível restabelecer novamente ao arrependimento esses que foram uma vez iluminados... e caíram”.111
Firmes em Cristo, porém Sempre Alerta!
Como foi dito no início deste texto, o autor de Hebreus quer ver em seus leitores ânimo, esperança e fé em tempos de apostasia. Ele tem convicções espirituais fortes, mas não via essa mesma convicção em seus leitores. Foi preciso ele dar um tratamento de choque, um grito de alerta, para acordar seus leitores. Porém, quando fez isso, ele não estava encenando. A queda da fé era uma possibilidade a ser considerada com toda a seriedade. Consciente de que fora duro em sua exortação, o autor dá a eles uma palavra de ânimo: "Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos” (Hb 6.9).
Alguns comentaristas apegam-se ferrenhamente a esse texto como uma última tentativa para negar a possibilidade do fracasso espiritual relatado em Hebreus 6.4-6. Eles argumentam que, nessa passagem, estaria a prova de que tudo o que o autor descreveu sobre a queda na fé não passa de mera suposição. No entanto, se esse fosse o caso, como já destacou Leon Morris em outros termos, tudo o que o autor usou como alerta para seus leitores até aqui não passaria de encenação, e todas as advertências seriam resumidas a uma farsa. O texto, porém, está longe disso. O autor não está levantando hipótese alguma, mas, sim, tratando de uma realidade extremamente séria: o perigo de cair da graça. Grant Osbome, irt loco, observa que essas palavras do autor de Hebreus
"não justificam uma visão hipotética da apostasia, como se o perigo fosse afirmado apenas como um meio de estimulá-los a perseverar, mas que nunca poderia acontecer. O perigo é muito real, mas o autor encoraja-os com uma declaração positiva sobre a sua verdadeira posição em relação a Cristo”.112
A Salvação É pela Graça, mas não É Compulsória
Depois dessa análise exegética, duas coisas ficam em relevo. Em primeiro lugar, a teoria que tentou converter o texto de Hebreus 6.4-6 em um caso meramente "hipotético” não se sustenta. Para firmar-se, essa teoria passou a depender de uma obra de engenharia teológica muito grande, edificando-se sobre fundamentos léxicos e gramaticais inexistentes no texto. Sua principal coluna de sustentação, uma suposta condicionalidade do texto, foi demolida pela redação original do Novo Testamento. Por outro lado, aqueles que defendem que o texto refere-se a "réprobos" não conseguem explicar por que esse "não-salvo”, que nunca foi regenerado e que permanece nos seus delitos e pecados tenha tido os mesmos privilégios que são reservados exclusivamente aos salvos. Por que Deus permitiria a esse “não-salvo” receber da parte dEle “iluminação”, “provar do dom celestial”, “participar do Espírito Santo” e "experimentar a Palavra de Deus e os poderes do mundo viu douro" para, logo em seguida, ter que jogá-lo no Inferno? Da mesm» forma, a tese que tenta “retirar" a apostasia do texto de Hebreus 6.4-i enfrenta problemas contextuais e semânticos insuperáveis. A própria carta aos Hebreus usa esse termo apostasia em Hebreus 3.12, e os eruditos destacam que o termo grego parapipto usado em Hebreus 6.4- 6 deve ser visto como sinônimo de apostasia que ocorre em Hebreus 3.12 (veja Bruce). Da mesma forma, não há como negar que Hebreus 10.26-29 é uma referência clara àquilo que o autor descreveu em Hebreus 3.12 e 6.4-6, isto é, a queda da fé. De fato, Richard C. Trench, em seu clássico Synonyms o f the New Testament, destaca que Hebreus 6.6 "é equivalente ao ekousiôshamartánein de 10.26, ao apostenai apo Theouzontos de 3.12”.113
Em segundo lugar, convém destacar que a linguagem sobre a segurança do crente encontrada em Hebreus não destoa daquela encontrada em outras Escrituras do Novo Testamento. A salvação é pela graça, mas não é compulsória. Somos eleitos no Filho de Deus, mas cabe a nós respondermos à obra santificadora do Espírito Santo (Ef 4.30). Nossa salvação está condicionada a nossa obediência e permanência em Cristo (Cl 2.6). Quem está em Cristo está seguro da vida eterna (1 Jo 1.7; 2.24,28), mas não há segurança alguma para quem se afasta dEle. Esse é o testemunho do autor de Hebreus e dos apóstolos em Gálatas 5.4 e também em 2 Pedro 2.20-22.
Esses fatos estão sintetizados na Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil, que diz:
 “Rejeitamos a afirmação segundo a qual 'uma vez salvo, salvo para sempre’, pois entendemos à luz das Sagradas Escrituras que, depois de experimentar o milagre do novo nascimento, o crente tem a responsabilidade de zelar pela manutenção da salvação a ele oferecida gratuitamente: 'Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo’ (Hb 3.12). Não há dúvidas quanto à possibilidade do salvo perder a salvação, seja temporariamente ou eternamente. Mediante o mau uso do livre arbítrio, o crente pode apostatar da fé, perdendo, então, a sua salvação: ‘Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá’ (Ez 18.24). Finalmente, temos a advertência de Paulo aos coríntios: 'Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia’ (1 Co 10, 12). Aqui, temos mencionada a real possibilidade de uma queda da graça. Assim, cremos que, embora a salvação seja oferecida gratuitamente a todos os homens, uma vez adquirida, deve ser zelada e confirmada”.114


A carta aos Hebreus recebeu os mais diversos predicados ao longo dos tempos. Para muitos, por ser um compilado de todas as doutrinas do evangelho, é a epístola mais importante. Em um período em que a igreja brasileira sofre uma profunda transformação negativa, o pastor José Gonçalves debruça-se sobre os ensinamentos das cartas aos Hebreus para trazer-nos uma reflexão teológica que promete ser um importante aliado contra a ameaça que ronda de perto a vida de todo verdadeiro cristão: A apostasia. Em A supremacia de Cristo, o autor busca fomentar a nossa fé, esperança e ânimo para que nos levantemos e vençamos a cultura secular que tanto prejudica a igreja brasileira.
José Gonçalves é pastor, graduado em Teologia pelo Seminário Batista de Teresina e em Filosofi a pela Universidade Federal do Piauí. 
É presidente do Conselho de Doutrina da Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Piauí e vice-presidente da Comissão de Apologética da CGADB.
 Além de comentarista das revistas de Escola Dominical da CPAD, é também articulista e autor dos livros: As Ovelhas também Gemem, Porção Dobrada, Por que Caem os Valentes, 
A Prosperidade à Luz da Bíblia e Defendendo o Verdadeiro Evangelho, todos editados pela CPAD.

Deus os abençoe !

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