quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Lição 9 Contrastes na Adoração da Antiga e Nova Aliança






N
 este capítulo, o autor continua sua argumentação acerca da superioridade de Jesus sobre o antigo sistema levítico, pondo aqüi em destaque o santuário terrestre em contraste com o celestial. Nesta seção, que tem início aqui e estende-se até Hebreus 10.28, o autor contrastará a adoração levítica com a adoração cristã.
        "Ora, também o primeiro tinha ordenanças de culto divino e um santuário terrestre" (v. 1). Visto o autor já ter discorrido sobre o antigo pacto na seção anterior, o termo “aliança” ou "pacto” está subentendido nesse versículo, embora não conste no texto grego. O seu argumento põe em relevo a superioridade de Cristo, ministro da Nova Aliança, com o antigo sistema levítico, pertencente à Antiga Aliança. Tanto na Antiga como na Nova, o alvo do culto é a adoração. Isso é percebido na expressão dikaiomata latreias (culto divino), onde o termo latreo é frequentemente usado nas Escrituras com referência à adoração. A intenção do autor é chamar a atenção para a natureza dessas duas alianças — uma com seu sistema de adoração terrena, e a outra com uma adoração espiritual. A palavra grega kosmikon, traduzida como “deste mundo" ou “terrestre”, não tem conotação moral aqui, mantendo o sentido daquilo que pertence a esta esfera física.1 O antigo Tabernáculo, mesmo com toda a sua estrutura, pertencia a essa dimensão.
       "Porque um tabernáculo estava preparado, o primeiro, em que havia o candeeiro, e a mesa, e os pães da proposição; ao que se chama o Santuário" (v. 2). A Antiga Aliança possuía seu santuário terrestre e seu ritual litúrgico com os elementos formadores do culto e da adoração. Aqui, o autor usa o termo grego skené {tenda) para referir-se aos dois compartimentos do Tabernáculo — o santo lugar e o Santo dos Santos. O expositor Neil R. Lightfoot observa que "desde que os dois compartimentos eram separados por uma cortina, o autor fala deles como de duas tendas distintas”.2 Na descrição do autor, no primeiro compartimento, estava o candeeiro, também conhecido como menorah, e a mesa, onde ficavam os pães da proposição (Êx 25-26). O candeeiro era feito de ouro, possuía sete braços e era posto junto à parede do lado sul. O candeeiro era a única fonte de iluminação do santuário e devia permanecer sempre com suas lâmpadas acesas, o que é visto como um símbolo da iluminação do Espírito Santo. Do lado oposto, f icava a mesa com os 12 pães da proposição, que era uma alusão às 12 tribos de Israel e representava a divina provisão de Deus. Esses pães eram trocados aos sábados, sendo os antigos comidos pelos sacerdotes, e, em seu lugar, recebiam a reposição dos novos pães. Esses pães são tidos pelos estudiosos como um tipo de Cristo e a provisão que Ele trouxe para seu povo.

        “Mas, depois do segundo véu, estava o tabernáculo que se chama o Santo dos Santos” (v. 3). O autor prossegue com sua descrição do Tabernáculo. Vimos que ele usa a palavra “tabernáculo" para referir-se tanto ao "santo lugar”, como sendo o primeiro Tabernáculo, e ao "Santo dos Santos", como sendo o segundo Tabernáculo. Na sua descrição, o "Santo dos Santos”, ou o segundo Tabernáculo, estava depois do segundo véu. O Santo dos Santos era o local mais sagrado do Tabernáculo. Aqui, ele fala do "segundo véu” porque havia um "primeiro véu" na entrada do Tabernáculo. É esse segundo véu, um símbolo da separação entre o homem e Deus, que se rasgou quando Jesus morreu na cruz do Calvário.
       "Que tinha o incensário de ouro e a arca do concerto, coberta de ouro toda em redor, em que estava um vaso de ouro, que continha o maná, e a vara de Arão, que tinha florescido, e as tábuas do concerto" (v. 4). Na descrição dos utensílios que faziam parte do segundo Tabernáculo (ou Santo dos Santos), o autor põe o incensário de ouro e a arca do concerto. Uma das coisas de fácil percepção para um leitor atento é que o autor parece não seguir a descrição veterotestamentária quando descreve os utensílios que faziam parte do Santo dos Santos. Por exemplo, ele põe o altar do incenso como sendo um dos utensílios do Santo dos Santos. A meu ver, uma das melhores explicações desse texto foi dada pelo erudito Neil R. Lightfoot.
       Primeiramente, a confusão existe por causa de uma má interpretação da palavra grega thymiaterion, que passou a ser traduzida como "incensário”, em vez de “altar do incenso".3 Desde que a vulgata latina e a peshitta, antiga tradução siríaca, traduziram thymiaterion como sendo uma referência ao incensário, muitas outras traduções fizeram o mesmo. Alguns intérpretes tentam justificar essa aparente discrepância argumentando que o autor referia-se ao incensário usado por Arão no dia da Expiação (Lv 16.12-13). Todavia, esse incensário não fazia parte dos utensílios do Santo dos Santos e nem era guardado lá, visto que o sumo sacerdote precisava usá-lo para levar brasas do altar para o Santo dos Santos.
       Em segundo lugar, o equívoco ocorre por causa da localização imprecisa desse altar dentro do Tabernáculo. Como vimos, na descrição do autor, o altar do incenso parece ser posto como sendo utensílio do Santo dos Santos. Entretanto, segundo o relato de Êxodo 30.6, o altar do incenso estava posto “diante do véu que está diante da arca do Testemunho”. Dessa forma, a descrição do Êxodo põe o altar do incenso no "santo lugar” em vez de no “Santo dos Santos", como faz o autor de Hebreus. É improvável e até mesmo impossível o autor não ter consciência desse fato, pois ele sabia que, se o altar do incenso estivesse dentro do Santo dos Santos, os sacerdotes comuns teriam que entrar repetidamente nesse recinto para oferecer sacrifícios, o que não era permitido (Lv 16.2). De acordo com o livro de Êxodo, o altar do incenso ficava estrategicamente diante do véu para que sua fumaça penetrasse no Santo dos Santos.
        A aparente discrepância desaparece quando somos informados pelo relato bíblico de que o sumo sacerdote, no dia da Expiação, fazia uma expiação anual sobre o altar do incenso (Êx 30.10).
       Esse fato fazia que o altar do incenso e o Santo dos Santos ficassem ligados por esse importante rito. Isso justifica a explicação do autor, que, ao referir-se ao segundo Tabernáculo (ou Santo dos Santos), disse que ao mesmo "pertencia o altar de ouro para incenso", em vez de ter dito "no qual estava o altar de ouro do incenso e a arca do concerto". Noutras palavras, devido à sua proximidade com o Santo dos Santos, separado deste apenas por uma cortina, o altar do incenso, que não estava no interior do mesmo, passava a pertencer ao santuário mais interior pelo vínculo estabelecido pelo ritual da expiação anual. Os expositores A. B. Bruce, A. B. Davidson, Wescoot, dentre muitos outros, veem apoio léxico para essa explicação. A expressão "tinha", usada no versículo 4, traduz o termo grego echousa e é melhor traduzida como “pertencia”. Por outro lado, no versículo 2, a expressão "em que havia", que traduz os termos gregos era he, é melhor traduzida como "onde estavam". Em palavras mais simples, o autor afirma categoricamente no versículo 2 que determinados utensílios fazem parte do primeiro compartimento do Tabernáculo, isto é, o santo lugar. Por outro lado, quando se refere ao altar do incenso, o autor não afirma isso, mas, sim, que o mesmo passava a pertencer, devido à importância do ritual da expiação ao segundo Tabernáculo, isto é, o Santo dos Santos.4
       “E sobre a arca, os querubins da glória, que faziam sombra no propiciatório; das quais coisas não falaremos agora particularmente" (v. 5). Esse versículo é uma continuação da exposição que o autor fez no versículo 4. Esse termo é frequentemente usado no contexto da Bíblia para fazer referência à expiação em prol do pecado. O propiciatório era a tampa da Arca da Aliança. A palavra "propiciatório” é a tradução da palavra grega hilasterion, que ocorre aqui e em Romanos 3.25. Essa palavra (que também ocorre em Hebreus 2.17) é derivada do verbo grego hilaskomai, que, em Lucas 18.13, é usada pelo publicano para pedir “misericórdia” (hilaskomai) a Deus. Devido a esse fato, as antigas versões em inglês traduziram hilasterion como "assento da misericórdia". Sobre o propiciatório, eram colocados os querubins, seres que, na sua representatividade, apareciam de forma composta, H8 Contrastes na Adoração da Antiga e Nova Aliança tendo a face humana, corpo e animal e asas de pássaro (Êx 25.18-20). Esses querubins eram uma representação da glória de Deus.
        “Ora, estando essas coisas assim preparadas, a todo o tempo entravam os sacerdotes no primeiro tabernáculo, cumprindo os serviços” (v. 6). Tendo descrito os utensílios do Tabernáculo, o autor volta-se para os oficiantes do culto. Muitas vezes, pensa-se que esses sacerdotes estavam presos apenas a uma infinidade de práticas rituais. Todavia, para o autor, eles estavam prestando adoração a Deus no culto do qual participavam, mesmo que essa adoração fosse imperfeita, limitada e temporal. Isso é mostrado pelo uso do vocábulo grego latreia (adoração), traduzida aqui como "serviços”.
       “Mas, no segundo, só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo” (v. 7). Nesse contexto, a palavra “segundo” é uma referência ao segundo compartimento do Tabernáculo, denominado de “Santo dos Santos”. Nessa parte do santuário, os sacerdotes comuns não podiam entrar. Somente o sumo sacerdote, uma vez no ano, no Dia da Expiação, entrava no Santo dos Santos com o sangue de um animal inocente para oferecer sacrifícios por ele mesmo e pelo povo. O autor usa a palavra grega agnoema, que ocorre somente aqui no Novo Testamento para referir-se aos pecados cometidos por ignorância. São faltas cometidas devido à fragilidade humana, e não aos erros que são praticados intencionalmente.
       “Dando nisso a entender o Espírito Santo que ainda o caminho do Santuário não estava descoberto, enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo” (v. 8). O expositor Donald Hegner entende que o autor referia-se às duas partes principais do Tabernáculo — o santo lugar e o Santo dos Santos, como vinha fazendo até aqui. Dessa forma, a expressão "santuário”, do grego tôn hagion, seria uma referência à parte mais interior, isto é, o Santo dos Santos, enquanto a expressão "primeiro tabernáculo” seria uma referência ao lugar mais externo, isto é, o santo lugar. Esse fato ficaria demonstrado quando o autor, no versículo 12, afirma que Cristo entrou no "santuário”, o que é uma referência clara ao "Santo dos Santos”.5 Hegner não está errado. De fato, esse é o argumento exposto pelo autor até aqui. Todavia, especificamente nesse versículo, o contexto favorece uma referência a todo o santuário da Antiga Aliança, como acertadamente expõe F. F. Bruce. O fato é que, enquanto o sistema sacerdotal levítico fosse mantido de pé, o acesso à presença de Deus, representada aqui pelo “Santo dos Santos”, não estaria ainda disponível.6 “Que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço” (v. 9). Para o autor, toda a estrutura do Tabernáculo, bem como todo o sistema sacerdotal levítico, funcionavam como uma figura ou parábola de uma realidade muito maior — o sacrifício de Cristo.
        Ambas eram uma sombra de uma realidade superior que agora havia chegado. O verbo grego prospherontai, que aqui está no presente do indicativo passivo, também ocorre no versículo 7. Esse verbo, que é traduzido como "trazer", “oferecer", "apresentar” e "sacrificar", tem o sentido de "aquele que presta culto", um adorador. Na antiga aliança, a adoração era imperfeita e incompleta, visto que todo o sistema levítico também o era.
         “Consistindo somente em manjares, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção” (v. 10). Esses elementos do antigo culto, juntamente com sua simbologia, eram ineficazes porque não tratavam do interior do homem, mas somente do seu aspecto externo. É nesse aspecto que o autor refere-se aos mesmos como sendo uma "parábola”, isto é, uma figura que tratava com a "carne", mas que nada podiam fazer para resolver o problema espiritual das pessoas. Cleon Rogers observa que os dons e sacrifícios oferecidos no antigo culto só podiam purgar a carne, não a consciência.7 "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação” (v. 11). A expressão grega tôn genomenôn agathon foi traduzida como "bens já realizados" na Almeida Revista e Atualizada (ARA); é preferível "bens futuros”, da Almeida Revista e Corrigida (ARC). A intenção do autor é mostrar que Cristo é a realização daquilo que o sistema levítico simbolizava, ou era apenas uma sombra. Longe de ser apenas uma figura, o santuário celeste é mais perfeito (gr. meizon teleioteros) do que o terreno. "No típico pensamento do primeiro século, os céus eram puros, perfeitos e imutáveis; o tabernáculo celestial, então, seria o protótipo perfeito para o terreno e o único que finalmente era necessário.”8
       “Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma etema redenção" (v. 12). Esse versículo mostra a radical diferença entre o sistema levítico de sacrifício e aquele realizado por Cristo. Os sacerdotes na Antiga Aliança ofereciam sacrifícios com sangue de animais; Cristo, porém, entrou no santuário com seu próprio sangue. Ele foi a oferta. Em vez de entrar repetidas vezes, como fazia os antigos oficiantes, Cristo entrou no Tabernáculo celeste uma vez para sempre.
       “Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne” (v. 13). O autor tem em mente os textos de Levítico 16.15-16 e Números 19.9 e 17.9 quando descreve os rituais envolvendo animais na Antiga Aliança. Esses rituais visavam qualificar as pessoas que se lomaram cerimonialmente impuras pelas práticas descritas nesses textos a terem um relacionamento entre elas e Deus. Era, todavia, apenas uma purificação externa. Em vez de "purificação da carne”, a Nova 90 Contrastes na Adoração da Antiga e Nova Aliança Versão Internacional traduz como “se tomam exteriormente puros”. O altar e o livro aqui mencionados são símbolos do pacto divino que Deus estabeleceu com os homens. O expositor Julio Montalvo faz uma importante distinção entre o sacrifício de Cristo e aqueles realizados na Antiga Aliança.
 1. O sangue de Cristo tem muito mais poder para limpar o pecado que o sangue de sacrifícios de animais.
2. O sangue de Cristo restaura a aliança entre Deus e os homens.
 3. Porque Ele veio diante de Deus para interceder uma vez por nossos pecados (w. 23-28). Cristo veio à presença de Deus no santuário do céu para representar-nos.
4. O sacrifício de Cristo não é repetido como o levítico; Cristo ofereceu um único sacrifício, perfeito e espiritual, que previa o perdão completo e purificação.
 5. A morte de Cristo não se repete, porque Cristo tomou a natureza humana para morrer, e é estabelecido que os homens devem morrer uma só vez.
 6. A aparição de Cristo pela segunda vez neste mundo confirmará a salvação que Ele nos comprou com o seu sangue.9
        “Quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?" (v. 14). O ritual levítico tratava com o aspecto externo; o sacrifício de Cristo trata com o interior do homem. A expressão "Espírito eterno” é uma clara alusão ao Espírito Santo e sua relação com o ministério de Cristo (Is 42.1). O ministério de Cristo foi autenticado pelo Espírito Santo (At 10.38). Aqui, ele é associado à redenção (Ef 4.30). O sangue de Cristo purifica o mais interior da alma, limpando a consciência daquilo que é pecaminoso.
       “E, por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna” (v. 15). O expositor F. F. Bruce observou que Cristo é, ao mesmo tempo, mediador e fiador dessa Nova Aliança.10 A eficácia do sacrifício de Cristo está no fato de que sua morte remiu não somente os crentes da Nova Aliança, mas também todos os que estavam debaixo da Antiga. A. T. Robertson comenta:
“Aqui, há uma declaração definitiva de que o valor real dos sacrifícios típicos, debaixo do sistema do AT, estava na sim realização na morte de Cristo. É a morte de Cristo que dá valor aos tipos que apontavam para Ele. Assim, o sacrifício expiatório de Cristo é a base da salvação de todos que são salvos antes da cruz e desde então”.11
       “Porque, onde há testamento, necessário é que intervenha a morte do testador" (v. 16). O Testamento era um documento selado, aberto e que entrava em vigor com a morte do testador. C. S. Keener destaca que os antigos pactos eram selados com sangue.12 “Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive?" (v. 17). A pergunta retórica do autor requer um "não” como resposta. Tanto na lei romana como nos preceitos estabelecidos na Antiga Aliança, estipulava-se que um testamento entrava em vigor somente após a morte do testador. A ideia do autor é reforçar o argumento da necessidade da morte de Cristo para que a Nova Aliança tivesse valor legal.
      Pelo que também o primeiro não foi consagrado sem sangue” (v. 18). Até mesmo a Antiga Aliança necessitou ser selada com sangue para ter valor. Esse versículo mostra que o sangue derramado de animais deu legalidade ao Antigo Testamento. Esse fato é corroborado no versículo 19.
       “Porque, havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea e hissopo, e aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo” (v. 19). Esse versículo aponta para Êxodo 24.3-8, mesmo que alguns elementos citados pelo autor não se encontrem na passagem do segundo livro de Moisés. É possível que, além do texto bíblico, o autor seguisse uma antiga tradição judaica a qual não conhecemos. O autor detalha que não somente o livro da aliança, mas também "todo o povo” foram aspergidos também. Donald Guthrie destaca que
 “o fato de que não só o próprio livro, como também todo o povo foram aspergidos demonstra que a aliança envolvia a cooperação dos parceiros humanos, que precisavam de uma purificação especial para serem tomados dignos de participar”.13
        “Dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado" (v. 20). É possível que esse versículo faça um paralelo com o ritual da Ceia do Senhor, conforme descrita em 1 Coríntios 11.25 e também com as palavras do apóstolo Pedro (1 Pe 1.2). Tanto o antigo pacto como o novo foram ratificados com sangue.
       “E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos do ministério” (v. 21). O terceiro livro de Moisés, Levítico, mostra que o Tabernáculo foi ungido com óleo, porém omite qualquer referência ao sangue. Todavia, Flávio Josefo (37 d.C.-100 d.C.), em seu livro Antiguidades Judaicas, diz que o Tabernáculo foi aspergido tanto com sangue como com óleo. Josefo, inclusive, afirma que até mesmo ;is vestimentas dos sacerdotes, os utensílios sagrados e as demais coisas eram purificados com sangue. A intenção do autor é mostrar a 92 Contrastes na Adoração da Antiga e Nova Aliança importância que o sangue possuía dentro do ritual da antiga aliança e como ele apontava para o sangue de Cristo.14
      “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (v. 22). Esse é um versículo chave em Hebreus. Na Antiga Aliança, o sangue era necessário para fazer expiação (Lv 17.11), e o autor extrai dessa verdade a necessidade da expiação dos pecados pelo sangue de Cristo. Na Antiga Aliança, o autor fala de "coisas” que eram purificadas; todavia, na Nova Aliança, essa purificação não acontece com coisas, mas, sim, com pessoas. São as pessoas, que estão debaixo do jugo do pecado e da condenação, que necessitam do perdão de Deus. Cristo veio purificar o pecador por seu próprio sangue. A palavra "purificar”, do grego katharizetai, ocorre 31 vezes no Novo Testamento grego. No Novo Testamento, ela aparece com os sentidos de ritual, cerimonial, ético-moral e espiritual (Mt 8.2; Lc 11.39; At 10.15; 15.9). Nesse texto, o seu sentido é espiritual, mostrando a eficácia do sangue de Cristo na purificação e perdão dos pecados (2 Co 7.1; Tt 2.14; Hb 9.14; 1 Jo 1.7).
       "De sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu assim se purificassem; mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios melhores do que estes" (v. 23). Em sua Homilia Sobre el Levítico, Orígenes (185 d.C.-254 d.C.) observa que aquilo que é "descrito na Lei não é mais do que ‘cópia’ e ‘tipo’ de uma realidade viva e verdadeira”.15 É exatamente isso o que o autor está afirmando aqui. Todo o sistema sacrificial do antigo pacto não passava de uma sombra da qual Cristo é a realidade. Os sacrifícios de animais tinham valor cerimonial, transitório e externo; todavia, o sacrifício de Cristo possui valor eterno e espiritual. Ele era em tudo superior ao sistema levítico. O expositor Fritz Laubach entende que, aqui, as "coisas celestes” são usadas no sentido literal:
"A queda pelo pecado humano, a rebelião do ser humano contra Deus, não somente teve efeito sobre a criatura na criação visível (Rm 8.20-22), mas também turbou a ordem do mundo celestial. O santuário celestial carece igualmente da força purificadora do sangue. Para isso, sacrifícios de animais da terra são insuficientes”.16
      Todavia, é melhor entendermos esse texto não no mesmo sentido que Laubach, que afirma haver uma suposta imperfeição no céu, mas, sim, como uma metáfora das coisas espirituais. F. F. Bruce expôs desta forma:
 “O que necessitava de limpeza era a consciência contaminada de homens e mulheres. Essa é a purificação que corresponde à esfera espiritual. O argumento do v. 23 pode ser parafraseado 93 A Supremacia de Cristo dizendo que, enquanto o ritual de purificação é adequado para a ordem material, que não é senão uma figura terrena da ordem espiritual, necessita-se de uma classe melhor de sacrifício para realizar uma purificação na ordem espiritual”.17
      No contexto da Nova Aliança, são os homens e mulheres, agora templos do Espírito Santo, que necessitam de purificação.
      "Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer, por nós, perante a face de Deus" (v. 24). O santuário terrestre foi feito conforme o modelo que Moisés recebera no monte; todavia, ele fora confeccionado por mãos humanas. Cristo, ao contrário, entrou no santuário celeste, do qual o terrestre era apenas uma figura. Nesse santuário celeste, Ele oficia como Sumo Sacerdote em favor da Igreja (Rm 8.34).
       “Nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, com o o sumo sacerdote cada ano entra no Santuário com sangue alheio” (v. 25). O sistema sacerdotal da Antiga Aliança exigia que, ano após ano, o sumo sacerdote entrasse no santuário para apresentar o sacrifício da expiação. O sacerdócio de Cristo, visto ser de natureza eterna e definitiva, não apresenta essa imperfeição.
      “Doutra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas, agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (v. 26). O problema do pecado, que entrou no mundo através de Adão, nunca havia sido tratado de forma definitiva até à vinda de Cristo. Desde a instituição do sistema sacerdotal levítico, os sacerdotes no santo lugar e o sumo sacerdote no Santo dos Santos necessitavam oferecer seus sacrifícios ano após ano. Tudo isso terminou quando Cristo entrou no santuário celeste.
        "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo" (v. 27). Há uma analogia entre a morte dos homens e a morte de Cristo; todavia, há uma diferença abissal entre ambas. A morte dos homens foi "ordenada”, ou seja, não tem como escapar e fugir dela! Entretanto, a morte de Cristo foi voluntária, uma entrega a favor dos homens.
 "Ninguém está isento desta experiência. A diferença entre a morte de Cristo e todas as demais é que a dEle foi voluntária, ao passo que para todos os demais é ordenada (apokeitai), isto é, armazenada para eles. A expectativa de que alguns escaparão à morte (cf. 1 Ts 4.15ss.) é uma exceção à regra geral declarada, ocasionada pelo evento especial da vinda de Cristo. Não está, portanto, em conflito com esta declaração em Hebreus”.
        “Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação” (v. 28). O autor ressalta o caráter voluntário do sacrifício de Cristo, colocando-o, porém, dentro da esfera escatológica. A figura é tirada da redação da Septuaginta, Isaías 53.12. Quando Cristo veio pela primeira vez, veio para fazer expiação pelo pecado. Mas, agora, o autor diz que Ele voltará uma segunda vez, não mais para tratar do problema do pecado, mas, sim, para aqueles que o esperam para a salvação. Donald Guthrie comentou oportunamente que
"as palavras sem pecado (chòris hamartias — "não para tratar dos pecados” — RSV) rapidamente colocam um aspecto diferente na analogia. O pecado não precisa de mais expiação. Tudo quanto é necessário é a apropriação da salvação que a oferta que Cristo fez de si mesmo obteve por nós. O verbo traduzido “aguardam” (apekdechomenois) ocorre em 1 Coríntios 1.7, Filipenses 3.20 e Romanos 8.19,23,25 e em cada caso a respeito da grande expectativa dos crentes que aguardam as glórias do porvir”.

                                                                                               A Supremacia de Cristo

Lição 9

Texto Áureo

“E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão.” (Hb 9.22)

A eficácia da adoração neste período da Nova Aliança está no fato de ela estar fundamentada no sangue de Cristo.


LEITURA DIÁRIA
Segunda – Hb 9.2 Os utensílios do culto na Antiga Aliança 
Terça – Hb 9.4 O culto, os oficiantes e a liturgia na Antiga Aliança 
Quarta – Hb 9.14 Uma redenção eterna pelo sangue do Cordeiro
Quinta – Hb 9.14,15 Uma consciência limpa pelo sangue de Cristo
 Sexta – Hb 9.15,22 Uma herança eterna pelo sangue de Jesus
 Sábado – Hb 9.28 Uma promessa gloriosa pelo sacríficio do Filho de Deus


A CARTA AOS HEBREUS - 

Introdução e Comentário por DONALD GUTHRIE - SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA E ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO


(vi) A glória maior da nova ordem (9.1-14)
1. Caso qualquer dos leitores pense que o escritor estava subestimando o antigo, agora sublinha algumas das glórias do tabernáculo antigo.
Fica impressionado com a boa ordem das disposições dentro do culto levítico, e pretende aprensentar este fato a fim de demonstrar a maior glória do novo. É bem possível que saiba que alguns dos seus leitores, que foram criados na atmosfera de glorificar o passado, considerem que a posição não tem substituto para oferecer em troca da dignididade do culto ritual. Mas embora ele pessoalmente não deixe de apreciar as glórias do passado, quer levar seus leitores a uma apreciação mais verídica das glórias superiores da fé cristã. Ocupa-se em primeiro lugar com os preceitos de serviço sagrado. A palavra traduzida preceitos ou “regulamentos” (dikaiõma) tem muitos usos no Novo Testamento, como, por exemplo, “a exigência justa da lei,” ou “o ato que cumpre aquilo que é considerado certo.” Oqueé ressaltado mais claramente nesta passagem é que foram determinados regulamentos que exigiam obediência. Mas o interesse principal centraliza-se no lugar do culto, que só viria bem mais tarde. 0 lugar de culto aqui é chamado um santuário terrestre (to hagion kosmikon), rigorosamente com o artigo definido. Este artigo (presente em ARA), não é sem importância, porque está em mente um santuário específico, o cenário da atividade sacerdotal no tabernáculo. A palavra traduzida santuário (hagion) representa tanto o santo lugar (v. 2) quanto o SANTO dos Santos (v. 3). A única outra ocorrência no Novo Testamento de kosmikon (“terrestre,” “deste mundo”) acha-se em Tito 2.12, onde é aplicada às paixões mundanas. No presente caso é usado sem qualquer conotação moral e denota a terra, em contraste com o céu, como a esfera de atividade (cf. 8.1-2).
2. Sem dúvida, a razão porque se faz referência agora ao tabernáculo (skènè) é que ninguém deve supor que o Templo está em mente.
Uma comparação com os regulamentos do tabernáculo original é, evidentemente, considerada mais autoritativa para os cristãos judaicos do que uma com o Templo. É possível, além disto, que estes cristãos estivessem confusos acerca daquilo que deveriam fazer a respeito do culto ritual bíblico. A declaração de que o tabernáculo foi preparado relembra a ocasião em que foi originalmente montado. O tabernáculo consistia em duas partes. Primeiramente é mencionada a parte anterior (pròtè, literalmente “primeira”), presumivelmente chamada a primeira porque estava mais próxima à entrada do pátio externo. Três peças de mobília ficam nesta parte: o candeeiro, e a mesa, e a exposição dos pães (os pães da proposição). Nenhuma explicação do significado destes artigos é dada, porque é tomado por certo que os leitores têm conhecimento deles. Os detalhes exatos acham-se em Êxodo 25, 37 e 40.0 candeeiro ficava de um lado do lugar santo e a mesa do outro. Entre eles havia o altar de incenso que não é mencionado aqui, mas que é aludido no versículo seguinte como se ficasse além da cortina divisória (mas veja o comentário sobre o v. 3).
3. O segundo véu é claramente o véu que separava o SANTO Lugar do SANTO dos Santos.
Esta era a cortina que já foi mencionada em 6.19. Estaparte interna também é chamada um tabernáculo ou “tenda” , sendo que o escritor usa o mesmo termo para descrever tanto a parte interna quanto a parte externa, como se existissem dois tabernáculos. Posto que o tabernáculo era considerado a moradia de DEUS, a palavra era especialmente apropriada para o santuário interno. A forma da expressão SANTO dos Santos indica a santidade especial do lugar e explica porque o acesso normal a ele era vedado.
4. Surge um problema acerca do primeiro item mencionado no SANTO dos Santos.
Se o altar de ouro para o incenso for o modo correto de entender a palavra usada (thymiatèrion), posicioná-lo no santuário interior seria um desvio do relato em Êxodo onde era colocado no SANTO Lugar diante da entrada ao lugar interno. Tem sido sugerido que a palavra pode ser entendida no sentido do incensário do sumo sacerdote, mas isto é improvável, porque o relato do Êxodo não considera que é de ouro. Deve ser reconhecido que a palavra thymiatèrion significa primariamente “incensário” e que assim é usada na LXX. Apesar disto, seu significado derivado de “altar de incenso” é achado em Filo e Josefo, e este é claramente o sentido visado neste contexto em Hebreus. É inconcebível que não houvesse nenhuma menção aqui do altar de ouro para o incenso. Qual, pois, é a explicação para sua colocação numa posição diferente? Em primeiro lugar, pode ser observado que o escritor não diz “onde está um altar de ouro para o incenso” segundo o estilo do v. 2. Deve ter tido uma boa razão para fazer a diferença. Tem sido sugerido, conforme temos em ARA, que o particípio “tendo” (echousa) pretende transmitir o sentido de “pertencendo a” ao invés de “ficando dentro,” visto que o altar de incenso, por assim dizer, barrava a entrada para o SANTO dos SANTO, e, neste sentido, podia ser dito que pertencia a este. Este conceito é apoiado pelo fato de que o altar era colocado de tal maneira que a fumaça do incenso que era queimado devia penetrar além do véu e subir para DEUS diante da arca da aliança. Apesar disto, posto que o mesmo particípio serve também para arca, que muito certamente estava dentro do SANTO dos Santos, a explicação anterior não deixa de ter certa dificuldade. Mesmo assim, é a mais razoável. Há claramente uma ligação estreita entre o altar do incenso e o SANTO dos Santos. Podemos também notar que em 1 Reis 6.22 o altar de incenso é descrito  como sendo “o altar inteiro” pertencente ao santuário interior. A arca da aliança ficava no SANTO dos Santos no tabernáculo e no templo de Salomão, mas não no Templo posterior. Neste último, na verdade, o lugar estava completamente vazio, com exceção de uma plataforma de pedra. Quando o escritor diz que a arca estava totalmente coberta de ouro, quer dizer tanto fora como dentro (cf. Êx 25.11). A tampa da arca era conhecida como o propiciatório e era adornada com dois querubins de ouro (veja v. 5). O enfoque da atenção no momento, porém, recai sobre o conteúdo da arca. Três itens são mencionados. O primeiro é a uma de ouro. Vale observar que três vezes nesta descrição dos móveis do tabernáculo, o escritor menciona ouro. Fica claramente impressionado com o caráter resplandecente dos itens separados. No caso da uma, o texto hebraico não menciona a matéria preciosa da qual era feita, mas consta na Septuaginta. A conservação do maná objetivava lembrar os israelitas da provisão maravilhosa que DEUS lhes fizera durante a peregrinação no deserto, e a vara de Arão, que floresceu era para lembrar-lhes da poderosa intervenção de DEUS em prol deles. Quando o Templo foi edificado, a arca da aliança continha somente as tábuas da aliança, i. é, as tábuas da lei mosaica. Na fé cristã há equivalentes espirituais, mas o uso dos objetos simbólicos aqui claramente significava muita coisa para o escritor e seus leitores. O alvo do escritor é reconhecer as glórias do culto, conforme são expostas no ritual do tabernáculo, a fim de levar para o ministério específico de CRISTO.
5. A expressão os querubins de glória é interessante, porque faz mais do que descrever os querubins como sendo gloriosos. A glória (doxa) simbolizava a presença de DEUS. Os querubins, portanto, faziam lembrar a DEUS. Sua posição, assim descrita: com a sua sombra, cobriam o propiciatório revela que são guardas da majestade de DEUS. A palavra traduzida propiciatório (hilastèrion) significa “uma coisa que propicia,” mas veio a ter um significado teológico adicional em conexão com a expiação, porque era esta parte da arca que era aspergida com sangue no Dia da Expiação. Este fato explica seu uso em Romanos 3.25 num sentido aplicado com relação à morte de CRISTO. O escritor desta carta, no entanto, não o aplica num sentido espiritual ou teológico. A esta altura, está principalmente interessado na glória da velha ordem. Poderia dizer mais, mas refreiase de fazê-lo (não falaremos agora pormenorizadamente), porque tem outros aspectos para mencionar, especialmente suas limitações.
6-7. A despeito de todo o esplendor dos móveis do tabernáculo, a adoração segundo a ordem levítica era severamente limitada. Os israelitas não podiam aproximar-se diretamente; deviam vir através dos seus representantes, os sacerdotes. Mesmo assim, somente um deles podia entrar anualmente no SANTO dos Santos. A via de acesso certamente não estava aberta, conforme mais tarde veio a estar através de CRISTO (cf. 10.19-20). Dentro do tabernáculo, havia atividade incessante enquanto os homens se aproximavam dè DEUS segundo a maneira que Ele mesmo determinara. A cena inteira testifica do seu desejo de aproximar-se de DEUS, ressaltando, ao mesmo tempo, a insuficiência do método antigo. Certos preparativos de tipo ritual eram essenciais antes dos sacerdotes terem licença de entrar, preparativos estes que visavam lembrar-lhes da sua própria necessidade pessoal e da provisão de DEUS que lhes permitia a entrada. O templo presente do verbo entrar, reforçado pela frase adverbial continuamente (dia pantos eisiasin), ressalta o caráter repetitivo da ordem mosaica, tratando-se de um contraste deliberado com a qualidade definitiva do novo caminho. Mais uma vez, como no v. 2, o SANTO Lugar é identificado como o primeiro tabernáculo (i.é, o primeiro para quem entra). A continuidade foi historicamente quebrada pela cessação do tabernáculo, mas foi retomada nos templos até os dias do próprio escritor. Os serviços sagrados realizados incluíam o oferecimento do incenso e o acender das lâmpadas. Para qualquer pessoa criada no judaísmo, estas atividades seriam contempladas com certa reverência, e quando tal pessoa se tomasse cristã, não perderia imediatamente seu respeito por  elas. Este seria especialmente o caso dos eventos impressionantes no Dia da Expiação uma vez por ano. É sua infreqüência que lhe dá mais impacto. À medida em que cada evento anual se aproximava, a solenidade da ocasião pesaria sobre a mente do sumo sacerdote, especialmente enquanto se preparava primeiramente a “oferecer sangue por si” antes de providenciá- lo para seu povo. Conforme Levítico 16.1 lss., o sumo sacerdote tinha de aspergir o sangue dos touros no propiciatório sete vezes, e depois repetir o ato com o sangue de um bode. Nosso escritor não está preocupado, no entanto, em dedicar tempo e espaço a pormenores deste tipo. Para ele, basta dar o mínimo de informações necessárias para introduzir sua aplicação teológica. É digno de nota que é dito que a oferta anual é pelos pecados de ignorância do povo (literalmente “ignorâncias,” agnoêmata). 
8. Visto que os pormenores que acabam de ser dados têm relacionamento ao culto ritual bíblico, o propósito do ESPÍRITO ao inspirar o registro deles no Antigo Testamento passa agora a ser focalizado. O Espirito SANTO dá a entender o sentido verdadeiro. Esta declaração revela alguma coisa da abordagem do escritor à inspiração, porque o ESPÍRITO está continuamente demonstrando (tempo presente) como o culto ritual agora pode ser aplicado. Este ministério explanatório do ESPÍRITO está em harmonia com a promessa de JESUS no Evangelho segundo João (cf. Jó 16.12ss.). O que é especificamente definido como o significado é que um obstáculo barra o caminho para o SANTO dos Santos, e, portanto, para a presença de DEUS. O caminho do SANTO Lugar deve ser, aqui, o santuário interno em comparação com o externo. As palavras enquanto o primeiro tabernáculo continua erguido parecem significar “enquanto a aproximação depender de cerimônias do tipo levítico” que excluíam todos menos o sumo sacerdote do acesso à presença de DEUS, e até mesmo ele era excluído durante todos os dias do ano, menos um. Não é sem relevância que as palavas continua erguido (echousès stasin) poderiam ser mais literalmente traduzidas “tem posição”, i.é, um lugar ou status (categoria). Sob a nova aliança, este status cessa.
9. As palavras Ê isto uma parábola para a época presente dão alguma idéia da abordagem do escritor à totalidade do sistema levítico. Era uma figura (parabolé). Era, portanto, sugestiva de verdades mais profundas do que ela mesma conseguiu cumprir. Além disto, seu propósito simbólico parece ser limitado à era presente, e com isto parece que o escritor o contrasta com a era futura (cf. 6.5). No contexto de pensamento nesta passagem a era “presente” foi aquela que preparou o caminho para o aparecimento de CRISTO (veja w. 11-12), depois de que o símbolo foi cumprido e, portanto, cessou de ter qualquer função.A frase segundo esta (kath’ hèn), presumivelmente diz respeito a toda a matéria anterior. Segundo o sistema levítico dons e sacrifícios foram considerados temporariamente eficazes em capacitarem os homens a virem para DEUS, mas não a chegarem à perfeição. A verdadeira avaliação da ordem do sacerdócio procura ver se tal ordem pode aperfeiçoar. Por mais gloriosos que fossem os ornamentos, qualquer sistema seria inadequado se esta finalidade não pudesse ser atingida. Mais uma vez, o escritor tem em mente a clara superioridade de CRISTO, que mais tarde toma explícita (cf. 10.14). A razão principal para a repetição do cerimonial na ordem levítica era porque permaneciam imperfeições. Outro aspecto que é claramente ressaltado aqui é que a adoração é uma questão de consciência. Ê a consciência que conta a uma pessoa acerca de si mesma e a toma consciente de que tem de prestar contas diante de DEUS. Carrega uma pessoa com culpa. Onde há qualquer endurecimento da consciência ou onde a consciência está sobrecarregada de culpa, a adoração verdadeira é impossível. Por mais incompletas que tenham sido as ofertas levíticas, suas intenção era fornecer um meio para aquele que presta culto purificar sua consciência. Mais uma vez, a superioridade da abordagem cristã é vista em 9.14 onde a purificação da consciência de obras mortas é providenciada, e no capítulo seguinte (10.22) onde corações podem ser purificados da má consciência.
10. A limitação da ordem levítica é vista, ainda mais, no fato de que muitos dos regulamentos somente tratavam de questões externas, as de comidas e bebidas e diversas abluções. Alguma dificuldade surge do fato de que a lei mosaica não estipulou quaisquer regulamentos acerca de tabus relacionados com a bebida, a não ser que o voto do nazireado fosse levado em conta (Nm 6.3). Estes tabus e purificações rituais diziam respeito a questões periféricas, embora fossem consideradas importantes. Não devem ser identificadas com os dons e os sacrifícios do versículo anterior, mas são acompanhantes deles. Aqui são até mesmo descritos como ordenanças da came. Parece haver aqui, como na seção seguinte (13-14), um contraste entre a consciência e a came, entre o interior e espiritual e o exterior e físico. As ordenanças, além disto, eram impostas, ao passo que em CRISTO um resultado muito mais eficaz é conseguido por meios espirituais, não legais. Sem dúvida, muitas das restrições eram benéficas ao corpo, mas não traziam liberdade ao espírito. Além disto, eram apenas temporárias, até ao tempo oportuno de reforma (diorthõseòs). Esta expressão incomum não ocorre em qualquer outra parte da Bíblia grega, mas é semelhante a expressões tais como “regeneração” (palingenesia) em Mateus 19.28 e “os tempos da restauração” (ou restituição, apokatastaseõs) em Atos 3.21. Para o escritor desta Epístola, este tempo já veio, identificado no v. 11 como sendo o tempo quando CRISTO apareceu como Sumo Sacerdote.
11. A esta altura começa a explicação da função especial de CRISTO sob a nova aliança. O escritor transfere os aspectos principais da antiga — o tabernáculo e a expiação — para termos espirituais. Desta maneira demonstra seu valor verdadeiro. Apontavam para a realidade maior por detrás da sombra. Em primeiro lugar, CRISTO é mencionado como quem Se tomou sumo sacerdote. Esta não é uma visão nem um assunto para discussão. É questão de fatos (veio é o particípio aoristo, paragenomenos). Não há necessidade para discussão adicional, porque é tomado por certo como fato básico da fé cristã. A descrição especial de CRISTO como sumo sacerdote dos bens já realizados demonstra outra distinção entre a antiga e a nova. Ao passo que a antiga era um prenúncio de coisas melhores para vir, a nova baseia-se num fato já consumado. Quando JESUS CRISTO tomou-Se Sumo Sacerdote, imediatamente distribuiu muitas “coisas boas” como resultado. Mas embora estejam perfeitamente realizadas nEle, ainda não o estão em nós. Estas coisas boas representam todas as bênçãos espirituais que são dispensadas por nosso Sumo Sacerdote. O texto alternativo tòn mellontòn (i.é, “bens do porvir”) é bem-atestadò e pode ser original. Seria apropriada para a idéia geral de expectativa em Hebreus, mas o alternativo adapta-se melhor ao presente contexto. Depois, o enfoque recai sobre o lugar do ministério de CRISTO. Mais uma vez, o antigo simboliza o novo. O antigo tabernáculo no deserto agora é obsoleto, mas tem seu equivalente — aquilo que o escritor chama de o maior e mais perfeito tabernáculo. Ê significativo que o tabernáculo é descrito em termos definitivos. 0 artigo definido indica um tabernáculo sem igual que pode ser descrito como sendo “o maior.” Não há outras comparações possíveis com este tabernáculo espiritual. Não pode ser melhorado. A força da palavra mediante (dia) deve ser notada, visto que afeta nossa interpretação do tabernáculo. Pode significar “através de” (i.é, o sumo sacerdócio é por meio de um tabernáculo); ou “por meio de”, dando a humanidade de JESUS como o meio; ou “por meio de” , entendendo que o tabernáculo é o santuário celestial. As palavras não feito por mãos, quer dizer, não desta criação são para explicar que o significado pretendido não era literal, mas espiritual. Estêvão tinha olhado para o futuro, para o Templo não feito por mãos (Atos 7.48), e teria compreendido a transferência do pensamento deste escritor. Muitos escritores patrísticos interpretaram o melhor tabernáculo como sendo a carne de CRISTO, mas parece significar mais do que isto. As palavras explanatórias: não desta criação, realmente parecem excluir aquele ponto de vista. Parece, de fato, que o escritor quer desviar a atenção do símbolo terrestre para introduzir a obra espiritual de CRISTO sem definir mais o que quer dizer com o mais perfeito tabernáculo. Quando passa no v. 12 a falar do SANTO Lugar está presumivelmente pensando na aproximação a DEUS pelo homem. Tem sido sugerido que o “tabernáculo” onde CRISTO ministra é a comunidade espiritual no sentido de que Seu “corpo” é um templo espiritual,72 mas esta idéia parece demasiado longe do contexto.
12. Há um aspecto marcantemente definitivo naquilo que CRISTO tem feito em comparação com a repetição contínua do sacerdócio arônico. Este fato é especialmente ressaltado pelas palavras entrou... uma vez por todas. O advérbio já ocorreu em 7.27, a respeito da oferta que CRISTO fez pelo pecado e é repetido outra vez em 10.10 no mesmo sentido. Nosso escritor claramente está impressionado por este aspecto definitivo. Não somente a oferta não poderia ser repetida, como também era de um caráter totalmente diferente das velhas ofertas, que consistia no sangue de bodes e de bezerros. A eficácia das ofertas dependia do derramamento de sangue, e é esta característica à qual o escritor se apega a fim de comentar sobre a obra de CRISTO. De nenhuma maneira mais dramática a superioridade poderia ser demonstrada senlo por meio de comparar a oferta de JESUS de si mesmo com o sacrifício de animais. Se o sangue era indispensável, nenhum sangue mais nobre do que aquele do próprio sumo sacerdote poderia ser fornecido. Não era de se maravilhar que aquele sacrifício nunca precisaria ser repetido. Além disto, ao levar, por assim dizer, seu próprio sangue como a oferta, nosso Sumo Sacerdote conseguiu efetuar uma entrada permanente. Nenhum véu poderia conservá-Lo fora do SANTO dos Santos. Bruce discute a sugestão de que foi somente quando JESUS subiu para o céu e levou consigo o sangue expiador que a expiação foi feita. Mas sustenta que isto é levar a analogia do Dia da Expiação longe demais. A verdadeira eficácia da obra de CRISTO é resumida nas palavras tendo obtido eterna redenção. Conforme o particípio heuramenos é traduzido aqui (“obtendo” — tendo obtido, ARA), é considerado subseqüênte à oferta e como resultado direto dela. Um método alternativo possível de entender o particípio é considerá-lo como ação que acompanha o ato de entrar, mas parece melhor entendê-lo no primeiro sentido. A palavra traduzida “redenção” (lytròsis) ocorre no Novo Testamento, fora daqui, somente em Lucas 1.68; 2.38, mas vem da mesma raiz que “resgate” (lytron, Mt 20.28; Mc 10.45) que é achado no comentário mais notável de JESUS acerca da Sua própria Paixão vindoura que é registrado nos Evangelhos Sinóticos. Nlo há dúvida de que esta idéia fez uma profunda impressão, porque a obra redentora de CRISTO é mencionada enfaticamente nas Epístolas de Paulo, onde o substantivo composto (apolytrõsis, “redenção”) é usado (cf. Rm 3.24; 8.23; 1 Co 1.30; Ef 1.7, 14; 4.30; Cl 1.14). Nosso escritor emprega a forma composta no v. 15, mas a idéia da redenção não é tão plenamente desenvolvida nesta carta como nas Epístolas de Paulo. Ao passo que a idéia da formacomposta é da libertação  ou soltura mediante o pagamento de um preço (cf. 11.35), da forma radical (lytron) é a de um preço equivalente de troca, especialmente aquele que é pago para a libertação de escravos. A redenção é descrita como sendo etema porque é completa e, portanto, não pode ser repetida.
13-14. Na cláusula condicional que começa o v. 13, a possibilidade da purificação sob a antiga lei é tomada por certa, porque o escritor quer ressaltar mais uma vez a superioridade de CRISTO, desta vez na avaliação da Sua oferta. Dois exemplos dos sacrifícios levíticos são escolhidos para representarem as disposições gerais da lei mosaica para oferecer a purificação do pecado.
O primeiro - o sangue de bodes e de touros — é provavelmente uma referência às ofertas no Dia da Expiação (cf. Lv 16), e o segundo — a cinza de uma novilha — pode referir-se à oferta ocasional de uma novilha (cf. Nm 19). Estas eram disposições externas que ofereciam a purificação ritual da contaminação da carne. É importante notar o contraste entre “carne” e o “ESPÍRITO” no v. 14. Um dos contrastes mais importantes é entre a natureza externa das ofertas levíticas e o caráter essencialmente espiritual da oferta de CRISTO. As ofertas levíticas podiam fornecer a pureza cerimonial numa base temporária, e o faziam mesmo, mas a oferta que CRISTO faz purificará a nossa consciência, i. é, era uma purificação interior e espiritual. O escritor não oferece qualquer sugestão quanto à maneira em que os procedimentos levíticos poderiam purificar do pecado, ainda que somente de uma maneira temporária. Deve ser notado que a lei fazia provisão para a aspersão sobre os contaminados. Em 10.22 a mesma palavra é usada para a consciência do cristão sendo purificada (aspergida). Além disto, a aspersão é realmente aplicada ao livro da aliança em 9.19ss., bem como ao tabernáculo e os vasos (veja o comentário mais adiante). Porque todas estas coisas tinham sido manuseadas pela aspersão. Várias declarações importantes são feitas acerca da oferta que CRISTO fez de Si mesmo. Em primeiro lugar, é resumida na expressão o sangue de CRISTO, que ocorre somente aqui nesta Epístola, embora a frase paralela “o sangue de JESUS” seja usada em 10.19. Forma um contraste deliberado com “o sangue de bodes e de touros” no v. 13. Nos dois casos o sangue representa simbolicamente a morte da vítima, e representa a entrega da vida em prol dos outros. O segundo fato acerca da oferta de CRISTO, de que é pelo Espirito eterno, imediatamente a coloca numa categoria totalmente diferente das ofertas de animais de conformidade com Levítico. CRISTO fez Sua oferta com a plena apreciação racional daquilo que estava fazendo, o que nenhum animal poderia fazer em ocasião alguma. Há, porém, um significado ainda mais profundo aqui, porque a expressão Espirito eterno não tem artigo no grego e deve primariamente referir-se ao espírito de JESUS em comparação com a Sua carne. Mas o ESPÍRITO SANTO, sem dúvida, também está em mente, visto que JESUS estava operando com conjunção com o ESPÍRITO (cf. o batismo). É possível que o Servo do Senhor, profetizado por Isaías, esteja por detrás deste conceito, especialmente Isaías 42.1: “pus sobre ele o meu ESPÍRITO.” É somente a respeito de CRISTO que se podia dizer que Seu espírito era etemo, fato este que até mesmo uma morte sacrificial não poderia afetar. Visto que a redenção a ser obtida era eterna (v. 12), era necessário que a oferta fosse feita por alguém que possuísse espírito etemo. Outra faceta da oferta de CRISTO é que Ele mesmo tomou a iniciativa — a si mesmo se ofereceu. Nenhuma outra vítima e certamente nenhum outro sumo sacerdote tinha feito assim. Foi tanto voluntária quanto premeditada, o que significa, portanto, que não foi mera questão de circunstâncias, em sentido algum. Além disto, a oferta é colocada no nível moral mais alto, quando as palavras sem mácula são acrescentadas a ela. Todas as ofertas levíticas tinham de ser escolhidas de animais sem mácula, mas a inocência não poderia ser do tipo moral. O caráter imaculado de JESUS achava-se no Seu perfeito cumprimento da vontade de DEUS. Foi
obediente até à morte (Fp 2.8). É parte integrante da fé do Novo Testamento que JESUS viveu e morreu sem pecado, porque somente assim poderia ser um sacrifício perfeito em prol do Seu povo. Com uma oferta tão claramente superior, os resultados devem ser correspondentemente maiores. O ato purificador é aplicado à consciência, idéia esta que já foi prenunciada em 9.9, que demonstrou como a velha ordem é inadequada com relação à consciência. A purificação externa é inútil se não efetua alguma transformação radical da vida. O homem confia nas obras, mas se estas se revelarem mortas no sentido de serem inválidas, porque são manchadas com o pecado e com o próprio-eu, a única esperança para a consciência é ser purificada desta consciência do fracasso. Em 1 Pedro 3.21 é feita outra declaração que ressalta a necessidade de uma consciência limpa, em oposição à purificação ritual. Ademais, em Hebreus 13.18, quase como uma declaração final, o escritor, pedindo orações por ele mesmo e pelos seus cooperadores, afirma que têm boa consciência. Faiza parte do propósito integral do seu argumento deixar seus leitores saberem a base da sua certeza. Quando as obras mortas são deixadas de lado, o cristão está livre para servir ao DEUS vivo. É também fato básico no caminho cristão que a pureza não é uma finalidade em si mesma. Ninguém pode divorciar sua posição religiosa do seu serviço religioso. A palavra traduzida servir (latreuõ) é especialmente usada para o serviço a DEUS, e é achada também em 9.9; 10.2; 12.28 e 13.10 no sentido de adoraçlo, que deve ser aidéia principal aqui. A adoração verdadeira necessariamente envolve a dedicação sincera e total a DEUS. Envolve consideravelmente mais do que a mera perfeição nas cerimônias.

F. O MEDIADOR (9.15-10.18)
A mençlo da nova aliança na seção anterior‘leva o escritor a refletir mais sobre CRISTO como mediador. Demonstra o significado da morte de CRISTO no Seu papel de mediador entre DEUS e o homem e toma claro que entrara num santuário melhor e fizera uma oferta mais completa, i.é, Ele mesmo. Esta seção conclui o argumento doutrinário principal.
(i) O significado da Sua morte (9.15-22)
15. O que está para ser explicado a respeito da eficácia da oferta de CRISTO depende diretamente dos versículos anteriores, conforme demonstra a expressão. Por isso mesmo (kai dia touto). É aliás, com base na Sua autooferta que CRISTO Se toma um mediador (cf. o comentário sobre 8.6). A frase inteira, o Mediador da nova aliança volta a ocorrer em 12.24, quase como um título para JESUS, mas com uma diferença. Aqui a palavra “nova”
(kainè) significa nova em contraste com o artigo, ao passo que em 12.24 é usada outra palavra (nea), que chama a atenção ao fato de que é recente (i.é, no que diz respeito aos leitores). Na presente frase a ênfase recai sobre a palavra aliança (diathêkê) que é colocada em primeiro lugar no grego. É, realmente, a aliança mais do que o mediador que é o assunto principal da passagem inteira. Apesar disto, a mudança imediata no v. 16 da aliança para um testamento demonstra a maneira flexível do autor abordar a idéia da aliança (veja o comentário sobre o versículo seguinte). Talvez pareça inapropriado falar de um mediador de um testamento. Naime76, na realidade, sustentou que o mediador de um testamento não seria o testador mas o executor, mas Bruce argumenta que as analogias humanas fracassam quando são aplicadas Àquele que surgiu dentre os mortos. “Ele é testador e é executor numa só Pessoa, Fiador e Mediador da mesma maneira.” Declara-se que o propósito da nova aliança e' providenciar a promessa
da eterna herança. A idéia da herança era central na antiga aliança, mas não subia acima do nível terrestre. Aqui, é eterna, e, portanto, claramente superior. Este é o cumprimento verdadeiro da promessa. De fato, a ordem das palavras em grego sugere que a frase “eterna herança” é um pensamento posterior explanatório para relembrar aos leitores o conteúdo exato da promessa. Esta herança é restringida, não a uma determinada nação, mas a uma certa classe definida como aqueles que têm sido chamados (keklêmenoí). Esta descrição não é achada algures nesta Epístola. A idéia da chamada de DEUS é familiar, no entanto, noutras partes do Novo Testamento (cf. Rm 8.28; cf. também Rm 1.1 onde a chamada, klètos, é para um cargo específico). No presente contexto a expressão refere-se aos crentes em geral e é uma lembrança de que DEUS tomou a iniciativa. O particípio perfeito, além disto, sugere o resultado contínuo de um ato passado, i.é, aqueles que foram chamados e, portanto, estão conscientes agora daquele chamado. A declaração conclusiva neste versículo, intervindo a morte (ou “posto que ocorreu uma morte”, RSV), explica a base da eficácia da nova aliança. Está na forma de um genitivo absoluto que demonstra que é antecedente  ao cargo de mediador. A morte é claramente a morte de CRISTO. Visa, declaradamente, um propósito especial. A associação da morte com a aliança remonta aos tempos mais antigos. O mesmo princípio que é aplicado à seqüência da antiga aliança é aplicado à nova aliança. A tradução para remissão segue de perto o grego (eis apolytròsin) que demonstra claramente que a redenção é o alvo da morte. O substantivo é uma palavra paulina familiar (cf. Rm 3.24; 8.23; 1 Co 130; Ef 1.7, 14; 4.30; Cl 1.14), e volta a ocorrer em Hebreus 11.35 num sentido diferente (i.é, o livramento da tortura). Aqui, como em Paulo, descreve a libertação levada a efeito pela morte de CRISTO. Sua morte é o preço da soltura do prisioneiro. É especificamente relacionada com transgressões que havia sob a primeira aliança, como se a redenção fosse qualificada pela coisa da qual é obtida a libertação. Uma vez antes nesta Epístola a palavra transgressão (parabasis) é usada (em 2.2); fora daqui, ocorre somente nas Epístolas de Paulo (Romanos, Gálatas, 1 Timóteo). Tem uma razão de ser especial aqui, porque uma das funções principais da lei era revelar transgressões ao estabelecer um caminho reto e ao destacar todos aqueles que andavam fora dele (cf. Rm 4.15). Sob a antiga aliança nenhuma ajuda permanente era dada àqueles que transgrediam, mas a morte remidora de CRISTO tornou possível a libertação. Há boa parte da linguagem figurada do Êxodo nesta passagem — o ato da redenção e a aliança — que nos lembra fortemente do pano de fundo do pensamento do autor.
16. A mudança de aliança para testamento é mais compreensível em grego do que em português, porque a mesma palavra (diathèké) serve para as duas idéias. Na realidade, um “testamento” é o significado mais básico da palavra, embora na LXX normalmente signifique “aliança.” O testamento somente entra em vigor com a morte do testador, e o escritor vê, portanto, uma segunda aplicação da morte de CRISTO dentro da aliança. Não somente lidava com as transgressões, como também estabelecia os benefícios espirituais positivos da aliança. Há uma necessidade da morte “ser
estabelecida” (pheresthai - intervenha, ARA), o que pode significar “apresentada” ou “alegada.” O testamento ainda permanece em vigor quer a morte tenha ocorrido, quer não, mas toma-se ativo somente quando morre o testador. O conceito de CRISTO como testador é uma continuação da idéia da herança no versículo anterior. Este era o legado principal. A característica mais essencial é ter certeza de que o testamento (ou a aliança) é devidamente ratificado, e o escritor passa a demonstrar este fato.
17. Este versículo dá a mesma idéia que o versículo seguinte, mas com palavras diferentes, e com uma explicação adicional. Westcott sugeriu que a linguagem idiomática por detrás dele é a prática antiga de ratificar alianças com uma vítima sacrificial, mas isto é com a finalidade de sustentar que é ainda uma aliança, e não um testamento, que está em mente. Se, porém, a idéia de testamento está em primeiro lugar aqui, a declaração supõe que fica estabelecido no sentido de ser inalterável depois da morte do testador. Até aquela ocasião, é possível acrescentar uma cláusula adicional que pode efetivamente mudar o caráter do testamento. Apesar disto, o pensamento muda outra vez do “testamento” para “aliança” enquanto a ordem mosaica reaparece diante dos nossos olhos. 
18. O pensamento remonta a Êxodo 24, que dá um relato da ratificação da antiga aliança mediante a aspersão do sangue de uma vítima sacrificial que já foi ecoada no v. 13. A palavra traduzida sancionada ou “ratificada” (enkekainistai) literalmente significa “renovada.” Ocorre outra vez em 10.20 a respeito do novo e vivo caminho. No presente contexto parece significar celebrar de novo as condições e as disposições da aliança. O sinal e o selo disto na aliança mosaica era o sangue da vítima. Enquanto passa a desenvolver este tema, o escritor deixa por momentos o sacrifício
melhor de CRISTO, para o qual volta nos w. 23ss.
19. A cláusula: havendo Moisés proclamado todos os mandamentos segundo a lei* é uma alusão direta a Êxodo 24.3-4. Moisés disse ao povo, conforme a narrativa: “todas as palavras do SENHOR e todos os estatutos,” e também as escreveu. Não havia questão alguma de o povo celebrar uma aliança sem saber suas condições. É verdade que o povo não tinha escolha quanto às condições. Estas eram essencialmente mandamentos que vieram com a autoridade de DEUS. A narrativa em Êxodo não menciona que bodes eram sacrificados; refere-se somente a novilhos. Além disto, em lugar nenhum da lei os bodes eram preceituados para qualquer uma destas ofertas, embora fossem para ofertas pelo pecado (cf. Lv. 1.10). Pode haver uma analogia aqui com a novilha e a cabra oferecidos por Abraão como ratificação da aliança de DEUS com ele (Gn 15.9). Mais uma vez, a menção de água, e lã tinta de escarlate, e hissopo não é tirada de Êxodo, mas parece ser uma combinação de duas alusões na lei mosaica (cf. Lv 14.4-5; Nm 19.18). Estes itens adicionais são incidentais à consideração principal que está sendo feita, i.é, que a antiga aliança foi ratificada com sangue. O fato de que não só o próprio livro, como também todo o povo foram aspergidos demonstra que a aliança envolvia a cooperação dos parceiros humanos, que precisavam de uma purificação especial para serem tomados dignos de participar. Em Êxodo 24 não há menção da aspersão do livro, mas a leitura dele fazia parte central da ocasião. Talvez algum eco deste evento se ache também em 1 Pedro 1.2, onde os cristãos são destinados “para a obediência e a aspersão do sangue de JESUS CRISTO.”
20. Outra diferença do relato em Êxodo acha-se no relato das palavras faladas por Moisés. Ao invés de Este é o sangue da aliança, a qual DEUS prescreveu para vós outros, Êxodo 24.8 diz: “Eis aqui o sangue da aliança que o SENHOR fez convosco a respeito de todas estas palavras.” A primeira palavra (touto), que é diferente, é relevante, porque com todas as probabilidades foi influenciada pelas palavras da instituição da Última Ceia. A forma das palavras deve ter tido uso generalizado na cristandade primitiva. A mudança de SENHOR para DEUS e o encurtamento do restante são de menos significância. Parece haver pouca dúvida de que a ligação entre os dois eventos era intencional. Conforme indica Hughes, a sombra do derramamento do sangue, levado a efeito por Moisés, cede lugar à realidade eterna. São acrescentados aqui mais pormenores que não somente não constam do relato do Êxodo como também não aparecem de modo algum no Pentateuco, i.é, a aspersão do tabernáculo e todos os utensílios. O tabernáculo não tinha sido levantado na ocasião da ratificação da antiga aliança, mas de qualquer forma, não se diz que foi aspergido com sangue, mas apenas ungido com óleo (Lv 8.10). O escritor talvez tenha feito alusão às crenças contemporâneas, porque Josefo diz que o tabernáculo foi aspergido com sangue e com óleo (Antigüidades 3.8.6). No presente contexto, o alvo é claramente focalizar a atenção na importância do sangue na velha ordem.
22. A conclusão geral sobre este tema é que, de acordo com a lei, quase todas as coisas... se purificam com sangue. A palavra quase (schedon) qualifica a declaração inteira e tem o significado de “quase se pode dizer,” como se fosse uma declaração geral que se aplicava na maioria dos casos. Alguns ritos judaicos de purificação eram feitos através da água ou através do fogo, mas os mais significantes eram através de  sacrifícios que envolviam o derramamento do sangue de uma vítima. Vale notar que as palavras com sangue (en haimati) podem ser traduzidas “em sangue”, como a esfera em que a purificação é feita. Todas as coisas (panta), embora traduza uma palavra neutra, visa incluir as pessoas bem como os objetos, os sacerdotes e a congregação igualmente. A declaração final aqui — sem derramamento de sangue não há remissão - é baseada na declaração de Levítico 17.11. Resume o propósito dos sacrifícios com sangue de acordo com a lei. O derramamento de sangue indica a morte do animal e o derramamento cerimonial do seu sangue 83 Subentende mais do que a doação da vida. Sua eficácia reside na aplicação do sangue. Desta maneira, o escritor está edificando uma explicação da necessidade da morte de CRISTO. Deve ser notado que Levítico 5.1 lss. faz uma exceção no caso de extrema pobreza, quando, então, uma décima parte de uma efa de farinha fina é aceita como oferta pelo pecado. Mas esta é uma concessão e não anula o princípio que ainda está ali na intenção. O texto original, seguido por ARA, somente tem a palavra remissão (aphesis) sem qualificação, o que é digno de nota, porque e' o único caso deste tipo no Novo Testamento (a não ser na citação da LXX em Lc 4.18). 0 uso absoluto da palavra toma sua aplicação mais geral. Fica sendo uma referência ao livramento bem como ao perdão dos pecados específicos. O alvo dos sacrifícios era trazer algum tipo de remissão do pecado, mas a palavra aphesis nunca recebeu a importância que lhe toca até a era do Novo Testamento, quando, então, imediatamente tomou-se uma característica da proclamação cristã primitiva (cf. At 2.38). Compare, também, o relato de Mateus das palavras da instituição da ceia do Senhor (Mt 26.28).
(ii) Sua entrada num santuário celestial (9.23-28)
23. A seção anterior (w. 15-22) tinha a natureza de um parêntese, e aqui a seqüência do pensamento retoma o tema anterior, embora haja ecos do tema da purificação também neste versículo. O escritor está impressionado com o fato de que a purificação era necessária na velha ordem. Passa, entSo, a deduzir disto que aquilo que é verdadeiro para as figuras (hypodeigmata) deve ser igualmente exigido para as realidades, porque doutra forma não faria sentido falar da necessidade das obras sacrificiais de CRISTO. Os leitores já foram instruídos quanto à idéia das realidades terrestres serem cópias das realidades celestes em 8.5; isto claramente desempenha um papel importante no argumento inteiro do escritor, e explica sua ênfase constante nas coisas “melhores.” Que as “figuras” se purificassem com tais sacrifícios (o grego somente tem “estes,” toutois) é porque as coisas externas precisavam da purificação por meios externos (i. é, o derramamento do sangue). As coisas que se acham nos céus das quais fala o escritor são presumivelmente os equivalentes celestes do santuário terrestre com seus móveis. Não deseja perder de vista as glórias da tradição judaica e imagina cumprimentos mais gloriosos delas num sentido espiritual. Mas fica claro pelo fato de que equipara o antítipo do santuário com o próprio céu (v. 24), que não está pensando em termos literais. Tudo quanto as cópias visavam ensinar pode ser visto com clareza prístina na presença de DEUS. Quando sacrifícios a eles superiores (plural) são mencionados, não deve ser suposto que mais do que um está em mente, porque o único sacrifício supremo de CRISTO é visto nesta carta como inteiramente adequado. Pode ser dito que o sacrifício de CRISTO tem tantas facetas que requereria uma gama inteira de sacrifícios para servir de cópias adequadas.
24. O fato de que CRISTO entrou no SANTO dos Santos já foi declarado anteriormente neste capítulo (cf. v. 12). O verbo no tempo aoristo (eisêlthen) indica um fato decisivo. Um evento histórico completado está em mente, e a seqüência demonstra que a ascensão, quando CRISTO foi recebido nos altos céus, deve estar em vista. Apesar disto, o enfoque recai no santuário onde Ele entrou. Este é descrito de modo negativo e positivo. Não é como o tabernáculo terrestre feito por mãos. É destacado, assim, como um conceito espiritual em contraste com uma criação material. A declaração relembra o clímax do discurso de Estêvão em Atos 7.48: “Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas,” onde Estêvão se defende contra a acusação feita contra ele no tocante ao Templo (At 6.14). Somente mediante o reconhecimento de que existia uma realidade espiritual transcendente à glória do santuário terrestre é que os judeus que se tomaram cristãos compreenderiam a ausência de qualquer lugar central de adoração no cristianismo. O Templo onde nosso Sumo Sacerdote oficial é, na realidade, o mesmo céu, o que quer dizer, conforme demonstra este versículo, a presença de DEUS mais do que uma localidade. A palavra figura (antitypa) que é empregada aqui é diferente daquela que é usada no versículo anterior, mas tem estreita ligação com ela. O antítipo neste caso não é o objeto verdadeiro, mas uma cópia que prenuncia o verdadeiro (cf. At. 7.44). Às vezes a palavra é usada no sentido oposto, e neste caso o antítipo é o cumprimento mais perfeito do tipo (cf. At 7.43), numa citação de Amós 5.25-27). A missão atual dé CRISTO, que foi mencionada antes, é repetida de novo: para comparecer, agora, por nós, diante de DEUS. Esta é a obra intercessória de CRISTO expressa em termos diferentes. Os principais aspectos dignos de nota são: (i) A atividade de CRISTO diz respeito especificamente ao presente, agora (nyn). Compara-se com a qualidade definitiva da Sua obra de Sumo Sacerdote na ocasião da paixão. Mesmo assim, o uso do infinitivo aoristo (emphanisthênai, comparecer) declara o comparecimento como um fato estabelecido, (ii) A atividade de CRISTO é diante de DEUS. Não há outros intermediários entre CRISTO e DEUS, de modo contrário àquilo que os gnósticos posteriores sustentavam. Nosso Sumo Sacerdote tem acesso direto. Este acesso é muito superior àquele dos sumos sacerdotes arônicos que tinham licença de entrar uma só vez no SANTO dos
Santos (veja o versículo seguinte). A palavra usada aqui para “presença” (prosõpon, literalmente “face”), é altamente sugestiva, porque a idéia da “face” para expressar a presença de DEUS tem paralelo somente em Mateus 18.10 e Apocalipse 22.4; mas cf. também Atos 2.28 (de SI 16.11) e 1 Pedro 3.12 (de SI 34.15-16). “Face” é mais pessoal do que “presença” e contém a sugestão de comunicação. O ofício do Sumo Sacerdote é representativo — por nós (hyper hémón). Como representante perfeito do homem, reune em Si mesmo a totalidade da humanidade. Mas a palavra “nós” restringe Sua atividade àqueles que se entregam a Ele pela fé. Faz por nós aquilo que nlo poderíamos fazer por nós mesmos.
25. Nalguns sentidos, o escritor combinou a missão presente do nosso  Sumo Sacerdote com base da Sua entrada. Se reconhecermos este fato, sua declaração neste versículo toma-se mais clara. O sumo sacerdote arônico nas suas entradas anuais no SANTO dos Santos precisava repetir a base sacrificial da sua entrada. A cada vez o sangue precisava acompanhá-lo. Não havia, portanto, continuidade alguma. Novos animais precisavam ser sacrificados. Mas a entrada de CRISTO foi diferente. Não tinha necessidade de oferecer muitas vezes, e quando ofereceu, não foi com sangue alheio. Estas idéias já foram mencionadas indiretamente, mas parece que o escritor não pode deixar de declará-las com freqüência. É a qualidade definitiva da oferta que JESUS fez voluntariamente de Si mesmo que ele, especialmente, deseja impressionar sobre seus leitores. Os próximos versículos,
26-28, são uma explicação adicional desta posição cristã cardeal.
26. Não havia dificuldade para as mentes judaicas numa repetição constante dos sacrifícios, já que um suprimento constante de animais sacrificiais era disponível. Mas no caso da morte de CRISTO surgiu um problema, porque logicamente esta não poderia ser repetida. O que os leitores precisavam saber era que um só sacrifício era adequado para o acesso contínuo. O escritor subentende que se a oferta tivesse sido feita muitas vezes teria envolvido CRISTO em sofrimentos repetidos. Não se refere a mortes repetidas, porque isto seria ininteligível, mas claramente deixa subentendida a idéia. Por este meio demonstra que CRISTO está continuamente diante da face de DEUS, o que demonstra que o sacrifício é suficiente. A eficácia daquela oferta sempre está diante dos olhos do Pai. Mas porque o escritor sugere que o sofrimento estaria implícito desde a fundação do mundol É subentendido, mais do que explicitamente declarado, que o sacrifício de CRISTO, se fosse repetitivo, deveria começar desde a aurora da história humana e continuar durante todas as eras. Posto, porém, que a oferta que CRISTO fez de Si mesmo somente poderia ocorrer uma vez na história, a cronologia do evento somente poderia ser atribuída à sabedoria perfeita de DEUS. O escritor não discute porque o evento não ocorreu tão logo o pecado foi cometido. Está mais interessado na natureza da oferta. A expressão agora, porém, chama os leitores a deixar a especulação e considerar o evento histórico. Por mais que possa despertar a curiosidade pensar porque DEUS escolheu um período específico da história ao invés de outro, é um fato consumado que Ele assim já o fez. O escritor data o evento ao se cumprirem os tempos, que relembra sua frase inicial “nestes últimos dias” em 1.2, embora seja um pouco diferente dela. Evidentemente considera a expiação como o clímax da era que acaba de chegar ao fim, visto que uma nova era acaba de começar com base no poder do sacrifício de CRISTO. Vários aspectos da expiação passam agora a ser apresentados de modo resumido. O primeiro diz respeito à manifestação de CRISTO (se manifestou, pephaneròtai). Esta conexão entre a oferta sacrificial e a encarnação imediatamente coloca o evento na história, entre os homens. A segunda faceta é a qualidade definitiva da oferta — uma vez por todas, um eco de 7.27. Este é o antônimo exato de “muitas vezes” no v. 25, que dizia respeito às ofertas dos sumos sacerdotes atônicos. A frase expressa a completa suficiência do sacrifício de CRISTO. A terceira consideração é o efeito do sacrifício — para aniquilar... o pecado. Há uma conexão estreita entre esta declaração e a idéia da redenção das transgressões mencionada no v. 15. Aqui, no entanto, o efeito é ainda mais abrangente porque o aniquilamento (athetèsis) envolve a anulação do pecado, i.é, tratá-lo como se já não mais existisse. Isto não pode significar que o pecado é tratado assim em relação a todos os homens, porque a Epístola não dá apoio ao ponto de vista de que o pecado sem arrependimento agora passará sem castigo. Assim como no sistema levítico a eficácia do sacrifício dependia da atitude do adorador, assim também na aplicação da oferta de CRISTO uma atitude de arrependimento e fé é tomada por certa. A quarta declaração é uma repetição do fato de que a oferta que CRISTO fez foi de si mesmo. Mais uma vez, o escritor está resoluto no sentido de não deixar seus leitores se esquecerem disto. É o aspecto central de todo seu argumento.
27-28. É um pouco inesperada a introdução que o escritor faz da idéia do julgamento a esta altura. Mas estava se delongando sobre a necessidade da morte de CRISTO, e assim chega a fazer uma declaração geral acerca do destino do homem. A morte em si mesma é inevitável: aos homens está ordenado morrerem uma só vez. Ninguém está isento desta experiência. A diferença entre a morte de CRISTO e todas as demais é que a dEle foi voluntária, ao passo que para todos os demais é ordenada (apokeitai), i.é, armazenada para eles. A expectativa de que alguns escaparão à morte (cf. 1 Ts 4.15ss.) é uma exceção à regra geral declarada, ocasionada pelo evento especial da vinda de CRISTO.86 Não está, portanto, em conflito com esta declaração em Hebreus. As palavras e, depois disto, o juízo não visam dar a entender que o julgamento ocorre imediatamente após a morte, mas que o julgamento deve ser esperado subseqüentemente à morte. Além disto, não se quer dizer que não acontece nenhum ato de juízo antes da morte. O juízo (krisis) aludido aqui é o juizo final. Ao fazer a comparação entre todos os homens e CRISTO, o escritor começa com um fator comum: Ele morreu uma só vez, consideração esta
que é repetida mais uma vez. O que há de mais relevante nesta declaração é que a morte agora é declarada no passivo, tendo-se oferecido, [literalmente “tendo sido oferecido] ao invés do ativo como no v. 14. Não é dado nenhum indício aqui acerca de quem fez a oferta. Compreendendo este versículo em conjunção com o v. 14, pode ser dito que tanto o aspecto ativo quanto o passivo são necessários para uma compreensão completa da oferta. Embora fosse voluntária, também foi imposta por circunstâncias externas: historicamente pela maldade dos assassinos judeus, e teologicamente pelo plano específico de DEUS (cf. At. 2.23). O propósito da oferta é declarada de novo, em termos semelhantes aos do v. 26, embora levemente diferente deles. Aqui, a frase: para tirar os pecados de muitos (pollon anenkenein hamartias) é um paralelo exato de Isaías 53.12 na Septuaginta. A mesma idéia ocorre em 1
Pedro 2.24 onde está escrito que CRISTO carregou os nossos pecados “em seu corpo, sobre o madeiro.” De modo semelhante, a proclamação de João Batista de que o Cordeiro de DEUS tiraria o pecado do mundo ecoa o mesmo pensamento. Os “muitos” são contrastados com a única oferta. O mesmo CRISTO que lidou com o pecado na Sua primeira vinda aparecerá segunda vez para um propósito diferente. Se o paralelo com o juízo tivesse sido levado até às últimas conseqüências, algum aspecto da vinda de CRISTO para julgar poderia ter sido introduzido. Mas está escrito que a Segunda Vinda de CRISTO é para a salvação. A Segunda Vinda é, na realidade, o selo divino sobre a completa aceitação do sacrifício previamente oferecido. A ênfase recai sobre o efeito que a Segunda Vinda de CRISTO terá sobre os que o aguardam para a salvação (i.é, os cristãos). Nada é dito acerca dos descrentes conforme teria sido natural após a menção do julgamento. Mas é a obra salvífica de CRISTO que ocupa a atenção do escritor. Pode haver aqui alguma analogia com as expectativas dos adoradores enquanto esperam para saudar o sumo sacerdote na sua volta do SANTO dos Santos no Dia da Expiação. Mas as palavras sem pecado (chòris hamartias - “não para tratar dos pecados” — RSV) rapidamente colocam um aspecto diferente na analogia. O pecado não precisa de mais expiação. Tudo quanto é necessário é a apropriação da salvação que a oferta que CRISTO fez de Si mesmo obteve por nós. O verbo traduzido aguardam (apekdechomenois) ocorre em 1 Coríntios 1.7, Filipenses 3.20 e Romanos 8.19,23,25, e em cada caso a respeito da grande expectativa dos crentes que aguardam as glórias do porvir.





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