domingo, 3 de dezembro de 2017

Lição 12 - Perseverando na Fé


                                        CAPÍTULO 12

                              PERSEVERANDO NA FÉ

 A
 perseverança dos salvos é uma doutrina que está presente em vários textos bíblicos e torna-se o repouso para a alma de todo crente enquanto sua salvação eterna não está completa, pois, enquanto se desfruta a salvação presente no mundo, vive-se na gloriosa esperança da salvação futura, quer na vinda de Cristo ou pela morte do crente, ser concretizada definitivamente. A Bíblia garante-nos a salvação em Cristo e a certeza da salvação através do testemunho interior do Espírito Santo (Rm 8.16). Como consequência, pode-se desfrutar da imensa alegria que os salvos têm enquanto peregrinam nesta vida. Mas convém estarmos alerta porque a salvação pode ser perdida em casos de apostasia e afastamento da fé em Cristo.  
                                   
                                            A PERSEVERANÇA BÍBLICA
      Perseverança provém da palavra grega proskarteresis e tem a ideia de constância, paciência e persistência cristã em tempos de tentação, aflição, angústia, provação e provocação e, mesmo assim, continuar inflexível e firme na fé em Cristo, esperando e dependendo pacientemente dEle em tudo e para tudo. Trata-se de uma capacidade divina para resistir ao dia mau (Ef 6.13) em que, “mediante a fé, estais guardados na virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pe 1.5). Outra palavra utilizada é plerophoria, que significa “plenitude de convicção e confiança”.
       A perseverança traz embutida a ideia de que o salvo deve esforçar-se para não perder a sua salvação. Por isso, a Bíblia afirma que é “Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se vejam as suas vergonhas” (Ap 16.15). Satanás, o mundo e a “concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2.16) servem de constante tentação para afastar o crente do lugar que ele ocupa em Cristo. Por isso, devemos constantemente vigiar e orar para não cairmos em tentação (Mt 26.41), pedindo a Deus que nos guarde em sua benignidade e verdade (Sl 40.11). Quanto a esse assunto, Armínio escreveu que:
A respeito da perseverança dos santos [...] as pessoas que foram enxertadas em Cristo, pela fé verdadeira, e assim têm se tornado participantes de seu precioso Espírito vivificador, dispõe de poderes suficientes [ou forças] para lutar contra Satanás, contra o pecado, contra o mundo e a sua própria carne, e para obter a vitória sobre esses inimigos, mas não sem a ajuda da graça do mesmo Espírito Santo. Jesus Cristo, também pelo seu Espírito Santo, as auxilia em todas as tentações que enfrentam, e lhes proporciona o pronto socorro de sua mão; também entendo que Cristo as guarda não as deixando cair, desde que tenham se preparado para a batalha, implorando a sua ajuda, e não querendo vencer apenas por suas próprias forças.179
      A expressão “uma vez salvo, salvo para sempre” não tem apoio concreto nas Escrituras. Caso assim fosse, não precisaria haver nenhum esforço para a pureza e a santidade, e isso atestaria contra a bondade de Deus de conceder o livre-arbítrio aos seres humanos (Sl 25.12; Pv 3.31; Mc 13.22). Assim, a perseverança é iniciada e garantida por Cristo até o dia final (Fp 1.6) e conquistada pelo crente em cooperação e sujeição a Ele (2 Pe 1.10). Aos crentes que perseverarem há a promessa e a esperança de serem conservados até o fim (1 Co 1.8).
      Embora o crente conte com a ajuda do Espírito Santo para perseverar na fé, algumas providências precisam ser tomadas para que essa ajuda seja efetiva na vida. São elas:
      Cultivar uma vida de oração (Ef 6.18; Mt 26.41) que submeta e confesse a Cristo as tentações e aflições da vida e busque nEle a ajuda necessária para vencer;
       Manter o coração e a mente sob o escudo da fé, que desfaz as investidas de Satanás (Ef 6.16);
      Desenvolver uma dependência de Deus em todas as situações, quer favoráveis ou não (1 Ts 5.18); essa dependência leva à humildade, que pode livrar da queda e do tropeço (Pv 29.23);
      E, por fim, cultivar a esperança que manterá os olhos em Cristo e na eternidade (1 Co 13.13).
      O crente precisa ter o firme propósito de perseverar nos caminhos do Senhor, pois, para resistir ao Diabo (Tg 4.7), ele terá de ter essa firmeza; caso contrário, será vencido pelas astutas ciladas do maligno (Ef 6.11). Os sofrimentos e as provas do cristão podem ajudá-lo a produzir nele essa perseverança (Rm 5.3) — desde que as provas sejam aceitas como uma possibilidade de crescimento espiritual. Pedro foi duramente provado pelo Diabo ao negar Jesus, mas o mestre intercedeu por ele para que não desfalecesse na fé (Lc 22.31-32). “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência [ARA - perseverança]; e a paciência, a experiência; e a experiência, a esperança. E a esperança não traz confusão” (Rm 5.3-5a). Portanto, temos para com o Pai um intercessor para ajudar-nos a perseverar na fé (1 Jo 2.1), mesmo que as provas sejam aparentemente impossíveis de serem vencidas.
                                 
                                                  O PERIGO DA APOSTASIA
       Apostasia é dar às costas àquilo em que se creu um dia em relação ao que a Bíblia ensina; é negar, renunciar e distorcer propositadamente o ensino bíblico de forma a colocar e mesmo ensinar algo contrário em seu lugar. A Bíblia ensina que a apostasia tem sua origem na obediência a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios (1 Tm 4.1), bem como na introdução furtiva de homens que torcem o conteúdo bíblico e, de alguma forma, negam a pessoa ou obra de Cristo (Jd 4; 2 Co 11.13-14; 2 Pe 2.1). Ela pode acontecer parcialmente quando se renunciam algumas ideias ou doutrinas, ou, então, totalmente, quando se renega todo o conteúdo bíblico e a fé cristã. A apostasia sempre estará relacionada com rebelião contra Deus.
      O crente pode pecar por ignorância, por negligência, por fraqueza e por malícia. Esta última é a pior forma, pois pode levar à perda da salvação, já que significa falta de fé, fere a pessoa de Cristo e é indício de apostasia (como Judas, Ananias e Safira).
      Apostasia não pode ser confundida com heresia. Esta é caracterizada pelo desvio, ainda que sutil, de uma crença aceita como doutrina; já a apostasia é o abandono da fé outrora professada, rejeitando seus dogmas e suas obrigações religiosas. Portanto, a apostasia será sempre mais grave que a heresia. A heresia pode ser imperceptível para quem não estiver atento; ela é sorrateira para os inadvertidos e sutilmente aliciadora da fé correta; já a apostasia é escrachadamente vergonhosa, antibíblica e de fácil percepção. A heresia sempre conservará muitos elementos da verdade bíblica, mas infundirá distorções sutis; a apostasia conservará pouco ou nada de verdade e claramente será entendida como mentira. Por exemplo, uma pessoa que abraçou o islamismo apostatou da fé cristã; já uma que é adepta da Teologia da Prosperidade foi enganada por uma heresia, pois esta contém elementos da verdade bíblica misturada com ênfases em textos bíblicos fora de contexto.
     Alguns exemplos bíblicos de apostasia são os anjos caídos que “não guardaram o seu estado original” (Jd 6 – ARA), e Satanás que “não se firmou na verdade” (Jo 8.44) e nele foi “achada iniquidade” (Is 14.13-14); a apostasia de Adão, que, mesmo em seu estado perfeito, preferiu dar as costas ao mandamento divino (Gn 3); a apostasia de Israel que, por muitas vezes na história, apostatou do Deus verdadeiro e correu atrás de ídolos (Is 1.5-6);180 a apostasia de Judas que traiu Jesus; o caso de Himeneu e Alexandre (1 Tm 1.19-20); e a apostasia dos crentes descrita por Paulo: “Porque virá tempo em que não sofrerão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (2 Tm 4.3-4).
       Os crentes não estão impedidos de apostatarem da fé, ou ainda de serem tentados, de pecarem, e de sofrerem as consequências do pecado e da perdição eterna. A apostasia é permitida diante do livre-arbítrio e da possibilidade de escolhas do ser humano. Isso não significa que o crente vá ficar com medo a ponto de ter uma vida neurótica; ele também não pode desenvolver um excesso de confiança de salvação a ponto de tornar-se negligente; significa, sim, que ele deve vigiar e orar para não cair em tentação (Mt 26.41), para manter-se firme na fé e confiar na força do Espírito Santo, que lhe capacita a perseverar (Rm 8.11). A Palavra de Deus, porém, garante que jamais seremos tentados além de nossas forças: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar” (1 Co 10.13).
     Embora os crentes possam apostatar da fé, isso não significa que estarão condenados para sempre, pois isso atestaria contra a bondade e a misericórdia de Deus. Caso se arrependam e abandonem a prática, podem juntar-se novamente ao povo de Deus, embora dificilmente um apóstata venha a arrepender-se. A Bíblia não menciona nenhum caso de pessoas nessa situação que se tenham arrependido; pelo contrário, ela afirma: “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados” (Hb 10.26). Essa mesma ideia é corroborada em Hebreus 6.3-6 e pode apontar para uma possível perdição eterna para o apóstata, não porque Deus não os aceita mais; entretanto, por causa da dureza de seus corações, surge a impossibilidade de que eles se inclinem novamente para Deus.
      A possibilidade da perda da salvação é encontrada em alguns textos bíblicos que apontam para isso, como, por exemplo, o endurecimento do coração pelo engano do pecado (Hb 3.13) e a possibilidade de ter o nome riscado do livro da vida ao pecar contra Deus (Êx 32.33; Ap 3.5). Isso não tem nada a ver com a predestinação divina, mas, sim, com a capacidade de escolhas que o ser humano faz. Assim sendo, nenhuma experiência de conversão do passado é garantia de salvação permanente, mas, sim, a que provém de uma fé viva e atuante (Mt 11.12) no presente.
      Devido à força destrutiva do pecado, Satanás quer cirandar com os crentes (Lc 22.31-32) e, diante de sofrimentos difíceis de suportar (Jó 2.9), os crentes são tentados a abandonar a fé, o que leva à possibilidade de eles perderem a sua salvação. Vejamos alguns motivos práticos de apostasia:
       • Por rejeição consciente e voluntária da pessoa e da obra de Cristo (Jo 13.25-27);
       • Por pecado voluntário, consciente e repetitivo de maneira maldosa e que macula a imagem de Cristo no crente sem que haja arrependimento (At 5.4-5; 8.20);
       • E por ensinar doutrinas errôneas (2 Pe 2.1). De forma mais clara, a apostasia sempre será algo feito de maneira consciente, proposital, voluntária e maldosa contra a verdade. “Vós, portanto, amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados e descaiais da vossa firmeza” (2 Pe 3.17).
                                  
                                                 SEGUROS EM CRISTO
          A segurança da salvação é gerada na mente do crente na experiência de salvação, que é tão marcante e revolucionária181 que gera essa certeza incontestável. Além dessa experiência espiritual e emocional que gera certeza, o crente também crê por fé que, uma vez confessando a Cristo como seu salvador, seu intelecto compreende, e o Espírito Santo testemunha em sua consciência, pois “o mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16), gerando nele a certeza da salvação, que é como um testemunho interior, a qual manifesta a segurança da salvação, que é garantida por fé na graça de Cristo. Jesus disse que os seus ouviriam a sua voz, ou seja, uma forma de ter certeza da salvação é o quanto se é capaz de ouvir a voz de Jesus, “[...] e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10.4).
      É mediante a fé que estamos guardados “na virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pe 1.5); assim, restanos crer nEle; a parte dEle é guardar-nos. A responsabilidade do crente é aproveitar-se continuamente dos meios da graça que Deus proveu para seus filhos. O cristão não pode guardar a si mesmo; antes, deve submeter-se ao poder imenso do Deus que nele habita e pode guardá-lo. Cabe ao crente alimentar-se constantemente da Palavra de Deus para vencer as dúvidas e apagar os dardos inflamados do maligno através do escudo da fé (Ef 6.16), rendendo-se ao ministério do Espírito Santo para manter a comunhão com Deus através da oração, para, assim, ter a mente ocupada com tudo aquilo que diz respeito ao Reino de Deus (ver Fp 4.8).
      A segurança da salvação não é oriunda de um pensamento positivo e nem uma mera expressão de otimismo; é, antes, uma persuasão divina causada pela atuação do Espírito Santo e que está em sinergia com a fé do crente. Todavia, pode haver uma autoilusão quanto à certeza da salvação, originada pelo convencimento hipócrita de se estar andando com Deus, ou mesmo alguém pode ser enganado por demônios por estar na prática constante de pecados grosseiros e deliberados. Nesse caso, a suposta certeza da salvação deve ser comprovada por evidências externas de virtude moral e espiritual (1 Jo 2.3-6). Dessa forma, havendo testemunho interior do Espírito e evidências externas, pode-se acalmar o coração quanto à salvação.
       Alguns crentes vivem com certo pavor de terem perdido ou de, no futuro, perderem a salvação. Isso, entretanto, demonstra que eles não entenderam corretamente o que é a segurança da salvação. Esses crentes olham para dentro de si mesmos e tentam descobrir se estão salvos pelas evidências emocionais, quando, na verdade, deve-se olhar para o que a Palavra de Deus diz (Rm 10.9-10). Quando esses crentes percebem que a conduta deles não está de acordo com o que julgam ser a vida cristã e, então, encontram fraquezas e falhas, sua certeza desaparece; todavia, eles julgam que seu comportamento é correto, sentem-se seguros; entretanto, o que falta, na verdade, é crer de coração na Palavra de Deus, que afirma que o sacrifício de Cristo é suficiente para cobrir todos os pecados e também para libertar de falsas culpas que a religiosidade tenta criar para amedrontar os crentes. “Se Deus ficou satisfeito [em Cristo] e decidiu receber-nos, devemos alegrar-nos em crer que fomos recebidos e descansar em sua Palavra.”182 Isso, contudo, não quer dizer que “uma vez salvo, salvo para sempre”; apenas afirma nossa segurança em Cristo se não apostatarmos da fé.
      Embora o crente corra o risco de perder sua salvação por causa de suas atitudes (2 Tm 4.7-8), a fidelidade de Cristo e a certeza do cumprimento de suas promessas garantem que esse mesmo crente será guardado e conservado (Jd 1) irrepreensível até a sua vinda (1 Ts 5.23-24). Para ter a segurança da salvação, o crente precisa confiar no poder de Deus que o livra de tropeçar e que o mantém irrepreensível (Jd 24-25). Na oração sacerdotal, Jesus orou pelos discípulos e por aqueles que se haviam de salvar, afirmando que Ele mesmo cuidaria deles: “e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las das mãos de meu Pai” (Jo 10.28,29).
       A segurança em Cristo é afirmada na mente do crente através da atuação do Espírito Santo em seu interior e na sua consciência, como consequência da fé e do testemunho do Espírito Santo em sua consciência. Isso garante que se viva na esperança e na certeza da confiança na graça e na misericórdia de Deus e que o crente poderá partir desta vida sem qualquer medo ansioso, ou pavor terrível ou temor da morte,183 pois encontrará o Cristo ressuscitado esperando-o nas mansões celestiais.
      Uma das melhoras consequências que alcançamos ao aceitarmos a Cristo é que podemos ter certeza da salvação (Sl 51.12; Is 12.3; 1 Jo 5.13), pois agora não temos mais o peso da culpa e da condenação e somos aceitos e amados por Deus e, assim, o efeito prático é que se pode viver uma vida muito feliz e radiante (Lc 10.20).
      Não podemos ter certeza da salvação a partir de qualquer obra ou mérito próprio. Essa certeza é unicamente possível através da confiança que o cristão tem em Cristo e em sua obra. Embora tenhamos a liberdade de caminhar para onde quisermos e fazer o que quisermos, o Espírito Santo age em nossa mente errante e convence-nos do pecado (Jo 16.8). Podemos ser vacilantes, intemperantes e termos dúvidas, mas Ele prende cada um de nós com laços de amor, trazendo-nos de volta ao aprisco (Lc 15.7).
     Nem mesmo o sofrimento de Paulo levou-o a desanimar ou diminuir sua confiança em Deus: “Por cuja causa padeço também isto, mas não me envergonho, porque eu sei em quem tenho crido e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele Dia” (2 Tm 1.12). O verbo que Paulo utiliza está no tempo pretérito perfeito composto, indicando um ato de continuidade, ou seja, uma fé exercida no início, porém mantida firme durante as duras provações e dúvidas inerentes à vida cristã. A afirmação denota uma confiança contínua na fidelidade de Deus, tantas vezes experimentada por Paulo. A expressão do apóstolo indica um conhecimento profundo (“eu sei”), que é construído com um relacionamento íntimo e amoroso com alguém, no qual se confia porque se construiu essa confiança e são conhecidas as suas ações e pensamentos em seu favor.
      O “Dia” final de Paulo é o momento em que esperança e a fé — construídas aqui nesta vida quanto à certeza da salvação e na tensão da caminhada cristã do “já agora” e do “ainda não” — fundir-se-ão no horizonte eterno e alcançarão sua concretização final para a alegria de multidões de salvos que estarão diante do Trono do Cordeiro, porque creram na esperança da salvação que se tornou real: “Porque, em esperança, somos salvos. Ora, a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê, como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos” (Rm 8.24-25).
                                     📕A Obra da Salvação Claiton Ivan Pommerening


                       Conhecendo as Doutrinas da Bíblia
                                        Myer Pearlman

V. A Segurança da Salvação

Temos estudado as preparações para a salvação e considerado a natureza desta. Nesta seção consideramos: É a Salvação final dos cristãos incondicional, ou poderá perder-se por causa do pecado?
A experiência prova a possibilidade duma queda temporária da graça, conhecida por "desviar-se". O termo não se encontra no Novo Testamento, senão no Antigo Testamento. Uma palavra hebraica significa "voltar atrás" ou "virar-se"; outra palavra significa "volver-se" ou ser "rebelde". Israel é comparado a um bezerro teimoso que volta para trás e se recusa a ser conduzido, e torna-se insubmisso ao jugo. Israel afastou-se de Jeová e obstinadamente se recusou a tomar sobre si o jugo de seus mandamentos.
O Novo Testamento nos admoesta contra tal atitude, porém usa outros termos. O desviado é a pessoa que outrora tinha o zelo de Deus, mas agora se tomou fria (Mat. 24:12); outrora obedecia à Palavra, mas o mundanismo e o pecado impediram seu crescimento e frutificação (Mat. 13:22); outrora pôs a mão ao arado, mas olhou para trás (Luc. 9:62); como a esposa de Ló, que havia sido resgatada da cidade da destruição, mas seu coração voltou para ali (Luc. 17:32); outrora estava em contacto vital com Cristo, mas agora está fora de contacto, e está seco, estéril e inútil espiritualmente (João 15:6); outrora obedecia à voz da consciência, mas agora jogou para longe de si essa bússola que o guiava, e, como resultado, sua embarcação de fé destroçou-se nas rochas do pecado e do mundanismo (1 Tim. 1:19); outrora alegrava-se em chamar-se cristão, mas agora se envergonha de confessar a seu Senhor (2 Tim. 1:8 ;2:12); outrora estava liberto da contaminação do mundo, mas agora voltou como a "porca lavada ao espoja-douro de lama" (2 Ped. 2:22; vide Luc. 11:21-26).
É possível decair da graça; mas a questão é saber se a pessoa que era salva e teve esse lapso, pode finalmente perder-se. Aqueles que seguem o sistema de doutrina calvinista respondem negativamente; aqueles que seguem o sistema arminiano (chamado assim em razão de Armínio, teólogo holandês, que trouxe a questão a debate) respondem afirmativamente.

1. Calvinismo.

A doutrina de João Calvino não foi criada por ele; foi ensinada por santo Agostinho, o grande teólogo do quarto século. Nem tampouco foi criada por Agostinho, que afirmava estar interpretando a doutrina de Paulo sobre a livre graça.
A doutrina de Calvino é como segue: A salvação é inteiramente de Deus; o homem absolutamente nada tem a ver com sua salvação. Se ele, o homem, se arrepender, crer e for a Cristo, é inteiramente por causa do poder atrativo do Espírito de Deus. Isso se deve ao fato de que a vontade do homem se corrompeu tanto desde a queda, que, sem a ajuda de Deus, não pode nem se arrepender, nem crer, nem escolher corretamente. Esse foi o ponto de partida de Calvino — a completa servidão da vontade do homem ao mal. A salvação, por conseguinte, não pode ser outra coisa senão a execução dum decreto divino que fixa sua extensão e suas condições.
Naturalmente surge esta pergunta: Se a salvação é inteiramente obra de Deus, e o homem não tem nada a ver com ela, e está desamparado, amenos que o Espírito de Deus opere nele, então, por que Deus não salva a todos os homens, posto que todos estão perdidos e desamparados? A resposta de Calvino era: Deus predestinou alguns para serem salvos e outros para serem perdidos. "A predestinação é o eterno decreto de Deus, pelo qual ele decidiu o que será de cada um e de todos os indivíduos. Pois nem todos são criados na mesma condição; mas a vida eterna está preordenada para alguns, e a condenação eterna para outros." Ao agir dessa maneira Deus não é injusto, pois ele não é obrigado a salvar a ninguém; a responsabilidade do homem permanece, pois a queda de Adão foi sua própria falta, e o homem sempre é responsável por seus pecados.
Posto que Deus predestinou certos indivíduos para a salvação, Cristo morreu unicamente pelos "eleitos"; a expiação fracassaria se alguns pelos quais Cristo morreu se perdessem.
Dessa doutrina da predestinação segue-se o ensino de "uma vez salvo sempre salvo"; porque se Deus predestinou um homem para a salvação, e unicamente pode ser salvo e guardado pela graça de Deus, que é irresistível, então, nunca pode perder-se.
Os defensores da doutrina da "segurança eterna" apresentam as seguintes referências para sustentar sua posição: João 10:28,29: Rom. 11:29; Fil. 1:6; 1 Ped. 1:5; Rom. 8:35; João 17:6.

2. Arminianismo.

O ensino arminiano é como segue: A vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos, porque Cristo morreu por todos. (1 Tim. 2:4-6; Heb. 2:9; 2 Cor. 5:14; Tito 2:11,12.) Com essa finalidade ele oferece sua graça a todos. Embora a salvação seja obra de Deus, absolutamente livre e independente de nossas boas obras ou méritos, o homem tem certas condições a cumprir. Ele pode escolher aceitar a graça de Deus, ou pode resistir-lhe e rejeitá-la. Seu direito de livre arbítrio sempre permanece.
As Escrituras certamente ensinam uma predestinação, mas não que Deus predestina alguns para a vida eterna e outros para o sofrimento eterno. Ele predestina " a todos os que querem" a serem salvos — e esse plano é bastante amplo para incluir a todos que realmente desejam ser salvos. Essa verdade tem sido explicada da seguinte maneira: na parte de fora da porta da salvação lemos as palavras: "quem quiser pode vir"; quando entramos por essa porta e somos salvos, lemos as palavras no outro lado da porta: "eleitos segundo a presciência de Deus". Deus, em razão de seu conhecimento, previu que essas pessoas aceitariam o evangelho e permaneceriam salvos, e predestinou para essas pessoas uma herança celestial. Ele previu o destino delas, mas não o fixou.
A doutrina da predestinação é mencionada, não com propósito especulativo, e, sim, com propósito prático. Quando Deus chamou Jeremias ao ministério, ele sabia que o profeta teria uma tarefa muito difícil e poderia ser tentado a deixá-la. Para encorajá-lo, o Senhor assegurou ao profeta que o havia conhecido e o havia chamado antes de nascer (Jer. 1:5). Com efeito, o Senhor disse: "Já sei o que está adiante de ti, mas também sei que posso te dar graça suficiente para enfrentares todas as provas futuras e conduzir-te à vitória." Quando o Novo Testamento descreve os cristãos como objetos da presciência de Deus, seu propósito é dar-nos certeza do fato de que Deus previu todas as dificuldades que surgirão à nossa frente, e que ele pode nos guardar e nos guardará de cair.

3. Uma comparação.

A salvação é condicional ou incondicional? Uma vez salva, a pessoa é salva eternamente? A resposta dependerá da maneira em que podemos responder às seguintes perguntas-chave: De quem depende a salvação? É irresistível a graça?
1) De quem depende, em última análise, a salvação: de Deus ou do homem? Certamente deve depender de Deus, porque, quem poderia ser salvo se a salvação dependesse da força da própria pessoa? Podemos estar seguros disto: Deus nos conduzirá à vitória, não importa quão débeis ou desatinados sejamos, uma vez que sinceramente desejamos fazer a sua vontade. Sua graça está sempre presente para nos admoestar, reprimir, animar e sustentar.
Contudo, não haverá um sentido em que a salvação dependa do homem? As Escrituras ensinam constantemente que o homem tem o poder de escolher livremente entre a vida e a morte, e Deus nunca violará esse poder.
2) Pode-se resistir à graça de Deus? Um dos princípios fundamentais do Calvinismo é que a graça de Deus e irresistível. Quando Deus decreta a salvação de uma pessoa, seu Espírito atrai, e essa atração não pode ser resistida. Portanto, um verdadeiro filho de Deus certamente perseverará até ao fim e será salvo; ainda que caia em pecado, Deus o castigará e pelejará com ele. Ilustrando a teoria calvinista diríamos: é como se alguém estivesse a bordo dum navio, e levasse um tombo; contudo está a bordo ainda; não caiu ao mar.
Mas o Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à graça divina e resistir para a perdição eterna (João 6:40; Heb. 6:46; 10:26-30; 2 Ped. 2:21; Heb. 2:3; 2 Ped. 1:10), e que a perseverança é condicional dependendo de manter-se em contacto com Deus.
Note-se especialmente Heb. 6:4-6 e 10:26-29. Essas palavras foram dirigidas a cristãos; as epístolas de Paulo não foram dirigidas aos não-regenerados. Aqueles aos quais foram dirigidas são descritos como havendo sido uma vez iluminados, havendo provado o dom celestial, participantes do Espírito Santo, havendo provado a boa Palavra de Deus e as virtudes do século futuro. Essas palavras certamente descrevem pessoas regeneradas.
Aqueles aos quais foram dirigidas essas palavras eram critãos hebreus, que, desanimados e perseguidos (10:32-39), estavam tentados a voltar ao Judaísmo. Antes de serem novamente recebidos na sinagoga, requeria-se deles que, publicamente, fizessem as seguintes declarações (10:29): que Jesus não era o Filho de Deus; que seu sangue havia sido derramado justamente como o dum malfeitor comum; e que seus milagres foram operados pelo poder do maligno. Tudo isso está implícito em Heb. 10:29. (Que tal repúdio da fé podia haver sido exigido, é ilustrado pelo caso dum cristão hebreu na Alemanha, que desejava voltar à sinagoga, mas foi recusado porque desejava conservar algumas verdades do Novo Testamento.) Antes de sua conversão havia pertencido à nação que crucificou a Cristo; voltar à sinagoga seria de novo crucificar o Filho de Deus e expô-lo ao vitupério; seria o terrível pecado da apostasia (Heb. 6:6); seria como o pecado imperdoável para o qual não há remissão, porque a pessoa que está endurecida a ponto de cometê-lo não pode ser "renovada para arrependimento"; seria digna dum castigo mais terrível do que a morte (10:28); e significaria incorrer na vingança do Deus vivo (10:30, 31).
Não se declara que alguém houvesse ido até esse ponto; de fato , o autor está persuadido de "coisas melhores" (6:9). Contudo, se o terrível pecado da apostasia da parte de pessoas salvas não fosse ao menos remotamente possível, todas essas admoestações careceriam de qualquer fundamento.
Leia-se 1 Cor. 10:1-12. Os coríntios se haviam jactado de sua liberdade cristã e da possessão dos dons espirituais. Entretanto, muitos estavam vivendo num nível muito pobre de espiritualidade. Evidentemente eles estavam confiando em sua "posição" e privilégios no Evangelho. Mas Paulo os adverte de que os privilégios podem perder-se pelo pecado, e cita os exemplos dos israelitas. Estes foram libertados duma maneira sobrenatural da terra do Egito, por intermédio de Moisés, e, como resultado, o aceitaram como seu chefe durante a jornada para a Terra da Promissão. A passagem pelo Mar Vermelho foi um sinal de sua dedicação à direção de Moisés. Cobrindo-os estava a nuvem, o símbolo sobrenatural da presença de Deus que os guiava. Depois de salvá-los do Egito, Deus os sustentou, dando-lhes, de maneira sobrenatural, o que comer e beber. Tudo isso significava que os israelitas estavam em graça, isto é: no favor e na comunhão com Deus.
Mas "uma vez em graça sempre em graça" não foi verdade no caso dos israelitas, pois a rota de sua jornada ficou assinalada com as sepulturas dos que foram destruídos em conseqüência de suas murmurações, rebelião e idolatria. O pecado interrompeu sua comunhão com Deus, e, como resultado, caíram da graça. Paulo declara que esses eventos foram registrados na Bíblia para advertir os cristãos quanto à possibilidade de perder os mais sublimes privilégios por meio do pecado deliberado.

4. Equilíbrio escriturístico.

As respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação — e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo acentua a livre vontade e responsabilidade do homem — e assim o faz a Bíblia. A solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro. Por exemplo: a ênfase demasiada à soberania e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outro lado, ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de toda a confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser evitados são: a ilegalidade e o legalismo.
Quando Carlos Finney ministrava em uma comunidade onde a graça de Deus havia recebido excessiva ênfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e as obras haviam sido fortemente defendidas, ele acentuava a graça de Deus. Quando deixamos os mistérios da predestinação e nos damos à obra prática de salvar as almas, não temos dificuldades com o assunto. João Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista. Entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.
Pregadores piedosos calvinistas, do tipo de Carlos Spurgeon e Carlos Finney, têm pregado a perseverança dos santos de tal modo a evitar a negligência. Eles tiveram muito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de Deus certamente perseveraria até ao fim, mas acentuaram que se não perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento. Se a pessoa não procurasse andar na santidade, dizia Calvino, bem faria em duvidar de sua eleição.
É inevitável defrontarmo-nos com mistérios quando nos propomos tratar as poderosas verdades da presciência de Deus e a livre vontade do homem; mas se guardamos as exortações práticas das Escrituras, e nos dedicamos a cumprir os deveres específicos que se nos ordenam, não erraremos. "As coisas encobertas são para o Senhor Deus, porém as reveladas são para nós" (Deut. 29:29).
Para concluir, podemos sugerir que não é prudente insistir falando indevidamente dos perigos da vida cristã. Maior ênfase deve ser dada aos meios de segurança — o poder de Cristo como Salvador; a fidelidade do Espírito Santo que habita em nós, a certeza das divinas promessas, e a eficácia infalível da oração. O Novo Testamento ensina uma verdadeira "segurança eterna", assegurando-nos que, a despeito da debilidade, das imperfeições, obstáculos ou dificuldades exteriores, o cristão pode estar seguro e ser vencedor em Cristo. Ele pode dizer com o apóstolo Paulo: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom. 8:35-39).
Conhecendo as Doutrinas da Bíblia
Myer Pearlman



                                                               40
                                            A Perseverança dos Santos
                                               (Conservar-se Cristão)
Podem os verdadeiros cristãos perder a salvação? Como saber se realmente nascemos de novo?
Wayne Grudem TEOLOGIA  SISTEMÁTICA 
ATUAL E EXAUSTIVA

                                   Explicação e base bíblica
 A
té aqui a nossa análise já abordou muitos aspectos da plena salvação que Cristo conquistou para nós e que o Espírito Santo agora aplica a nós. Mas como saber que continuaremos cristãos até o fim da vida? Será que há alguma coisa que nos impeça de nos afastar de Cristo, algo que garanta que nos conservaremos cristãos até a morte e que de fato viveremos com Deus no céu para sempre? Ou será possível que nos afastemos de Cristo e percamos as bênçãos da salvação? O tema da perseverança dos santos trata dessas questões. Pela perseverança dos santos, todos aqueles que verdadeiramente nasceram de novo serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o final da vida, e só aqueles que perseverarem até o fim realmente nasceram de novo. Essa definição tem duas partes. Indica primeiro que há uma garantia a ser dada àqueles que realmente nasceram de novo, pois lembra-lhes de que o poder de Deus irá conservá-los cristãos até a morte e que certamente viverão com Cristo no céu para sempre. Por outro lado, a segunda metade da definição deixa claro que a perseverança na vida cristã é uma das evidências de que a pessoa realmente nasceu de novo. E importante ter em mente também esse aspecto da doutrina, para que não se dêem falsas garantias a pessoas que na verdade nunca foram crentes.
 Convém notar que essa questão é um ponto de forte discordância entre os cristãos evangélicos há muito tempo. Muitos da tradição wesleyana/arminiana sustentam que é possível que alguém realmente nascido de novo venha a perder a salvação, enquanto os cristãos reformamos defendem que isso é impossível para uma pessoa verdadeiramente nascida de novo.1 A maioria dos batistas segue a tradição reformada nesse ponto; porém, eles muitas vezes usam a expressão “segurança eterna”on “segurança eterna do crente”e não “perseverança dos santos”.
659
A . T odos os que verdadeiramente nasceram de novo
PERSEVERARÃO ATÉ O FIM
 Muitas passagens pregam que aqueles que verdadeiramente nasceram de novo, que são realmente cristãos, continuarão na vida cristã até a morte, e então viverão com Cristo no céu. Diz Jesus: Eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta:
que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.38-40).
Aqui diz Jesus que todos os que crêem nele terão vida eterna. Diz que irá ressuscitar essa pessoa no último dia - o que, nesse contexto de crer no Filho e ter vida eterna, significa claramente quejesus ressuscitará essa pessoa para a vida eterna ao lado dele (não somente a ressuscitará para juízo e condenação). Parece difícil evitar a conclusão de que todos os que verdadeiramente crêem em Cristo permanecerão cristãos até o dia da ressurreição final para as bênçãos da vida na presença de Deus.2 Além disso, esse texto enfatiza quejesus faz a vontade do Pai, ou seja, “que nenhum eu perca de todos os que me deu” (Jo 6.39). Reafirma-se então: os que foram dados ao Filho pelo Pai não se perderão. Outra passagem que sublinha essa verdade é João 10.27-29, na qual diz Jesus:
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Aqui Jesus diz que aqueles que o seguem, os que são as suas ovelhas, recebem vida eterna. Diz ainda que “ninguém as arrebatará da minha mão” (v. 28).
Ora, alguns já objetaram que, embora ninguém possa tirar os cristãos da mão de Cristo, nós mesmos podemos nos afastar dele. Mas isso mais parece tergiversação rasteira - afinal, será que “ninguém” também não inclui a pessoa que está na mão de Cristo? Além do mais, sabemos que o nosso coração não é nem de longe confiável. Portanto se houvesse a possibilidade de nós mesmos nos afastarmos de Cristo, a passagem certamente não daria a garantia quejesus parece pretender.
Mas na verdade a frase mais conclusiva da passagem é “jamaisperecerão” (w. 28). A construção grega (ou mê mais um subjuntivo aoristo) é especialmente enfática e teria uma tradução mais explícita: “e eles certamente não perecerão para sempre”. Isso sublinha que as “ovelhas” dejesus, que o seguem, que dele recebem a vida eterna, jamais perderão a salvação nem se separarão de Cristo - “jamais perecerão”.3
 Várias outras passagens afirmam que aqueles que crêem têm “vida eterna”. Um exemplo éjoão 3.36: “Quem crê no Filho tem a vida eterna” (d. também Jo 5.24; 6.4-7; 10.28; IJo 5.13). Ora, se é realmente vida eterna que têm os crentes, então é uma vida que dura para sempre ao lado de Deus. E um dom de Deus que acompanha a salvação (é contrastada com a condenação e o juízo eternos emjo 3.16-17, 36; 10.28). Os arminianos 660 objetam que “vida eterna” é simplesmente a vida em relação com Deus, que a pessoa pode ter por certo tempo e depois perder. Mas essa objeção não parece convincente em vista do claro sentido de tempo infinito que carrega o adjetivo eterno (gr. aiõnios, “eterno, sem fim”).4 Certamente essa vida tem uma qualidade especial, mas a ênfase do adjetivo eterno está no fato de ser essa vida o oposto da morte; é o oposto do juízo e da separação de Deus; é a vida que continua para sempre na presença de Deus. E aquele que crê no Filho tem essa “vida eterna” (Jo 3.36).
Os textos de Paulo e outras epístolas do Novo Testamento também trazem elementos que indicam que os que verdadeiramente nascem de novo perseverarão até o fim. “Já nenhuma condenação há para os que estão em Cristojesus” (Rm 8.1); portanto, seria injusto que Deus reservasse algum tipo de castigo eterno para os cristãos - nenhuma condenação há para eles, pois a penalidade dos seus pecados já foi expiada integralmente.
Adiante, em Romanos 8.30, Paulo sublinha o claro elo entre os desígnios eternos de Deus na predestinação e a divina realização desses desígnios na vida, juntamente com a consumação desses desígnios na “glorificação”, ou concessão do corpo ressurreto àqueles que foram levados à união com Cristo: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. Aqui Paulo enxerga o futuro evento da glorificação com tamanha certeza no desígnio determinado de Deus que chega a falar dele como se já realizado (“também glorificou”). Isso vale para todos os que são chamados e justificados - ou seja, todos os que verdadeiramente se tomaram cristãos.
Outras provas de que Deus guarda os que nascem de novo para a eternidade é o “selo” que Deus coloca em nós. Tal “selo” é o Espírito Santo que habita em nós, que também funciona como “penhor” divino de que receberemos a herança que nos foi prometida: “Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.13-14). A palavra grega traduzida como “penhor” nessa passagem (arrabõn) é um termo legal e comercial que significa “primeira prestação, depósito, entrada, caução” e representa “um pagamento que obriga a parte contratante a fazer novos pagamentos”.5 Quando Deus nos concedeu o Espírito Santo, ele se comprometeu a dar as outras bênçãos da vida eterna e uma grande recompensa no céu ao lado dele. E por isso que Paulo diz que o Espírito Santo é “o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade” (Ef 1.14). Todo aquele que tem dentro de si o Espírito Santo, todo aquele que verdadeiramente nasceu de novo, conta com a imutável promessa e garantia de Deus de que a herança da vida eterna no céu certamente será sua. A própria fidelidade de Deus é a garantia da realização disso.6
Outro exemplo da garantia de que os crentes perseverarão até o fim se encontra na declaração de Paulo aos filipenses: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristojesus” (Fp 1.6). O plural “vós” (gr. hymas) indica que Paulo se refere aos cristãos da igreja filipense em geral, mas mesmo assim ele fala dos crentes aos quais escreve e diz que a boa obra que Deus começou neles continuará e será completada no dia da volta de Cristo.7 Pedro diz aos seus leitores que são eles os que são “guardadospelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (IPe 1.5). A palavra guardados (gr. phroureõ) pode (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 661 significar tanto “impedidos de fugir” quanto “protegidos de ataque”, e talvez os dois sentidos estejam implícitos aqui: Deus impede que os crentes fujam do seu reino, e os protege de ataques externos.
O particípio presente usado por Pedro dá este sentido: “Vós estais continuamente sendo guardados”.8 Ele enfatiza que isso se dá pelo poder de Deus. Porém o poder de Deus não age independentemente da fé da pessoa que é guardada, mas por meio dessa fé. (A “fé”, pistis, é normalmente uma atividade individual dos crentes nas epístolas de Pedro; ver IPe 1.7,9,21; 5.9; 2Pe 1.1,5; e comumente no Novo Testamento.) Os exemplos análogos da ação divina “mediante” alguém ou algo nos textos de Pedro (IPe 1.3,23; 2Pe 1.4; e provavelmente também IPe 1.12; 2.14; 3.1) sugerem que a fé ou a confiança do crente em Deus é o meio que Deus usa para guardar o seu povo. Assim podemos definir o sentido do versículo dizendo que “Deus está continuamente usando o seu poder para guardar o seu povo mediante a fé desse povo”, uma declaração que parece implicar que o poder divino na verdade fortalece e continuamente sustenta a fé do indivíduo.9
 Essa guarda não tem em vista uma meta temporária, mas a salvação preparada para revelar-se no último tempo. A palavra “salvação” é usada aqui não para indicar uma justificação pretérita ou uma santificação presente (falando em categorias teológicas), mas a plena posse fatura de todas as bênçãos da nossa redenção - ou a consumação final e completa da nossa salvação (cf. Rm 13.11; IPe 2.2). Embora já pronta ou “preparada”, só será “revelada” por Deus à humanidade em geral no “último tempo”, o tempo do juízo final. Essa última expressão torna difícil, se não impossível, identificar o fim da ação protetora de Deus. Se a guarda de Deus tem como propósito a preservação dos crentes até que eles recebam a sua plena salvação celeste, então podemos concluir com segurança que Deus irá realizar esse desígnio e que os crentes de fato alcançarão essa salvação final. Em última análise, para alcançar essa salvação final os crentes dependem do poder de Deus. No entanto, o poder de Deus age continuamente “mediante” a sua fé. E se os crentes quiserem saber se Deus os está guardando? Ora, se eles persistem na fé em Deus por meio de Cristo, Deus atua para guardá-los e por isso merece reconhecimento.
Essa ênfase na proteção de Deus combinada à nossa fé proporciona uma transição natural à segunda metade da doutrina da perseverança.
B. SÓ AQUELES QUE PERSEVERAREM ATÉ O FIM REALMENTE NASCERAM DE NOVO
 Embora as Escrituras vez após vez ressaltem que os que verdadeiramente nasceram de novo perseverarão até o fim e por certo terão a vida eterna no céu ao lado de Deus, outras passagens falam da necessidade de persistir na fé por toda a vida. Elas nos fazem perceber que aquilo que Pedro disse em 1 Pedro 1.5 é verdade: que Deus não nos guarda independentemente da nossa fé, mas só age mediante a nossa fé; ou seja, possibilita que continuemos a crer nele. Desse modo, aqueles que persistem na fé em Cristo ganham a certeza de que Deus age neles e os guarda.
Um exemplo desse tipo de passagem éjoão 8.31-32: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Jesus alerta aqui que uma prova da fé genuína é a perseverança na sua palavra, ou seja, continuar a crer naquilo que (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 662 ele diz e levar uma vida de obediência aos seus mandamentos. Jesus, do mesmo modo, para exortar as pessoas a não fraquejar em tempos de perseguição, declara: “Aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo” (Mt 10.22).
Paulo diz aos cristãos colossenses que Cristo os reconciliou com Deus, “para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis, se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1.22-23). Nada mais natural que Paulo e os outros autores do Novo Testamento falem assim, pois se dirigem a grupos de pessoas que confessam a fé cristã, sem poder saber o estado real do coração de cada um. Em Colossos talvez houvesse pessoas que faziam parte da comunhão da igreja e (quem sabe?) até professassem fé em Cristo, tendo sido inclusive batizadas na igreja, sem contudo jamais ter tido verdadeira fé salvífica. Como é que Paulo distingue essa gente dos verdadeiros crentes? De que modo ele evita dar-lhes falsa garantia, garantia de que serão salvos para a eternidade quando na verdade não o serão, a menos que venham verdadeiramente a se arrepender e a ter fé? Paulo sabe que aqueles cuja fé não é real acabarão deixando de participar da comunhão da igreja. Portanto ele diz aos seus leitores que eles serão salvos “se é que permaneceis na fé” (Cl 1.23). Aqueles que persistem mostram assim que são crentes autênticos. Mas os que não persistem na fé mostram que nunca houve fé genuína no seu coração.
Ênfase semelhante se vê em Hebreus 3.14 (nasb): “Porque nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardamos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos”. Esse versículo dá um excelente panorama da doutrina da perseverança. Como sabemos que “nos temos tornado participantes de Cristo”? Como sabemos se essa união com Cristo nos aconteceu em algum momento do passado?10 Uma forma de confirmar que de fato alcançamos genuína fé em Cristo é verificar se continuamos na fé até o fim da vida.
A atenção ao contexto de Hebreus 3.14 nos impede de usar essa e outras passagens semelhantes de um modo pastoralmente incorreto. É preciso lembrar que há nas Escrituras outras provas que dão aos cristãos a garantia da salvação;11 por isso não devemos pensar que é impossível ter antes da morte a garantia de que pertencemos a Cristo. Contudo, persistir na fé é uma das formas mencionadas pelo autor de Hebreus de o crente obter tal garantia. Ele a menciona para exortar os leitores a não se afastar de Cristo, pois está escrevendo dentro de um contexto em que tal alerta se faz necessário. O início dessa seção, apenas dois versículos antes, diz: “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo” (Hb 3.12). De fato, em todas as passagens em que se menciona a persistência na fé em Cristo até o fim da vida como indicação de fé genuína, o propósito nunca é fazer aqueles que já confiam em Cristo temer que em algum momento do futuro venham a se perder (tampouco devemos usar essas passagens desse modo, pois isso suscitaria uma causa equivocada de temor, algo que as Escrituras não estimulam). Antes, o propósito é sempre alertar aqueles que pensam em se afastar ou que já se afastaram: se eles o fizerem, tal ato será uma forte indicação de que jamais foram salvos. Assim, a necessidade de persistir na fé deve ser usada simplesmente como alerta contra o afastamento da fé, sinalizando que aqueles que se afastam de Cristo dão provas de que a sua fé jamais foi autêntica.
João afirma claramente que quando as pessoas se afastam da comunhão da igreja e da fé em Cristo, mostram assim que a sua fé nunca foi real e que jamais fizeram parte do (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 663 verdadeiro corpo de Cristo. Falando de pessoas que haviam abandonado a comunhão dos crentes, declarajoão: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (ljo 2.19).João afirma que aqueles que partiram mostraram com o seu ato que “não eram dos nossos” - não haviam verdadeiramente nascido de novo.
C . A queles que acabam se afastando podem dar m uitos sinais EXTERIORES DE CONVERSÃO
Será sempre fácil distinguir os membros da igreja que têm autêntica fé salvífica daqueles que têm apenas um convencimento intelectual da verdade do evangelho, mas não a autêntica fé no coração? Não, nem sempre é fácil, e a Bíblia afirma em várias passagens que descrentes em aparente comunhão com a igreja podem dar alguns sinais ou indicações exteriores que os façam parecer crentes verdadeiros. Por exemplo, Judas, que traiu Cristo, deve ter agido quase exatamente como os outros discípulos durante os três anos em que esteve com Jesus. Tão convincente era a sua conformidade à conduta dos outros discípulos que ao final dos três anos de ministério dejesus, quando ele declarou que um dos seus discípulos o trairia, nem todos suspeitaram de Judas, mas “começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura, sou eu, Senhor?” (Mt 26.22; cf. Mc 14.19; Lc 22.23; Jo 13.22). Porém, Jesus sabia que não havia fé genuína no coração de Judas, pois disse a certa altura: “Não vos escolhi eu em número de doze? Contudo, um de vós é diabo” (Jo 6.70). João mais tarde escreveu no seu evangelho que “Jesus sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair” (Jo 6.64). Mas os discípulos mesmos não sabiam.
 Paulo também fala dos ‘falsos irmãos que se entremeteram” (G1 2.4), e afirma que nas suas viagens esteve “em perigos entre falsos irmãos” ("ICo 11.26). Afirma também que os servos de Satanás se transformam “em ministros de justiça” (2Co 11.15). Isso não significa que todos os descrentes da igreja que dão alguns sinais de verdadeira conversão sejam servos de Satanás agindo secretamente para minar a obra da igreja, pois alguns podem estar ainda ponderando as declarações do evangelho e avançando rumo à verdadeira fé, outros podem ter ouvido uma explicação incorreta da mensagem evangélica, e outros podem não ter ainda alcançado a verdadeira convicção do Espírito Santo. Mas as declarações de Paulo significam que alguns descrentes dentro da igreja são falsos irmãos e irmãs enviados para perturbar a comunhão, enquanto outros são simplesmente descrentes que acabarão alcançando a genuína fé salvífica. Nos dois casos, porém, eles podem dar diversos sinais exteriores que os façam parecer crentes autênticos.
Podemos ver isso também na declaração dejesus sobre o que acontecerá no juízo final: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer- me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade (Mt 7.21-23).
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Embora essas pessoas profetizassem, expulsassem demônios e fizessem “muitos milagres” em nome dejesus, a capacidade de fazer tais obras não garantia que eram cristãs. Diz Jesus: “Nunca vos conheci”. Não diz: “Eu vos conheci um dia, mas já não vos conheço” nem “Eu vos conheci um dia, mas vos afastastes de mim”, e sim: “Nunca vos conheci”. Nunca foram crentes de verdade.
Ensinamento semelhante se encontra na parábola do semeador em Marcos 4. Diz Jesus: “Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda na terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se” (Mc 4.5-6). Jesus explica que a semente plantada em solo rochoso representa aqueles que “ouvindo a palavra, logo a recebem com alegria. Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo, antes, de pouca duração; em lhes chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandalizam” (Mc 4.16-17). O fato de eles não terem “raiz em si mesmos” indica que não havia fonte de vida dentro dessas plantas; do mesmo modo, as pessoas representadas por tais plantas não têm vida genuína em si. Exibem uma aparência de conversão e aparentemente se tornam cristãs, pois aceitaram a palavra “com alegria”, mas quando vem a dificuldade, elas não são mais encontradas em lugar nenhum - a sua conversão aparente não foi genuína e não havia verdadeira fé salvífica no seu coração.
A importância de persistir na fé é também confirmada na parábola dejesus como videira, na qual os cristãos são retratados como ramos (Jo 15.1-7). Diz Jesus:
 Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. [...] Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam (Jo 15.1-2, 6).
Os arminianos alegam que os ramos que não dão fruto são ainda assim ramos genuínos da videira - Jesus fala de “todo ramo que, estando em mim, não der fruto” (v. 2). Portanto, os ramos que são apanhados, lançados no fogo e queimados devem representar crentes autênticos que foram um dia parte da videira, mas caíram e ficaram sujeitos à condenação eterna. Mas essa não é uma implicação necessária do ensinamento dejesus sobre essa questão. O símile da videira usado nessa parábola é limitado quanto ao volume de detalhes que pode dar. Na verdade, se Jesus quisesse ensinar que associados a ele havia crentes verdadeiros e falsos, e se quisesse usar a analogia da videira e seus ramos, então o único modo de se referir às pessoas que não tinham em si vida genuína seria falar de ramos que não dão fruto (lembrando a analogia das sementes que caíram no solo rochoso: “eles não têm raiz em si mesmos” [Mc 4.17]). Aqui em João 15 os ramos que não dão fruto, embora estejam de certo modo ligados ajesus e exibam uma aparência de ramos legítimos, assim mesmo dão indicação da sua verdadeira condição pelo fato de não dar fruto. Isso é igualmente indicado pelo fato de a pessoa “não permanecer” em Cristo (Jo 15.6) e ser lançada fora para secar como ramo arrancado da videira. Se tentamos esticar a analogia um pouco mais, dizendo por exemplo que todos os ramos de uma videira estão de fato vivos, senão nem estariam ali, então o que fazemos é estender a metáfora além daquilo que ela é capaz de ensinar - e nesse caso nada haveria na analogia que pudesse representar os falsos crentes. O objetivo da metáfora é simplesmente dizer que aqueles (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 665 que dão fruto, dão portanto provas de que permanecem em Cristo; aqueles que não dão fruto, não permanecem nele.
 Finalmente, há duas passagens de Hebreus que também afirmam que aqueles que acabam se afastando podem dar muitos sinais exteriores de conversão e parecer cristãos em muitos aspectos. A primeira delas, Hebreus 6.4-6, foi muitas vezes usada pelos arminianos como prova de que os crentes podem perder a salvação. Mas num exame mais detido essa interpretação não se revela convincente. Escreve o autor:
É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia (Hb 6.4-6).
O autor continua com um exemplo extraído da agricultura:
Porque a terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada (Hb 6.7-8).
Nessa metáfora agrícola, os condenados no juízo final são comparados à terra que não produz vegetação ou fruto útil, mas só espinhos e abrolhos. Quando lembramos outras metáforas bíblicas em que o bom fruto é sinal de verdadeira vida espiritual e a ausência de frutos denuncia os falsos crentes (por exemplo, Mt 3.8-10; 7.15-20; 12.33-35), já temos uma indicação de que o autor está falando de pessoas cuja prova mais confiável da sua condição espiritual (o fruto que produzem) é negativa, sugerindo que o autor fala de pessoas que não são verdadeiramente cristãs.
 Alguns já objetaram que a longa descrição de coisas que aconteceram a essas pessoas que se afastaram significa que elas devem ter verdadeiramente nascido de novo. Mas essa não é uma objeção convincente quando se examinam os termos usados. O autor diz que “uma vez foram iluminados”(Hb 6.4). Mas essa iluminação significa simplesmente que eles compreenderam as verdades do evangelho, não que tenham respondido a essas verdades com genuína fé salvífica.12
Do mesmo modo, a expressão uma vez, usada para falar daqueles que “uma vez foram iluminados”, traduz o termo grego hapax, que é usado, por exemplo, em Filipenses 4.16 (quando os filipenses enviam doações a Paulo “não somente uma vez, mas duas”) e em Hebreus 9.7 (que fala da entrada no Santos dos Santos “uma vezpor ano”). Portanto, essa palavra não significa que algo acontece “uma vez” somente e não pode ser repetida, mas simplesmente que aconteceu uma vez, sem especificar se será ou não repetida.13 O texto diz ainda que essas pessoas “provaram o dom celestial” e que “provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro” (Hb 6.4-5). Inerente à idéia de provar é o fato de ser esse provar algo temporário e de a pessoa poder ou não decidir aceitar a coisa provada. Por exemplo, a mesma palavra grega (geuomai) é usada em Mateus 27.34 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 666 para dizer que aqueles que crucificaram Jesus “deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber”. A palavra é também usada em sentido figurado com o significado de “vir a conhecer algo”.14 Se interpretamos a palavra nesse sentido figurado, como deve ser entendida aqui, pois a passagem não fala de provar comida de verdade, então isso significa que essas pessoas compreenderam o dom celestial (o que provavelmente significa que experimentaram parte do poder do Espírito Santo em ação) e conheceram parte da Palavra de Deus e parte dos poderes do mundo vindouro. Não significa necessariamente que tiveram (ou não) genuína fé salvífica, mas pode significar simplesmente que a compreenderam e tiveram alguma vivência do poder espiritual.15
O texto também diz que essas pessoas “se tomaram participantes do Espírito Santo” (Hb 6.4). A questão é o significado exato da palavra metochos, que é aqui traduzida como “participante”. Nem todos os leitores das traduções da Bíblia sabem que esse termo tem uma ampla gama de significados e pode sugerir participação e apego bem íntimos, ou então meramente uma associação mais tênue com a outra pessoa ou pessoas citadas. Por exemplo, o contexto mostra que em Hebreus 3.14 tornar-se “participante” de Cristo significa ter uma participação bem íntima com ele numa relação salvífica.16 Por outro lado, a palavra metochos pode também ser usada num sentido muito mais livre, referindo-se meramente a associados ou companheiros. Lemos que quando os discípulos pegaram grande quantidade de peixes, a ponto de as redes estarem já se rompendo, “fizeram sinais aos companheiros do outro barco, para que fossem ajudá-los” (Lc 5.7). Aqui o termo define os que eram meramente parceiros ou companheiros de Pedro e dos outros discípulos na pesca.17 Efésios 5.7 usa uma palavra muito próxima (symmetochos, composta de metochos e da preposição syn [“com”]) quando Paulo exorta os cristãos a ficar atentos aos atos pecaminosos dos descrentes: “... não sejais participantes com eles” (Ef 5.7). Ele não está preocupado com a possibilidade de a própria natureza deles se transformar pelo contato com os descrentes, mas simplesmente com a hipótese de o testemunho deles ficar comprometido, de a própria vida deles vir a ser influenciada pelos descrentes.
 Por analogia, Hebreus 6.4-6 fala das pessoas que “se associaram ao”Espírito Santo e que, portanto, tiveram a vida influenciada por ele, mas isso não implica que eles viven- ciaram a obra redentora do Espírito Santo, nem que foram regenerados. Aplicando analogia semelhante ao exemplo dos companheiros de pesca de Lucas 5.7, Pedro e os discípulos poderiam estar associados a eles e até ser influenciados por eles, sem sofrer uma completa mudança de vida por conta dessa associação. A própria palavra metochos possibilita uma gama de influência que vai da razoavelmente fraca à razoavelmente forte, pois significa somente “aquele que participa de, partilha de ou acompanha alguém numa atividade”. Foi aparentemente isso que aconteceu a essas pessoas mencionadas em Hebreus 6, que participaram da igreja e portanto tiveram contato com a obra do Espírito Santo, sendo sem dúvida nenhuma influenciadas por ele de algum modo.18
 Por fim, diz o texto que é impossível renovar “para arrependimento ” as pessoas que experimentaram essas coisas e depois cometeram a apostasia. Alguns já argumentaram que se esse é um arrependimento ao qual elas precisam ser renovadas, então deve ser um arrependimento autêntico. Mas isso não é necessariamente verdadeiro. Primeiro, é preciso perceber que “arrependimento” (gr. metanoia) não implica necessariamente arrependimento íntimo do coração para a salvação. Por exemplo, Hebreus 12.17 usa essa palavra para falar da mudança de idéia que fez Esaú buscar desfazer a venda do seu direito (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 667 de primogenitura e refere-se a ela com o termo “arrependimento” (metanoia). Esse não seria um arrependimento para salvação, mas simplesmente uma mudança de idéia e o cancelamento da venda do direito de primogenitura. (Repare também o exemplo do arrependimento de Judas em Mt 27.3 - conquanto com uma palavra grega distinta.)
 O verbo cognato “arrepender-se” (gr. metanoeõ) é às vezes usado para indicar não arrependimento salvífico, mas meramente pesar por ofensas individuais, em Lucas 17.3- 4: “Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe”. Concluímos que “arrependimento” significa simplesmente pesar por atos realizados ou pecados cometidos. Nem sempre será possível dizer se é ou não genuíno arrependimento salvífico, “arrependimento para salvação”. O autor de Hebreus não se preocupa em especificar se se trata ou não de arrependimento genuíno. Diz simplesmente que se alguém sente pesar pelo pecado, compreende o evangelho e experimenta as várias bênçãos da obra do Espírito Santo (sem dúvida em comunhão com a igreja), mas depois se afasta, não será possível restaurar tal pessoa novamente a uma atitude de pesar pelo pecado. Mas isso não implica necessariamente que o arrependimento foi genuíno arrependimento salvífico.
A esta altura podemos perguntar que tipo de pessoa se define com todos esses termos. São sem dúvida pessoas que estiveram intimamente ligadas à comunhão da igreja. Sentiram algum pesar pelo pecado (arrependimento). Compreenderam claramente o evangelho (foram iluminadas). Apreciaram os atrativos da vida cristã e a mudança que acontece na vida das pessoas quando se tornam cristãs, e provavelmente foram atendidas nas suas orações e sentiram o poder do Espírito Santo em ação, talvez até usando alguns dons espirituais, como os descrentes de Mateus 7.22 (“uniram-se” à obra do Espírito Santo, ou se tornaram “participantes” do Espírito Santo e provaram o dom celestial e os poderes do mundo vindouro). Ouviram a verdadeira pregação da Palavra e apreciaram muitos dos seus ensinamentos (provaram a bondade da Palavra de Deus).
 Mas depois, apesar de tudo isso, se “caíram [...] crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.6), então rejeitaram deliberadamente todas essas bênçãos e se voltaram decididamente contra elas. E possível que todos conheçamos (às vezes pela sua própria confissão) pessoas que estão há muito tempo na comunhão da igreja sem ser cristãs nascidas de novo. Há muito tempo ponderam o evangelho, mas continuam a resistir ao chamado do Espírito Santo, talvez por causa da relutância em entregar a sua soberania ajesus, preferindo apegar-se a si mesmas.
Ora, o autor nos diz que se essas pessoas deliberadamente rejeitam todas essas bênçãos temporárias, então é impossível renová-las para algum tipo de arrependimento ou pesar pelo pecado. O seu coração estará endurecido, a sua consciência, insensível. Que mais se poderia fazer para trazê-las à salvação? Se lhes dissermos que a Bíblia é a verdade, elas dirão que já a conhecem, mas que resolveram rejeitá-la. Se lhes dissermos que Deus atende a oração e transforma a vida do crente, elas responderão que também já sabem disso, mas que não querem nada disso. Se lhes dissermos que o Espírito Santo tem poder para agir nas pessoas e que o dom da vida eterna é indescritivelmente bom, elas dirão que compreendem, mas que não querem nada disso. A sua constante familiaridade com as coisas de Deus e a forte influência do Espírito Santo só serviu para endurecê-las contra a conversão.
Ora, o autor de Hebreus sabe que na comunidade à qual ele escreve há alguns em perigo de cair dessa maneira (ver Hb 2.3; 3.8, 12, 14-15; 4.1, 7, 11; 10.26, 29, 35-36, 38- 39; 12.3, 15-17). Ele quer alertá-los de que, embora tenham participado da comunhão da igreja e experimentado várias bênçãos divinas, ainda assim, se caírem depois de tudo isso não haverá salvação para eles. Isso não implica que ele pense que os verdadeiros cristãos possam se perder - Hebreus 3.14 implica bem o contrário. Mas ele quer que essas pessoas alcancem a certeza da salvação mediante a persistência na fé e, portanto, sugere que, se vierem a cair, isso mostraria que jamais foram de fato pessoas de Cristo (ver Hb 3.6: “... mas Cristo é fiel como filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós, se nos apegarmos firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos). Portanto o autor quer fazer um grave alerta àqueles em perigo de cair da fé cristã. Ele quer usar a linguagem mais forte possível para dizer: “Vejam aqui até onde a pessoa pode chegar na experiência das bênçãos temporárias, sem no entanto realmente estar salva”. Ele os exorta a vigiar, pois não basta depender de bênçãos e experiências temporárias. Para isso, ele fala não de uma verdadeira mudança no coração ou de algum bom fruto, mas simplesmente das bênçãos e experiências temporárias que essas pessoas tiveram e que lhes deram uma compreensão parcial do cristianismo.
Por essa razão, ele imediatamente passa da descrição desses que cometem apostasia a outra analogia que mostra que tais pessoas que se afastam jamais deram fruto autêntico. Como já explicamos acima, os versículos 7-8 falam dessas pessoas usando a metáfora dos “espinhos e abrolhos” tipos de frutos que nascem no solo que não tem em si vida prestável, ainda que receba repetidas bênçãos de Deus (nos termos da analogia, ainda que a chuva freqüentemente o regue). Convém notar aqui que as pessoas que cometem apostasia não são comparadas a um campo que um dia deu bom fruto e agora já não dá, mas sim a uma terra que jamais deu bom fruto, porém apenas espinhos e abrolhos. A terra pode parecer boa antes do surgimento dos brotos, mas o fruto dá a prova incontestável de que a terra é ruim.
Forte apoio a essa interpretação de Hebreus 6.4-8 se encontra no versículo imediatamente seguinte. Embora o autor venha falando com muita dureza sobre a possibilidade de apostasia, ele agora volta a falar da situação da grande maioria dos leitores, que ele julga serem cristãos de verdade. Diz: “ Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira” (Hb 6.9). Mas a questão é: “coisas que são melhores” que o quê? O plural “coisas que são melhores” forma um contraste apropriado com as “boas coisas” mencionadas nos versículos 4-6: o autor está convencido de que a maioria dos seus leitores experimentou coisas melhores que as meras influências parciais e temporárias do Espírito Santo e da igreja, mencionadas nos versículos 4-6.
De fato, o autor fala dessas coisas dizendo (literalmente) que se trata de “coisas que são melhores e pertencentes à salvação ” (gr. kai echomena sõtêrías).19 Essas não são somente as bênçãos temporárias mencionadas nos versículos 4-6, mas coisas melhores, coisas que não têm somente influência temporária, mas que são também “pertencentes à salvação”. Assim, a palavra grega kai (“também”) mostra que a salvação é algo que não fazia parte das coisas mencionadas nos versículos 4-6 acima. Portanto, a palavra kai, que não é traduzida explicitamente nas versões rsv e niv (mas a nasb chega perto),20 proporciona uma chave vital à compreensão da passagem. Se o autor quisesse dizer que as pessoas mencionadas nos versículos 4-6 estavam realmente salvas, então seria muito difícil  669 compreender por que ele diria no versículo 9 que estava persuadido de coisas que são melhores para elas, coisas pertencentes à salvação, ou que carregam em si a salvação além das coisas mencionadas acima. Ele assim mostra que, se quiser, pode usar uma curta expressão para dizer que as pessoas “têm salvação” (ele não precisa enfileirar muitas expressões) e mostra, além do mais, que as pessoas de quem fala nos versículos 4-6 não estão salvas.21
O que exatamente são essas “coisas que são melhores”? Além da salvação mencionada no versículo 9, são coisas que dão real prova de salvação - fruto genuíno (v. 10), plena certeza de esperança (v. 11) e fé salvífica, do tipo exibido por aqueles que herdam as promessas (v. 12). Dessa forma ele tranqüiliza os verdadeiros crentes - aqueles que dão fruto e demonstram amor pelos outros cristãos, que exibem esperança e fé genuína que perdura até o tempo presente, e que não estão prestes a se perder. Ele quer tranqüilizar esses leitores (que certamente são maioria), ao mesmo tempo lançando um forte alerta aos que dentre eles possam estar em perigo de perdição.
Ensinamento semelhante se encontra em Hebreus 10.26-31. Ali diz o autor: “Se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (v. 26). A pessoa que rejeita a salvação de Cristo e que “profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado” (v. 29) merece castigo etemo. Isso, novamente, é um grave alerta contra a apostasia, mas não deve ser tomado como prova de que alguém que verdadeiramente já nasceu de novo possa perder a salvação. Quando o autor fala sobre o sangue da aliança “com o qual foi santificado”, a palavra santificado é usada simplesmente para denotar a “santificação exterior, como a dos antigos israelitas, por uma ligação exterior com o povo de Deus”.2 2 A passagem não fala de alguém genuinamente salvo, mas de alguém que recebeu alguma influência moral benéfica mediante contato com a igreja.23
Outra passagem, esta dos escritos de João, é usada para sustentar a possibilidade da perda da salvação. Em Apocalipse 3.5, diz Jesus: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida”. Alguns sustentam que, dizendo isso, Jesus sugere que é possível que ele venha a apagar os nomes de algumas pessoas do Livro da Vida, pessoas que já tinham seus nomes escritos ali e que portanto já estavam salvas. Mas o fato dejesus afirmar enfaticamente que não fará algo não pode ser usado para pregar que fará a mesma coisa noutros casos! O mesmo tipo de construção grega24 é usada para exprimir uma negação enfática em João 10.28, onde Jesus diz: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão ”. Isso não significa que algumas das ovelhas de Jesus não ouvem a sua voz nem o seguem, e por isso perecerão; afirma simplesmente que as suas ovelhas com certeza não perecerão. Do mesmo modo, quando Deus diz - “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5) —, não sugere que deixará ou abandonará outras pessoas; apenas declara enfaticamente que não deixará nem abandonará o seu povo. Ou, numa analogia ainda mais próxima, de Mateus 12.32, Jesus diz: “Se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir”. Isso não significa que alguns pecados serão perdoados no porvir (como alegam os católicos romanos para sustentar a doutrina do purgatório)2 5 — isso não passa de um erro de raciocínio: dizer que algo não irá acontecer no porvir não implica que pode acontecer no porvir! Do mesmo modo, Apocalipse 3.5 é apenas uma firme garantia de que aqueles que estiverem trajando vestes brancas e que permaneceram fiéis a Cristo não terão os seus nomes apagados do Livro da Vida.2 6 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 670
Finalmente, certa passagem do Antigo Testamento é muitas vezes usada para argumentar que as pessoas podem perder a sua salvação: a história do Espírito Santo que se aparta do rei Saul. Mas Saul não deve ser tido como exemplo de alguém que perdeu a salvação, pois o “Espírito do Senhor” se retirou de Saul (ISm 1(5.14) imediatamente depois de Samuel ter ungido Davi rei, ocasião em que “o Espírito do Senhor se apossou de Davi” (ISm 16.13). Na verdade, a descida do Espírito do Senhor até Davi é relatada no versículo imediatamente anterior àquele em que se narra que o Espírito saiu de Saul. Esse vínculo estreito significa que a Bíblia não fala aqui de perda total da obra do Espírito Santo na vida de Saul, mas simplesmente do afastamento do Espírito Santo como meio de consagrar Saul como rei.2 7 Porém isso não significa que Saul foi condenado por toda a eternidade. E simplesmente muito difícil dizer com base nas páginas do Antigo Testamento se Saul, ao longo da sua vida, foi (a) um homem irregenerado que tinha liderança e foi usado por Deus como demonstração do fato de que alguém digno de ser rei aos olhos do mundo não era só por isso apto para ser rei do povo do Senhor, ou (b) um homem regenerado mas falto de entendimento, levando uma vida que cada vez mais se afastava do Senhor.
D. O QUE PODE DAR AO CRENTE A PLENA SEGURANÇA?
Se é verdade, como explicamos na seção anterior, que os descrentes que finalmente optam pela apostasia podem dar muitos sinais exteriores de conversão, então o que servirá como prova de uma conversão genuína? O que pode dar plena certeza ao crente autêntico? Podemos relacionar três categorias de perguntas que a pessoa poderia fazer a si mesma.
1.    Será que confio hoje na salvação de Cristo? Paulo diz aos colossenses que eles serão salvos no último dia, “se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1.23). O autor de Hebreus diz: “Nos temos tomado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos” e incentiva os seus leitores a imitar aqueles “que, pela fée pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb 6.12). De fato, o versículo mais famoso de toda a Bíblia usa um verbo no presente e pode ser assim traduzido: “... todo aquele que continuar crendo nele” terá a vida eterna (ver Jo 3.16).
 Portanto, a pessoa deve perguntar-se: “Será que hoje confio em que Cristo perdoará os meus pecados e me levará inculpável ao céu, para a eternidade? Será que tenho no meu coração a fé de que ele já me salvou? Se eu fosse morrer hoje à noite e comparecesse perante o tribunal de Deus, e se ele me perguntasse por que haveria de me admitir no céu, será que eu pensaria nas minhas boas ações, confiando nelas, ou sem hesitar diria que confio nos méritos de Cristo, com absoluta certeza de que ele é o meu pleno Salvador?”
Essa ênfase na fé presente em Cristo contrasta com a prática de “testemunhos” que se verifica em algumas igrejas, segundo a qual as pessoas repetidamente recitam detalhes de uma conversão que pode ter ocorrido vinte ou trinta anos antes. Para ser autêntico, o testemunho da fé salvífica deve estar atuante no presente.
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2.    Há porventura no meu coração provas da obra regeneradora do Espírito Santo? A prova da obra do Espírito Santo no nosso coração surge de muitos modos diferentes. Embora não devamos confiar na demonstração de milagres (Mt 7.22), nem em longas horas ou anos de trabalho numa igreja qualquer (que pode não passar de uma construção feita de “madeira, feno, palha” [nas palavras de ICo 3.12] que só faz inflar o ego humano ou o poder sobre os outros, ou representa uma tentativa de conquistar méritos perante Deus), existem muitas outras provas da obra autêntica do Espírito Santo no coração da pessoa.
 Primeiro, há a ação subjetiva do Espírito Santo dentro do nosso coração, testemunhando que somos filhos de Deus (Rm 8.15-16; IJo 4.13). Esse testemunho será geralmente acompanhado de um senso da orientação do Espírito Santo pelos caminhos da obediência à vontade de Deus (Rm 8.14).
Além disso, se o Espírito Santo estiver realmente ativo em nós, ele produzirá as virtudes que Paulo chama de “fruto do Espírito” (G1 5.22). Ele lista várias atitudes e virtudes geradas pelo Espírito Santo: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (G15.22-23). É claro que a questão não é “será que exemplifico perfeitamente todas essas virtudes?”, mas sim “será que essas coisas caracterizam em geral a minha vida? Será que sinto no meu coração essas virtudes? Será que os outros (especialmente os mais próximos de mim) vêem em mim essas virtudes? Venho por acaso me aperfeiçoando nelas ao longo dos anos?” O Novo Testamento não sugere em momento algum que uma pessoa não cristã, irregenerada, possa de modo convincente foijar essas virtudes, em particular diante daqueles que conhecem a pessoa mais a fundo.
Associado a esse tipo de fruto há outro - a influência da vida e do ministério da pessoa sobre os outros e na igreja. Há alguns que se confessam cristãos, cuja influência sobre os outros só serve para desanimar, arrastar para baixo, reduzir a fé e provocar polêmica e divisão. A conseqüência da sua fé e do seu ministério não é edificar os outros, edificar a igreja, mas derrubá-los. Por outro lado, há aqueles que parecem edificar os outros em cada conversa, cada oração, cada obra do ministério em que colaboram. Disse Jesus, a respeito dos falsos profetas: “Pelos frutos os conhecereis. [...] Toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. [...] Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16-20).
Outra prova da obra do Espírito Santo é continuar a crer e aceitar o bom ensinamento da igreja. Aqueles que começam a negar importantes doutrinas da fé dão graves sinais negativos a respeito da sua salvação: “Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai [...] Se em vós permanecer o que desde o princípio ou vistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai” (IJo 2.23-24).João também diz: “Aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve” (IJo 4.6). Como os textos do Novo Testamento são o substituto atual de apóstolos como João, podemos também dizer que quem conhece a Deus continua a ler e a se alegrar na Palavra de Deus, e continuará a crer plenamente nela. Aqueles que não crêem e não se alegram na Palavra de Deus dão mostras de que não são “da parte de Deus”.
Outra prova de autêntica salvação é a relação contínua e presente com Jesus Cristo. Diz Jesus: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” e “Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será 672 feito” (Jo 15.4, 7).
Esse permanecer em Cristo implica não só a confiança cotidiana nele em várias situações, mas também sem dúvida a comunhão regular com ele na oração e na adoração.
Finalmente, um importante elemento comprovador de que somos crentes autênticos se encontra na vida de obediência aos mandamentos de Deus. Diz João: “Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou” (ljo 2.4-6). Não se faz necessária, porém, uma vida perfeita. João diz, sim, que em geral devemos levar uma vida de imitação de Cristo, de semelhança a ele naquilo que fazemos e dizemos. Quem exibe genuína fé salvífica, exibirá também uma evidente obediência (ver ainda ljo 3.9-10, 24; 5.18). Por isso diz Tiago: “A fé, se não tiver obras, por si só está morta” e “Eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2.17-18). O amplo aspecto da obediência a Deus abarca o amor pelos outros cristãos. “Aquele que ama a seu irmão permanece na luz” (ljo 2.10). “Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte” (ljo 3.14; cf. 3.17; 4.7). Uma prova desse amor é permanecer na comunhão cristã (ljo 2.19), e outra é ajudar um irmão que passa por necessidades (ljo 3.17; cf.Mt 25.31-46).
3.    Será que percebo uma tendência constante de crescimento na minha vida cristã? Os primeiros dois fatores de certeza da salvação têm que ver com a fé presente e a prova atual da obra do Espírito Santo em nós. Mas Pedro dá mais um tipo de teste que podemos fazer para verificar se somos crentes autênticos. Ele nos diz que há algumas virtudes que, cultivadas continuamente, garantem que não tropeçaremos “em tempo algum” (2Pe 1.10). Ele aconselha aos seus leitores acrescer à sua fé “virtude [...] conhecimento [...] domínio próprio [...] perseverança [...] piedade [...] fraternidade [...] amor” (2Pe 1.5-7). Depois diz que essas coisas devem existir nos seus leitores, “aumentando” continuamente (2Pe 1.8). Pedro ainda acrescenta que eles devem procurar “com diligência cada vez maior, confirmar a [...] vocação e eleição [deles]” e diz depois que “procedendo assim (literalmente, “fazendo essas coisas”, com referência às virtudes mencionadas nos v. 5-7), não tropeçareis em tempo algum”(2Pe 1.10).
 O modo de confirmar a vocação e eleição é, então, continuar crescendo “nessas coisas”. Isso implica que a nossa certeza de salvação pode crescer ao longo do tempo. A cada ano em que aumentamos essas virtudes, obtemos mais e mais certeza da salvação. Assim, embora os jovens possam ter uma confiança já bem forte na sua salvação, essa certeza pode crescer e transformar-se numa convicção ainda maior ao longo dos anos, desde que eles cresçam na maturidade cristã.2 8 Se eles perseverarem no cultivo dessas coisas, confirmarão a sua vocação e eleição e não tropeçarão “em tempo algum”.
O resultado dessas três perguntas que podemos fazer a nós mesmos deve ser uma certeza mais firme para os verdadeiros crentes. Dessa forma a doutrina da perseverança dos santos será uma doutrina tremendamente tranqüilizadora. Ninguém que tenha tal certeza deve perguntar-se: “Serei capaz de perseverar até o final da vida, sendo portanto salvo?” Todos os que adquirem essa certeza por meio desse exame de consciência devem pensar de outro modo: “Verdadeiramente nasci de novo; logo, com toda a certeza perseverarei até o final, pois sou guardado ‘pelo poder de Deus’ que age por intermédio da minha fé (IPe 1.5) e, portanto, jamais me perderei. Jesus me ressuscitará no último dia e entrarei no seu reino para sempre” (Jo 6.40).
Por outro lado, essa doutrina da perseverança dos santos, desde que corretamente compreendida, deve causar sincera preocupação, medo até, no coração de todos os que “regridem” ou se desviam de Cristo. Essas pessoas devem ser claramente prevenidas de que só aqueles que perseveram até o fim realmente nasceram de novo. Se elas abandonaram a sua profissão de fé em Cristo e a obediência a ele, podem na verdade não ter sido salvas — de fato, os indícios que dão agindo assim é de que não são salvas e, portanto, de que jamais foram salvas. Uma vez que deixem de confiar em Cristo e de obedecer a ele (e falo aqui em termos de provas exteriores), perdem a certeza da salvação e devem considerar-se, portanto, não salvas, buscando a Cristo em arrependimento e rogando-lhe o perdão dos pecados.

Neste ponto, em termos de zelo pastoral para com aqueles que se desviaram da sua confissão cristã, convém perceber que os calvinistas e os arminianos (os que crêem na perseverança dos santos e os que pensam que os cristãos podem perder a salvação) darão os mesmos conselhos ao homem que se perde. Segundo os arminianos, essa pessoa foi cristã por certo tempo mas já não o é. Segundo os calvinistas, tal pessoa jamais foi realmente cristã, e agora também não o é. Mas nos dois casos o conselho bíblico a ser dado é o mesmo: “Você não parece ser cristão hoje — precisa se arrepender dos seus pecados e confiar na salvação de Cristo!” Embora os calvinistas e os arminianos divirjam na interpretação da história pregressa, certamente concordariam a respeito do que deve ser feito no presente.2 9
Mas vemos aqui por que a expressão segurança eterna pode facilmente levar a equívocos. Em algumas igrejas evangélicas, em vez de ensinar a apresentação plena e equilibrada da doutrina da perseverança dos santos, os pastores às vezes ensinam uma versão diluída, que na prática diz às pessoas que todos os que um dia fizeram uma profissão de fé e foram batizados estão “eternamente seguros”. O resultado é que algumas pessoas que não se converteram verdadeiramente podem “ir à frente” ao final de um sermão evangelístico e confessar a fé em Cristo, e podem ser batizadas logo depois disso; porém mais tarde podem deixar a comunidade da igreja e levar uma vida igual à que viviam antes de obter essa “segurança eterna”. Desse modo dá-se uma falsa certeza, enganam-se cruelmente as pessoas, que então passam a crer que irão para o céu, apesar de não ser isso verdade.3 0 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção

Notas 1.
A doutrina da perseverança dos santos é representada pelo “P” no acrograma TULIP, que muitas vezes se usa para resumir os “cinco pontos do calvinismo”. (Ver lista completa na nota 11 do capítulo 32.) 2. Grant R. Osbome, “Exegetical Notes on Calvinist Texts”, em Grace Unlimited, p. 170-71, não dá uma explicação alternativa da declaração de Cristo (“Eu o ressuscitarei no último dia”) ao abordar essa passagem. Mas diz, sim, que nesse contexto o v. 35 enfatiza o fato de que a vida 674
etema depende de a pessoa “vir e crer” em Cristo (p. 171) e que o tempo presente do verbo “crer” nessas passagens implica não meramente uma decisão inicial de fé, mas sim a continuação dessa fé. Lamento ter de divergir do meu amigo e colega nesse ponto, mas há algo a dizer como contra-argumento: embora ninguém negue que seja necessário que a pessoa mesma creia em Cristo para alcançar a vida eterna, e embora seja também verdade quejesus aqui fala não apenas da fé salvífica inicial mas de uma fé que continua ao longo do tempo, o versículo não chega a especificar que “todos os que crerem continuamente até a morte terão vida eterna”, mas simplesmente diz que “aqueles que atualmente crêem em Cristo” terão vida eterna e Jesus irá ressuscitá-los no último dia. O versículo fala de todos os que presentemente crêem em Cristo, e diz que todos eles serão ressuscitados por Cristo no último dia. Osborne não faz outras objeções a esse versículo no seu segundo ensaio, “Soteriology in the Gospel ofjohn”, em The Grace of God, the Will of Man, p. 248.

3. A palavra grega traduzida aqui como “perecerão” é apollymi, o mesmo termo usado por João emjo 3.16 para dizer que “todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Grant Osborne, em “Exegetical Notes on Calvinist Texts”, p. 172, diz que esse versículo não pode ser interpretado independentemente do ensinamento sobre a videira e os ramos dejo 15.17, mas ele não dá explicação alternativa para a frase “jamais perecerão” nem apresenta motivo pelo qual não devamos interpretá-la no seguinte sentido: que essas pessoas certamente viverão ao lado de Deus para sempre no céu. No seu artigo subseqüente, “Soteriology in the Gospel of John”, Osborne novamente mencionajo 10.28, mas não lhe dá explicação alternativa; diz apenas que essa passagem enfatiza a soberania de Deus, mas outras passagens de João enfatizam a fé que age conjuntamente com a soberania de Deus. Esses artigos não parecem apresentar um motivo que nos impeça de compreender essas palavras no sentido normal, indicando que a pessoa que crê em Cristo certamente jamais se perderá. E claro que aqueles que acreditam na doutrina da perseverança dos santos (como eu) afirmariam que o modo de Deus nos proteger é nos fazer perseverar na fé em Cristo (ver análise abaixo); portanto dizer que as Escrituras também enfatizam a necessidade de persistir na fé não é uma objeção à doutrina da perseverança dos santos, como os teólogos reformados muitas vezes argumentaram na história da igreja. Em outras palavras, existe um meio de crer nos dois trechos sem concluir que as pessoas que verdadeiramente nascem de novo podem perder a salvação.
4. BAGD, p. 28. 5. Ibid, p. 109. 6. Osbome, “Exegetical Notes on Calvinist Texts”, p. 181, diz a respeito desse versículo que Paulo também prega a responsabilidade pessoal, pois “o cristão é exortado a não ‘entristecer’ o Espírito (cf. ITs 4.8)” e “o perigo da apostasia é real, e ele não ouse ‘entristecer’ o Espirito”. Mas, novamente, essa objeção deixa de proporcionar uma interpretação alternativa do versículo em questão, pois simplesmente remete a outros versículos que pregam a responsabilidade pessoal, fato que o teólogo reformado também não deixaria de afirmar. Os teólogos arminianos freqüentemente pressupõem que quem defende a responsabilidade humana e a necessidade de persistir na fé conseqüentemente nega a idéia da absoluta certeza da proteção soberana de Deus e da garantia da vida eterna. Mas eles geralmente pressupõem tal coisa sem apresentar nenhuma outra interpretação convincente dos textos citados para demonstrar a doutrina da perseverança dos santos nem qualquer explicação que mostre por que não devemos tomar essas palavras como garantia absoluta de que os que nascem de novo certamente perseverarão até o fim. Em vez de supor que as passagens sobre a responsabilidade humana negam a idéia da proteção soberana de Deus, parece melhor adotar a posição reformada, que afirma que a proteção soberana de Deus é coerente com a responsabilidade humana, pois age por intermédio da responsabilidade humana e garante que reajamos conservando a fé necessária à perseverança. (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 675

7. Osborne rejeita corretamente a idéia de que isso implica somente que a igreja perdurará. Diz ele: “Paulo sem dúvida nenhuma afirma que a promessa se estende ao indivíduo. Ele será guardado por Deus com vistas ã salvação final, mas isso não elimina a necessidade de perseverança” (“Exegetical Notes on Calvinist Texts”, p. 182). 8. Os três próximos parágrafos foram tirados de W. Grudem, The First Epistle of Peter (Leicester: InterVarsity Press, and Grand Rapids: Eerdmans, 1988), p. 58-59. 9. A tradução de J. N. D. Kelly, “como resultado de [...] fé”, é uma versão extremamente improvável da construção bastante comum dia com o genitivo (os poucos exemplos dessa construção significando “como resultado de”, sugeridos em BAGD, p. 180, IV, são todos ambíguos, e o próprio Kelly não dá exemplos: ver J. N. D. Kelly, A Commentary on the Epistles of Peter andJude, Black’s New Testament Commentaries [Londres: Black, 1969], p. 52).
10. O autor usa o verbo gegonamen no tempo perfeito composto, “nos temos tornado” (em algum momento do passado, implicando continuidade no presente).
 11. Ver a lista de provas da salvação apresentada na divisão D, abaixo.
12. A palavra iluminados traduz o termo grego phõtizõ, que se refere ao aprendizado em geral e não necessariamente ao aprendizado que resulta na salvação — ela é usada emjo 1.9 (a luz que “ilumina” todo homem que vem ao mundo), em ICo 4.5 (a iluminação que vem no juízo final) e em Ef 1.18 (a iluminação que acompanha o crescimento na vida cristã). A palavra não é um “termo técnico” que implique que as pessoas em questão estavam salvas. Depois de concluir a análise seguinte de Hb 6.4-6, escrevi um estudo muito mais extenso, com exame mais aprofundado, mais dados de apoio e mais remissões a outras obras: ver Wayne Grudem, “Perseverance of the Saints: A Case Study From Heb. 6:4-6 and the Other Warning Passages of Hebrews”, em The Grace of God, the Bondage of the Will, v. 1, ed. Tom Schreiner e Bruce Ware (Grand Rapids: Baker, 1995). 13. Essa palavra difere de ephapax, que é mais normalmente usada no Novo Testamento para indicar eventos que não se repetem (Rm 6.10; Hb 7.27; 9.12; 10.10).
 14. BAGD, p. 157. Eles mencionam outros exemplos de geuomai (“provar”), como Heródoto 6.5, em que o povo de Mileto havia “provado a liberdade”, algo que certamente não era propriedade dele. Também citam Dio Crisóstomo, 32.72, em que o autor fala do povo de Alexandria num tempo em que ele “teve uma prova da guerra” num embate com tropas romanas que foram simplesmente molestá-los, sem realmente partir para a guerra de verdade. Josefo, A Guerra dos Judeus, 2.158, fala das concepções teológicas dos essênios, “segundo as quais eles irresistivelmente atraíam todos os que uma vez provaram a sua filosofia”. Aqui novamente Josefo deixa claro que aqueles que “uma vez provaram” não haviam ainda adotado a filosofia essênia, mas estavam simplesmente bastante atraídos por ela. Por analogia, em Hb 6 aqueles que “provaram” o dom celestial, a palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro podem ou não se ver fortemente atraídos por essas coisas, mas o mero ato de provar não significa que já as adotaram - bem o contrário: se tudo o que o autor pode dizer deles é que “provaram” essas coisas, isso sugere que não adotaram de fato o que provaram.
15. A palavra provar é também usada em Hb 2.9 para dizer quejesus “provou” a morte, indicando que ele a conheceu por experiência direta (mas “provar” é uma palavra adequada, pois ele não permaneceu morto). O mesmo pode ser dito daqueles que experimentaram os dons celestiais, como pode ser dito até dos descrentes (cf. Mt 7.22; ICo 7.14; 2Pe 2.20-22). Em Hb 6.45, a experiência dessas pessoas com o poder do Espírito Santo e a Palavra de Deus foi logicamente uma experiência verdadeira (assim como Jesus morreu de verdade), mas isso por si só não demonstra que as pessoas tiveram uma experiência de regeneração. 16. A mesma palavra grega metochos é usada em Hb 3.14, ainda que o texto inglês da rsv dê “Compartilhamos em Cristo”. (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 676
17. Hb 1.9 também usa a mesma palavra para falar de “companheiros”.
18. Os outros usos de metochos em Hb (3.1 e 12.8) de fato sugerem uma associação ou participação mais íntima, mas mesmo 12.8, que fala de pessoas que se tomam participantes na correção, certamente possibilita que algumas delas recebam essa correção mas não se deixem transformar por ela. Seja como for, a prova não é forte o bastante para nos fazer pensar que o autor de Hebreus usou essa palavra como “termo técnico” que sempre se referisse a um tipo de participação salvífica (não o fez em Hb 1.9 e 12.8), e a nossa interpretação dessa palavra deve ser regida pelo exame da gama de significados que ela pode assumir no grego do Novo Testamento e em outros livros que tenham um vocabulário semelhante ao usado pelos autores do Novo Testamento. A Septuaginta também ajuda a esclarecer o uso dessa palavra, pois em vários exemplos ela só se refere ao companheirismo, não a algum tipo de experiência regeneradora ou transformadora com Deus ou com o Espírito Santo. Por exemplo, em ISm 20.30, Saul acusaJônatas de ter elegido Davi (como parceiro). Em SI 119.63, o salmista se diz “companheiro” de todos os que temem a Deus. Ec 4.10 diz que dois é melhor que um, pois se eles caírem, um levanta o seu “companheiro”. Pv 28.24, nas traduções de Áquila, Símaco e Teodocião, usa essa palavra para dizer que o homem que rejeita o seu pai ou a sua mãe é “companheiro” de homens ímpios. Exemplos de uma associação um pouco mais estreita se encontram em Et 8.13; Pv 29.10; Os 4.17; 3Mac 3.21. A conclusão desse exame do termo metochos é que, embora possa ser usado para definir associações bem íntimas, com resultados salvíficos para a vida da pessoa, também pode ser usado simplesmente para denotar associação ou participação em alguma atividade com outra pessoa qualquer. Portanto o termo em si não implica que as pessoas de Hb 6.4-6 tenham tido uma associação salvífica com o Espírito Santo, nem que tenham sido regeneradas. Significa simplesmente que estiveram de algum modo associadas ao Espírito Santo, recebendo a influência deste. As pessoas que profetizavam, expulsavam demônios e faziam muitos milagres em nome de Jesus em Mt 7.22 são bons exemplos de gente que certamente participou até certo ponto da obra do Espírito Santo ou que se tornou “participante” do Espírito Santo nesse sentido, mas que não foi salva - Jesus diz: “Nunca vos conheci” (Mt 7.23). 19. BAGD, p. 334, III, traduz o particípio médio de echõ como “aferrar-se a, apegar-se a”, e relaciona Hb 6.9 como o único exemplo no Novo Testamento do uso dessa forma com o significado “de íntima pertinência e estreita associação” (cf. LSJ, p. 750, C: “aferrar-se a, apegar- se intimamente a”). Porém, mesmo que traduzamos a voz média do mesmo modo que a passiva, a frase significaria: “coisas que também têm salvação”, e o meu argumento nesta seção não seria afetado. 20. A nasb traduz: “e coisas que acompanham a salvação”. 21. Alguém pode contestar que a frase “coisas que são melhores” não contrasta com as bênçãos temporárias dos w. 4-6, mas com o juízo prometido aos espinhos e abrolhos do v. 8, que serão queimados. Mas é improvável que o autor considerasse o fato de meramente não ser amaldiçoado como “coisas que são melhores”. O comparativo “melhores” (kreisson) é usado treze vezes em Hebreus e regularmente compara algo melhor com algo bom (aliança melhor, sacrifício melhor, etc.); do mesmo modo, sugere aqui uma comparação com coisas que já são boas (como as bênçãos dos w. 4-6), muito mais do que um contraste com o terrível destino da eterna condenação do v. 8. 22. A. H. Strong, Systematic Theology, p. 884. Strong menciona um uso pertinente e análogo do verbo “santificar” em ICo 7.14, que fala do marido incrédulo “santificado” no convívio da esposa crente (ICo 7.14, onde a mesma palavra grega, hagiazõ, é usada). A santificação ritual exterior é também mencionada em Hb 9.13; cf. Mt 23.17, 19. (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 677
(40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 23. Êx 24.7-8 fala do sangue da aliança que separa Israel como povo de Deus, mesmo que nem todos tenham verdadeiramente nascido de novo. No contexto de Hb 10, tal metáfora, tirada do processo de santificação da pessoa no Antigo Testamento para que ela pudesse postar-se diante de Deus para adorar, é um pano de fundo adequado. 24. A construção usa ou mê mais o subjuntivo aoristo para exprimir a negação enfática. 25. Ver análise da doutrina do purgatório no capítulo 41, divisão C.l.a. 26. Provavelmente tem-se em mente outro livro em Êx 32.33, onde Deus diz a Moisés: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim”. Aqui não se menciona o conceito de “Livro da Vida” do Novo Testamento. Antes, a metáfora sugere que Deus registra a vida das pessoas que habitam no meio do seu povo, mais ou menos como faria um rei terreno. “Riscar” o nome de alguém desse livro implicaria que essa pessoa teria morrido. A melhor maneira de interpretar essa metáfora de Êx 32.33 é dizer que Deus tirará a vida daquele que pecar contra ele (ver v. 35). O destino eterno não está em questão nessa passagem. 27. Devemos dar interpretação análoga à oração de Davi em Sl 51.11: “Nem me retires o teu Santo Espírito”. Davi ora para que a unção real do Espírito Santo não seja retirada dele e para que a presença e o poder de Deus não se afastem da sua vida; ele não pede o livramento da perda da salvação eterna.
28. Cf. ITm 3.13, que diz que aqueles que “desempenharem bem” o diaconato “alcançam para si mesmos [...] muita intrepidez na fé em Cristojesus”.
29. É claro que tanto os calvinistas quanto os arminianos admitiriam a possibilidade de que essa pessoa tenha verdadeiramente nascido de novo e haja apenas caído no pecado e na dúvida. Mas ambos concordariam que é pastoralmente inteligente supor que a pessoa não é cristã até que ela revele algum indício da sua fé atual.
30. É claro que nem todos que usam a expressão segurança eterna cometem erros desse tipo, mas a expressão certamente é vulnerável a tais equívocos.
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Wayne Grudem TEOLOGIA  SISTEMÁTICA 
ATUAL E EXAUSTIVA




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