CAPÍTULO 12
PERSEVERANDO NA FÉ
A
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perseverança dos salvos é uma doutrina que
está presente em vários textos bíblicos e torna-se o repouso para a alma de
todo crente enquanto sua salvação eterna não está completa, pois, enquanto se
desfruta a salvação presente no mundo, vive-se na gloriosa esperança da
salvação futura, quer na vinda de Cristo ou pela morte do crente, ser
concretizada definitivamente. A Bíblia garante-nos a salvação em Cristo e a
certeza da salvação através do testemunho interior do Espírito Santo (Rm 8.16).
Como consequência, pode-se desfrutar da imensa alegria que os salvos têm
enquanto peregrinam nesta vida. Mas convém estarmos alerta porque a salvação
pode ser perdida em casos de apostasia e afastamento da fé em Cristo.
A PERSEVERANÇA BÍBLICA
Perseverança
provém da palavra grega proskarteresis e tem a ideia de constância, paciência e
persistência cristã em tempos de tentação, aflição, angústia, provação e
provocação e, mesmo assim, continuar inflexível e firme na fé em Cristo,
esperando e dependendo pacientemente dEle em tudo e para tudo. Trata-se de uma
capacidade divina para resistir ao dia mau (Ef 6.13) em que, “mediante a fé,
estais guardados na virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar
no último tempo” (1 Pe 1.5). Outra palavra utilizada é plerophoria, que
significa “plenitude de convicção e confiança”.
A perseverança traz embutida a ideia de
que o salvo deve esforçar-se para não perder a sua salvação. Por isso, a Bíblia
afirma que é “Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que
não ande nu, e não se vejam as suas vergonhas” (Ap 16.15). Satanás, o mundo e a
“concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo
2.16) servem de constante tentação para afastar o crente do lugar que ele ocupa
em Cristo. Por isso, devemos constantemente vigiar e orar para não cairmos em
tentação (Mt 26.41), pedindo a Deus que nos guarde em sua benignidade e verdade
(Sl 40.11). Quanto a esse assunto, Armínio escreveu que:
A respeito da
perseverança dos santos [...] as pessoas que foram enxertadas em Cristo, pela
fé verdadeira, e assim têm se tornado participantes de seu precioso Espírito
vivificador, dispõe de poderes suficientes [ou forças] para lutar contra
Satanás, contra o pecado, contra o mundo e a sua própria carne, e para obter a
vitória sobre esses inimigos, mas não sem a ajuda da graça do mesmo Espírito
Santo. Jesus Cristo, também pelo seu Espírito Santo, as auxilia em todas as
tentações que enfrentam, e lhes proporciona o pronto socorro de sua mão; também
entendo que Cristo as guarda não as deixando cair, desde que tenham se
preparado para a batalha, implorando a sua ajuda, e não querendo vencer apenas
por suas próprias forças.179
A expressão “uma vez salvo, salvo para
sempre” não tem apoio concreto nas Escrituras. Caso assim fosse, não precisaria
haver nenhum esforço para a pureza e a santidade, e isso atestaria contra a
bondade de Deus de conceder o livre-arbítrio aos seres humanos (Sl 25.12; Pv
3.31; Mc 13.22). Assim, a perseverança é iniciada e garantida por Cristo até o
dia final (Fp 1.6) e conquistada pelo crente em cooperação e sujeição a Ele (2
Pe 1.10). Aos crentes que perseverarem há a promessa e a esperança de serem
conservados até o fim (1 Co 1.8).
Embora o crente conte com a ajuda do
Espírito Santo para perseverar na fé, algumas providências precisam ser tomadas
para que essa ajuda seja efetiva na vida. São elas:
Cultivar uma vida de oração (Ef 6.18; Mt
26.41) que submeta e confesse a Cristo as tentações e aflições da vida e busque
nEle a ajuda necessária para vencer;
Manter o coração e a mente sob o escudo
da fé, que desfaz as investidas de Satanás (Ef 6.16);
Desenvolver uma dependência de Deus em
todas as situações, quer favoráveis ou não (1 Ts 5.18); essa dependência leva à
humildade, que pode livrar da queda e do tropeço (Pv 29.23);
E,
por fim, cultivar a esperança que manterá os olhos em Cristo e na eternidade (1
Co 13.13).
O crente precisa ter o firme propósito de
perseverar nos caminhos do Senhor, pois, para resistir ao Diabo (Tg 4.7), ele
terá de ter essa firmeza; caso contrário, será vencido pelas astutas ciladas do
maligno (Ef 6.11). Os sofrimentos e as provas do cristão podem ajudá-lo a
produzir nele essa perseverança (Rm 5.3) — desde que as provas sejam aceitas
como uma possibilidade de crescimento espiritual. Pedro foi duramente provado
pelo Diabo ao negar Jesus, mas o mestre intercedeu por ele para que não
desfalecesse na fé (Lc 22.31-32). “E não somente isto, mas também nos gloriamos
nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência [ARA -
perseverança]; e a paciência, a experiência; e a experiência, a esperança. E a
esperança não traz confusão” (Rm 5.3-5a). Portanto, temos para com o Pai um
intercessor para ajudar-nos a perseverar na fé (1 Jo 2.1), mesmo que as provas
sejam aparentemente impossíveis de serem vencidas.
O PERIGO DA APOSTASIA
Apostasia é dar às costas àquilo em que se
creu um dia em relação ao que a Bíblia ensina; é negar, renunciar e distorcer
propositadamente o ensino bíblico de forma a colocar e mesmo ensinar algo
contrário em seu lugar. A Bíblia ensina que a apostasia tem sua origem na
obediência a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios (1 Tm 4.1), bem
como na introdução furtiva de homens que torcem o conteúdo bíblico e, de alguma
forma, negam a pessoa ou obra de Cristo (Jd 4; 2 Co 11.13-14; 2 Pe 2.1). Ela
pode acontecer parcialmente quando se renunciam algumas ideias ou doutrinas,
ou, então, totalmente, quando se renega todo o conteúdo bíblico e a fé cristã.
A apostasia sempre estará relacionada com rebelião contra Deus.
O crente pode pecar por ignorância, por
negligência, por fraqueza e por malícia. Esta última é a pior forma, pois pode
levar à perda da salvação, já que significa falta de fé, fere a pessoa de
Cristo e é indício de apostasia (como Judas, Ananias e Safira).
Apostasia não pode ser confundida com heresia.
Esta é caracterizada pelo desvio, ainda que sutil, de uma crença aceita como
doutrina; já a apostasia é o abandono da fé outrora professada, rejeitando seus
dogmas e suas obrigações religiosas. Portanto, a apostasia será sempre mais
grave que a heresia. A heresia pode ser imperceptível para quem não estiver
atento; ela é sorrateira para os inadvertidos e sutilmente aliciadora da fé
correta; já a apostasia é escrachadamente vergonhosa, antibíblica e de fácil
percepção. A heresia sempre conservará muitos elementos da verdade bíblica, mas
infundirá distorções sutis; a apostasia conservará pouco ou nada de verdade e
claramente será entendida como mentira. Por exemplo, uma pessoa que abraçou o
islamismo apostatou da fé cristã; já uma que é adepta da Teologia da
Prosperidade foi enganada por uma heresia, pois esta contém elementos da
verdade bíblica misturada com ênfases em textos bíblicos fora de contexto.
Alguns exemplos bíblicos de apostasia são
os anjos caídos que “não guardaram o seu estado original” (Jd 6 – ARA), e
Satanás que “não se firmou na verdade” (Jo 8.44) e nele foi “achada iniquidade”
(Is 14.13-14); a apostasia de Adão, que, mesmo em seu estado perfeito, preferiu
dar as costas ao mandamento divino (Gn 3); a apostasia de Israel que, por
muitas vezes na história, apostatou do Deus verdadeiro e correu atrás de ídolos
(Is 1.5-6);180 a apostasia de Judas que traiu Jesus; o caso de Himeneu e
Alexandre (1 Tm 1.19-20); e a apostasia dos crentes descrita por Paulo: “Porque
virá tempo em que não sofrerão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos,
amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e
desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (2 Tm 4.3-4).
Os crentes não estão impedidos de
apostatarem da fé, ou ainda de serem tentados, de pecarem, e de sofrerem as
consequências do pecado e da perdição eterna. A apostasia é permitida diante do
livre-arbítrio e da possibilidade de escolhas do ser humano. Isso não significa
que o crente vá ficar com medo a ponto de ter uma vida neurótica; ele também
não pode desenvolver um excesso de confiança de salvação a ponto de tornar-se
negligente; significa, sim, que ele deve vigiar e orar para não cair em
tentação (Mt 26.41), para manter-se firme na fé e confiar na força do Espírito
Santo, que lhe capacita a perseverar (Rm 8.11). A Palavra de Deus, porém,
garante que jamais seremos tentados além de nossas forças: “Não veio sobre vós
tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do
que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais
suportar” (1 Co 10.13).
Embora os crentes possam apostatar da fé,
isso não significa que estarão condenados para sempre, pois isso atestaria
contra a bondade e a misericórdia de Deus. Caso se arrependam e abandonem a
prática, podem juntar-se novamente ao povo de Deus, embora dificilmente um
apóstata venha a arrepender-se. A Bíblia não menciona nenhum caso de pessoas
nessa situação que se tenham arrependido; pelo contrário, ela afirma: “Porque,
se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da
verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados” (Hb 10.26). Essa mesma
ideia é corroborada em Hebreus 6.3-6 e pode apontar para uma possível perdição
eterna para o apóstata, não porque Deus não os aceita mais; entretanto, por
causa da dureza de seus corações, surge a impossibilidade de que eles se
inclinem novamente para Deus.
A possibilidade da perda da salvação é
encontrada em alguns textos bíblicos que apontam para isso, como, por exemplo,
o endurecimento do coração pelo engano do pecado (Hb 3.13) e a possibilidade de
ter o nome riscado do livro da vida ao pecar contra Deus (Êx 32.33; Ap 3.5).
Isso não tem nada a ver com a predestinação divina, mas, sim, com a capacidade
de escolhas que o ser humano faz. Assim sendo, nenhuma experiência de conversão
do passado é garantia de salvação permanente, mas, sim, a que provém de uma fé
viva e atuante (Mt 11.12) no presente.
Devido à força destrutiva do pecado,
Satanás quer cirandar com os crentes (Lc 22.31-32) e, diante de sofrimentos
difíceis de suportar (Jó 2.9), os crentes são tentados a abandonar a fé, o que
leva à possibilidade de eles perderem a sua salvação. Vejamos alguns motivos
práticos de apostasia:
• Por rejeição consciente e voluntária
da pessoa e da obra de Cristo (Jo 13.25-27);
• Por pecado voluntário, consciente e
repetitivo de maneira maldosa e que macula a imagem de Cristo no crente sem que
haja arrependimento (At 5.4-5; 8.20);
• E por ensinar doutrinas errôneas (2 Pe
2.1). De forma mais clara, a apostasia sempre será algo feito de maneira
consciente, proposital, voluntária e maldosa contra a verdade. “Vós, portanto,
amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens
abomináveis, sejais juntamente arrebatados e descaiais da vossa firmeza” (2 Pe
3.17).
SEGUROS EM CRISTO
A segurança da salvação é gerada na
mente do crente na experiência de salvação, que é tão marcante e
revolucionária181 que gera essa certeza incontestável. Além dessa experiência
espiritual e emocional que gera certeza, o crente também crê por fé que, uma
vez confessando a Cristo como seu salvador, seu intelecto compreende, e o
Espírito Santo testemunha em sua consciência, pois “o mesmo Espírito testifica
com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16), gerando nele a
certeza da salvação, que é como um testemunho interior, a qual manifesta a
segurança da salvação, que é garantida por fé na graça de Cristo. Jesus disse
que os seus ouviriam a sua voz, ou seja, uma forma de ter certeza da salvação é
o quanto se é capaz de ouvir a voz de Jesus, “[...] e as ovelhas o seguem,
porque conhecem a sua voz” (Jo 10.4).
É mediante a fé que estamos guardados “na
virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1
Pe 1.5); assim, restanos crer nEle; a parte dEle é guardar-nos. A
responsabilidade do crente é aproveitar-se continuamente dos meios da graça que
Deus proveu para seus filhos. O cristão não pode guardar a si mesmo; antes,
deve submeter-se ao poder imenso do Deus que nele habita e pode guardá-lo. Cabe
ao crente alimentar-se constantemente da Palavra de Deus para vencer as dúvidas
e apagar os dardos inflamados do maligno através do escudo da fé (Ef 6.16),
rendendo-se ao ministério do Espírito Santo para manter a comunhão com Deus
através da oração, para, assim, ter a mente ocupada com tudo aquilo que diz
respeito ao Reino de Deus (ver Fp 4.8).
A segurança da salvação não é oriunda de
um pensamento positivo e nem uma mera expressão de otimismo; é, antes, uma
persuasão divina causada pela atuação do Espírito Santo e que está em sinergia
com a fé do crente. Todavia, pode haver uma autoilusão quanto à certeza da
salvação, originada pelo convencimento hipócrita de se estar andando com Deus,
ou mesmo alguém pode ser enganado por demônios por estar na prática constante
de pecados grosseiros e deliberados. Nesse caso, a suposta certeza da salvação
deve ser comprovada por evidências externas de virtude moral e espiritual (1 Jo
2.3-6). Dessa forma, havendo testemunho interior do Espírito e evidências
externas, pode-se acalmar o coração quanto à salvação.
Alguns crentes vivem com certo pavor de
terem perdido ou de, no futuro, perderem a salvação. Isso, entretanto,
demonstra que eles não entenderam corretamente o que é a segurança da salvação.
Esses crentes olham para dentro de si mesmos e tentam descobrir se estão salvos
pelas evidências emocionais, quando, na verdade, deve-se olhar para o que a
Palavra de Deus diz (Rm 10.9-10). Quando esses crentes percebem que a conduta
deles não está de acordo com o que julgam ser a vida cristã e, então, encontram
fraquezas e falhas, sua certeza desaparece; todavia, eles julgam que seu
comportamento é correto, sentem-se seguros; entretanto, o que falta, na
verdade, é crer de coração na Palavra de Deus, que afirma que o sacrifício de
Cristo é suficiente para cobrir todos os pecados e também para libertar de falsas
culpas que a religiosidade tenta criar para amedrontar os crentes. “Se Deus
ficou satisfeito [em Cristo] e decidiu receber-nos, devemos alegrar-nos em crer
que fomos recebidos e descansar em sua Palavra.”182 Isso, contudo, não quer
dizer que “uma vez salvo, salvo para sempre”; apenas afirma nossa segurança em
Cristo se não apostatarmos da fé.
Embora o crente corra o risco de perder
sua salvação por causa de suas atitudes (2 Tm 4.7-8), a fidelidade de Cristo e
a certeza do cumprimento de suas promessas garantem que esse mesmo crente será
guardado e conservado (Jd 1) irrepreensível até a sua vinda (1 Ts 5.23-24).
Para ter a segurança da salvação, o crente precisa confiar no poder de Deus que
o livra de tropeçar e que o mantém irrepreensível (Jd 24-25). Na oração
sacerdotal, Jesus orou pelos discípulos e por aqueles que se haviam de salvar,
afirmando que Ele mesmo cuidaria deles: “e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão
de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos. Meu Pai, que mas deu, é
maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las das mãos de meu Pai” (Jo
10.28,29).
A segurança em Cristo é afirmada na
mente do crente através da atuação do Espírito Santo em seu interior e na sua
consciência, como consequência da fé e do testemunho do Espírito Santo em sua
consciência. Isso garante que se viva na esperança e na certeza da confiança na
graça e na misericórdia de Deus e que o crente poderá partir desta vida sem
qualquer medo ansioso, ou pavor terrível ou temor da morte,183 pois encontrará
o Cristo ressuscitado esperando-o nas mansões celestiais.
Uma das melhoras consequências que
alcançamos ao aceitarmos a Cristo é que podemos ter certeza da salvação (Sl
51.12; Is 12.3; 1 Jo 5.13), pois agora não temos mais o peso da culpa e da condenação
e somos aceitos e amados por Deus e, assim, o efeito prático é que se pode
viver uma vida muito feliz e radiante (Lc 10.20).
Não podemos ter certeza da salvação a
partir de qualquer obra ou mérito próprio. Essa certeza é unicamente possível através
da confiança que o cristão tem em Cristo e em sua obra. Embora tenhamos a
liberdade de caminhar para onde quisermos e fazer o que quisermos, o Espírito
Santo age em nossa mente errante e convence-nos do pecado (Jo 16.8). Podemos
ser vacilantes, intemperantes e termos dúvidas, mas Ele prende cada um de nós
com laços de amor, trazendo-nos de volta ao aprisco (Lc 15.7).
Nem mesmo o sofrimento de Paulo levou-o a
desanimar ou diminuir sua confiança em Deus: “Por cuja causa padeço também
isto, mas não me envergonho, porque eu sei em quem tenho crido e estou certo de
que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele Dia” (2 Tm 1.12). O verbo
que Paulo utiliza está no tempo pretérito perfeito composto, indicando um ato
de continuidade, ou seja, uma fé exercida no início, porém mantida firme
durante as duras provações e dúvidas inerentes à vida cristã. A afirmação
denota uma confiança contínua na fidelidade de Deus, tantas vezes experimentada
por Paulo. A expressão do apóstolo indica um conhecimento profundo (“eu sei”),
que é construído com um relacionamento íntimo e amoroso com alguém, no qual se
confia porque se construiu essa confiança e são conhecidas as suas ações e
pensamentos em seu favor.
O “Dia” final de Paulo é o momento em que
esperança e a fé — construídas aqui nesta vida quanto à certeza da salvação e
na tensão da caminhada cristã do “já agora” e do “ainda não” — fundir-se-ão no
horizonte eterno e alcançarão sua concretização final para a alegria de
multidões de salvos que estarão diante do Trono do Cordeiro, porque creram na
esperança da salvação que se tornou real: “Porque, em esperança, somos salvos.
Ora, a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê, como o
esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos” (Rm
8.24-25).
📕A Obra da Salvação Claiton Ivan Pommerening
Conhecendo as Doutrinas da Bíblia
Myer
Pearlman
V. A Segurança da Salvação
Temos estudado as preparações para a salvação e considerado a
natureza desta. Nesta seção consideramos: É a Salvação final dos cristãos
incondicional, ou poderá perder-se por causa do pecado?
A experiência prova a possibilidade duma queda temporária da
graça, conhecida por "desviar-se". O termo não se encontra no Novo
Testamento, senão no Antigo Testamento. Uma palavra hebraica significa
"voltar atrás" ou "virar-se"; outra palavra significa
"volver-se" ou ser "rebelde". Israel é comparado a um
bezerro teimoso que volta para trás e se recusa a ser conduzido, e torna-se
insubmisso ao jugo. Israel afastou-se de Jeová e obstinadamente se recusou a
tomar sobre si o jugo de seus mandamentos.
O Novo Testamento nos admoesta contra tal atitude, porém usa
outros termos. O desviado é a pessoa que outrora tinha o zelo de Deus, mas
agora se tomou fria (Mat. 24:12); outrora obedecia à Palavra, mas o mundanismo
e o pecado impediram seu crescimento e frutificação (Mat. 13:22); outrora pôs a
mão ao arado, mas olhou para trás (Luc. 9:62); como a esposa de Ló, que havia
sido resgatada da cidade da destruição, mas seu coração voltou para ali (Luc.
17:32); outrora estava em contacto vital com Cristo, mas agora está fora de
contacto, e está seco, estéril e inútil espiritualmente (João 15:6); outrora
obedecia à voz da consciência, mas agora jogou para longe de si essa bússola
que o guiava, e, como resultado, sua embarcação de fé destroçou-se nas rochas
do pecado e do mundanismo (1 Tim. 1:19); outrora alegrava-se em chamar-se
cristão, mas agora se envergonha de confessar a seu Senhor (2 Tim. 1:8 ;2:12);
outrora estava liberto da contaminação do mundo, mas agora voltou como a
"porca lavada ao espoja-douro de lama" (2 Ped. 2:22; vide Luc.
11:21-26).
É possível decair da graça; mas a questão é saber se a pessoa
que era salva e teve esse lapso, pode finalmente perder-se. Aqueles que seguem
o sistema de doutrina calvinista respondem negativamente; aqueles que seguem o
sistema arminiano (chamado assim em razão de Armínio, teólogo holandês, que
trouxe a questão a debate) respondem afirmativamente.
1. Calvinismo.
A doutrina de João Calvino não foi criada por ele; foi
ensinada por santo Agostinho, o grande teólogo do quarto século. Nem tampouco
foi criada por Agostinho, que afirmava estar interpretando a doutrina de Paulo
sobre a livre graça.
A doutrina de Calvino é como segue: A salvação é inteiramente
de Deus; o homem absolutamente nada tem a ver com sua salvação. Se ele, o
homem, se arrepender, crer e for a Cristo, é inteiramente por causa do poder
atrativo do Espírito de Deus. Isso se deve ao fato de que a vontade do homem se
corrompeu tanto desde a queda, que, sem a ajuda de Deus, não pode nem se
arrepender, nem crer, nem escolher corretamente. Esse foi o ponto de partida de
Calvino — a completa servidão da vontade do homem ao mal. A salvação, por
conseguinte, não pode ser outra coisa senão a execução dum decreto divino que
fixa sua extensão e suas condições.
Naturalmente surge esta pergunta: Se a salvação é
inteiramente obra de Deus, e o homem não tem nada a ver com ela, e está
desamparado, amenos que o Espírito de Deus opere nele, então, por que Deus não
salva a todos os homens, posto que todos estão perdidos e desamparados?
A resposta de Calvino era: Deus predestinou alguns para serem salvos e outros
para serem perdidos. "A predestinação é o eterno decreto de Deus, pelo
qual ele decidiu o que será de cada um e de todos os indivíduos. Pois nem todos
são criados na mesma condição; mas a vida eterna está preordenada para alguns,
e a condenação eterna para outros." Ao agir dessa maneira Deus não é
injusto, pois ele não é obrigado a salvar a ninguém; a responsabilidade do
homem permanece, pois a queda de Adão foi sua própria falta, e o homem sempre é
responsável por seus pecados.
Posto que Deus predestinou certos indivíduos para a salvação,
Cristo morreu unicamente pelos "eleitos"; a expiação fracassaria se
alguns pelos quais Cristo morreu se perdessem.
Dessa doutrina da predestinação segue-se o ensino de
"uma vez salvo sempre salvo"; porque se Deus predestinou um homem
para a salvação, e unicamente pode ser salvo e guardado pela graça de Deus, que
é irresistível, então, nunca pode perder-se.
Os defensores da doutrina da "segurança eterna"
apresentam as seguintes referências para sustentar sua posição: João 10:28,29:
Rom. 11:29; Fil. 1:6; 1 Ped. 1:5; Rom. 8:35; João 17:6.
2. Arminianismo.
O ensino arminiano é como segue: A vontade de Deus é que
todos os homens sejam salvos, porque Cristo morreu por todos. (1 Tim. 2:4-6;
Heb. 2:9; 2 Cor. 5:14; Tito 2:11,12.) Com essa finalidade ele oferece sua graça
a todos. Embora a salvação seja obra de Deus, absolutamente livre e
independente de nossas boas obras ou méritos, o homem tem certas condições a
cumprir. Ele pode escolher aceitar a graça de Deus, ou pode resistir-lhe e
rejeitá-la. Seu direito de livre arbítrio sempre permanece.
As Escrituras certamente ensinam uma predestinação, mas não
que Deus predestina alguns para a vida eterna e outros para o sofrimento
eterno. Ele predestina " a todos os que querem" a serem salvos — e
esse plano é bastante amplo para incluir a todos que realmente desejam ser
salvos. Essa verdade tem sido explicada da seguinte maneira: na parte de fora da
porta da salvação lemos as palavras: "quem quiser pode vir"; quando
entramos por essa porta e somos salvos, lemos as palavras no outro lado da
porta: "eleitos segundo a presciência de Deus". Deus, em razão de seu
conhecimento, previu que essas pessoas aceitariam o evangelho e permaneceriam
salvos, e predestinou para essas pessoas uma herança celestial. Ele previu o
destino delas, mas não o fixou.
A doutrina da predestinação é mencionada, não com propósito
especulativo, e, sim, com propósito prático. Quando Deus chamou Jeremias ao
ministério, ele sabia que o profeta teria uma tarefa muito difícil e poderia
ser tentado a deixá-la. Para encorajá-lo, o Senhor assegurou ao profeta que o
havia conhecido e o havia chamado antes de nascer (Jer. 1:5). Com efeito, o
Senhor disse: "Já sei o que está adiante de ti, mas também sei que posso
te dar graça suficiente para enfrentares todas as provas futuras e conduzir-te
à vitória." Quando o Novo Testamento descreve os cristãos como objetos da
presciência de Deus, seu propósito é dar-nos certeza do fato de que Deus previu
todas as dificuldades que surgirão à nossa frente, e que ele pode nos guardar e
nos guardará de cair.
3. Uma comparação.
A salvação é condicional ou incondicional? Uma vez salva, a
pessoa é salva eternamente? A resposta dependerá da maneira em que podemos
responder às seguintes perguntas-chave: De quem depende a salvação? É
irresistível a graça?
1) De quem depende, em última análise, a salvação: de Deus ou
do homem? Certamente deve depender de Deus, porque, quem poderia ser salvo se a
salvação dependesse da força da própria pessoa? Podemos estar seguros disto:
Deus nos conduzirá à vitória, não importa quão débeis ou desatinados sejamos,
uma vez que sinceramente desejamos fazer a sua vontade. Sua graça está sempre
presente para nos admoestar, reprimir, animar e sustentar.
Contudo, não haverá um sentido em que a salvação dependa do
homem? As Escrituras ensinam constantemente que o homem tem o poder de escolher
livremente entre a vida e a morte, e Deus nunca violará esse poder.
2) Pode-se resistir à graça de Deus? Um dos princípios
fundamentais do Calvinismo é que a graça de Deus e irresistível. Quando Deus
decreta a salvação de uma pessoa, seu Espírito atrai, e essa atração não pode
ser resistida. Portanto, um verdadeiro filho de Deus certamente perseverará até
ao fim e será salvo; ainda que caia em pecado, Deus o castigará e pelejará com
ele. Ilustrando a teoria calvinista diríamos: é como se alguém estivesse a
bordo dum navio, e levasse um tombo; contudo está a bordo ainda; não caiu ao
mar.
Mas o Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à
graça divina e resistir para a perdição eterna (João 6:40; Heb. 6:46; 10:26-30;
2 Ped. 2:21; Heb. 2:3; 2 Ped. 1:10), e que a perseverança é condicional
dependendo de manter-se em contacto com Deus.
Note-se especialmente Heb. 6:4-6 e 10:26-29. Essas palavras
foram dirigidas a cristãos; as epístolas de Paulo não foram dirigidas aos
não-regenerados. Aqueles aos quais foram dirigidas são descritos como havendo
sido uma vez iluminados, havendo provado o dom celestial, participantes do
Espírito Santo, havendo provado a boa Palavra de Deus e as virtudes do século
futuro. Essas palavras certamente descrevem pessoas regeneradas.
Aqueles aos quais foram dirigidas essas palavras eram critãos
hebreus, que, desanimados e perseguidos (10:32-39), estavam tentados a voltar
ao Judaísmo. Antes de serem novamente recebidos na sinagoga, requeria-se deles
que, publicamente, fizessem as seguintes declarações (10:29): que Jesus não era
o Filho de Deus; que seu sangue havia sido derramado justamente como o dum
malfeitor comum; e que seus milagres foram operados pelo poder do maligno. Tudo
isso está implícito em Heb. 10:29. (Que tal repúdio da fé podia haver sido
exigido, é ilustrado pelo caso dum cristão hebreu na Alemanha, que desejava
voltar à sinagoga, mas foi recusado porque desejava conservar algumas verdades
do Novo Testamento.) Antes de sua conversão havia pertencido à nação que
crucificou a Cristo; voltar à sinagoga seria de novo crucificar o Filho de Deus
e expô-lo ao vitupério; seria o terrível pecado da apostasia (Heb. 6:6); seria
como o pecado imperdoável para o qual não há remissão, porque a pessoa que está
endurecida a ponto de cometê-lo não pode ser "renovada para arrependimento";
seria digna dum castigo mais terrível do que a morte (10:28); e significaria
incorrer na vingança do Deus vivo (10:30, 31).
Não se declara que alguém houvesse ido até esse ponto; de
fato , o autor está persuadido de "coisas melhores" (6:9). Contudo,
se o terrível pecado da apostasia da parte de pessoas salvas não fosse ao menos
remotamente possível, todas essas admoestações careceriam de qualquer
fundamento.
Leia-se 1 Cor. 10:1-12. Os coríntios se haviam jactado de sua
liberdade cristã e da possessão dos dons espirituais. Entretanto, muitos
estavam vivendo num nível muito pobre de espiritualidade. Evidentemente eles
estavam confiando em sua "posição" e privilégios no Evangelho. Mas
Paulo os adverte de que os privilégios podem perder-se pelo pecado, e cita os
exemplos dos israelitas. Estes foram libertados duma maneira sobrenatural da
terra do Egito, por intermédio de Moisés, e, como resultado, o aceitaram como
seu chefe durante a jornada para a Terra da Promissão. A passagem pelo Mar
Vermelho foi um sinal de sua dedicação à direção de Moisés. Cobrindo-os estava
a nuvem, o símbolo sobrenatural da presença de Deus que os guiava. Depois de
salvá-los do Egito, Deus os sustentou, dando-lhes, de maneira sobrenatural, o
que comer e beber. Tudo isso significava que os israelitas estavam em graça,
isto é: no favor e na comunhão com Deus.
Mas "uma vez em graça sempre em graça" não foi
verdade no caso dos israelitas, pois a rota de sua jornada ficou assinalada com
as sepulturas dos que foram destruídos em conseqüência de suas murmurações,
rebelião e idolatria. O pecado interrompeu sua comunhão com Deus, e, como
resultado, caíram da graça. Paulo declara que esses eventos foram registrados
na Bíblia para advertir os cristãos quanto à possibilidade de perder os mais
sublimes privilégios por meio do pecado deliberado.
4. Equilíbrio escriturístico.
As respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo
como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça
de Deus como a única fonte de salvação — e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo
acentua a livre vontade e responsabilidade do homem — e assim o faz a Bíblia. A
solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro
ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a
outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma
contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro. Por exemplo: a
ênfase demasiada à soberania e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma
vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude
nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outro lado,
ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação
contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e
despojá-las de toda a confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser
evitados são: a ilegalidade e o legalismo.
Quando Carlos Finney ministrava em uma comunidade onde a
graça de Deus havia recebido excessiva ênfase, ele acentuava muito a
responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a
responsabilidade humana e as obras haviam sido fortemente defendidas, ele
acentuava a graça de Deus. Quando deixamos os mistérios da predestinação e nos
damos à obra prática de salvar as almas, não temos dificuldades com o assunto.
João Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista. Entretanto, ambos
conduziram milhares de almas a Cristo.
Pregadores piedosos calvinistas, do tipo de Carlos Spurgeon e
Carlos Finney, têm pregado a perseverança dos santos de tal modo a evitar a
negligência. Eles tiveram muito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de
Deus certamente perseveraria até ao fim, mas acentuaram que se não
perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento. Se a pessoa não
procurasse andar na santidade, dizia Calvino, bem faria em duvidar de sua
eleição.
É inevitável defrontarmo-nos com mistérios quando nos
propomos tratar as poderosas verdades da presciência de Deus e a livre vontade
do homem; mas se guardamos as exortações práticas das Escrituras, e nos
dedicamos a cumprir os deveres específicos que se nos ordenam, não erraremos.
"As coisas encobertas são para o Senhor Deus, porém as reveladas são para
nós" (Deut. 29:29).
Para concluir, podemos sugerir que não é prudente insistir
falando indevidamente dos perigos da vida cristã. Maior ênfase deve ser dada
aos meios de segurança — o poder de Cristo como Salvador; a fidelidade do
Espírito Santo que habita em nós, a certeza das divinas promessas, e a eficácia
infalível da oração. O Novo Testamento ensina uma verdadeira "segurança
eterna", assegurando-nos que, a despeito da debilidade, das imperfeições,
obstáculos ou dificuldades exteriores, o cristão pode estar seguro e ser
vencedor em Cristo. Ele pode dizer com o apóstolo Paulo: "Quem nos
separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição ou a
fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti
somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como ovelhas para o
matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele
que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a
altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do
amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom. 8:35-39).
Conhecendo as Doutrinas da Bíblia
40
A
Perseverança dos Santos
(Conservar-se
Cristão)
Podem os
verdadeiros cristãos perder a salvação? Como saber se realmente nascemos de
novo?
Wayne Grudem
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
ATUAL E
EXAUSTIVA
Explicação e
base bíblica
A
|
té aqui a nossa análise já abordou muitos aspectos da plena
salvação que Cristo conquistou para nós e que o Espírito Santo agora aplica a
nós. Mas como saber que continuaremos cristãos até o fim da vida? Será que há
alguma coisa que nos impeça de nos afastar de Cristo, algo que garanta que nos
conservaremos cristãos até a morte e que de fato viveremos com Deus no céu para
sempre? Ou será possível que nos afastemos de Cristo e percamos as bênçãos da
salvação? O tema da perseverança dos santos trata dessas questões. Pela
perseverança dos santos, todos aqueles que verdadeiramente nasceram de novo
serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o final da
vida, e só aqueles que perseverarem até o fim realmente nasceram de novo. Essa
definição tem duas partes. Indica primeiro que há uma garantia a ser dada
àqueles que realmente nasceram de novo, pois lembra-lhes de que o poder de Deus
irá conservá-los cristãos até a morte e que certamente viverão com Cristo no
céu para sempre. Por outro lado, a segunda metade da definição deixa claro que
a perseverança na vida cristã é uma das evidências de que a pessoa realmente
nasceu de novo. E importante ter em mente também esse aspecto da doutrina, para
que não se dêem falsas garantias a pessoas que na verdade nunca foram crentes.
Convém notar que essa
questão é um ponto de forte discordância entre os cristãos evangélicos há muito
tempo. Muitos da tradição wesleyana/arminiana sustentam que é possível que
alguém realmente nascido de novo venha a perder a salvação, enquanto os
cristãos reformamos defendem que isso é impossível para uma pessoa
verdadeiramente nascida de novo.1 A maioria dos batistas segue a tradição
reformada nesse ponto; porém, eles muitas vezes usam a expressão “segurança
eterna”on “segurança eterna do crente”e não “perseverança dos santos”.
659
A . T odos os
que verdadeiramente nasceram de novo
PERSEVERARÃO ATÉ
O FIM
Muitas passagens
pregam que aqueles que verdadeiramente nasceram de novo, que são realmente
cristãos, continuarão na vida cristã até a morte, e então viverão com Cristo no
céu. Diz Jesus: Eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim
a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta:
que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário,
eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo
homem que vir o Filho e nele crer tenha vida eterna; e eu o ressuscitarei no
último dia (Jo 6.38-40).
Aqui diz Jesus que todos os que crêem nele terão vida eterna.
Diz que irá ressuscitar essa pessoa no último dia - o que, nesse contexto de
crer no Filho e ter vida eterna, significa claramente quejesus ressuscitará
essa pessoa para a vida eterna ao lado dele (não somente a ressuscitará para
juízo e condenação). Parece difícil evitar a conclusão de que todos os que
verdadeiramente crêem em Cristo permanecerão cristãos até o dia da ressurreição
final para as bênçãos da vida na presença de Deus.2 Além disso, esse texto
enfatiza quejesus faz a vontade do Pai, ou seja, “que nenhum eu perca de todos
os que me deu” (Jo 6.39). Reafirma-se então: os que foram dados ao Filho pelo
Pai não se perderão. Outra passagem que sublinha essa verdade é João 10.27-29,
na qual diz Jesus:
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me
seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da
minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai
ninguém pode arrebatar. Aqui Jesus diz que aqueles que o seguem, os que são as
suas ovelhas, recebem vida eterna. Diz ainda que “ninguém as arrebatará da
minha mão” (v. 28).
Ora, alguns já objetaram que, embora ninguém possa tirar os
cristãos da mão de Cristo, nós mesmos podemos nos afastar dele. Mas isso mais
parece tergiversação rasteira - afinal, será que “ninguém” também não inclui a
pessoa que está na mão de Cristo? Além do mais, sabemos que o nosso coração não
é nem de longe confiável. Portanto se houvesse a possibilidade de nós mesmos
nos afastarmos de Cristo, a passagem certamente não daria a garantia quejesus
parece pretender.
Mas na verdade a frase mais conclusiva da passagem é
“jamaisperecerão” (w. 28). A construção grega (ou mê mais um subjuntivo
aoristo) é especialmente enfática e teria uma tradução mais explícita: “e eles
certamente não perecerão para sempre”. Isso sublinha que as “ovelhas” dejesus,
que o seguem, que dele recebem a vida eterna, jamais perderão a salvação nem se
separarão de Cristo - “jamais perecerão”.3
Várias outras
passagens afirmam que aqueles que crêem têm “vida eterna”. Um exemplo éjoão
3.36: “Quem crê no Filho tem a vida eterna” (d. também Jo 5.24; 6.4-7; 10.28;
IJo 5.13). Ora, se é realmente vida eterna que têm os crentes, então é uma vida
que dura para sempre ao lado de Deus. E um dom de Deus que acompanha a salvação
(é contrastada com a condenação e o juízo eternos emjo 3.16-17, 36; 10.28). Os
arminianos 660 objetam que “vida eterna” é simplesmente a vida em relação com
Deus, que a pessoa pode ter por certo tempo e depois perder. Mas essa objeção
não parece convincente em vista do claro sentido de tempo infinito que carrega
o adjetivo eterno (gr. aiõnios, “eterno, sem fim”).4 Certamente essa vida tem
uma qualidade especial, mas a ênfase do adjetivo eterno está no fato de ser
essa vida o oposto da morte; é o oposto do juízo e da separação de Deus; é a
vida que continua para sempre na presença de Deus. E aquele que crê no Filho
tem essa “vida eterna” (Jo 3.36).
Os textos de Paulo e outras epístolas do Novo Testamento
também trazem elementos que indicam que os que verdadeiramente nascem de novo
perseverarão até o fim. “Já nenhuma condenação há para os que estão em
Cristojesus” (Rm 8.1); portanto, seria injusto que Deus reservasse algum tipo
de castigo eterno para os cristãos - nenhuma condenação há para eles, pois a
penalidade dos seus pecados já foi expiada integralmente.
Adiante, em Romanos 8.30, Paulo sublinha o claro elo entre os
desígnios eternos de Deus na predestinação e a divina realização desses
desígnios na vida, juntamente com a consumação desses desígnios na
“glorificação”, ou concessão do corpo ressurreto àqueles que foram levados à
união com Cristo: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também
glorificou”. Aqui Paulo enxerga o futuro evento da glorificação com tamanha
certeza no desígnio determinado de Deus que chega a falar dele como se já
realizado (“também glorificou”). Isso vale para todos os que são chamados e
justificados - ou seja, todos os que verdadeiramente se tomaram cristãos.
Outras provas de que Deus guarda os que nascem de novo para a
eternidade é o “selo” que Deus coloca em nós. Tal “selo” é o Espírito Santo que
habita em nós, que também funciona como “penhor” divino de que receberemos a
herança que nos foi prometida: “Em quem também vós, depois que ouvistes a
palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido,
fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa
herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef
1.13-14). A palavra grega traduzida como “penhor” nessa passagem (arrabõn) é um
termo legal e comercial que significa “primeira prestação, depósito, entrada,
caução” e representa “um pagamento que obriga a parte contratante a fazer novos
pagamentos”.5 Quando Deus nos concedeu o Espírito Santo, ele se comprometeu a
dar as outras bênçãos da vida eterna e uma grande recompensa no céu ao lado
dele. E por isso que Paulo diz que o Espírito Santo é “o penhor da nossa
herança, até ao resgate da sua propriedade” (Ef 1.14). Todo aquele que tem
dentro de si o Espírito Santo, todo aquele que verdadeiramente nasceu de novo,
conta com a imutável promessa e garantia de Deus de que a herança da vida
eterna no céu certamente será sua. A própria fidelidade de Deus é a garantia da
realização disso.6
Outro exemplo da garantia de que os crentes perseverarão até
o fim se encontra na declaração de Paulo aos filipenses: “Estou plenamente
certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de
Cristojesus” (Fp 1.6). O plural “vós” (gr. hymas) indica que Paulo se refere
aos cristãos da igreja filipense em geral, mas mesmo assim ele fala dos crentes
aos quais escreve e diz que a boa obra que Deus começou neles continuará e será
completada no dia da volta de Cristo.7 Pedro diz aos seus leitores que são eles
os que são “guardadospelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação
preparada para revelar-se no último tempo” (IPe 1.5). A palavra guardados (gr.
phroureõ) pode (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 661 significar
tanto “impedidos de fugir” quanto “protegidos de ataque”, e talvez os dois
sentidos estejam implícitos aqui: Deus impede que os crentes fujam do seu
reino, e os protege de ataques externos.
O particípio presente usado por Pedro dá este sentido: “Vós
estais continuamente sendo guardados”.8 Ele enfatiza que isso se dá pelo poder
de Deus. Porém o poder de Deus não age independentemente da fé da pessoa que é
guardada, mas por meio dessa fé. (A “fé”, pistis, é normalmente uma atividade
individual dos crentes nas epístolas de Pedro; ver IPe 1.7,9,21; 5.9; 2Pe
1.1,5; e comumente no Novo Testamento.) Os exemplos análogos da ação divina
“mediante” alguém ou algo nos textos de Pedro (IPe 1.3,23; 2Pe 1.4; e
provavelmente também IPe 1.12; 2.14; 3.1) sugerem que a fé ou a confiança do
crente em Deus é o meio que Deus usa para guardar o seu povo. Assim podemos
definir o sentido do versículo dizendo que “Deus está continuamente usando o
seu poder para guardar o seu povo mediante a fé desse povo”, uma declaração que
parece implicar que o poder divino na verdade fortalece e continuamente
sustenta a fé do indivíduo.9
Essa guarda não tem em
vista uma meta temporária, mas a salvação preparada para revelar-se no último
tempo. A palavra “salvação” é usada aqui não para indicar uma justificação
pretérita ou uma santificação presente (falando em categorias teológicas), mas
a plena posse fatura de todas as bênçãos da nossa redenção - ou a consumação
final e completa da nossa salvação (cf. Rm 13.11; IPe 2.2). Embora já pronta ou
“preparada”, só será “revelada” por Deus à humanidade em geral no “último
tempo”, o tempo do juízo final. Essa última expressão torna difícil, se não
impossível, identificar o fim da ação protetora de Deus. Se a guarda de Deus
tem como propósito a preservação dos crentes até que eles recebam a sua plena
salvação celeste, então podemos concluir com segurança que Deus irá realizar
esse desígnio e que os crentes de fato alcançarão essa salvação final. Em
última análise, para alcançar essa salvação final os crentes dependem do poder
de Deus. No entanto, o poder de Deus age continuamente “mediante” a sua fé. E
se os crentes quiserem saber se Deus os está guardando? Ora, se eles persistem
na fé em Deus por meio de Cristo, Deus atua para guardá-los e por isso merece
reconhecimento.
Essa ênfase na proteção de Deus combinada à nossa fé
proporciona uma transição natural à segunda metade da doutrina da perseverança.
B. SÓ AQUELES
QUE PERSEVERAREM ATÉ O FIM REALMENTE NASCERAM DE NOVO
Embora as Escrituras
vez após vez ressaltem que os que verdadeiramente nasceram de novo perseverarão
até o fim e por certo terão a vida eterna no céu ao lado de Deus, outras
passagens falam da necessidade de persistir na fé por toda a vida. Elas nos
fazem perceber que aquilo que Pedro disse em 1 Pedro 1.5 é verdade: que Deus
não nos guarda independentemente da nossa fé, mas só age mediante a nossa fé;
ou seja, possibilita que continuemos a crer nele. Desse modo, aqueles que
persistem na fé em Cristo ganham a certeza de que Deus age neles e os guarda.
Um exemplo desse tipo de passagem éjoão 8.31-32: “Disse,
pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha
palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a
verdade vos libertará”. Jesus alerta aqui que uma prova da fé genuína é a
perseverança na sua palavra, ou seja, continuar a crer naquilo que (40) A
Doutrina da Aplicação da Redenção 662 ele diz e levar uma vida de obediência
aos seus mandamentos. Jesus, do mesmo modo, para exortar as pessoas a não
fraquejar em tempos de perseguição, declara: “Aquele, porém, que perseverar até
ao fim, esse será salvo” (Mt 10.22).
Paulo diz aos cristãos colossenses que Cristo os reconciliou
com Deus, “para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e
irrepreensíveis, se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos
deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1.22-23). Nada
mais natural que Paulo e os outros autores do Novo Testamento falem assim, pois
se dirigem a grupos de pessoas que confessam a fé cristã, sem poder saber o
estado real do coração de cada um. Em Colossos talvez houvesse pessoas que
faziam parte da comunhão da igreja e (quem sabe?) até professassem fé em
Cristo, tendo sido inclusive batizadas na igreja, sem contudo jamais ter tido
verdadeira fé salvífica. Como é que Paulo distingue essa gente dos verdadeiros
crentes? De que modo ele evita dar-lhes falsa garantia, garantia de que serão
salvos para a eternidade quando na verdade não o serão, a menos que venham
verdadeiramente a se arrepender e a ter fé? Paulo sabe que aqueles cuja fé não
é real acabarão deixando de participar da comunhão da igreja. Portanto ele diz
aos seus leitores que eles serão salvos “se é que permaneceis na fé” (Cl 1.23).
Aqueles que persistem mostram assim que são crentes autênticos. Mas os que não
persistem na fé mostram que nunca houve fé genuína no seu coração.
Ênfase semelhante se vê em Hebreus 3.14 (nasb): “Porque nos
temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardamos firme, até ao
fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos”. Esse versículo dá um
excelente panorama da doutrina da perseverança. Como sabemos que “nos temos
tornado participantes de Cristo”? Como sabemos se essa união com Cristo nos
aconteceu em algum momento do passado?10 Uma forma de confirmar que de fato
alcançamos genuína fé em Cristo é verificar se continuamos na fé até o fim da
vida.
A atenção ao contexto de Hebreus 3.14 nos impede de usar essa
e outras passagens semelhantes de um modo pastoralmente incorreto. É preciso
lembrar que há nas Escrituras outras provas que dão aos cristãos a garantia da
salvação;11 por isso não devemos pensar que é impossível ter antes da morte a
garantia de que pertencemos a Cristo. Contudo, persistir na fé é uma das formas
mencionadas pelo autor de Hebreus de o crente obter tal garantia. Ele a
menciona para exortar os leitores a não se afastar de Cristo, pois está
escrevendo dentro de um contexto em que tal alerta se faz necessário. O início
dessa seção, apenas dois versículos antes, diz: “Tende cuidado, irmãos, jamais
aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos
afaste do Deus vivo” (Hb 3.12). De fato, em todas as passagens em que se
menciona a persistência na fé em Cristo até o fim da vida como indicação de fé
genuína, o propósito nunca é fazer aqueles que já confiam em Cristo temer que
em algum momento do futuro venham a se perder (tampouco devemos usar essas
passagens desse modo, pois isso suscitaria uma causa equivocada de temor, algo
que as Escrituras não estimulam). Antes, o propósito é sempre alertar aqueles
que pensam em se afastar ou que já se afastaram: se eles o fizerem, tal ato
será uma forte indicação de que jamais foram salvos. Assim, a necessidade de
persistir na fé deve ser usada simplesmente como alerta contra o afastamento da
fé, sinalizando que aqueles que se afastam de Cristo dão provas de que a sua fé
jamais foi autêntica.
João afirma claramente que quando as pessoas se afastam da
comunhão da igreja e da fé em Cristo, mostram assim que a sua fé nunca foi real
e que jamais fizeram parte do (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se
Cristão) 663 verdadeiro corpo de Cristo. Falando de pessoas que haviam
abandonado a comunhão dos crentes, declarajoão: “Eles saíram de nosso meio;
entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam
permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que
nenhum deles é dos nossos” (ljo 2.19).João afirma que aqueles que partiram
mostraram com o seu ato que “não eram dos nossos” - não haviam verdadeiramente
nascido de novo.
C . A queles que
acabam se afastando podem dar m uitos sinais EXTERIORES DE CONVERSÃO
Será sempre fácil distinguir os membros da igreja que têm
autêntica fé salvífica daqueles que têm apenas um convencimento intelectual da
verdade do evangelho, mas não a autêntica fé no coração? Não, nem sempre é
fácil, e a Bíblia afirma em várias passagens que descrentes em aparente
comunhão com a igreja podem dar alguns sinais ou indicações exteriores que os
façam parecer crentes verdadeiros. Por exemplo, Judas, que traiu Cristo, deve
ter agido quase exatamente como os outros discípulos durante os três anos em
que esteve com Jesus. Tão convincente era a sua conformidade à conduta dos
outros discípulos que ao final dos três anos de ministério dejesus, quando ele
declarou que um dos seus discípulos o trairia, nem todos suspeitaram de Judas,
mas “começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura, sou eu, Senhor?” (Mt
26.22; cf. Mc 14.19; Lc 22.23; Jo 13.22). Porém, Jesus sabia que não havia fé
genuína no coração de Judas, pois disse a certa altura: “Não vos escolhi eu em
número de doze? Contudo, um de vós é diabo” (Jo 6.70). João mais tarde escreveu
no seu evangelho que “Jesus sabia, desde o princípio, quais eram os que não
criam e quem o havia de trair” (Jo 6.64). Mas os discípulos mesmos não sabiam.
Paulo também fala dos
‘falsos irmãos que se entremeteram” (G1 2.4), e afirma que nas suas viagens
esteve “em perigos entre falsos irmãos” ("ICo 11.26). Afirma também que os
servos de Satanás se transformam “em ministros de justiça” (2Co 11.15). Isso
não significa que todos os descrentes da igreja que dão alguns sinais de
verdadeira conversão sejam servos de Satanás agindo secretamente para minar a
obra da igreja, pois alguns podem estar ainda ponderando as declarações do
evangelho e avançando rumo à verdadeira fé, outros podem ter ouvido uma
explicação incorreta da mensagem evangélica, e outros podem não ter ainda
alcançado a verdadeira convicção do Espírito Santo. Mas as declarações de Paulo
significam que alguns descrentes dentro da igreja são falsos irmãos e irmãs
enviados para perturbar a comunhão, enquanto outros são simplesmente descrentes
que acabarão alcançando a genuína fé salvífica. Nos dois casos, porém, eles
podem dar diversos sinais exteriores que os façam parecer crentes autênticos.
Podemos ver isso também na declaração dejesus sobre o que
acontecerá no juízo final: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no
reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
Muitos, naquele dia, hão de dizer- me: Senhor,
Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não
expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes
direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniqüidade (Mt 7.21-23).
664
Embora essas pessoas profetizassem, expulsassem demônios e
fizessem “muitos milagres” em nome dejesus, a capacidade de fazer tais obras
não garantia que eram cristãs. Diz Jesus: “Nunca vos conheci”. Não diz: “Eu vos
conheci um dia, mas já não vos conheço” nem “Eu vos conheci um dia, mas vos
afastastes de mim”, e sim: “Nunca vos conheci”. Nunca foram crentes de verdade.
Ensinamento semelhante se encontra na parábola do semeador em
Marcos 4. Diz Jesus: “Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo
nasceu, visto não ser profunda na terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e,
porque não tinha raiz, secou-se” (Mc 4.5-6). Jesus explica que a semente
plantada em solo rochoso representa aqueles que “ouvindo a palavra, logo a
recebem com alegria. Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo, antes, de pouca
duração; em lhes chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra,
logo se escandalizam” (Mc 4.16-17). O fato de eles não terem “raiz em si
mesmos” indica que não havia fonte de vida dentro dessas plantas; do mesmo
modo, as pessoas representadas por tais plantas não têm vida genuína em si.
Exibem uma aparência de conversão e aparentemente se tornam cristãs, pois
aceitaram a palavra “com alegria”, mas quando vem a dificuldade, elas não são
mais encontradas em lugar nenhum - a sua conversão aparente não foi genuína e
não havia verdadeira fé salvífica no seu coração.
A importância de persistir na fé é também confirmada na
parábola dejesus como videira, na qual os cristãos são retratados como ramos
(Jo 15.1-7). Diz Jesus:
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que,
estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para
que produza mais fruto ainda. [...] Se alguém não permanecer em mim, será
lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o
queimam (Jo 15.1-2, 6).
Os arminianos alegam que os ramos que não dão fruto são ainda
assim ramos genuínos da videira - Jesus fala de “todo ramo que, estando em mim,
não der fruto” (v. 2). Portanto, os ramos que são apanhados, lançados no fogo e
queimados devem representar crentes autênticos que foram um dia parte da
videira, mas caíram e ficaram sujeitos à condenação eterna. Mas essa não é uma
implicação necessária do ensinamento dejesus sobre essa questão. O símile da
videira usado nessa parábola é limitado quanto ao volume de detalhes que pode
dar. Na verdade, se Jesus quisesse ensinar que associados a ele havia crentes
verdadeiros e falsos, e se quisesse usar a analogia da videira e seus ramos,
então o único modo de se referir às pessoas que não tinham em si vida genuína
seria falar de ramos que não dão fruto (lembrando a analogia das sementes que
caíram no solo rochoso: “eles não têm raiz em si mesmos” [Mc 4.17]). Aqui em
João 15 os ramos que não dão fruto, embora estejam de certo modo ligados ajesus
e exibam uma aparência de ramos legítimos, assim mesmo dão indicação da sua
verdadeira condição pelo fato de não dar fruto. Isso é igualmente indicado pelo
fato de a pessoa “não permanecer” em Cristo (Jo 15.6) e ser lançada fora para
secar como ramo arrancado da videira. Se tentamos esticar a analogia um pouco
mais, dizendo por exemplo que todos os ramos de uma videira estão de fato
vivos, senão nem estariam ali, então o que fazemos é estender a metáfora além
daquilo que ela é capaz de ensinar - e nesse caso nada haveria na analogia que
pudesse representar os falsos crentes. O objetivo da metáfora é simplesmente
dizer que aqueles (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 665 que
dão fruto, dão portanto provas de que permanecem em Cristo; aqueles que não dão
fruto, não permanecem nele.
Finalmente, há duas
passagens de Hebreus que também afirmam que aqueles que acabam se afastando
podem dar muitos sinais exteriores de conversão e parecer cristãos em muitos
aspectos. A primeira delas, Hebreus 6.4-6, foi muitas vezes usada pelos
arminianos como prova de que os crentes podem perder a salvação. Mas num exame
mais detido essa interpretação não se revela convincente. Escreve o autor:
É impossível,
pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e
se tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e
os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los
para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o
Filho de Deus e expondo-o à ignomínia (Hb 6.4-6).
O autor continua com um exemplo extraído da agricultura:
Porque a terra
que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para
aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se
produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é
ser queimada (Hb 6.7-8).
Nessa metáfora agrícola, os condenados no juízo final são
comparados à terra que não produz vegetação ou fruto útil, mas só espinhos e
abrolhos. Quando lembramos outras metáforas bíblicas em que o bom fruto é sinal
de verdadeira vida espiritual e a ausência de frutos denuncia os falsos crentes
(por exemplo, Mt 3.8-10; 7.15-20; 12.33-35), já temos uma indicação de que o
autor está falando de pessoas cuja prova mais confiável da sua condição
espiritual (o fruto que produzem) é negativa, sugerindo que o autor fala de
pessoas que não são verdadeiramente cristãs.
Alguns já objetaram
que a longa descrição de coisas que aconteceram a essas pessoas que se
afastaram significa que elas devem ter verdadeiramente nascido de novo. Mas
essa não é uma objeção convincente quando se examinam os termos usados. O autor
diz que “uma vez foram iluminados”(Hb 6.4). Mas essa iluminação significa
simplesmente que eles compreenderam as verdades do evangelho, não que tenham
respondido a essas verdades com genuína fé salvífica.12
Do mesmo modo, a expressão uma vez, usada para falar daqueles
que “uma vez foram iluminados”, traduz o termo grego hapax, que é usado, por
exemplo, em Filipenses 4.16 (quando os filipenses enviam doações a Paulo “não
somente uma vez, mas duas”) e em Hebreus 9.7 (que fala da entrada no Santos dos
Santos “uma vezpor ano”). Portanto, essa palavra não significa que algo
acontece “uma vez” somente e não pode ser repetida, mas simplesmente que
aconteceu uma vez, sem especificar se será ou não repetida.13 O texto diz ainda
que essas pessoas “provaram o dom celestial” e que “provaram a boa palavra de
Deus e os poderes do mundo vindouro” (Hb 6.4-5). Inerente à idéia de provar é o
fato de ser esse provar algo temporário e de a pessoa poder ou não decidir
aceitar a coisa provada. Por exemplo, a mesma palavra grega (geuomai) é usada
em Mateus 27.34 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 666 para dizer que
aqueles que crucificaram Jesus “deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele,
provando-o, não o quis beber”. A palavra é também usada em sentido figurado com
o significado de “vir a conhecer algo”.14 Se interpretamos a palavra nesse
sentido figurado, como deve ser entendida aqui, pois a passagem não fala de
provar comida de verdade, então isso significa que essas pessoas compreenderam
o dom celestial (o que provavelmente significa que experimentaram parte do
poder do Espírito Santo em ação) e conheceram parte da Palavra de Deus e parte
dos poderes do mundo vindouro. Não significa necessariamente que tiveram (ou
não) genuína fé salvífica, mas pode significar simplesmente que a compreenderam
e tiveram alguma vivência do poder espiritual.15
O texto também diz que essas pessoas “se tomaram
participantes do Espírito Santo” (Hb 6.4). A questão é o significado exato da
palavra metochos, que é aqui traduzida como “participante”. Nem todos os
leitores das traduções da Bíblia sabem que esse termo tem uma ampla gama de
significados e pode sugerir participação e apego bem íntimos, ou então
meramente uma associação mais tênue com a outra pessoa ou pessoas citadas. Por
exemplo, o contexto mostra que em Hebreus 3.14 tornar-se “participante” de
Cristo significa ter uma participação bem íntima com ele numa relação
salvífica.16 Por outro lado, a palavra metochos pode também ser usada num
sentido muito mais livre, referindo-se meramente a associados ou companheiros.
Lemos que quando os discípulos pegaram grande quantidade de peixes, a ponto de
as redes estarem já se rompendo, “fizeram sinais aos companheiros do outro
barco, para que fossem ajudá-los” (Lc 5.7). Aqui o termo define os que eram
meramente parceiros ou companheiros de Pedro e dos outros discípulos na
pesca.17 Efésios 5.7 usa uma palavra muito próxima (symmetochos, composta de
metochos e da preposição syn [“com”]) quando Paulo exorta os cristãos a ficar
atentos aos atos pecaminosos dos descrentes: “... não sejais participantes com
eles” (Ef 5.7). Ele não está preocupado com a possibilidade de a própria
natureza deles se transformar pelo contato com os descrentes, mas simplesmente
com a hipótese de o testemunho deles ficar comprometido, de a própria vida
deles vir a ser influenciada pelos descrentes.
Por analogia, Hebreus
6.4-6 fala das pessoas que “se associaram ao”Espírito Santo e que, portanto,
tiveram a vida influenciada por ele, mas isso não implica que eles viven-
ciaram a obra redentora do Espírito Santo, nem que foram regenerados. Aplicando
analogia semelhante ao exemplo dos companheiros de pesca de Lucas 5.7, Pedro e
os discípulos poderiam estar associados a eles e até ser influenciados por
eles, sem sofrer uma completa mudança de vida por conta dessa associação. A
própria palavra metochos possibilita uma gama de influência que vai da
razoavelmente fraca à razoavelmente forte, pois significa somente “aquele que
participa de, partilha de ou acompanha alguém numa atividade”. Foi
aparentemente isso que aconteceu a essas pessoas mencionadas em Hebreus 6, que
participaram da igreja e portanto tiveram contato com a obra do Espírito Santo,
sendo sem dúvida nenhuma influenciadas por ele de algum modo.18
Por fim, diz o texto
que é impossível renovar “para arrependimento ” as pessoas que experimentaram
essas coisas e depois cometeram a apostasia. Alguns já argumentaram que se esse
é um arrependimento ao qual elas precisam ser renovadas, então deve ser um
arrependimento autêntico. Mas isso não é necessariamente verdadeiro. Primeiro,
é preciso perceber que “arrependimento” (gr. metanoia) não implica
necessariamente arrependimento íntimo do coração para a salvação. Por exemplo,
Hebreus 12.17 usa essa palavra para falar da mudança de idéia que fez Esaú
buscar desfazer a venda do seu direito (40) A Perseverança dos Santos
(Conservar-se Cristão) 667 de primogenitura e refere-se a ela com o termo
“arrependimento” (metanoia). Esse não seria um arrependimento para salvação,
mas simplesmente uma mudança de idéia e o cancelamento da venda do direito de
primogenitura. (Repare também o exemplo do arrependimento de Judas em Mt 27.3 -
conquanto com uma palavra grega distinta.)
O verbo cognato
“arrepender-se” (gr. metanoeõ) é às vezes usado para indicar não arrependimento
salvífico, mas meramente pesar por ofensas individuais, em Lucas 17.3- 4: “Se
teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se,
por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo,
dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe”. Concluímos que “arrependimento”
significa simplesmente pesar por atos realizados ou pecados cometidos. Nem
sempre será possível dizer se é ou não genuíno arrependimento salvífico,
“arrependimento para salvação”. O autor de Hebreus não se preocupa em especificar
se se trata ou não de arrependimento genuíno. Diz simplesmente que se alguém
sente pesar pelo pecado, compreende o evangelho e experimenta as várias bênçãos
da obra do Espírito Santo (sem dúvida em comunhão com a igreja), mas depois se
afasta, não será possível restaurar tal pessoa novamente a uma atitude de pesar
pelo pecado. Mas isso não implica necessariamente que o arrependimento foi
genuíno arrependimento salvífico.
A esta altura podemos perguntar que tipo de pessoa se define
com todos esses termos. São sem dúvida pessoas que estiveram intimamente
ligadas à comunhão da igreja. Sentiram algum pesar pelo pecado
(arrependimento). Compreenderam claramente o evangelho (foram iluminadas).
Apreciaram os atrativos da vida cristã e a mudança que acontece na vida das
pessoas quando se tornam cristãs, e provavelmente foram atendidas nas suas
orações e sentiram o poder do Espírito Santo em ação, talvez até usando alguns
dons espirituais, como os descrentes de Mateus 7.22 (“uniram-se” à obra do
Espírito Santo, ou se tornaram “participantes” do Espírito Santo e provaram o
dom celestial e os poderes do mundo vindouro). Ouviram a verdadeira pregação da
Palavra e apreciaram muitos dos seus ensinamentos (provaram a bondade da
Palavra de Deus).
Mas depois, apesar de
tudo isso, se “caíram [...] crucificando para si mesmos o Filho de Deus e
expondo-o à ignomínia” (Hb 6.6), então rejeitaram deliberadamente todas essas
bênçãos e se voltaram decididamente contra elas. E possível que todos
conheçamos (às vezes pela sua própria confissão) pessoas que estão há muito
tempo na comunhão da igreja sem ser cristãs nascidas de novo. Há muito tempo
ponderam o evangelho, mas continuam a resistir ao chamado do Espírito Santo,
talvez por causa da relutância em entregar a sua soberania ajesus, preferindo
apegar-se a si mesmas.
Ora, o autor nos diz que se essas pessoas deliberadamente
rejeitam todas essas bênçãos temporárias, então é impossível renová-las para
algum tipo de arrependimento ou pesar pelo pecado. O seu coração estará
endurecido, a sua consciência, insensível. Que mais se poderia fazer para
trazê-las à salvação? Se lhes dissermos que a Bíblia é a verdade, elas dirão
que já a conhecem, mas que resolveram rejeitá-la. Se lhes dissermos que Deus
atende a oração e transforma a vida do crente, elas responderão que também já
sabem disso, mas que não querem nada disso. Se lhes dissermos que o Espírito
Santo tem poder para agir nas pessoas e que o dom da vida eterna é
indescritivelmente bom, elas dirão que compreendem, mas que não querem nada
disso. A sua constante familiaridade com as coisas de Deus e a forte influência
do Espírito Santo só serviu para endurecê-las contra a conversão.
Ora, o autor de Hebreus sabe que na comunidade à qual ele
escreve há alguns em perigo de cair dessa maneira (ver Hb 2.3; 3.8, 12, 14-15;
4.1, 7, 11; 10.26, 29, 35-36, 38- 39; 12.3, 15-17). Ele quer alertá-los de que,
embora tenham participado da comunhão da igreja e experimentado várias bênçãos
divinas, ainda assim, se caírem depois de tudo isso não haverá salvação para
eles. Isso não implica que ele pense que os verdadeiros cristãos possam se
perder - Hebreus 3.14 implica bem o contrário. Mas ele quer que essas pessoas
alcancem a certeza da salvação mediante a persistência na fé e, portanto,
sugere que, se vierem a cair, isso mostraria que jamais foram de fato pessoas
de Cristo (ver Hb 3.6: “... mas Cristo é fiel como filho sobre a casa de Deus;
e esta casa somos nós, se nos apegarmos firmemente à confiança e à esperança da
qual nos gloriamos). Portanto o autor quer fazer um grave alerta àqueles em
perigo de cair da fé cristã. Ele quer usar a linguagem mais forte possível para
dizer: “Vejam aqui até onde a pessoa pode chegar na experiência das bênçãos
temporárias, sem no entanto realmente estar salva”. Ele os exorta a vigiar,
pois não basta depender de bênçãos e experiências temporárias. Para isso, ele
fala não de uma verdadeira mudança no coração ou de algum bom fruto, mas
simplesmente das bênçãos e experiências temporárias que essas pessoas tiveram e
que lhes deram uma compreensão parcial do cristianismo.
Por essa razão, ele imediatamente passa da descrição desses
que cometem apostasia a outra analogia que mostra que tais pessoas que se
afastam jamais deram fruto autêntico. Como já explicamos acima, os versículos
7-8 falam dessas pessoas usando a metáfora dos “espinhos e abrolhos” tipos de
frutos que nascem no solo que não tem em si vida prestável, ainda que receba
repetidas bênçãos de Deus (nos termos da analogia, ainda que a chuva
freqüentemente o regue). Convém notar aqui que as pessoas que cometem apostasia
não são comparadas a um campo que um dia deu bom fruto e agora já não dá, mas
sim a uma terra que jamais deu bom fruto, porém apenas espinhos e abrolhos. A
terra pode parecer boa antes do surgimento dos brotos, mas o fruto dá a prova
incontestável de que a terra é ruim.
Forte apoio a essa interpretação de Hebreus 6.4-8 se encontra
no versículo imediatamente seguinte. Embora o autor venha falando com muita
dureza sobre a possibilidade de apostasia, ele agora volta a falar da situação
da grande maioria dos leitores, que ele julga serem cristãos de verdade. Diz: “
Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são
melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira” (Hb 6.9).
Mas a questão é: “coisas que são melhores” que o quê? O plural “coisas que são
melhores” forma um contraste apropriado com as “boas coisas” mencionadas nos
versículos 4-6: o autor está convencido de que a maioria dos seus leitores
experimentou coisas melhores que as meras influências parciais e temporárias do
Espírito Santo e da igreja, mencionadas nos versículos 4-6.
De fato, o autor fala dessas coisas dizendo (literalmente)
que se trata de “coisas que são melhores e pertencentes à salvação ” (gr. kai
echomena sõtêrías).19 Essas não são somente as bênçãos temporárias mencionadas
nos versículos 4-6, mas coisas melhores, coisas que não têm somente influência
temporária, mas que são também “pertencentes à salvação”. Assim, a palavra
grega kai (“também”) mostra que a salvação é algo que não fazia parte das
coisas mencionadas nos versículos 4-6 acima. Portanto, a palavra kai, que não é
traduzida explicitamente nas versões rsv e niv (mas a nasb chega perto),20 proporciona
uma chave vital à compreensão da passagem. Se o autor quisesse dizer que as
pessoas mencionadas nos versículos 4-6 estavam realmente salvas, então seria
muito difícil 669 compreender por que ele
diria no versículo 9 que estava persuadido de coisas que são melhores para
elas, coisas pertencentes à salvação, ou que carregam em si a salvação além das
coisas mencionadas acima. Ele assim mostra que, se quiser, pode usar uma curta
expressão para dizer que as pessoas “têm salvação” (ele não precisa enfileirar
muitas expressões) e mostra, além do mais, que as pessoas de quem fala nos
versículos 4-6 não estão salvas.21
O que exatamente são essas “coisas que são melhores”? Além da
salvação mencionada no versículo 9, são coisas que dão real prova de salvação -
fruto genuíno (v. 10), plena certeza de esperança (v. 11) e fé salvífica, do
tipo exibido por aqueles que herdam as promessas (v. 12). Dessa forma ele
tranqüiliza os verdadeiros crentes - aqueles que dão fruto e demonstram amor
pelos outros cristãos, que exibem esperança e fé genuína que perdura até o
tempo presente, e que não estão prestes a se perder. Ele quer tranqüilizar
esses leitores (que certamente são maioria), ao mesmo tempo lançando um forte alerta
aos que dentre eles possam estar em perigo de perdição.
Ensinamento semelhante se encontra em Hebreus 10.26-31. Ali
diz o autor: “Se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido
o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (v.
26). A pessoa que rejeita a salvação de Cristo e que “profanou o sangue da
aliança com o qual foi santificado” (v. 29) merece castigo etemo. Isso,
novamente, é um grave alerta contra a apostasia, mas não deve ser tomado como
prova de que alguém que verdadeiramente já nasceu de novo possa perder a
salvação. Quando o autor fala sobre o sangue da aliança “com o qual foi
santificado”, a palavra santificado é usada simplesmente para denotar a
“santificação exterior, como a dos antigos israelitas, por uma ligação exterior
com o povo de Deus”.2 2 A passagem não fala de alguém genuinamente salvo, mas
de alguém que recebeu alguma influência moral benéfica mediante contato com a
igreja.23
Outra passagem, esta dos escritos de João, é usada para sustentar
a possibilidade da perda da salvação. Em Apocalipse 3.5, diz Jesus: “O vencedor
será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome
do Livro da Vida”. Alguns sustentam que, dizendo isso, Jesus sugere que é
possível que ele venha a apagar os nomes de algumas pessoas do Livro da Vida,
pessoas que já tinham seus nomes escritos ali e que portanto já estavam salvas.
Mas o fato dejesus afirmar enfaticamente que não fará algo não pode ser usado
para pregar que fará a mesma coisa noutros casos! O mesmo tipo de construção
grega24 é usada para exprimir uma negação enfática em João 10.28, onde Jesus
diz: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão ”. Isso não significa que
algumas das ovelhas de Jesus não ouvem a sua voz nem o seguem, e por isso
perecerão; afirma simplesmente que as suas ovelhas com certeza não perecerão.
Do mesmo modo, quando Deus diz - “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais
te abandonarei” (Hb 13.5) —, não sugere que deixará ou abandonará outras
pessoas; apenas declara enfaticamente que não deixará nem abandonará o seu
povo. Ou, numa analogia ainda mais próxima, de Mateus 12.32, Jesus diz: “Se
alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste
mundo nem no porvir”. Isso não significa que alguns pecados serão perdoados no
porvir (como alegam os católicos romanos para sustentar a doutrina do
purgatório)2 5 — isso não passa de um erro de raciocínio: dizer que algo não
irá acontecer no porvir não implica que pode acontecer no porvir! Do mesmo
modo, Apocalipse 3.5 é apenas uma firme garantia de que aqueles que estiverem
trajando vestes brancas e que permaneceram fiéis a Cristo não terão os seus
nomes apagados do Livro da Vida.2 6 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção
670
Finalmente, certa passagem do Antigo Testamento é muitas
vezes usada para argumentar que as pessoas podem perder a sua salvação: a
história do Espírito Santo que se aparta do rei Saul. Mas Saul não deve ser
tido como exemplo de alguém que perdeu a salvação, pois o “Espírito do Senhor”
se retirou de Saul (ISm 1(5.14) imediatamente depois de Samuel ter ungido Davi
rei, ocasião em que “o Espírito do Senhor se apossou de Davi” (ISm 16.13). Na
verdade, a descida do Espírito do Senhor até Davi é relatada no versículo
imediatamente anterior àquele em que se narra que o Espírito saiu de Saul. Esse
vínculo estreito significa que a Bíblia não fala aqui de perda total da obra do
Espírito Santo na vida de Saul, mas simplesmente do afastamento do Espírito
Santo como meio de consagrar Saul como rei.2 7 Porém isso não significa que
Saul foi condenado por toda a eternidade. E simplesmente muito difícil dizer
com base nas páginas do Antigo Testamento se Saul, ao longo da sua vida, foi
(a) um homem irregenerado que tinha liderança e foi usado por Deus como
demonstração do fato de que alguém digno de ser rei aos olhos do mundo não era
só por isso apto para ser rei do povo do Senhor, ou (b) um homem regenerado mas
falto de entendimento, levando uma vida que cada vez mais se afastava do
Senhor.
D. O QUE PODE DAR AO CRENTE A PLENA SEGURANÇA?
Se é verdade, como explicamos na seção anterior, que os
descrentes que finalmente optam pela apostasia podem dar muitos sinais
exteriores de conversão, então o que servirá como prova de uma conversão
genuína? O que pode dar plena certeza ao crente autêntico? Podemos relacionar
três categorias de perguntas que a pessoa poderia fazer a si mesma.
1. Será que confio hoje na salvação de Cristo? Paulo diz aos
colossenses que eles serão salvos no último dia, “se é que permaneceis na fé,
alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que
ouvistes” (Cl 1.23). O autor de Hebreus diz: “Nos temos tomado participantes de
Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o
princípio, tivemos” e incentiva os seus leitores a imitar aqueles “que, pela
fée pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb 6.12). De fato, o versículo
mais famoso de toda a Bíblia usa um verbo no presente e pode ser assim
traduzido: “... todo aquele que continuar crendo nele” terá a vida eterna (ver
Jo 3.16).
Portanto, a pessoa deve
perguntar-se: “Será que hoje confio em que Cristo perdoará os meus pecados e me
levará inculpável ao céu, para a eternidade? Será que tenho no meu coração a fé
de que ele já me salvou? Se eu fosse morrer hoje à noite e comparecesse perante
o tribunal de Deus, e se ele me perguntasse por que haveria de me admitir no
céu, será que eu pensaria nas minhas boas ações, confiando nelas, ou sem
hesitar diria que confio nos méritos de Cristo, com absoluta certeza de que ele
é o meu pleno Salvador?”
Essa ênfase na fé presente em Cristo contrasta com a prática de
“testemunhos” que se verifica em algumas igrejas, segundo a qual as pessoas
repetidamente recitam detalhes de uma conversão que pode ter ocorrido vinte ou
trinta anos antes. Para ser autêntico, o testemunho da fé salvífica deve estar
atuante no presente.
671
2. Há porventura no meu coração provas da obra
regeneradora do Espírito Santo? A prova da obra do Espírito Santo no nosso
coração surge de muitos modos diferentes. Embora não devamos confiar na
demonstração de milagres (Mt 7.22), nem em longas horas ou anos de trabalho
numa igreja qualquer (que pode não passar de uma construção feita de “madeira,
feno, palha” [nas palavras de ICo 3.12] que só faz inflar o ego humano ou o
poder sobre os outros, ou representa uma tentativa de conquistar méritos
perante Deus), existem muitas outras provas da obra autêntica do Espírito Santo
no coração da pessoa.
Primeiro, há a ação subjetiva do
Espírito Santo dentro do nosso coração, testemunhando que somos filhos de Deus
(Rm 8.15-16; IJo 4.13). Esse testemunho será geralmente acompanhado de um senso
da orientação do Espírito Santo pelos caminhos da obediência à vontade de Deus
(Rm 8.14).
Além disso, se o Espírito Santo estiver realmente ativo em nós, ele
produzirá as virtudes que Paulo chama de “fruto do Espírito” (G1 5.22). Ele
lista várias atitudes e virtudes geradas pelo Espírito Santo: “amor, alegria,
paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio
próprio” (G15.22-23). É claro que a questão não é “será que exemplifico
perfeitamente todas essas virtudes?”, mas sim “será que essas coisas
caracterizam em geral a minha vida? Será que sinto no meu coração essas
virtudes? Será que os outros (especialmente os mais próximos de mim) vêem em
mim essas virtudes? Venho por acaso me aperfeiçoando nelas ao longo dos anos?”
O Novo Testamento não sugere em momento algum que uma pessoa não cristã,
irregenerada, possa de modo convincente foijar essas virtudes, em particular
diante daqueles que conhecem a pessoa mais a fundo.
Associado a esse tipo de fruto há outro - a influência da vida e do
ministério da pessoa sobre os outros e na igreja. Há alguns que se confessam
cristãos, cuja influência sobre os outros só serve para desanimar, arrastar
para baixo, reduzir a fé e provocar polêmica e divisão. A conseqüência da sua fé
e do seu ministério não é edificar os outros, edificar a igreja, mas
derrubá-los. Por outro lado, há aqueles que parecem edificar os outros em cada
conversa, cada oração, cada obra do ministério em que colaboram. Disse Jesus, a
respeito dos falsos profetas: “Pelos frutos os conhecereis. [...] Toda árvore
boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. [...] Assim,
pois, pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16-20).
Outra prova da obra do Espírito Santo é continuar a crer e aceitar o bom
ensinamento da igreja. Aqueles que começam a negar importantes doutrinas da fé
dão graves sinais negativos a respeito da sua salvação: “Todo aquele que nega o
Filho, esse não tem o Pai [...] Se em vós permanecer o que desde o princípio ou
vistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai” (IJo 2.23-24).João também
diz: “Aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não
nos ouve” (IJo 4.6). Como os textos do Novo Testamento são o substituto atual
de apóstolos como João, podemos também dizer que quem conhece a Deus continua a
ler e a se alegrar na Palavra de Deus, e continuará a crer plenamente nela.
Aqueles que não crêem e não se alegram na Palavra de Deus dão mostras de que
não são “da parte de Deus”.
Outra prova de autêntica salvação é a relação contínua e presente com
Jesus Cristo. Diz Jesus: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” e “Se
permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que
quiserdes, e vos será 672 feito” (Jo 15.4, 7).
Esse permanecer em Cristo implica não só a confiança cotidiana nele em
várias situações, mas também sem dúvida a comunhão regular com ele na oração e
na adoração.
Finalmente, um importante elemento comprovador de que somos crentes autênticos
se encontra na vida de obediência aos mandamentos de Deus. Diz João: “Aquele
que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não
está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele,
verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que
estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim
como ele andou” (ljo 2.4-6). Não se faz necessária, porém, uma vida perfeita.
João diz, sim, que em geral devemos levar uma vida de imitação de Cristo, de
semelhança a ele naquilo que fazemos e dizemos. Quem exibe genuína fé
salvífica, exibirá também uma evidente obediência (ver ainda ljo 3.9-10, 24;
5.18). Por isso diz Tiago: “A fé, se não tiver obras, por si só está morta” e
“Eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2.17-18). O amplo aspecto da
obediência a Deus abarca o amor pelos outros cristãos. “Aquele que ama a seu
irmão permanece na luz” (ljo 2.10). “Nós sabemos que já passamos da morte para
a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte” (ljo
3.14; cf. 3.17; 4.7). Uma prova desse amor é permanecer na comunhão cristã (ljo
2.19), e outra é ajudar um irmão que passa por necessidades (ljo 3.17; cf.Mt
25.31-46).
3. Será que percebo uma tendência constante de
crescimento na minha vida cristã? Os primeiros dois fatores de certeza da
salvação têm que ver com a fé presente e a prova atual da obra do Espírito
Santo em nós. Mas Pedro dá mais um tipo de teste que podemos fazer para
verificar se somos crentes autênticos. Ele nos diz que há algumas virtudes que,
cultivadas continuamente, garantem que não tropeçaremos “em tempo algum” (2Pe
1.10). Ele aconselha aos seus leitores acrescer à sua fé “virtude [...]
conhecimento [...] domínio próprio [...] perseverança [...] piedade [...]
fraternidade [...] amor” (2Pe 1.5-7). Depois diz que essas coisas devem existir
nos seus leitores, “aumentando” continuamente (2Pe 1.8). Pedro ainda acrescenta
que eles devem procurar “com diligência cada vez maior, confirmar a [...] vocação
e eleição [deles]” e diz depois que “procedendo assim (literalmente, “fazendo
essas coisas”, com referência às virtudes mencionadas nos v. 5-7), não
tropeçareis em tempo algum”(2Pe 1.10).
O modo de confirmar a vocação e
eleição é, então, continuar crescendo “nessas coisas”. Isso implica que a nossa
certeza de salvação pode crescer ao longo do tempo. A cada ano em que
aumentamos essas virtudes, obtemos mais e mais certeza da salvação. Assim,
embora os jovens possam ter uma confiança já bem forte na sua salvação, essa
certeza pode crescer e transformar-se numa convicção ainda maior ao longo dos
anos, desde que eles cresçam na maturidade cristã.2 8 Se eles perseverarem no
cultivo dessas coisas, confirmarão a sua vocação e eleição e não tropeçarão “em
tempo algum”.
O resultado dessas três perguntas que podemos fazer a nós mesmos deve ser
uma certeza mais firme para os verdadeiros crentes. Dessa forma a doutrina da
perseverança dos santos será uma doutrina tremendamente tranqüilizadora.
Ninguém que tenha tal certeza deve perguntar-se: “Serei capaz de perseverar até
o final da vida, sendo portanto salvo?” Todos os que adquirem essa certeza por
meio desse exame de consciência devem pensar de outro modo: “Verdadeiramente
nasci de novo; logo, com toda a certeza perseverarei até o final, pois sou
guardado ‘pelo poder de Deus’ que age por intermédio da minha fé (IPe 1.5) e,
portanto, jamais me perderei. Jesus me ressuscitará no último dia e entrarei no
seu reino para sempre” (Jo 6.40).
Por outro lado, essa doutrina da perseverança dos santos, desde que
corretamente compreendida, deve causar sincera preocupação, medo até, no
coração de todos os que “regridem” ou se desviam de Cristo. Essas pessoas devem
ser claramente prevenidas de que só aqueles que perseveram até o fim realmente
nasceram de novo. Se elas abandonaram a sua profissão de fé em Cristo e a
obediência a ele, podem na verdade não ter sido salvas — de fato, os indícios
que dão agindo assim é de que não são salvas e, portanto, de que jamais foram
salvas. Uma vez que deixem de confiar em Cristo e de obedecer a ele (e falo
aqui em termos de provas exteriores), perdem a certeza da salvação e devem
considerar-se, portanto, não salvas, buscando a Cristo em arrependimento e
rogando-lhe o perdão dos pecados.
Neste ponto, em termos de zelo pastoral para com aqueles que se desviaram
da sua confissão cristã, convém perceber que os calvinistas e os arminianos (os
que crêem na perseverança dos santos e os que pensam que os cristãos podem
perder a salvação) darão os mesmos conselhos ao homem que se perde. Segundo os
arminianos, essa pessoa foi cristã por certo tempo mas já não o é. Segundo os
calvinistas, tal pessoa jamais foi realmente cristã, e agora também não o é.
Mas nos dois casos o conselho bíblico a ser dado é o mesmo: “Você não parece
ser cristão hoje — precisa se arrepender dos seus pecados e confiar na salvação
de Cristo!” Embora os calvinistas e os arminianos divirjam na interpretação da
história pregressa, certamente concordariam a respeito do que deve ser feito no
presente.2 9
Mas vemos aqui por que a expressão segurança eterna pode facilmente levar
a equívocos. Em algumas igrejas evangélicas, em vez de ensinar a apresentação
plena e equilibrada da doutrina da perseverança dos santos, os pastores às
vezes ensinam uma versão diluída, que na prática diz às pessoas que todos os
que um dia fizeram uma profissão de fé e foram batizados estão “eternamente
seguros”. O resultado é que algumas pessoas que não se converteram
verdadeiramente podem “ir à frente” ao final de um sermão evangelístico e
confessar a fé em Cristo, e podem ser batizadas logo depois disso; porém mais
tarde podem deixar a comunidade da igreja e levar uma vida igual à que viviam
antes de obter essa “segurança eterna”. Desse modo dá-se uma falsa certeza,
enganam-se cruelmente as pessoas, que então passam a crer que irão para o céu,
apesar de não ser isso verdade.3 0 (40) A Doutrina da Aplicação da Redenção
Notas 1.
A doutrina da perseverança dos santos é representada
pelo “P” no acrograma TULIP, que muitas vezes se usa para resumir os “cinco
pontos do calvinismo”. (Ver lista completa na nota 11 do capítulo 32.) 2. Grant
R. Osbome, “Exegetical Notes on Calvinist Texts”, em Grace Unlimited, p. 170-71,
não dá uma explicação alternativa da declaração de Cristo (“Eu o ressuscitarei
no último dia”) ao abordar essa passagem. Mas diz, sim, que nesse contexto o v.
35 enfatiza o fato de que a vida 674
etema depende de a pessoa “vir e crer” em Cristo (p.
171) e que o tempo presente do verbo “crer” nessas passagens implica não
meramente uma decisão inicial de fé, mas sim a continuação dessa fé. Lamento
ter de divergir do meu amigo e colega nesse ponto, mas há algo a dizer como
contra-argumento: embora ninguém negue que seja necessário que a pessoa mesma
creia em Cristo para alcançar a vida eterna, e embora seja também verdade
quejesus aqui fala não apenas da fé salvífica inicial mas de uma fé que
continua ao longo do tempo, o versículo não chega a especificar que “todos os
que crerem continuamente até a morte terão vida eterna”, mas simplesmente diz
que “aqueles que atualmente crêem em Cristo” terão vida eterna e Jesus irá
ressuscitá-los no último dia. O versículo fala de todos os que presentemente
crêem em Cristo, e diz que todos eles serão ressuscitados por Cristo no último
dia. Osborne não faz outras objeções a esse versículo no seu segundo ensaio,
“Soteriology in the Gospel ofjohn”, em The Grace of God, the Will of Man, p.
248.
3. A palavra grega traduzida aqui como “perecerão” é
apollymi, o mesmo termo usado por João emjo 3.16 para dizer que “todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Grant Osborne, em “Exegetical
Notes on Calvinist Texts”, p. 172, diz que esse versículo não pode ser interpretado
independentemente do ensinamento sobre a videira e os ramos dejo 15.17, mas ele
não dá explicação alternativa para a frase “jamais perecerão” nem apresenta
motivo pelo qual não devamos interpretá-la no seguinte sentido: que essas
pessoas certamente viverão ao lado de Deus para sempre no céu. No seu artigo
subseqüente, “Soteriology in the Gospel of John”, Osborne novamente mencionajo
10.28, mas não lhe dá explicação alternativa; diz apenas que essa passagem
enfatiza a soberania de Deus, mas outras passagens de João enfatizam a fé que
age conjuntamente com a soberania de Deus. Esses artigos não parecem apresentar
um motivo que nos impeça de compreender essas palavras no sentido normal,
indicando que a pessoa que crê em Cristo certamente jamais se perderá. E claro
que aqueles que acreditam na doutrina da perseverança dos santos (como eu)
afirmariam que o modo de Deus nos proteger é nos fazer perseverar na fé em
Cristo (ver análise abaixo); portanto dizer que as Escrituras também enfatizam
a necessidade de persistir na fé não é uma objeção à doutrina da perseverança
dos santos, como os teólogos reformados muitas vezes argumentaram na história
da igreja. Em outras palavras, existe um meio de crer nos dois trechos sem
concluir que as pessoas que verdadeiramente nascem de novo podem perder a
salvação.
4. BAGD, p. 28. 5. Ibid, p. 109. 6. Osbome,
“Exegetical Notes on Calvinist Texts”, p. 181, diz a respeito desse versículo
que Paulo também prega a responsabilidade pessoal, pois “o cristão é exortado a
não ‘entristecer’ o Espírito (cf. ITs 4.8)” e “o perigo da apostasia é real, e
ele não ouse ‘entristecer’ o Espirito”. Mas, novamente, essa objeção deixa de
proporcionar uma interpretação alternativa do versículo em questão, pois
simplesmente remete a outros versículos que pregam a responsabilidade pessoal,
fato que o teólogo reformado também não deixaria de afirmar. Os teólogos
arminianos freqüentemente pressupõem que quem defende a responsabilidade humana
e a necessidade de persistir na fé conseqüentemente nega a idéia da absoluta
certeza da proteção soberana de Deus e da garantia da vida eterna. Mas eles
geralmente pressupõem tal coisa sem apresentar nenhuma outra interpretação
convincente dos textos citados para demonstrar a doutrina da perseverança dos
santos nem qualquer explicação que mostre por que não devemos tomar essas
palavras como garantia absoluta de que os que nascem de novo certamente
perseverarão até o fim. Em vez de supor que as passagens sobre a
responsabilidade humana negam a idéia da proteção soberana de Deus, parece
melhor adotar a posição reformada, que afirma que a proteção soberana de Deus é
coerente com a responsabilidade humana, pois age por intermédio da
responsabilidade humana e garante que reajamos conservando a fé necessária à
perseverança. (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 675
7. Osborne rejeita corretamente a idéia de que isso
implica somente que a igreja perdurará. Diz ele: “Paulo sem dúvida nenhuma
afirma que a promessa se estende ao indivíduo. Ele será guardado por Deus com
vistas ã salvação final, mas isso não elimina a necessidade de perseverança”
(“Exegetical Notes on Calvinist Texts”, p. 182). 8. Os três próximos parágrafos
foram tirados de W. Grudem, The First Epistle of Peter (Leicester: InterVarsity
Press, and Grand Rapids: Eerdmans, 1988), p. 58-59. 9. A tradução de J. N. D.
Kelly, “como resultado de [...] fé”, é uma versão extremamente improvável da
construção bastante comum dia com o genitivo (os poucos exemplos dessa
construção significando “como resultado de”, sugeridos em BAGD, p. 180, IV, são
todos ambíguos, e o próprio Kelly não dá exemplos: ver J. N. D. Kelly, A
Commentary on the Epistles of Peter andJude, Black’s New Testament Commentaries
[Londres: Black, 1969], p. 52).
10. O autor usa o verbo gegonamen no tempo perfeito
composto, “nos temos tornado” (em algum momento do passado, implicando
continuidade no presente).
11. Ver a lista
de provas da salvação apresentada na divisão D, abaixo.
12. A palavra iluminados traduz o termo grego phõtizõ,
que se refere ao aprendizado em geral e não necessariamente ao aprendizado que
resulta na salvação — ela é usada emjo 1.9 (a luz que “ilumina” todo homem que
vem ao mundo), em ICo 4.5 (a iluminação que vem no juízo final) e em Ef 1.18 (a
iluminação que acompanha o crescimento na vida cristã). A palavra não é um
“termo técnico” que implique que as pessoas em questão estavam salvas. Depois
de concluir a análise seguinte de Hb 6.4-6, escrevi um estudo muito mais
extenso, com exame mais aprofundado, mais dados de apoio e mais remissões a
outras obras: ver Wayne Grudem, “Perseverance of the Saints: A Case Study From
Heb. 6:4-6 and the Other Warning Passages of Hebrews”, em The Grace of God, the
Bondage of the Will, v. 1, ed. Tom Schreiner e Bruce Ware (Grand Rapids: Baker,
1995). 13. Essa palavra difere de ephapax, que é mais normalmente usada no Novo
Testamento para indicar eventos que não se repetem (Rm 6.10; Hb 7.27; 9.12;
10.10).
14. BAGD, p.
157. Eles mencionam outros exemplos de geuomai (“provar”), como Heródoto 6.5,
em que o povo de Mileto havia “provado a liberdade”, algo que certamente não
era propriedade dele. Também citam Dio Crisóstomo, 32.72, em que o autor fala
do povo de Alexandria num tempo em que ele “teve uma prova da guerra” num
embate com tropas romanas que foram simplesmente molestá-los, sem realmente
partir para a guerra de verdade. Josefo, A Guerra dos Judeus, 2.158, fala das
concepções teológicas dos essênios, “segundo as quais eles irresistivelmente
atraíam todos os que uma vez provaram a sua filosofia”. Aqui novamente Josefo
deixa claro que aqueles que “uma vez provaram” não haviam ainda adotado a
filosofia essênia, mas estavam simplesmente bastante atraídos por ela. Por
analogia, em Hb 6 aqueles que “provaram” o dom celestial, a palavra de Deus e
os poderes do mundo vindouro podem ou não se ver fortemente atraídos por essas
coisas, mas o mero ato de provar não significa que já as adotaram - bem o
contrário: se tudo o que o autor pode dizer deles é que “provaram” essas
coisas, isso sugere que não adotaram de fato o que provaram.
15. A palavra provar é também usada em Hb 2.9 para
dizer quejesus “provou” a morte, indicando que ele a conheceu por experiência
direta (mas “provar” é uma palavra adequada, pois ele não permaneceu morto). O
mesmo pode ser dito daqueles que experimentaram os dons celestiais, como pode
ser dito até dos descrentes (cf. Mt 7.22; ICo 7.14; 2Pe 2.20-22). Em Hb 6.45, a
experiência dessas pessoas com o poder do Espírito Santo e a Palavra de Deus
foi logicamente uma experiência verdadeira (assim como Jesus morreu de
verdade), mas isso por si só não demonstra que as pessoas tiveram uma
experiência de regeneração. 16. A mesma palavra grega metochos é usada em Hb
3.14, ainda que o texto inglês da rsv dê “Compartilhamos em Cristo”. (40) A
Doutrina da Aplicação da Redenção 676
17. Hb 1.9 também usa a mesma palavra para falar de
“companheiros”.
18. Os outros usos de metochos em Hb (3.1 e 12.8) de
fato sugerem uma associação ou participação mais íntima, mas mesmo 12.8, que
fala de pessoas que se tomam participantes na correção, certamente possibilita
que algumas delas recebam essa correção mas não se deixem transformar por ela.
Seja como for, a prova não é forte o bastante para nos fazer pensar que o autor
de Hebreus usou essa palavra como “termo técnico” que sempre se referisse a um
tipo de participação salvífica (não o fez em Hb 1.9 e 12.8), e a nossa
interpretação dessa palavra deve ser regida pelo exame da gama de significados
que ela pode assumir no grego do Novo Testamento e em outros livros que tenham
um vocabulário semelhante ao usado pelos autores do Novo Testamento. A
Septuaginta também ajuda a esclarecer o uso dessa palavra, pois em vários
exemplos ela só se refere ao companheirismo, não a algum tipo de experiência
regeneradora ou transformadora com Deus ou com o Espírito Santo. Por exemplo,
em ISm 20.30, Saul acusaJônatas de ter elegido Davi (como parceiro). Em SI
119.63, o salmista se diz “companheiro” de todos os que temem a Deus. Ec 4.10
diz que dois é melhor que um, pois se eles caírem, um levanta o seu
“companheiro”. Pv 28.24, nas traduções de Áquila, Símaco e Teodocião, usa essa
palavra para dizer que o homem que rejeita o seu pai ou a sua mãe é
“companheiro” de homens ímpios. Exemplos de uma associação um pouco mais
estreita se encontram em Et 8.13; Pv 29.10; Os 4.17; 3Mac 3.21. A conclusão
desse exame do termo metochos é que, embora possa ser usado para definir
associações bem íntimas, com resultados salvíficos para a vida da pessoa,
também pode ser usado simplesmente para denotar associação ou participação em
alguma atividade com outra pessoa qualquer. Portanto o termo em si não implica
que as pessoas de Hb 6.4-6 tenham tido uma associação salvífica com o Espírito
Santo, nem que tenham sido regeneradas. Significa simplesmente que estiveram de
algum modo associadas ao Espírito Santo, recebendo a influência deste. As
pessoas que profetizavam, expulsavam demônios e faziam muitos milagres em nome
de Jesus em Mt 7.22 são bons exemplos de gente que certamente participou até
certo ponto da obra do Espírito Santo ou que se tornou “participante” do
Espírito Santo nesse sentido, mas que não foi salva - Jesus diz: “Nunca vos
conheci” (Mt 7.23). 19. BAGD, p. 334, III, traduz o particípio médio de echõ
como “aferrar-se a, apegar-se a”, e relaciona Hb 6.9 como o único exemplo no
Novo Testamento do uso dessa forma com o significado “de íntima pertinência e
estreita associação” (cf. LSJ, p. 750, C: “aferrar-se a, apegar- se intimamente
a”). Porém, mesmo que traduzamos a voz média do mesmo modo que a passiva, a
frase significaria: “coisas que também têm salvação”, e o meu argumento nesta
seção não seria afetado. 20. A nasb traduz: “e coisas que acompanham a
salvação”. 21. Alguém pode contestar que a frase “coisas que são melhores” não
contrasta com as bênçãos temporárias dos w. 4-6, mas com o juízo prometido aos
espinhos e abrolhos do v. 8, que serão queimados. Mas é improvável que o autor
considerasse o fato de meramente não ser amaldiçoado como “coisas que são
melhores”. O comparativo “melhores” (kreisson) é usado treze vezes em Hebreus e
regularmente compara algo melhor com algo bom (aliança melhor, sacrifício
melhor, etc.); do mesmo modo, sugere aqui uma comparação com coisas que já são
boas (como as bênçãos dos w. 4-6), muito mais do que um contraste com o
terrível destino da eterna condenação do v. 8. 22. A. H. Strong, Systematic
Theology, p. 884. Strong menciona um uso pertinente e análogo do verbo
“santificar” em ICo 7.14, que fala do marido incrédulo “santificado” no
convívio da esposa crente (ICo 7.14, onde a mesma palavra grega, hagiazõ, é
usada). A santificação ritual exterior é também mencionada em Hb 9.13; cf. Mt
23.17, 19. (40) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) 677
(40) A Doutrina da Aplicação da Redenção 23. Êx 24.7-8
fala do sangue da aliança que separa Israel como povo de Deus, mesmo que nem
todos tenham verdadeiramente nascido de novo. No contexto de Hb 10, tal
metáfora, tirada do processo de santificação da pessoa no Antigo Testamento
para que ela pudesse postar-se diante de Deus para adorar, é um pano de fundo
adequado. 24. A construção usa ou mê mais o subjuntivo aoristo para exprimir a
negação enfática. 25. Ver análise da doutrina do purgatório no capítulo 41,
divisão C.l.a. 26. Provavelmente tem-se em mente outro livro em Êx 32.33, onde
Deus diz a Moisés: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim”.
Aqui não se menciona o conceito de “Livro da Vida” do Novo Testamento. Antes, a
metáfora sugere que Deus registra a vida das pessoas que habitam no meio do seu
povo, mais ou menos como faria um rei terreno. “Riscar” o nome de alguém desse
livro implicaria que essa pessoa teria morrido. A melhor maneira de interpretar
essa metáfora de Êx 32.33 é dizer que Deus tirará a vida daquele que pecar
contra ele (ver v. 35). O destino eterno não está em questão nessa passagem.
27. Devemos dar interpretação análoga à oração de Davi em Sl 51.11: “Nem me
retires o teu Santo Espírito”. Davi ora para que a unção real do Espírito Santo
não seja retirada dele e para que a presença e o poder de Deus não se afastem
da sua vida; ele não pede o livramento da perda da salvação eterna.
28. Cf. ITm 3.13, que diz que aqueles que
“desempenharem bem” o diaconato “alcançam para si mesmos [...] muita intrepidez
na fé em Cristojesus”.
29. É claro que tanto os calvinistas quanto os
arminianos admitiriam a possibilidade de que essa pessoa tenha verdadeiramente
nascido de novo e haja apenas caído no pecado e na dúvida. Mas ambos
concordariam que é pastoralmente inteligente supor que a pessoa não é cristã até
que ela revele algum indício da sua fé atual.
30. É claro que nem todos que usam a expressão
segurança eterna cometem erros desse tipo, mas a expressão certamente é
vulnerável a tais equívocos.
678
Wayne Grudem
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
ATUAL E EXAUSTIVA
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