CAPÍTULO 9
FÉ E ARREPENDIMENTO PARA SALVAÇÃO
F
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é e
arrependimento são condições essenciais para a salvação. Trata-se de duas
operações conjuntas e sinérgicas em que o homem reage positivamente à ação do
Espírito Santo, produzindo nele o pesar e a repugnância ao pecado, tão
necessário à vida nova em Cristo. O Espírito Santo também produz
simultaneamente a fé, sem a qual o indivíduo não poderia crer na obra salvadora
de Cristo.
A FÉ COMO UM DOM DE DEUS E
COMO RESPOSTA
DO SER HUMANO
O homem é um ser finito que vive em
constante busca pelo infinito e, devido à sua finitude, ele toma consciência de
suas necessidades físicas, psíquicas e sociais e, a partir disso, inclina-se em
busca de sentido para a vida. Nessa busca de sentidos, a razão transcende os
limites de sua finitude e abre-se para a experiência e relacionamento com um
ser superior, ou seja, com Deus.137
Nesse relacionamento, observa-se um ato de
fé no qual o ser humano acredita e confia em uma força ou ser superior que os
olhos físicos não contemplam, mas que se legitima pela fé, pois essa crença não
se baseia apenas em sua razão ou vontade, mas também na experiência vivida com
Deus, que o leva a reconhecer sua incapacidade de salvar-se por seus próprios
méritos e reconhecer a Cristo como seu Salvador. Essa fé, acompanhada de uma
atitude de conversão,138 concretiza a certeza da existência desse Deus. Isso é
denominado fé salvífica.
No Antigo Testamento, o termo fé é
encontrado apenas por duas vezes; em Dt 32.20: “[...] geração de perversidade,
filhos em quem não há lealdade” (emun) e em Hc 2.4: “[...] o justo, pela sua
fé, viverá” (emunah). Nesses dois casos, a maioria dos eruditos concorda que os
termos hebraicos significam fidelidade e não fé (ainda que a fidelidade
origine-se apenas de uma atitude correta para com Deus, ficando pressuposta a
fé).139 Isso não significa que a fé não seja elemento importante no ensino do
Antigo Testamento, pois, ainda que a palavra não seja frequente, a ideia está presente
em todo o texto.
O
vocábulo emunah traz em si diversos significados que se relacionam com a fé,
tais como: veracidade, sinceridade, honradez, retidão, fidelidade, lealdade,
seguridade, crédito, firmeza e verdade. Diante de todos esses significados,
podemos compreender melhor as razões pelas quais Deus diz que o justo viverá
pela “emunah”.
Nos escritos veterotestamentários, as
verdades acerca da salvação são declaradas de várias formas. Em algumas delas,
chega-se a entender que se espera que os homens sejam salvos à base de suas
obras. Porém, a passagem registrada em Sl 26.1 coloca a questão em sua correta
perspectiva: “Faze-me Justiça, Senhor, pois tenho andado na minha integridade,
e confio no Senhor, sem vacilar” (ARA). O salmista apela para a sua integridade;
isso, contudo, não significa que ele estivesse confiando em si mesmo ou em suas
ações. Sua confiança estava depositada em Deus, e sua integridade era o reflexo
dessa confiança.
No Novo Testamento, a palavra fé é
amplamente utilizada. O substantivo pistis e o verbo pisteuo ocorrem ambos mais
de 240 vezes, enquanto que o adjetivo pistos ocorre 67 vezes. Essa ênfase sobre
a fé deve ser vista em contraste com a obra Salvadora de Deus em Jesus
Cristo.140 O pensamento de que o Senhor Deus enviou o seu Filho para salvar o
mundo é central, e a fé é a atitude mediante a qual o homem abandona toda a
confiança e também seus próprios esforços para obter a salvação. Trata-se de
uma atitude de completa confiança em Cristo, de dependência exclusiva dEle, a respeito
de tudo quanto está envolvido na salvação. Quando o carcereiro filipense
perguntou o que deveria fazer para ser salvo, Paulo e Silas responderam sem
qualquer hesitação: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa”
(At 16.31).
A fé para a salvação é uma atitude do
intelecto e do coração para com Deus em que o homem abandona toda a confiança
em seus esforços de religiosidade, de piedade, de bondade ou de moralidade para
obter a salvação (Gl 2.16) e confia completa e exclusivamente na obra salvadora
de Cristo (At 16.30) operada na cruz. Portanto, a fé não consiste apenas em
crer em algumas coisas como sendo verdadeiras, mas também em confiar na pessoa de
Cristo (Jo 3.18). A fé para a salvação é um dom de Deus (Ef 2.8), cujo autor é
Cristo (Hb 12.2); ela tem sua origem quando se ouve a Palavra de Deus (Rm
10.17) e é imprescindível para a pessoa apropriar-se da salvação (Jo 5.24).
Embora seja um dom de Deus, ela precisa ser exercida ou manifestada para a
obtenção da salvação.
O verbo pisteuo indica que a fé diz
respeito a fatos. Jesus já havia dito isso com clareza para os judeus: “[...]
porque, se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados” (Jo 8.14).
Portanto, uma fé que não se encontra acompanhada de um genuíno arrependimento
não pode ser considerada autêntica. Isso nos é afirmado em Tiago 2.19. A
palavra característica para indicar a fé salvadora é aquela em que o verbo
pisteuo é acompanhado pela preposição eis. Essa construção significa
literalmente “crer dentro”, ou seja, indica uma fé que tira o homem de si mesmo
e colocao em Cristo.141 O homem que confia nesse sentido permanece em Cristo e
Cristo nele (Jo 15.4).
A
fé não consiste meramente em aceitar certas coisas como legítimas, mas, sim, em
confiar numa Pessoa, e essa Pessoa é o Senhor Jesus Cristo. Ao compararmos o
Antigo e o Novo Testamento, observa-se que a exigência básica para a salvação é
a atitude correta para com Deus através da fé (Sl 37.3-5).
Existe, também, a dimensão humana da fé,
ou seja, a fé natural. Sobre isso, Tillich pondera que a fé é a ação mais
profunda e integral do espírito humano e afirma não ser possível separar a fé e
a pessoa em sua totalidade, pois a mesma transcende e é percebida em cada uma
das dimensões da vida humana, perpassando por seus ambientes sociais. Ele
pondera ainda que o acesso à dimensão espiritual seria facultativa ao ser
humano.142 A fé natural é a aceitação intelectual de certas verdades acerca de
Deus, mas que não é acompanhada por uma vida condizente com o evangelho (Tg
2.17). Essa fé é vivenciada por todas as pessoas que até acreditam em Deus, que
entendem que Ele fez todas as coisas, que acreditam que o sol levanta-se pela
manhã por provisão dEle, mas, mesmo assim, não dão o passo de salvação
necessário. A Bíblia afirma que até os demônios creem e estremecem (ver Tg
2.19). Essas pessoas até podem estar cientes da vida eterna, mas, ainda assim,
não aceitam o sacrifício de Cristo que lhes beneficia com a salvação.
A fé
salvadora apodera-se do poder infinito do amor. Ela é a confiança em Deus e crê
que Ele ama a cada um e sabe o que é melhor para nós; assim, em lugar de nossos
próprios caminhos, ela leva-nos a preferir os do Senhor; ao invés de nossa
ignorância, aceitamos sua sabedoria; em lugar de nossa fraqueza, recebemos sua
força; em lugar de nossa pecaminosidade, sua justiça. É a fé que nos habilita a
ver para além do presente, a contemplar o grande porvir em que tudo quanto nos
traz perplexidade hoje será esclarecido; a fé aceita Cristo como nosso mediador
à destra de Deus.
A
salvação é pela graça, mas a fé é o elemento indispensável (Ef 2.8-9). Ela é a
porta de entrada das bênçãos oriundas da salvação, que são: a justificação, a
regeneração, a reconciliação, a adoção, o perdão, a santificação, a
glorificação e a vida eterna. Além dos benefícios inerentes à salvação, a fé
ainda permite: a cura de enfermidades (Mc 16.18; Tg 5.15); o batismo no
Espírito Santo (Mc 16.17); a vitória contra o mundo (1 Jo 5.4), a carne (Gl
2.20) e o Diabo (1 Pe 5.8-9); a paciência (Tg 1.3); e a proteção contra os
dardos inflamados do maligno (Ef 6.16), que tentam colocar dúvidas e ferir a
imagem de Deus em nós.
Não é suficiente crer a respeito de Deus.
Precisamos crer nEe, pois a única fé que nos amparará é aquela que admite
Cristo como nosso salvador pessoal. A fé não é uma mera opinião à fé salvadora,
mas, sim, uma combinação na qual os que recebem Cristo conectam-se em aliança
com Deus. Fé genuína é vida, e ter uma fé viva significa aumento de vigor,
possuir uma firme confiança em Deus e em suas promessas. Fé não é sentimento;
antes, é o “firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que
se não veem” (Hb 11.1).
A fé genuína tem seu fundamento nas promessas
registradas nas Escrituras. A fé é, sem dúvida, um dos mais importantes
conceitos de toda a Bíblia Sagrada. Em toda a parte, ela é requerida, e sua
importância é insistentemente salientada. Fé significa lançar-se sem reservas
nas mãos misericordiosas de Deus, abandonando, assim, toda a confiança em
nossos próprios recursos. Fé significa apegar-se às promessas de Deus em
Cristo, dependendo inteiramente da obra de Cristo referente à salvação, bem
como do poder do Espírito Santo de Deus, que habita no crente para dEle receber
fortalecimento diário. Fé implica em completa dependência de Deus e plena
obediência a Ele.
ARREPENDIMENTO, UMA METANOIA DO ESPÍRITO.
No Antigo Testamento, arrependimento
significa girar ou retornar e dedicar-se para Deus ao abandonar o pecado,
voltando-se para Ele de todo o coração, alma e forças (Ne 1.9; Is 19.22).143
Essa é a maneira característica do Antigo Testamento para expressar o
arrependimento do homem para com Deus. No Novo Testamento, significa uma
mudança (metanoia) de mente e transformação de pensamentos, de consciência e de
atitudes, abandonando o pecado e voltando-se para Deus, no sentido de dar meia
volta na direção em que se estava e tomar outra direção. No arrependimento,
sente-se tristeza pelo pecado (2 Co 7.10) e é necessário o seu abandono para
abraçar a vontade de Deus.
O arrependimento “é a negação de uma
direção de pensamento e ação, e a afirmação da direção oposta. Aquilo que se
nega é o cativeiro [do pecado], e aquilo que se afirma é o novo ser criado pela
presença de Deus”.144 O arrependimento livra-nos das amarras do pecado e da
culpa que escravizam e tiram a alegria de viver; o arrependimento leva-nos a
experimentar cura substancial dos pensamentos e da consciência cauterizada pelo
pecado (1 Tm 4.2). Leva, ainda, a desenvolver satisfação e uma autoestima
sadia, sem orgulho nem autodesmerecimento, resultando em alegria e paz no
coração.
Jesus afirmou que, para fazer parte do seu
Reino, era necessário o arrependimento (Mt 4.17). Arrependimento não é uma
reforma apenas, mas também uma entrega total à ação do Espírito Santo para
promover as mudanças e transformações mais profundas na alma humana. Zaqueu
teve um arrependimento tão genuíno que prometeu devolver quatro vezes mais a
quem ele havia roubado (Lc 19.8). Arrependimento é diferente de remorso. Este é
momentâneo e passageiro, e aquele deve atingir o mais escuro compartimento do
coração humano numa mudança radical de atitudes.
O arrependimento é acompanhado do
sentimento de culpa e do reconhecimento da falta praticada (Sl 51.1-4); de um
sincero pedido de perdão (Sl 51.10-12); do abandono do erro (Pv 28.13) e da
produção de frutos de arrependimento (Mt 3.8; At 26.20). O arrependimento está
incluso no processo de conversão e abrange o ser humano por inteiro: o intelecto
(Mt 21.30), as emoções (Lc 18.13) e a vontade (Lc 15.18-19). Portanto, a
conversão é uma ruptura com antigas tradições e modos de vida abomináveis e
pecaminosos.
Para que haja perdão de pecados, é
necessário arrependimento (Lc 24.47). Isso implica em nascer de novo e
converter-se completamente para Deus. Não se trata apenas de uma decisão da
mente, mas envolve o ser humano por inteiro. O desejo de Deus é sempre perdoar
e amar, e sua atitude em favor da humanidade morrendo numa cruz confirma-nos
esse desejo; contudo, a retribuição do homem para com o amor de Deus foi a
desobediência e o pecado, e, depois da Queda, não havia possibilidade de perdão
para a humanidade caída, a não ser que alguém que fosse superior ao homem
pudesse sofrer o castigo em seu lugar. Após a queda do ser humano, o mundo
estava coberto de destruição e ira; no entanto, não foi a ira que levou Jesus à
cruz, mas o seu indescritível amor.
Os efeitos do processo Redentor de Cristo
são reais e verdadeiros. Isso pode ser confirmado não apenas a partir da
Bíblia, mas também porque os efeitos são vistos na vida de muitos, e isso nos
garante que o arrependimento, a confissão e o perdão são realidades que nos
transformam. Sem a cruz, a confissão seria apenas mais um tipo de terapia; ela,
porém, é muito mais, na medida em que promove mudanças reais em nosso
relacionamento com Deus, com o próximo e conosco; é um meio de cura e
transformação para o/a homem/mulher interior.145
A
proclamação do evangelho através da pregação é um método sublime de convencer o
pecador ao arrependimento. A mensagem mais clássica quanto a isso é o primeiro
sermão de Pedro, quando foram batizadas 3 mil pessoas. Sua mensagem foi jogar
em rosto (imputação de culpa) o que haviam feito com Cristo e seus milagres,
sofrimento, morte, ressurreição e glorificação. Porém, o ponto central foi sua
morte e ressurreição. Como fruto desse primeiro sermão, os ouvintes foram
compungidos (At 2.37 – ARA), aflitos (NVI) — em outras traduções, poderia ser
tocados, feridos, picados. Essa palavra provém do grego nusso, que significa
espetar, como se um punhal tivesse atravessado o coração deles. Um desespero
santo tomou conta do público, mas Pedro não lhes deu nenhum consolo passageiro,
nenhuma promessa de vitória fácil. Veio, sim, a proclamação para o
arrependimento (At 2.38), que, tendo sido aceita pelos presentes, serviu de
base para o batismo, o consolo permanente.
Para dar o extraordinário efeito de
arrependimento nos ouvintes, como relatado em vários textos de Atos dos
Apóstolos, o kerygma (pregação) apostólico “consistia de três partes:
1) uma
proclamação da morte, ressurreição e exaltação de Jesus;
2) a consideração de Jesus como Senhor e
também como Cristo; e
3) uma convocação ao arrependimento e a
receber perdão de pecados. Assim, o kerygma, em sua plenitude, reunia uma
proclamação histórica, uma consideração teológica e uma convocação ética.”146
O
resultado dessa pregação, além do arrependimento verificado, foi a confissão de
pecados (At 2.37). A Bíblia admoesta-nos a confessar nossos pecados uns aos
outros e a orar uns pelos outros (Tg 5.16). Ela afirma-nos também que há um só
mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem (ver 1 Tm 2.5). Ambas as
instruções são encontradas na Bíblia, e uma não exclui a outra. A Igreja de
Cristo é denominada como uma comunhão de santos, mas também uma comunhão de
pecadores, no sentido de que ninguém ainda alcançou a plenitude da santidade,
ou seja, todos ainda carecem de progresso na caminhada cristã.
O arrependimento atesta o reconhecimento
não apenas do pecado, mas também da condição pecaminosa em que se encontra o
homem. Contudo, remorso apenas não lhe garante vitória sobre o pecado — nesse
sentido, o ato da confissão é de suma importância. Nele expõem-se as limitações
a um conselheiro espiritual, e juntos agregam-se forças mútuas no desejo de
prosseguir. Não confessar as falhas aos outros indica uma indisposição ao
desejo real de mudança, especialmente quando não se consegue obter vitória
sozinho sobre determinadas práticas nocivas. A confissão denota aceitação do
julgamento e do castigo na intenção de receber perdão e esperança de
transformação. Nesse processo, sente-se que a culpa foi superada, e uma nova
coragem de ser torna-se possível.
Confessar nossas necessidades diante de
irmãos e irmãs que nos orientarão no caminho correto dá-nos a certeza de que
não estamos sozinhos. O orgulho e o medo que se apega em nós quando pensamos em
confissão apega-se também aos outros; contudo, somos todos igualmente pecadores
e, no ato da confissão mútua, o poder de cura é liberado, e nossa condição
humana já não é mais negada, e sim transformada.147
O indivíduo que conhece, mediante a
confissão privada, o perdão e o livramento de persistentes hábitos
importunadores regozija-se grandemente nessa prova da misericórdia divina. Sempre
existirão áreas na vida do cristão que não foram submetidas ao senhorio de
Cristo e que, portanto, não passaram pelo processo de arrependimento (Hb
12.17). Por isso, a Bíblia enfatiza a necessidade de constantemente
julgarmo-nos a nós mesmos (1 Co 11.31) e percebermos aquilo que sorrateiramente
contamina o coração e que quer afastar-nos de Deus, pois “enganoso é o coração,
mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9).
A FÉ E O
ARREPENDIMENTO SÃO AS RESPOSTAS
À SALVAÇÃO
Conversão não é um evento momentâneo; é,
na maioria dos casos, um longo processo que se estende de forma inconsciente
muito antes de romper na consciência, dando a impressão de uma situação
inesperada que se apodera da totalidade da pessoa. 148 Existem relatos no Novo
Testamento, como os da conversão de Paulo, que forneceram o modelo para essa
compreensão de conversão. Observamos o impacto do primeiro momento (At 9.1),
mas com desdobramentos constantes no desenvolvimento do processo.
A salvação é pela graça através da fé,
que é a condição necessária para a obtenção da salvação. Sem ela (a fé), não se
crê no sacrifício completo de Cristo e, portanto, podem surgir duas situações:
a primeira é que a pessoa não compreende a necessidade de salvação e, por isso,
não coloca sua fé em ação; e a segunda é o equívoco de tentar ganhar a salvação
por méritos próprios. Conjuntamente, operam a fé exclusiva em Jesus para a
salvação e, como consequência da fé, o Espírito Santo convence a pessoa do
pecado, levando-a ao arrependimento.
Visto que a natureza pecaminosa é o
estado próprio do ser humano, ele torna-se incapaz de reconhecer o estado
pecaminoso em que se encontra e, devido a essa inconsciência, carece de uma
orientação externa que produza o desejo de arrependimento e conduza-o a tomar
essa atitude. Nesse sentido, até mesmo o desejo de arrepender-se já é, por si
só, obra do Espírito Santo no coração do homem. O arrependimento muda a forma
de enxergar a realidade, além de produzir uma transformação profunda através da
qual se experimenta um sentimento ímpar de liberdade.
O
arrependimento genuíno tem o poder de modificar as atitudes do coração da alma
e da mente, tirando-as do caminho de morte e direcionando-as para um caminho de
vida abundante. Todavia, esse poder não está presente em nossas vontades e
desejos, mas, sim, em Deus, e somente Ele é capaz de realizar essa mudança.
A mudança que Deus produz no ser humano a
partir de sua atitude de arrependimento não é uma mudança permanente. O
arrependimento de hoje não lhe garante mudanças e transformações infindáveis.
Enquanto estiver nesta terra, o homem estará cativo à sua natureza pecaminosa.
Alguém disse uma vez que “o ser humano não é pecador porque peca, mas peca por
que é pecador”, e a libertação dessa natureza está condicionada a uma
dependência contínua da ação do Espírito Santo de Deus em sua vida. O
arrependimento está intimamente relacionado à dependência de Deus. O ato de
arrepender-se não produz transformação definitiva no ser humano; antes, é um
espaço concedido a Deus para que Ele venha moldá-lo conforme a sua vontade. O
que garante a durabilidade dos efeitos dessa transformação não é apenas a
atitude humana de arrependimento, mas também a constante e permanente presença
de Deus no homem, ou seja, o que garante a durabilidade dos efeitos dessa
transformação é a consciência que o homem tem de sua total dependência de Deus.
A
atitude de abandono do pecado subentende a volta ou o retorno do homem para
Deus, e essa atitude de voltar-se para Deus deve ser uma ação contínua da parte
do homem para, assim, garantir os efeitos benéficos que foram produzidos por
Deus a partir de sua atitude de arrependimento. Nesse processo de
arrependimento e perdão, a relação entre Deus e o homem será continuamente uma
relação onde o Senhor demonstrará seu cuidado e seu amor na medida em que o
homem reconhece seu estado de pecaminosidade, sua dependência para com Deus e a
superioridade de Deus em relação a ele.
Somente o Espírito Santo pode conhecer e
esquadrinhar o coração humano com profundidade, e aqueles que se abrem ao seu
mover perceberão as situações que precisam de confissão em seus corações. O
Espírito Santo opera o arrependimento na conversão (Jo 16.8), assim como se
torna a condição necessária para receber o batismo no Espírito Santo. O batismo
é recebido num coração inteiramente voltado para Deus e purificado do pecado
através do arrependimento.
A purificação do pecado, que é produzida
pelo genuíno arrependimento, não deixa o homem isento de errar novamente, mas
livra-o do poder dominador que o pecado tinha sobre ele. Daí em diante, já
livre da escravidão que o poder do pecado impunha sobre ele, a transgressão,
que antes provocava um sentimento de prazer, provoca agora dor e abatimento da
consciência, e a situação agrava-se se não houver arrependimento. A falta de
arrependimento provoca tanto ou mais sofrimento do que o próprio ato de pecar,
visto que, no ato de arrepender-se, está o caminho para a cura do mal que lhe
causa o pecado.
Aceitar ou não essa salvação é a opção
que é dada por Deus ao ser humano mediante a dádiva do livre-arbítrio. A partir
dele, o homem é livre para escolher entre querer ou não querer o sacrifício
feito por Cristo em favor dele e de toda a humanidade. Existem apenas dois
caminhos e, ao optar conscientemente pela negação a Deus, o homem coloca-se num
caminho de condenação eterna, mesmo que ele não admita isso.
Quando o homem nega conscientemente a
Deus, ele segue gradativamente rumo à destruição de sua própria vida. A
condenação final virá no dia do grande encontro entre Deus e o homem, onde
todos seremos julgados e, a partir desse julgamento, absolvidos ou condenados.
No entanto, as consequências dessa escolha podem ser vistas cotidianamente na
vida de tais pessoas, visto que abandonar a Deus leva o homem à indiferença
para com Ele, que, por fim, leva à oposição obstinada contra Ele. Nessa fase, o
ser humano aprofunda-se no pior dos pecados, que é a blasfêmia contra o
Espírito Santo.
A blasfêmia contra o Espírito Santo
acontece quando o homem opõe-se obstinadamente e sem arrependimento contra
Deus. O blasfemo não se ocupa com a preocupação em ter blasfemado contra Deus.
Esse tipo de preocupação é indício sólido de que o homem ainda não chegou nesse
estágio. A característica principal do blasfemo é que nele não há remorso ou
dor pelo seu estado pecaminoso, não havendo, em nenhuma hipótese, lugar para o
arrependimento. Não que o pecado da blasfêmia não tenha perdão, pois, se
houvesse um pecado que Deus não pudesse perdoar, Ele deixaria de ser Deus. A
questão não é que Deus não perdoa esse pecado; o grande problema é que o
blasfemo não consegue mais arrepender-se. Foi o que aconteceu com Lúcifer, e,
não havendo arrependimento, não há espaço para a graça e nem para a fé, pela
qual alcançamos a salvação em Cristo.
É extremamente necessário termos cuidado
com a manutenção de nossa
vida com
Deus. As ações costumeiras de falta contra Deus e a ausência de reconhecimento
da necessidade de arrepender-se e novamente ser alvo do perdão de Deus pode
levar-nos gradativamente a um caminho de rebeldia obstinada, e esse é um
caminho de grande perigo. Nele, a pessoa perde a noção da necessidade de
salvação, ou então vai para o outro extremo, onde passa a acreditar que pode
obter salvação mediante seus próprios méritos.
Existe apenas uma porta que nos leva à
salvação, e a chave que abre essa porta não está em nossas mãos, nem tampouco
naquilo que ingenuamente consideramos poder fazer para alcançar essa dádiva. A
chave que abre a porta da salvação está em Jesus. Ele é a chave e também a
porta, e a única coisa que cabe a nós é aceitarmos pela fé, que Ele mesmo nos
deu, que Ele é o único Salvador e que dependemos dEle para alcançar essa
salvação. A partir de então, tudo se torna novo; surge, assim, o novo homem
nascido de novo (Jo 3.3). Isso significa que a organização da vida e todos os
seus desdobramentos diante da família, sociedade, política, economia, igreja,
amigos — tudo — assume uma nova característica agora condizente com a ética do
evangelho de Cristo (Mt 5-7).
137 TILLICH,
Paul. Dinâmica da Fé. Tradução: Walter O. Schlupp. São Leopoldo (RS): Sinodal,
1985. p. 45. 138 GILBERTO, 2013, p. 333-378. 139 DOUGLAS, J. D. O Novo
Dicionário da Bíblia. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 605. 140 DOUGLAS,
1995, p. 607. 141 DOUGLAS, 1995, p. 609. 142 TILLICH, 1985, p.19. 143 Myer
Pearlman afirma que o arrependimento deve envolver o intelecto, as emoções e
redundar em prática de vida. Ele compara essas três dimensões do arrependimento
com a seguinte ilustração: “1) O viajante que descobre que está viajando em
trem errado. Esse conhecimento corresponde ao elemento intelectual pelo qual a
pessoa compreende, através da pregação da Palavra, que não está em harmonia com
Deus. 2) O viajante fica incomodado com a descoberta. Talvez alimente certos
receios. Isso ilustra o lado emocional do arrependimento, que é uma
auto-acusação e tristeza sincera por ter ofendido a Deus (2 Co 7.10). 3) Na
primeira oportunidade, o viajante deixa esse trem e embarca no trem certo. Isso
ilustra o lado prático do arrependimento, que implica em “alto... volver!” e
marchar em direção a Deus.” PEARLMAN, 1970, p. 222.
144 TILLICH,
2005, p. 665. 145 FOSTER, Richard. Celebração da Disciplina: o caminho do
crescimento espiritual. 2. ed. São Paulo: Vida, 2007. p. 203. 146 STOTT, 1997,
p. 49-50. 147 FOSTER, 2007, p. 206. 148 TILLICH, 2005, p. 664.
📌A Obra da Salvação
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
O arrependimento e a fé são os dois elementos essenciais da
conversão. Envolvem uma 'virada contra' (o arrependimento) e uma Virada para'
(a fé). As palavras primárias, no Antigo Testamento, para expressar a ideia de
arrependimento são shuv ('virar para trás', 'voltar') e nicham ('arrepender-se',
'consolar'). Shuv ocorre mais de cem vezes no sentido
teológico, seja quanto ao desviar-se de Deus (1Sm 15.11; Jr 3.19), seja no
sentido de voltar para Deus. A pessoa também pode desviar-se do bem ou
desviar-se do mal, isto é, arrepender-se, O verbo nicham tem
um aspecto emocional que não fica evidente em shuv; mas ambas as
palavras transmitem a ideia de arrependimento.
O Novo Testamento emprega epistrephõ no
sentido de 'voltar-se' para Deus emetanoeõ/metanoia para a ideia de
'arrependimento' (At 2.38; 17.30; 20.21; Rm 2.4). Utiliza-se de metanaeõ para
expressar o significado de shuv, que indica uma ênfase à mente e à vontade. Mas
também é certo que metanoia, no Novo Testamento, é mais que uma
mudança intelectual. Ressalta o fato de uma reviravolta da pessoa inteira, que
passa a operar uma mudança fundamental de atitudes básicas.
Embora o arrependimento por si só não possa salvar, é
impossível ler o Novo Testamento sem tornar consciência da ênfase deste sobre
aquele. Deus 'anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se
arrependam' (At 17.30). A mensagem inicial de João Batista (Mt 3.2), de Jesus
(Mt 4.17) e dos apóstolos (At 2.38) era 'Arrependei-vos'. Todos devem
arrepender-se, porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm
3.23) (HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva pentecostal. 1
.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 368).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
Fé
"Entre as declarações bíblicas sobre o assunto, esta é
a fundamental: 'Abraão creu [heb. mon], no senhor, e foi lhe
imputado isto por justiça' (Gn 15.6). Moisés ligou a rebelião e desobediência
dos israelitas à sua falta de confiança no Senhor (Dt 9.23,24). A infidelidade
de Israel (Jr 3.6-14) forma um nítido contraste com a fidelidade de Deus. A fé
abrange a confiança. Podemos 'depender' do Senhor ou nEle 'fiar-nos'
(heb. batach) com confiança. Quem assim fizer será bem-aventurado
(Jr 17.7). Alegramo-nos porque podemos confiar no seu nome (SI 33.21) e no seu
amor inabalável (SI 13.5). Podemos também 'refugiar-nos' (heb. casah)
nEle, conceito este que afirma a fé (SI 18.30).
No Novo Testamento, o verbo pisteuõ ('creio,
confio') e o substantivo pistis ('fé') ocorrem cerca de 480
vezes. Poucas vezes o substantivo reflete a ideia da fidelidade como no Antigo
Testamento (por exemplo, Mt 23.23; Rm 3-3; Gl 5.22). Pelo contrário,
normalmente funciona como um termo técnico, usado exclusivamente para se
referir à confiança ilimitada (com obediência e total dependência) em Deus (Rm
4.24), em Cristo (At 16.31), no Evangelho (Mc 1.15) ou no nome de Cristo (Jo
1.12). Tudo isso deixa claro que, na Bíblia, a fé não é 'um salto no escuro'.
Somos salvos pela graça mediante a fé (Ef 2.8). Crer no
Filho de Deus leva à vida eterna (Jo 3.16). Sem fé, não poderemos agradar a
Deus (Hb 11.6). A fé, portanto, é a atitude da nossa dependência confiante e
obediente em Deus e na sua fidelidade. Essa fé caracteriza todo filho de Deus
fiel. É o nosso sangue espiritual (Cl 2.20)" (HORTON, Stanley M. Teologia
Sistemática: Uma perspectiva pentecostal 1 .ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp.
369,370).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
Não podemos, obviamente, exercer a fé salvífica à
parte da capacitação divina. Mas ensina a Bíblia que, quando cremos, estamos
simplesmente devolvendo o dom de Deus? Seria necessário, para protegermos o
ensino bíblico da salvação pela graça mediante a fé somente, insistir que a fé
não é realmente nossa, mas de Deus? Alguns citam determinados versículos como
evidências em favor de semelhante opinião. J. I. Packer diz: 'Deus, portanto, é
o autor de toda a fé salvífica (Ef 2.8; Fp 1.29)'. H. C. Thiessen afirma que há
um lado divino da fé, e um lado humano', e então declara: A fé é um dom de Deus
(Rm 12.3; 2 Pe 1.1) outorgado sobrenaturalmente pelo Espírito de Deus (1Co
12.9). Paulo diz que todos os aspectos da salvação são um dom de Deus (Ef 2.8),
e por certo a fé está incluída aí' (HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática:
Uma perspectiva pentecostal. 1 .ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 370).
SUBSÍDIO ADICIONAL
Fonte: Ensinador
Cristão – n° 72
Os pentecostais concordam que o Arrependimento e a Fé
são as respostas do ser humano ao chamado de Deus para a salvação. Segundo o
teólogo pentecostal Daniel Pecota, o Arrependimento e a Fé são dois aspectos
fundamentais da conversão.
Não há verdadeira conversão sem arrependimento, sem
reconhecimento do erro praticado. Fazer essa autoanálise, por natureza, é
constrangedor, doloroso e vergonhoso, mas é a partir desse gesto que o
arrependimento começa refletir o processo de metanoia, ou seja, uma mudança de
mentalidade, uma nova natureza tomando o lugar da antiga, o "novo
homem" assumindo o lugar do "velho homem".
Da mesma forma, podemos dizer que não há verdadeira
conversão se não houver a fé autêntica na pessoa bendita do Filho como o único
Senhor, Salvador e Rei de nossa vida, pois ao reconhecermos a tragédia do nosso
pecado, também reconheceremos que a única maneira de sermos salvos dessa
tragédia é entregando-se a Cristo e aceitando a obra salvífica no Calvário que
Ele fez por amor a nós. Essa fé não é natural, mas a que faz o ser humano se
entregar por completo a Deus em pura confiança nEle. Assim como fez Abraão, que
creu no Senhor e foi abençoado por Deus (Gn 15.6). Como Moisés que confiava
inteiramente em Deus e corrigiu o povo que não confiava no Altíssimo com a
mesma intensidade do legislador israelita (Dt 9.23,24).
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