CAPÍTULO
7
A SALVAÇÃO PELA GRAÇA
Maravilhosa graça que
perdido me encontrou Estando cego pude ver, Cristo me resgatou Quando sua graça
me tocou, do medo me livrou Quão preciosa é pra mim a graça do Senhor.90
G
|
raça é uma
atitude benevolente e incondicional em prol de outro e é também a manifestação
da essência de Deus assim como Ele é. Quando Ele libera graça, não está
ofertando algo que é seu, mas, sim, auto-ofertando-se, pois amor incondicional
é o que o constitui em sua essência.
A graça de Deus é estendida a todas as
dimensões da vida e não somente na salvação. É o que alguns teólogos chamam de
graça comum. Ela é vista no domínio físico quando diz que Deus faz nascer o seu
sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos (ver Mt 5.44-45) e
nas belezas da criação com suas múltiplas cores, nuances, beleza e mistério; é
também vista na capacidade intelectual de desenvolver o conhecimento, a
ciência, a tecnologia, as artes e em tudo que a humanidade cria; na capacidade
moral e na demonstração de bondade, mesmo em pessoas más; na capacidade que a
sociedade tem de, apesar de muita maldade, conseguir organizar-se e viver em
harmonia; na organização das religiões, que, mesmo sendo pagãs, revelam traços
do mistério divino e da transcendência de Deus; e ainda na capacidade da
gratuidade humana em ajudar e cuidar do próximo.
Mas há também a graça preveniente, que
é aquela que opera para a salvação, onde o Espírito Santo convence, chama e
ilumina o indivíduo a crer, o que precede a conversão e possibilita o
arrependimento e a fé. Para os calvinistas, ela é irresistível e eficaz, ou
seja, a pessoa beneficiada por essa graça vai obrigatoriamente crer e
arrepender-se para a salvação, mas não há liberdade de escolha. Para os
arminianos, ela é resistível, ou seja, a resposta a essa graça depende da
vontade da pessoa (At 7.51). Sem a graça preveniente, porém, as pessoas poderão
resistir à vontade de Deus por causa da escravidão do pecado. Portanto, graça
preveniente é aquela que precede a salvação e prepara o indivíduo para
recebê-la. O Espírito Santo exerce essa graça preparatória no homem
enfraquecido pelo pecado e também impossibilitado de crer em Deus. A Teologia
afirma ainda que a graça é eficaz (o que Deus propõe e cumpre não falha) e
suficiente (ela pode salvar perfeitamente os que se aproximam de Deus por meio
de Cristo).
No Antigo Testamento, a palavra usada
para graça é hen, que significa favor, inclinação; ou ainda rason, favor. Essa
palavra, entretanto, aparece poucas vezes no AT; mas, em vários contextos
históricos, está claramente revelado que houve manifestação da graça de Deus.
Como exemplo, cito o caso de Davi; quando ele pecou com Bate-Seba, a
consequência foi a morte do seu primeiro filho; entretanto, o segundo, Salomão,
tornou-se rei de Israel e sobrepujou Davi em sabedoria e riqueza.
No Novo Testamento, a palavra grega
empregada é charis e normalmente significa dádiva, dom gratuito, graça,91
agradável, atraente.92 Jesus não utiliza a palavra graça nos seus ensinos;
mesmo assim, seus atos estão saturados desse conceito em muitos momentos em que
se manifesta a graça de Deus para com os pecadores, os fracos, os pobres e os
perdidos.93 Suas palavras são cheias de ensino em que há perdão de dívidas
incalculáveis, galardão precioso e propostas de vida nova apesar das tragédias
causadas pelo pecado. Assim, pode-se afirmar que:
Graça é a maneira pela qual Deus se
dispõe a receber, de braços abertos, o pecador, não obstante sua santidade
absoluta e o estado miserável em que se encontra aquele que dele se desviou. É
uma bênção ou um favor verdadeiramente imerecido e indevido, que Deus concede
em sua soberania [...]. Deus não tem nenhuma obrigação de perdoar. Ninguém tem
o direito de cobrar tal coisa de Deus. Ele, no entanto, perdoa por causa da
graça. A iniciativa é sempre de Deus.94
Para Paulo,95 que abandonou uma
religiosidade legalista e hipócrita que consistia da conquista do favor de Deus
por mérito pessoal para, então, abraçar o cristianismo, a graça é entendida
como essencial à salvação, pois, através da morte de Cristo, o pecador alcança
favor incondicional de Deus, não necessitando de absolutamente nenhum esforço
humano para alcançá-la; basta ter fé para a salvação. “Mas, se é por graça, já
não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça” (Rm 11.6).
Entretanto, essa mesma graça que salva não permite o ser humano ficar sob o
domínio do pecado, pois aqueles que são alcançados por ela passam a
experimentar o processo de santificação.
LEI E GRAÇA
A Palavra de Deus é composta pelo Antigo
e Novo Testamentos, cujos conteúdos são compostos pela Lei e pelo evangelho,
sendo que o Antigo Testamento não contém somente a Lei e vice-versa. O conteúdo
da Lei e do Evangelho perpassa todo o conteúdo bíblico; há, no entanto, uma
maior ênfase de conteúdos em cada um dos Testamentos respectivamente. A Lei
serve como um condutor para o encontro com Cristo e sua graça (Gl 3.24).
A Lei convence-nos, por sua
impossibilidade de ser cumprida, de que não podemos alcançar a salvação sem a
mediação de Cristo. Desse modo, a Lei tem sentido depreciativo para mostrar o
estado daqueles que se justificam sob a Lei, quando se torna nossa própria
justiça como mérito humano que impossibilita obter a salvação, somente
alcançável pelo Evangelho da graça.A graça é superior à Lei. Paulo contrasta a
superioridade do Espírito em relação à Lei (Gl 5.18) e afirma que morremos para
a Lei (Rm 7.4; Gl 2.19). O escritor aos Hebreus salienta que a Lei tornou-se
antiquada e imperfeita (Hb 8.6-7, 13), e João afirma que Cristo trouxe a graça
e a verdade (Jo 1.17). “Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas
eu não conheci o pecado senão pela lei” (Rm 7.7). A Lei somente existe porque
foi outorgada por causa do pecado e para apontar o pecado; por isso, a graça de
Deus é superior à Lei, pois a graça de Deus é anterior ao pecado e à Lei.
Pecado não é aquilo que
necessariamente fere a Deus e nem aquilo que o destrona ou o diminui, mas, sim,
tudo o que prejudica o ser humano de alguma forma; quando Deus define o que é
pecado, Ele não define pensando nEle, mas, sim, no pecador. Logo, o papel da
Lei é mostrar de antemão tudo aquilo que prejudica para que, assim, possamos
defender-nos e evitar ser feridos. No entanto, não há como se defender de tudo
o que faz mal, pois a natureza pecaminosa reside em nós. É nesse momento que a
graça de Deus entra em ação. A Lei foi sinalizada no coração das pessoas
pela própria natureza, e ela existe especialmente como consequência do pecado
para delimitar a ética e a moral humana. Embora sinalizada no coração (Rm
2.14-15), ela precisou ser mais bem esclarecida por Deus utilizando-se de
Moisés para descrevê-la de modo sistemático e ampliado. Já o evangelho é uma
revelação nova do amor de Deus (Gl 1.12), tanto é que produz escândalo (1 Co
1.23) e já era presente no Antigo Testamento, porém inteiramente revelado no
Novo Testamento e especificamente na pessoa de Cristo, sendo a graça de Deus um
elemento principal do evangelho. Lei e evangelho são complementares, embora com
funções diferentes. Ambos podem virar legalismo quando servem para quantificar
a obediência e a desobediência no ambiente religioso.
O papel da Lei tinha um propósito
material de preservar o homem do pecado e um propósito espiritual de mostrar
quão terrível é o pecado (“Pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20)), e
quão grande é a necessidade da graça para obter a salvação, pois é impossível cumprir
a Lei (Rm 7.19; Tg 2.10), que é entendida como a vontade de Deus presente em
todo o Antigo Testamento. Dessa forma, estamos sob a Lei Moral de Deus, no
sentido de que ela continua representando nossos deveres e obrigações para com
o Senhor e para com o nosso semelhante e, no sentido de que ela, resumida nos
Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo de
santificação efetivado pelo Espírito Santo (Jo 14.15). Nesse aspecto, o papel
do Espírito Santo é ajudar a cumprir a Lei. A própria Lei Moral de Deus é uma
expressão de sua graça, representando a revelação clara de sua vontade santa,
justa e boa (Rm 7.12). A Lei coloca a todos sob a maldição do pecado. É ela
quem avilta e mostra a crueldade do pecado e as consequências da desobediência.
A Lei é boa (Rm 7.16; 1 Tm 1.8) porque quer evitar a ruína humana apontando-lhe
o caminho certo a seguir, mas é impossível cumpri-la. Deus utiliza-se de sua
misericórdia para tolerar o pecado e ofereceu o seu Filho manifestando a sua
graça para perdoar e permitir que a humanidade possa, através de Cristo e por
seus méritos, satisfazer as exigências da Lei, impossíveis de serem cumpridas.
A Lei oferece a salvação (seu
cumprimento), e essa é a parte boa da Lei, mas também a condenação (a incapacidade
de cumpri-la), e essa é a perdição que a Lei traz ao homem. A violação da Lei,
tanto por transgressão quanto por não conseguir cumpri-la, traz inevitáveis
consequências punitivas, tendo como fim a morte (Rm 6.23).96
Desobedecer à Lei traz implicações sérias
ao ser humano, não necessariamente por ela possuir algum valor ou dignidade
inerente, mas porque desobedecê-la implica em atacar a própria natureza de
Deus. Por esse motivo, o legalismo é uma afronta a Deus, pois a Lei deve ser
entendida como um meio para relacionar-se pessoalmente com Deus, e não uma
norma fria superior a Ele mesmo. Não apenas a obediência cega à Lei é
legalismo, mas também toda regra humana, ou usos e costumes, que se estabelecem
como superiores ao evangelho da graça e obscurecem-na (Gl 1.3ss).
A Lei, vocábulo procedente da palavra
grega nomos, é a imposição de regras e normas para o convívio pacífico e justo
entre as pessoas; ela ainda cumpre um propósito divino de expressar a bondade
de Deus com vista à satisfação humana através de uma ética comum. Dessa forma,
a desobediência à Lei implica em desobedecer ao próprio Deus porque a Lei é uma
transcrição da essência moral de Deus. Esse é o motivo das consequências
drásticas ao ser humano que desobedece à Lei.
A
Lei tem a função teológica de revelar-nos como pecadores, acusando-nos diante
de Deus e colocando-nos em ira, juízo e condenação; tem também a função
pedagógica de conduzir-nos a Cristo para sermos justificados pela fé. Revelando
a desgraça do pecado, somos conduzidos à extrema necessidade do perdão e da
graça divina, representando uma ponte que nos conduz a Cristo.97
Como Deus é amor e para não prejudicar a
raça humana com a impossibilidade de cumprir a Lei, Ele, desde sempre, teve
suas ações regidas por sua bondosa gratuidade, o que chamamos de graça, que
Paulo denomina de “o escândalo do evangelho”. Assim, morremos para a Lei com
Cristo, embora ela não tenha sido anulada, pois Jesus é tudo em todos (Cl
3.11), inclusive a Lei, pois a cumpriu. Dessa forma, não é mais a Lei de Moisés
que tem valor final, mas é o “vocês ouviram o que foi dito [...] mas eu lhes
digo [...]” (Mt 5.22,28,32,34,39,44 – NTLH) de Jesus proferido no Sermão do
Monte, ou seja, a Lei do amor e da ética do evangelho suplanta a Lei de Moisés.
O próprio Jesus afirmou que “A Lei e os Profetas duraram até João; desde então,
é anunciado o Reino de Deus” (Lc 16.16a) Por isso, Paulo escreveu: “Separados
estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído”
(Gl 5.4).
O Deus apresentado pelo Antigo Testamento
é fruto de uma revelação progressiva dEle ao homem, e, em muitos casos, Ele é
mostrado como sendo um Deus que exige méritos para abençoar, pois boa parte da
Teologia do Antigo Testamento é meritória. Por isso, o Novo Testamento aponta
para o fato de que o Antigo Testamento foi suplantado pelo Novo, embora não
tenha sido abolido nem rejeitado, sendo o evangelho a solução definitiva para a
redenção da humanidade. Paulo afirmou que “o fim da lei é Cristo para justiça
de todo aquele que crê” (Rm 10.4). Ela “nos serviu de aio, para nos conduzir a
Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados. Mas, depois que a fé veio, já
não estamos debaixo de aio” (Gl 3.24-25).
Para compreender melhor a importância e
a relevância do evangelho da graça, precisamos atentar para o que o autor aos
Hebreus escreveu: “Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente,
quanto é mediador de um melhor concerto, que está confirmado em melhores
promessas. Porque, se aquele primeiro fora irrepreensível, nunca se teria
buscado lugar para o segundo. [...] Dizendo novo concerto, envelheceu o
primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de acabar” (Hb
8.6-7,13).
O FAVOR IMERECIDO
Um
importante aspecto do significado de graça em sentido original no grego
(charis) é sua relação com a beleza tanto de gestos e palavras98 quanto àquilo
que dá prazer e provoca júbilo por causa de sua graciosidade presente na beleza
das pessoas e de suas ações. “Graça e beleza são conceitos afins; graça e
feiura são termos mutuamente excludentes.”99
Na cruz, Jesus foi a manifestação da graça. A
cruz foi seu símbolo (1 Co 1.18). O símbolo é a figura com que se representa um
conceito; logo, “a graça (entenda-se como graça o ato salvífico, expiatório)
seria o conceito, e a cruz, seu símbolo. Isso estabeleceria que graça e cruz
são dois elementos distintos, porque uma, a cruz, só representa a outra, a
graça; uma é material, a outra abstrata.”100
A graça da cruz está representada na
motivação de Jesus para enfrentar a cruz: os outros.101 Nessa afirmação,
concentra-se toda a essência pela qual Jesus achou necessário morrer, que é
justamente seu gesto gracioso, voluntário e positivamente definidor em prol da
humanidade, cujo fim é a salvação de todo o que crê. A graça de Deus opera a
salvação, atuando pela fé no Filho de Deus (Rm 3.28; 5.2). “E seja achado nele,
não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber,
a justiça que vem de Deus, pela fé” (Fp 3.9).
Não há transgressão, por maior que seja,
ou pecador, por pior que seja, que não possa ser alcançado por essa graça,
pois, onde abundou o pecado, que foi exposto pela Lei, superabundou a graça
(ver Rm 5.20). Foi por compreender a grandeza da graça que o apóstolo João
escreveu que, “se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo,
o Justo” (1 Jo 2.1).
A graça, no entanto, jamais é ou será um
salvo-conduto para a prática do pecado ou para a libertinagem (Gl 5.13); muito
pelo contrário, ela convocanos à obediência em gratidão ao doador da graça.
Quando se ama, faz-se de tudo para agradar; portanto, “o amor de Cristo nos
constrange” (2 Co 5.14) a fazermos coisas por Ele que lhe são agradáveis (1 Ts
4.1) e glorifiquem seu nome, pois o cumprimento da Lei é o amor (Rm 13.10; 1 Jo
2.5). Assim sendo, viver pela graça é uma questão de escolha humana. Foi por
isso que Armínio escreveu:
A respeito da graça e do livre-arbítrio, isto é o que ensino, a respeito
das Escrituras e do consenso ortodoxo: o livre-arbítrio é incapaz de iniciar ou
aperfeiçoar qualquer bem verdadeiro e espiritual, sem graça. Para que eu não
possa ser considerado como Pelágio, como usando mentiras com respeito à palavra
“graça”, quero dizer, com isto, aquilo que é a graça de Cristo e que diz
respeito à regeneração. Portanto, afirmo que esta graça é simples e
absolutamente necessária para o esclarecimento da mente, a devida ordenação dos
interesses e sentimentos, e a inclinação da vontade para o que é bom. É esta
graça que opera na mente, nos sentimentos e na vontade; que infunde na mente
bons pensamentos; inspira bons desejos às ações, e faz com que a vontade
coloque em ação bons pensamentos e bons desejos. Esta graça vai antes,
acompanha e segue; instiga, auxilia, opera o que queremos, e coopera, para que
não queiramos em vão. Ela evita tentações, auxilia e concede socorro em meio às
tentações, sustenta o homem contra a carne, o mundo e Satanás, e, nesse grande
conflito, concede vitória ao ser humano. Ela levanta outra vez os que são
vencidos e os que estão caídos, firmando-os e dando a eles nova força, além de
fazer com que sejam mais cuidadosos. Esta graça inicia a salvação, promovendoa,
aperfeiçoando-a e consumando-a.102
Paulo, antecipando o problema que pode
surgir ao lidar com a graça de Deus de forma irresponsável, faz a pergunta e
também a responde: “Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que a
graça seja mais abundante? De modo nenhum! Nós que estamos mortos para o
pecado, como viveremos ainda nele?” (Rm 6.1-2). O autor aos Hebreus complementa
ainda: “Para que vos não façais negligentes, mas sejais imitadores dos que,
pela fé e paciência, herdam as promessas” (Hb 6.12). Dessa forma, a graça faz
que sejamos ainda mais responsáveis diante de Deus no cultivo de uma santidade
que leva em conta a gratuidade e a bondade dEle (Rm 2.4).
Dois extremos podem estar presentes na
compreensão da graça: o primeiro é o de que ela possibilita uma liberdade total
para pecar à vontade (Rm 6.12), pois Cristo perdoa. Entretanto, a desobediência
fere a imagem de Deus em nós e no nosso próximo e traz consequências. “Será que
posso pecar indiscriminadamente?” Isso tem resposta bíblica quando se afirma que
maior castigo sobrevirá sobre os que profanarem o sangue do pacto e ultrajarem
o Espírito da graça (Hb 10.29). Dietrich Bonhoeffer (1906–1945), levando em
conta a possível negligência para com a graça de Deus, escreveu a conhecida
sentença:
Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo
malbaratado, [...] é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a
disciplina de uma congregação, é a absolvição sem confissão pessoal [...], é
graça sem discipulado, [...] sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo,
encarnado.103
O outro extremo é o de achar que é
impossível receber um presente tão valioso como a salvação sem que para tal
seja necessário dar algo em troca; isso pode levar ao legalismo, ao ascetismo
ou ao misticismo,104 tentando alcançar a salvação por obras, tão combatida por
Paulo na epístola aos Gálatas (Gl 5.4,6). Essa atitude pode levar ao orgulho
espiritual (Ef 2.8-9) e gerar toda sorte de hipocrisias (Mt 23.23). Dessa
forma, criam-se meios de autossalvação inventando-se regras para aliviar a
consciência ao invés de confiar na obra completa de Cristo. (Gl 3.1-5). Por
isso, Paulo alertou os colossenses:
Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por
que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como:
não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso,
segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma
aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade e em disciplina do
corpo, mas não são de valor algum, senão para a satisfação da carne. (Cl
2.20-23)
Os agraciados pela graça são os que
compreendem que somos devedores para com Deus e para com os irmãos (Rm 13.8) e,
por isso, amam como Cristo amou (Jo 13.35). Os que vivem sob a liberdade da
graça desenvolvem uma santidade que reflete a beleza de Cristo no homem
interior, que extravasa nas mais diferentes esferas da vida humana e em total
confiança em Deus para tudo. Essa mesma graça permite estarmos mortos para o
pecado (Rm 6.11, 13) e vivendo a Lei de Cristo para alcançar os que vivem sem
Ele (1 Co 9.21).
Assim, nossa única saída é confiar
inteiramente em Cristo, que nos perdoa, aceita e ama do jeito que somos. Esse
amor, porém, constrange-me a obedecer-lhe. O contrário disso seria a negação da
eficácia da obra de Cristo. A religião diz o que devo fazer (obedecer); Jesus
diz o que Ele já fez por mim (confiar).
O ESCÂNDALO DA GRAÇA
Exatamente pelo fato de a graça de Deus ser um
escândalo é que existe tanta dificuldade em compreendê-la de forma plena.
Alguns usando os argumentos da liberdade fazem dela um salvo-conduto para
pecar; outros caem no legalismo e anulam o efeito da graça, tornando ineficaz a
obra de Cristo. Certamente, uma das formas de compreender é perceber o conceito
da graça de Deus presente na Parábola dos Vinhateiros. Ali não há méritos por
tempo de serviço ou produtividade; a mesma recompensa dos que iniciaram o
trabalho no fim do dia é dado aos que começaram no início do dia, mesmo que o
senhor tenha sido injusto aos olhos dos trabalhadores. É essa aparente
injustiça sob a ótica humana que caracteriza a graça de Deus.
A
justiça divina, se comparada com a humana, é imensamente perdoadora; por isso,
a graça torna-se injusta sob a ótica humana, pois é imerecida e incoerente. Por
esse motivo, Paulo classificou-a como escandalosa (1 Co 1.23; Gl 5.11).
Antropologicamente, o ser humano tem a
necessidade de expiar sua culpa, conforme descrito no primeiro capítulo deste
livro. Dentro dele, há um grito na alma que faz anelar por um preço que precisa
ser pago. Por isso, muitos crentes não entendem a graça de Deus e acham que
precisam ter méritos diante dEle, pagando um preço pela sua salvação. E assim
são inventados os esquemas humanos (legalismos, critérios, ordenanças,
doutrinas, etc.)105 para tentar “acalmar” a ira de Deus sobre o homem,
criando-se situações meritórias; entretanto, tudo já foi pago por Cristo, os
méritos são dEle, e não do homem com seus esforços.106 Não podemos viver sem a
observância da Lei (Tg 2.24), pois ela conduz nossas vidas a um bom caminho de
relacionamento com Deus e com o próximo; entretanto, estamos cônscios de que o
que nos salva é a graça de Deus somente, presenteada a nós através da morte de
Cristo na cruz do Calvário.
Isso não significa que, confiando na
graça de Deus para a salvação, não se precisa mais fazer nada após a salvação.
Deve-se, sim, continuar lutando para construir uma vida de santificação, renunciando
tudo aquilo que nos afasta de Deus. O que muda é que, a partir da ótica da
graça, não se faz mais nada para ser salvo, mas faz-se em gratidão a tudo o que
Cristo já fez. O desejo de santificação e renúncia a tudo o que nos afasta de
Cristo não parte de um coração que quer entrar no céu por méritos próprios,
pois a graça trouxe a consciência de que nada que se faça pode garantir o que
tão somente o sacrifício de Cristo garante: a salvação. Por outro lado, não se
consegue viver na graça e continuar satisfazendo os desejos impuros do velho
homem. A diferença é que tudo o que se faz agora é motivado por um sentimento
de gratidão e pertença, e não de troca e barganha.
Compreender a graça e não ter consciência de
que a nova vida com Cristo significa separação do mundo pecaminoso e dedicação
exclusiva a Deus é um forte indício de que ainda não se compreendeu o que é
viver na graça de Deus. Viver essa graça produz em nós a satisfação plena em
Deus; logo, todas as outras fontes de prazer ferem ao invés de satisfazerem.
Eis um indício de estarmos compreendendo a graça de Deus: viver a graça não
isenta de pecar, mas o pecado que antes trazia prazer causa agora dor e
arrependimento genuíno.
Pelo fato de a graça ser algo que depende
exclusivamente de Deus sem merecimento por parte do recebedor (Ef 2.8), Paulo
enfatiza a impossibilidade de estar sob a graça e a Lei ao mesmo tempo, no
sentido de obter a salvação por uma ou por outra, pois, nesse sentido, ambas
são excludentes. Portanto, ou o indivíduo é salvo pela Lei, o que é impossível,
ou ele depende inteiramente da graça de Deus, pois por “obras da lei nenhuma
carne será justificada” (Gl 2.16; At 15.11).
A graça é algo ao qual é impossível o seu
recebedor retribuir. A única coisa que lhe cabe é agradecer,107 pois qualquer
gesto de retribuição tirar-lhe-ia a qualidade de favor imerecido, tornando-se,
assim, um mérito. Como no relacionamento com Deus não existem méritos, pois
somente Cristo tem méritos, é um ato de afronta contra o doador querer
retribuí-lo; entretanto, até mesmo tal afronta é coberta pela graça.
Os que compreendem a graça devem
desenvolver a incrível capacidade de simplesmente se deixarem presentear por
Deus. Somente esses são justificados porque aceitam ser aceitos, “a despeito de
ser inaceitável”,108 e assim se permitem embalar nos braços do amor e do
perdão. Para os filhos de Deus, cônscios da graça do Pai, tudo é presente, é
dádiva. Não há reivindicação, nem presunção de méritos, mas somente gratidão e
ação de graças, pois a graça de Deus aceita o inaceitável.
Quando o cristão entende a graça de Deus, ele
necessariamente vai expressar essa mesma graça no relacionamento com outros
cristãos, ou seja, o recebimento da graça resultará em atos graciosos e cheios
de beleza por parte do recebedor. Isso, entretanto, não é feito por mérito; é
simplesmente a reação graciosa de gratidão para com a graça recebida, mas vai
além disso; ela é expressada como “presente para a comunidade, um benefício
para o bem comum.”109 Logo, podemos afirmar que cristãos que não reagem assim à
graça provavelmente não a compreenderam ainda.
Falar de graça implica um binômio
presente na sanidade espiritual, que consiste em ela (a graça) operar em
conjunto com a gratidão. A reação normal a qualquer oferta de graça é agir com
gratidão. A graça é o princípio central de nossa Teologia, e a gratidão é o
princípio central de nossa ética. O crente precisa conhecer “três verdades
básicas: quão grande é o nosso pecado, quão grande é a graça de Deus que nos
redimiu e quão grande deve ser nossa gratidão a Deus por sua graça.”110
Exercitar a gratidão diante de grandes ou pequenos gestos da graça de Deus
demonstra um coração que avançou em sua caminhada espiritual e reconheceu a
grandeza da superabundante graça oferecida na cruz. Mostrar gratidão mesmo
quando o coração estiver cheio de lamúrias, mágoas e ressentimentos é uma
escolha que fazemos; posso optar por falar de bondade e beleza, mesmo quando,
interiormente, ainda procuro alguém para acusar ou achar algo feio.
. A Obra da Salvação Claiton Ivan Pommerening
SUBSIDIO TEOLÓGICO
A
Finalidade da Lei
Talvez em nenhuma outra passagem da
Escritura o objetivo da lei esteja tão bem explicado como na carta aos Galatas.
O apóstolo Paulo pergunta para que é a lei, e em seguida responde: 'Foi
ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a
promessa tinha sido feita, e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro'. E
mais adiante: 'De maneira que a lei serviu de aio, para nos conduzir a Cristo,
para que, pela fé, fôssemos justificados'(Gl 3.19,24).
Do texto
bíblico, e à luz de todo o contexto, percebe-se que a lei, embora ordenada para
o bem, não conseguiu justificar ninguém. Pelo contrário, foi alvo de muitas
transgressões e culpas que deveriam levar o homem a conhecer a sua própria
miséria e impotência e, partindo daí, a se humilhar diante de Deus,
arrepender-se e a ser salvo mediante a fé. Todavia, em si mesmo, a lei não
tinha poder algum para levar o homem ao Criador: 'E é evidente que, pela lei,
ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé' (Gl 3.11).
A lei, portanto, serviu ao israelita, a
quem foi dada, como um pedagogo, ou aio, até que a fé viesse. Mas depois que a
fé veio, não estamos mais sujeitos ao pedagogo. Em outras palavras, o objetivo
último da lei é fazer que o pecador sinta a necessidade de justificação e
perdão, e levá-lo, ao final, a confiar em Jesus Cristo e a recebê-lo como seu
único Salvador e Senhor, recebendo dele a salvação do pecado e da consequência
deste, a morte espiritual (ALMEIDA, Abraão. O Sábado, a Lei e a Graça. 19.ed. Rio
de Janeiro: CPAD, 2015, pp. 46,47).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
Graça
As palavras mais frequentemente usadas
no Antigo Testamento para transmitir a ideia de graça são chanan ('demonstrar
favor' ou 'ser gracioso') e suas formas derivadas (especialmente chên)
e chesedh ('bondade fiel' ou 'amor infalível'). A primeira
refere-se usualmente ao favor de livrar o seu povo dos inimigos (2 Rs 13.23) ou
aos rogos pelo perdão de pecados (SI 41.4). Isaías revela que o Senhor anseia
por ser gracioso com o seu povo (Is 30.18). Mas a salvação pessoal não é o
assunto de nenhum desses textos. O substantivo chen aparece
principalmente na frase 'achar favor aos olhos de alguém' (dos homens; Gn
30.27; 1 Sm 20.29; de Deus: Êx 34.9; 2 Sml5.25). Chesedh contém
sempre um elemento de lealdade às alianças e promessas, expresso
espontaneamente em atos de misericórdia e amor. É um 'conceito central que
expressa mais claramente seu modo de entender o evento da salvação...
demonstrando livre graça imerecida. O elemento da liberdade... é essencial'.
Paulo enfatiza a ação de Deus, e a graça concretizada na cruz de Cristo'. Em
Efésios 1.7, Paulo afirma: 'Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça, pois 'pela graça sois
salvos' (Ef 2.5,8)" (HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma
perspectiva pentecostal, 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp. 344,345).
CONHEÇA MAIS
Graça
Uma das
maneiras de Deus demonstrar sua bondade é através da graça salvífica. No Antigo
Testamento, a ênfase da graça recai sobre o favor demonstrado ao povo da
aliança, embora as demais nações também estejam incluídas. No Novo Testamento,
a graça, como dom imerecido mediante o qual as pessoas são salvas, aparece
primariamente nos escritos de Paulo." Leia mais em Teologia Sistemática:
uma perspectiva pentecostal, por Stanley Horton, CPAD, pp. 344,45.
SUBSÍDIO ADICIONAL
Fonte:
Ensinador Cristão – n° 72
Uma acusação comum aos
pentecostais é que não conhecemos a graça de Deus. Acusa-nos de
legalistas porque em pleno século XXI preservamos costumes -como os que de
quaisquer igrejas evangélicas também são conservados, embora diferente dos
nossos - em detrimento da graça de Deus, dizem eles.
Nesse assunto, os pentecostais também
concordam com a teologia arminiana, em que o fundamento essencial na dinâmica
da salvação é o da graça preveniente e que toda
salvação é fruto inteiramenteda graça de Deus. Retomando mais uma vez
o auxílio do teólogo arminiano Roger Olson, passamos a conceituar graça
previniente.
A graça
proveniente é uma doutrina elevada da graça
Com graça
proveniente se quer dizer o chamado de Deus no sentido de ser dEle a iniciativa
do começo de relação com uma pessoa que é livre para responder a esse
chamado com arrependimento e fé. Esse processo proveniente da graça, segundo
Roger Olson, inclui ao menos quatro aspectos: chamada, convicção, iluminação e capacitação.
Por isso, alinhado à visão arminiana, o pentecostal não tem
dificuldade de pregar agraça de Deus e, ao mesmo tempo, reconhecer
que a chamada para a salvação pode ser rejeitada pela pessoa. É muito
claro para o pentecostal que nenhuma pessoa pode arrepender-se, crer e ser
salva sem o auxílio sobrenatural do Espírito Santo. Este age do início ao fim
do processo salvífico. Entretanto, é preciso que a pessoa não resista
ao Espírito, como fizeram os fariseu são resistirem arduamente à mensagem
de Jesus Cristo (Mt 12.22-32), mas coopere com o Espírito reconhecendo a
própria condição de pecador e crendo no único Salvador.
O que
pensava Armínio acerca da graça de Deus na salvação?
Segundo
Roger Olson, a teologia de Armínio sempre foi compromissada com a graça de
Deus e o teólogo holandês jamais atribuiu qualquer eficácia
salvífica à bondade ou à força de vontade do ser humano.
Isso éimportante destacar, pois é um equívoco pensar que quem
afirma que o ser humano pode resistir a graça de Deus está dizendo que o
que define a salvação é a vontade humana. Nada mais injusto!
Não havia dúvida para Armínio que a
salvação era de graça, provinha de Deus, era um presente incomensurável do
Altíssimo para o homem. Entretanto, o problema para Armínio, e o mesmo para os
pentecostais, era que "de acordo com as escrituras, que muitas pessoas
resistem ao Espírito Santo e rejeitam a graça que é oferecida".
SUBSÍDIO DIDÁTICO-TEOLÓGICO
Professor (a), para ajudar seus alunos a terem uma compreensão melhor a
respeito da graça, reproduza o quadro abaixo e discuta com eles cada um dos
tópicos.
MARAVILHOSA
GRAÇA
Deus escolheu um povo para si mesmo, Israel. O Senhor não era obrigado
a fazer isso; Ele fez pela graça (Dt 7.7,8).
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Deus fez um acordo, uma aliança de amizade, com seu povo. Sua graça
significava que Ele permanecia leal a Israel, mesmo quando seu povo foi
infiel a Ele (SI 25.14).
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Deus demonstra sua graça, acima de tudo, em sua 'operação de resgate',
sua salvação dos pecadores (Ef 2.5).
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Deus torna sua graça conhecida dos pecadores quando seus pecados são
perdoados e absolvidos. Mais uma vez, essa graça é totalmente imerecida.
"O amor demonstrado por aqueles passíveis de não ser amados" (Ef
2.1-10).
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Deus, por intermédio de sua graça, faz os pecadores responderem a Ele
e serem pessoas transformadas (At 2.37-41). E os pecadores, salvos pela
graça, conhecem cada vez mais a Deus por meio da graça (começando com Gl
4.9).
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A graça do Senhor Jesus Cristo que é importante, em especial
a graça demonstrada em sua morte na cruz (Gl 1.3,4).
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A graça
nos chama. Passamos a conhecer essa salvação porque Deus, em sua graça,
escolheu-nos (Gl 1.15). Lançamos mão dessa graça pela fé (Gl 2.16).
Assim, somos salvos pela graça para nos transformar em uma nova pessoa (G1
6.15).
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