CAPÍTULO 5
A OBRA SALVÍFICA DE JESUS CRISTO
A
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obra terrena de Jesus foi de um valor e
alcance inimagináveis. Além de fazer muitos sinais e maravilhas (Hb 2.4), curar
enfermos (Mt 9.35), ressuscitar mortos (Lc 7.15; Jo 11.41-45), acalmar
tempestades (Mt 8.24-26), multiplicar pães e peixes (Mt 14.13-21) e muitos mais
a ponto de não caber em livros (Jo 21.25), sua maior obra dentre todas foi a
sua morte na cruz com todas as implicações que ela traz para a humanidade e
para o universo criado.58 É o que veremos neste capítulo e no seguinte.
Nenhum esforço humano é possível para
retirar o homem da condição de pecador afastado de Deus, exceto pela obra
salvadora de Cristo. Através da salvação efetuada por Cristo na cruz, o pecado
é removido, e a paz com Deus é estabelecida, e, pelo resgate efetuado, o pecador
é redimido e liberto da escravidão, sendo absolvido perante o tribunal de
justiça divino, pois Cristo já suportou seu castigo e tomou sobre si o pecado
do homem. Sendo assim, em sua morte, Cristo é vitorioso e garante a todos a
redenção eterna.
A obra salvífica de Cristo custou-lhe
um alto preço: o seu próprio sangue derramado na cruz. Sua obra garante-nos a
salvação porque foi uma oferta completa, perfeita e definitiva. Por causa
disso, temos a certeza da salvação e a garantia da vida eterna e desfrutamos antecipadamente,
aqui na terra, dos benefícios dessa salvação.
O
SACRIFÍCIO DE JESUS
A encarnação de Jesus, já estudada no
capítulo 3, foi apenas uma parte da obra de Cristo. Ela não seria completa se
não envolvesse o ministério terreno, o desprezo, o sacrifício, o sofrimento e a
morte de Jesus; esse conjunto é o que chamamos de obra de Cristo. Sua obra
completou-se com sua ressurreição e ascensão aos céus (Jo 19.30; 1 Co 15.1-4).
No Antigo Testamento, a palavra para
“sacrifício” é qorbãn, como aquilo que é trazido para perto e tem o propósito
de fazer expiação (em hebraico, é kapper). Existem outras palavras correlatas e
de menor importância como, por exemplo, zebhah (sacrifício), olã (oferta
queimada, aquilo que acende) e outras variantes. Alguns sacrifícios eram
oferecidos diariamente, outros aos sábados, nas luas novas, no dia da expiação
e ainda nas festas judaicas das Semanas, dos Tabernáculos (ou Cabanas) e também
na festa da Páscoa. O principal propósito dos sacrifícios era fazer a expiação
pelos pecados, mas também havia os de gratidão, de ação de graças, de paz e de
alguns outros rituais judaicos que não cabe descrição aqui. Todos esses
variados sacrifícios apontam, ainda que comparativamente inadequados, para o
sacrifício final e definitivo de Cristo.
Além da Páscoa, com seu significado
já abordado em capítulo anterior, o sacrifício com significado especial era o
anual Dia da Expiação, quando o sumo sacerdote oferecia sacrifícios de animais
e fazia expiação para si mesmo, para os outros levitas e para as demais tribos
de Israel (Lv 16). A oferta teria que ser custosa, demonstrando que se oferecia
a vida da vítima, derramando seu sangue para fazer expiação (Lv 17.11). Os
diversos aspectos rituais e liturgias com seus significados incutiam na mente
do povo a seriedade da condição pecaminosa e da necessidade que tinham de uma
expiação completa. Todavia, os sacrifícios de animais eram incompletos e não
podiam expiar o pecado humano por inteiro; por isso, o sacrifício de Cristo
assume uma relevância de dimensões eternas por ser completo e perfeito.
As Escrituras afirmam que foi
necessária a morte sacrificial de Jesus para cumprir um propósito eterno (Ap
13.8) e para que Deus pudesse perdoar o pecado e garantir a salvação do
homem.59 A serpente levantada no deserto também é comparada ao levantamento de
Cristo na cruz (Jo 3.14). Jesus foi rejeitado (cf. Lc 17.25) e Ele mesmo disse
que lhe era necessário sofrer, morrer e ressuscitar (Mt 16.21; At 17.3) e que
estava consagrado para o sacrifício (Jo 17.19). Nossa união com Cristo pela fé,
possibilitada por seu sacrifício, manifestou o amor de Deus, libertando-nos do
sofrimento causado pelo pecado em nós mesmos e no mundo.
O problema do pecado não se resolve
apenas com o arrependimento do pecador porque a justiça de Deus também precisa
ser satisfeita. Dessa forma, torna-se necessário que o pecador cumpra a pena.
Como o pecador não tinha as mínimas condições de pagar essa pena por ser
imperfeito por causa do próprio pecado, fez-se necessário que alguém, em
condições de satisfazer a perfeição do sacrifício, entrasse em cena. Esse
alguém somente poderia ser Deus, mas também teria de ser homem, e quem poderia
cumprir essa exigência seria unicamente Jesus, o homem perfeito, o Deus
encarnado. Assim, para Deus resolver o problema da exigência da Lei e da
justiça divina, Ele fez com que seu Filho pagasse a pena imposta. A pena
imposta pela Lei foi a morte, pois essa era a pena máxima que alguém poderia
pagar ou ofertar. Nenhum dinheiro seria suficiente para satisfazer a justiça, a
não ser a morte de Cristo.
A morte de Cristo satisfez ainda outra
necessidade: De que forma tirar o pecado do homem como se ele nunca o tivesse
praticado? Lançando esse pecado sobre o ser perfeito, que é Cristo.60 Portanto,
trata-se de uma morte vicária que nos representando na cruz (2 Co 5.14),
resgatando-nos da “maldição da Lei, fazendo-se, Ele próprio, maldição em nosso
lugar” (Gl 3.13). No Antigo Testamento, foi afirmado que quem fosse morto num
madeiro seria maldito de Deus (Dt 21.22-23).
O sistema de sacrifícios do Antigo Testamento
foi instituído para tentar alcançar méritos diante de Deus, mas esse sistema
tornou-se antiquado (Hb 8.13) com a nova aliança, que foi instituída com o
sacrifício de Cristo. Não existem mais méritos pessoais, mas apenas e
exclusivamente o mérito de Cristo (Gl 2.21). Ele, sim, é capaz de cobrir todo e
qualquer pecado e restabelecer a comunhão do ser humano com Deus. Dessa forma,
o único mérito aceito por Deus nesse novo relacionamento com a humanidade é,
exclusivamente, o sacrifício de Cristo.
A morte de Cristo tem algumas conotações que é
preciso esclarecer.61 Ela é o ato de redenção do pecador através da obra
vicária de Cristo, que possibilitou a expiação e a propiciação e, por fim,
promoveu nossa reconciliação com Deus. Cada um desses aspectos será abordado
neste e no próximo capítulo.
Ela é vicária, isto é, substitutiva, no
sentido de alguém que toma o lugar de outro, como bem afirma Isaías: “[...] mas
o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6 – conforme
ainda 2 Co 5.21; 1 Pe 2.24; 3.18). Portanto, Cristo morreu pelos nossos
pecados; Ele, porém, era sem pecado. O sistema sacrificial e a Lei apenas nos
mostraram o caminho perfeito para a obra de Cristo (Gl 3.24) que foi tão
completa que Ele mesmo foi o sacerdote, o ofertante (Ele deu a si mesmo) e a
oferta. A cruz é o sinal que aponta para essa realidade. A centralidade da cruz
está presente até mesmo no Apocalipse, pois retrata a Jesus como “o primogênito
dos mortos” (1.5) e aquEle que foi morto, mas agora vive para sempre (1.18).
“Àquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez
reis e sacerdotes para Deus e seu Pai, a ele, glória e poder para todo o
sempre” (1.5,6). As palavras ditas na atmosfera de adoração que João vê diante
do trono são: “foste morto e com o teu sangue compraste para Deus homens de
toda tribo, e língua, e povo, e nação” (5.9). João também chama Jesus 28 vezes
de “o Cordeiro”62, numa clara alusão à sua morte vicária. Povos de todas as
tribos, línguas e nações, “toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo
da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há” (5.13), bem como
“muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos” (5.11) proclamam
dizendo ao que está assentado no trono que Ele “é o Cordeiro” e “Digno é o
Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força,
e honra, e glória, e ações de graças” (5.12).
Sua morte também é a propiciação (Rm
3.25; 1 Jo 2.2; Hb 2.17) do pecado, cujo sentido do hebraico kipper e do latim
propitio é afastar a ira através de um sacrifício; num sentido pagão,
significaria que se está pacificando ou apaziguando um deus irado e vingativo;
teologicamente, porém, significa o cumprimento da Lei divina que havia sido
violada, permitindo, agora, o transbordar do amor de Deus e também de suas
bênçãos sobre o pecador (Sl 7.38). Dessa forma, a propiciação não apenas
satisfaz a Lei, mas também torna Deus magnânimo para com o pecador.63 A
propiciação torna o ser humano pecador arrependido favorável diante de Deus.
Paulo afirma que “[...] sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele
salvos da ira” (Rm 5.9). A ira de Deus é o que provoca o desespero e o terror
do pecado no homem pecador e leva-o ao arrependimento.64 Ora, a santidade da
ira de Deus não suporta o pecado; entretanto, Ele mesmo tomou a providência
para que a sua própria ira fosse aplacada, demonstrando mais uma vez seu amor e
misericórdia, pois “[...] que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação
pelos nossos pecados” (1 Jo 4.10). Dessa forma, a propiciação é um resultado da
expiação, pois somente a morte de Jesus supera o paradoxo entre o amor e a ira
de Deus.65 A
NOSSA RECONCILIAÇÃO COM DEUS PAI
A palavra “reconciliação” provém do
verbo grego katallasso e significa “mudar de inimizade para amizade”,
“reconciliar”. Para expressar uma reconciliação completa, usa-se o verbo
apokatallasso, utilizado em Efésios 2.16 (“e, pela cruz, reconciliar ambos
[judeus e gentios] com Deus em um corpo”) e Colossenses 1.20 (“[...] por meio
dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas”). O substantivo katallage (Rm
5.11; 11.15) dá a ideia de mudar de um lugar para o outro. Reconciliação
implica em estabelecer, por iniciativa de Deus, uma relação sadia com Ele.
A reconciliação é uma obra da graça
de Deus somente possível como consequência da obra de Cristo. Ela é necessária
porque nosso relacionamento com Deus estava rompido, pois o homem pecador não
pode ter comunhão com o Deus santo (Is 6.5). A reconciliação é consequência da
conversão, da regeneração e da justificação, pois o pecado tornou o homem
hostil e repugnante para com Deus, e foi assim que uma inimizade foi
estabelecida (Cl 1.21; Tg 4.4), e nem mesmo com os sacrifícios do Antigo
Testamento poderia haver uma reconciliação, pois eles apenas apaziguaram o
problema. Por isso, foi necessário o sacrifício de Cristo, que se tornou
inimizade (Ef 2.15-16) em nosso lugar para que Deus viesse a agradar-se de nós
(Rm 5.10), eliminando, assim, a causa da inimizade e abrindo-nos um novo e vivo
caminho para o Pai (Hb 10.20).
A expiação é a própria oferta de Cristo
a Deus pelo pecado; a reconciliação é o resultado prático humano da expiação
efetuada por Cristo; logo, a reconciliação é consequência da expiação. Todavia,
não é Deus quem se reconcilia com o homem; é o homem que precisa reconciliar-se
com Deus, pois sua comunhão foi interrompida por causa do pecado. O problema da
hostilidade era do homem para com Deus, cujo problema foi resolvido com a obra
de Cristo. O autor da reconciliação do homem com Deus é o próprio Deus; é Ele
quem toma a iniciativa; e o agente da reconciliação é Cristo através de sua
obra.
A reconciliação é necessária por
causa do estado de alienação (separação) de Deus. No estado de alienação, o ser
humano encontra-se fora de seu centro divino do qual seu próprio centro
pertence de forma dependente. Quando a serpente enganou o homem no Jardim do
Éden, este foi induzido a achar que poderia viver fora deste centro divino e
centrar-se em si mesmo, o que alguns teólogos chamam de hybris.66 Assim, o
homem tentou autoelevar-se à esfera do divino. O homem foi tentado a ser maior
do que o centro divino do qual dependia, e essa tentativa quebrou a dependência
humana deste centro divino e alienou-o da presença de Deus. Como a existência
humana plena só é possível a partir de Deus, é essencial que o estado de
alienação seja revertido para o estado de reconciliação.
Dentro da reconciliação que Jesus fez
para com o homem pecador, está também o seu ministério intercessor, o qual Ele
exerceu quando andou na terra e que ainda exerce por nós diante do Pai (Hb
7.25; Rm 8.27). Ele orou para que a alegria dos discípulos fosse completa (Jo
17.13); para que não fossem tirados do mundo, mas, sim, guardados do mal (Jo
17.15); para que formassem uma unidade (Jo 17.21) e também por aqueles que
viriam a crer, abrangendo a todos nós (Jo 17.20). Atualmente, Ele defende-nos
das acusações de quem quer que seja e intercede por nós diante do Pai, não
permitindo que nada nos separe do seu amor (Rm 8.33-35), compadecendo-se de
nossas fraquezas (Hb 4.15; 9.24).
A partir da reconciliação, o crente
experimenta os benefícios dela, que são: no sentido vertical, a comunhão com
Deus; no sentido horizontal, a benção de ser um novo ser que se reconcilia
também com os seus semelhantes; e também com a própria natureza, não sendo mais
hostil a ela no sentido de depredá-la ou explorá-la de forma inconsequente.
“Porque, se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu
Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E
não somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus
Cristo, pelo qual agora alcançamos a reconciliação” (Rm 5.10-11).
A eliminação da causa da inimizade aquieta e
apazigua nosso coração, pois toda acusação e culpa são eliminadas e removidas,
estabelecendo-se uma amizade com Deus através de Cristo. Os reconciliados por
Cristo recebem o ministério da reconciliação, e de suas bocas procedem palavras
de reconciliação (2 Co 5.18-19). Ela é tão abrangente que todo o Universo, céus
e terra estão envolvidos (Cl 1.20). Pelo fato de que agora estamos
reconciliados com Deus, é-nos permitido estar vivificados (Ef 2.1, 5; Rm 5.17).
Esse é o estado em que, dentro de nós, o Espírito Santo opera produzindo vida
espiritual que se converte em fonte transbordante (Sl 84.6). Essa vivificação
produz no crente sede e desejo ardente pela presença de Deus (Sl 42.1-2; 63.1;
143.6), faz dele uma fonte de água viva (Jo 4.10; 7.38), fá-lo produzir muitos
frutos (Jo 15.5) e o desejo que todos conheçam a salvação que há em Cristo (Mt
5.20; Lc 4.19; At 5.42; 20.27; 1 Co 9.16).
A REDENÇÃO ETERNA
Uma das principais conquistas da
morte de Cristo foi ela promover a redenção, ou nos redimiu, do verbo grego
lytron,67 que significa libertar do cativeiro, da escravidão ou da condenação
da morte através do pagamento de um preço de resgate. Dessa forma, redenção tem
um duplo sentido: pagar o preço e dar a liberdade, sendo que a morte de Jesus
pagou o preço e libertou o pecador (Mt 10.28). Redenção é o ato de redimir ou
remir, que significa libertação, reabilitação, reparo e salvação. Através de um
valor pago em dinheiro, adquire-se algo de novo — é o ato de resgatar, de tirar
do poder alheio, do cativeiro. É estabelecer um recurso para salvar uma pessoa
de uma situação de extrema aflição. É livrar-se de um passado sombrio e das
penas do Inferno.
Os seres humanos são escravos do
pecado e fazem tudo o que o pecado determina que eles façam. Eles estão presos
e impossibilitados de, por si só, serem livres dessa situação. O pecado
normalmente é concebido como falha moral e ética — como errar o alvo proposto
por Deus —, mas seu conceito vai muito além disso. Ele é o estado de alienação
(separação) entre Deus e a criatura, presentes na expulsão do Paraíso, na
hostilidade entre o ser humano e a natureza, na constante perversão da imagem
de Deus no ser humano (Rm 1.22-25), transformando-a em ídolos, na procura de
desejos distorcidos e prejudiciais para si e para os outros. O homem não se
contenta com a condição de criatura e quer ser igual a Deus (Gn 3.5) e ainda
adorar ídolos (Rm 1.23-25).
O pecado causa muitas feridas e traz
sofrimentos dolorosos (Sl 31.9-10; 51.1-6), dor e morte ao ser humano, condição
esta degradante e muito deprimente. Em síntese, pecado é tudo aquilo que
prejudica o homem. O pecado que se comete não fere a Deus ou diminui o seu
poder. O Senhor jamais quis isso para o homem, o que lhe faz sentir tristeza
pelo pecado (2 Co 7.10). O pecado é o ato pessoal de afastamento de Deus,
trazendo angústia e uma propensão à tragédia sobre o ser humano, sem que ele
nem mesmo tenha consciência clara desse estado. Ele precisará da “luz dos
gentios” (Cristo, conforme Is 9.2; 42.6; 49.6) iluminando sua mente para
discernir sua condição, e confiando em Cristo para resolver essa situação (Rm
1.17) e encontrar paz (Ef 2.16).
O que caracteriza o pecado não é
meramente a desobediência à Lei, mas, sim, o fato de os atos pecaminosos
expressarem a alienação (inimizade, conforme Ef 2.16) do ser humano em relação
a Deus (2 Co 5.18), ao próximo (Mt 5.24) e a si mesmo. A única forma de vencer
a alienação é aplicar em tudo a lei do amor, que, segundo Jesus, é o resumo da
Lei. Assim, o pecado é vencido aplicando-se contra ele as palavras de Jesus; e
a angústia é vencida no amor, como escreveu João: “No amor, não há temor [medo,
angústia]; antes, o perfeito amor lança fora o temor; porque o temor tem
consigo a pena, e o que teme não é perfeito em amor” (1 Jo 4.18).
Através da redenção de Cristo, o
dominador (pecado — Jo 8.34; 7.14) que escravizava não tem mais poder sobre o
antes dominado (pecador). Ele derramou seu próprio sangue para sermos redimidos
(Rm 3.24; Ef 1.7). A redenção praticada por Cristo, por causa do elevado preço
envolvido, é motivo para o crente glorificar a Deus (1 Co 6.20), pois sua vida
agora demonstra que ele não está mais aprisionado na escravidão de outrora. Os
privilégios da redenção incluem o perdão dos pecados (Ef 1.7), a justiça (Rm
5.17), o Reino e a vida eterna (Ap 5. 9,10). Paulo escreveu que, antes de
aceitarmos a Cristo, éramos “escravos do pecado” (Rm 6.17), mas a cruz de
Cristo possibilitou a libertação dos escravos desse poder de morte (Rm 6.23).
Prisioneiros de guerra poderiam ser libertos através do pagamento de um
resgate, assim como escravos poderiam ser soltos através de um resgate; assim,
a liberdade é adquirida através de um valor pago que cobre o valor do redimido.
A redenção tem um significado triplo,
que pode ser: 1) pagar o preço do resgate (Hb 9.12); 2) remover o pecador do
mercado de escravos (Gl 3.13); e 3) livrar completamente um escravo ou
prisioneiro, dando liberdade completa e definitiva (Cl 1.14). A redenção de
escravos na antiguidade poderia ter conotações variadas, mas o preço pago por
Cristo efetuou as três condições acima juntas para nós.
Há um incrível poder na cruz de Cristo. Poder
para despertar a consciência mais adormecida e derreter o coração mais duro;
para purificar o impuro; para reconciliar aquele que está afastado,
restaurando-o à comunhão com Deus; para redimir o prisioneiro de suas algemas e
levantar do lixo o mendigo; [...] para transformar nossas personalidades
instáveis à imagem de Cristo. [...] Tudo isso faz parte da salvação que Deus
opera nos homens e mulheres através do kerygma de Cristo crucificado. A palavra
da cruz é poder de Deus” (1 Co 1.18).68
Segundo afirmação bíblica, Cristo não nos
redimiu “nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou
uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção” (Hb 9.12). Portanto,
a redenção é a libertação de um escravo ou livramento de algum mal mediante um
resgate (Mt 20.28). Nessa redenção, “Cristo nos resgatou da maldição da Lei”
(Gl 3.13); da própria Lei em si (Rm 6.14; 7.4); do poder do pecado (Rm 6.2,6);
de Satanás (Hb 2.14-15);69 e dos males oriundos da pecaminosidade, da corrupção
humana e do corpo mortal (Gl 1.4).70 Assim, Ele “se deu a si mesmo em preço de
redenção por todos” (1 Tm 2.6).
Para diferenciar os vários aspectos da
salvação quanto ao seu significado, podemos afirmar que “a expiação é do pecado
do pecador; a redenção é da pessoa do pecador; e a propiciação tem a ver com
Deus em relação ao pecado já perdoado,”71 pois agora sua ira não existe mais.
Numa sequência lógica, porém não cronológica — pois a redenção (a obra de
salvação) de Cristo é composta de um evento único —, podemos afirmar que a obra
vicária (substitutiva) de Cristo, na qual Ele tomou nosso lugar, possibilita a
expiação (cobrir o pecado). Estando o pecado coberto, existe a possibilidade da
propiciação (remover a ira pelo pecado), pois Deus agora já não enxerga o
pecado, mas, sim, a justiça de Cristo. Portanto, isso não fere sua santidade,
que, por sinal, possibilita a reconciliação (reatar o relacionamento quebrado
pela alienação do pecado).72 Duffield e Cleave resumem esses aspectos da
seguinte maneira:
Quando falamos [da morte de Cristo]
como vicária, pensamos em substituição; quando falamos de expiação, pensamos em
cobertura; como propiciação, pensamos em apaziguamento; como reconciliação, pensamos
em reatamento da amizade; e como resgate, pensamos em redenção.73
A condição de redimido não traz apenas
benefícios para o crente no tempo presente, mas também é a garantia da vida
eterna, de morar para sempre com Cristo e de desfrutar do Paraíso celestial,
algo somente possível para o crente através da morte de Cristo, que nos
proporciona a certeza da salvação eterna. Portanto, a abrangência de sua morte
invade a vida eterna, extrapolando as dimensões terrenas, temporais e
espaciais.
A IMPORTÂNCIA DA
RESSURREIÇÃO DE JESUS
CRISTO
De
acordo com as Escrituras, Jesus Cristo “ressuscitou para nossa justificação”
(Rm 4.25). Assim, tanto sua morte quanto sua ressurreição complementam uma a
outra, e uma não poderia haver sem a outra para que a obra fosse completa. Se
não tivesse ressuscitado, Ele não passaria de um mártir cristão como tantos
outros. “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos
vossos pecados” (1 Co 15.17). Sua ressurreição também é a garantia do perdão
dos pecados: “[...] Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu
coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10.9).
O novo nascimento do crente
fundamenta-se na ressurreição de Jesus: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo
para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1
Pe 1.3). A ressurreição de Jesus prova a grande força do poder de Deus (Ef
1.19-20) e que nós, crentes, também seremos ressuscitados (1 Ts 4.14; 2 Co
4.14), pois a morte foi vencida através de sua ressurreição (1 Co 15.54-57; Hb
2.14).
A ressurreição de Cristo atesta o
fato de que Ele é Filho de Deus (Rm 1.34). O apóstolo Paulo afirma que, se ele
não tivesse ressuscitado, a pregação seria vãmente inútil (1 Co 15.14), pois o
túmulo vazio deu certeza aos discípulos de que Ele era o Filho de Deus e que o
evangelho era a verdade para a qual eles deram suas vidas. Se Ele não tivesse
ressuscitado, nossa fé seria inútil (v. 14); os apóstolos teriam sido falsas
testemunhas (v. 15); os crentes continuariam em seus pecados (1 Co 15.17); e os
que morreram pereceriam no Inferno (vv. 18-19). Todavia, eles foram testemunhas
oculares de sua ressurreição (At 1.21-22).
Tanto o nascimento de Jesus quanto
sua ressurreição são fatos milagrosos. Dessa forma, foi o milagre da
ressurreição de Jesus que deu coragem aos discípulos amedrontados e escondidos
por causa de sua morte. Eles encheram-se de ousadia para pregar o evangelho e
virar o mundo de então de cabeça para baixo.
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A
OBRA DA SALVAÇÃO
TEXTO ÁUREO
"E, quando Jesus tomou o
vinagre, disse: Está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o
espírito." (Jo 19.30)
VERDADE PRÁTICA
A obra salvífica de Cristo nos deu o
privilégio de achegarmo-nos a Deus sem culpa e chamá-lo de "Pai".
SUBSÍDIO
TEOLÓGICO
A Obra
Salvífica de Cristo
O estudo da
obra salvífica de Cristo deve começar pelo Antigo Testamento, onde descobrimos,
nas ações e palavras divinas, a natureza redentora de Deus. Descobrimos tipos e
predições específicos daquEle que estava para vir e do que Ele estava para
fazer. Parte de nossas descobertas provém da terminologia empregada no Antigo
Testamento para descrever a salvação, tanto a natural quanto a espiritual.
Qualquer um que tenha estudado o
Antigo Testamento hebraico sabe quão rico é o seu vocabulário. Os escritores
sagrados empregam várias palavras que fazem referência ao conceito geral de
'livramento' ou "salvação', seja no sentido natural, jurídico ou espiritual. O
enfoque recai em dois verbos: natsal e yasha.
O primeiro ocorre 212 vezes, mas Deus revelou a Moisés ter descido para
'livrar' Israel das mãos dos egípcios (ÊX 3.8). Senaqueribe escreveu ao rei de
Jerusalém: 'O Deus de Ezequias não livrará o seu povo das minhas mãos' (2 Cr
32.17). Frequentemente, o salmista implorava o salvamento divino (SI 22.21;
35.17; 69.14). O emprego do verbo indica haver em vista uma 'salvação' física,
pessoal ou nacional" (HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva
pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp. 335,336).
SUBSÍDIO
TEOLÓGICO
A
Reconciliação com Deus Mediante o Sacrifício de Jesus Cristo
Diferente de outros termos bíblicos e
teológicos, 'reconciliação' aparece em nosso vocabulário comum. É um termo
tirado do âmbito social. Todo relacionamento interrompido clama por
reconciliação. O Novo Testamento ensina com clareza que a obra salvífica de Cristo
é um trabalho de reconciliação. Pela sua morte. Ele removeu todas as barreiras
entre Deus e nós. O grupo de palavras empregado no Novo Testamento (gr.
allassõ) ocorre raramente na Septuaginta e é incomum no Novo Testamento, até
mesmo no sentido religioso. O verbo básico significa 'mudar', 'fazer uma coisa
cessar e outra tomar o seu lugar'. O Novo Testamento emprega-o seis vezes, sem
referência à doutrina da reconciliação (por exemplo, At
6.14). Somente Paulo dá conotação religiosa a esse grupo de palavras. O verbo
katallassõ e o substantivo katallagê transmitem com exatidão a ideia de
'trocar' ou 'reconciliar', da maneira como se conciliam os livros contábeis. No
Novo Testamento, o assunto em pauta é primariamente o relacionamento entre Deus
e a humanidade. A obra reconciliadora de Cristo restaura-nos ao favor de Deus
porque 'foi tirada a diferença entre os livros contábeis (HORTON, Stanley M.
Teologia Sistemática: Uma perspectiva pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD,
1996, p. 355).
CONHEÇA MAIS
Redenção
A palavra
Redenção significa "Recurso capaz de salvar alguém de uma situação
aflitiva'. [...] Jesus comprou-nos por um bom preço. Por causa da morte de
Cristo, diante de qualquer exigência da Lei da justiça divina com respeito a
todos os que creem em Jesus, Deus pode agora dizer:"... livra-os...já
achei resgate' (Jó 33.24). Jesus subiu ao Gólgota para aniquilar o pecado pelo
sacrifício de si mesmo (Hb 9.26)." Leia mais em "A Santa Trindade: O
Pai, o Filho e o Espirito Santo" de Eurico Bergsten, CPAD, p.65.
SUBSÍDIO
TEOLÓGICO
A
Redenção
No Novo
Testamento, Jesus é tanto o 'Resgatador' quanto o 'resgate'; os
pecadores perdidos são os 'resgatados'. Ele declara que veio 'para dar a sua
vida em resgate [gr. lutron] de muitos' (Mt 20.28; Mc 10.45).
Era um 'livramento [gr. apolurõsis] efetivado mediante a morte
de Cristo, que libertou da ira retributiva de Deus e da penalidade merecida do
pecado'. Paulo liga nossa justificação e o perdão dos
pecados à redenção que há em Cristo (Rm 3.24; Cl 1.14). Diz que
Cristo 'para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e
redenção' (1Co 1.30). Diz, também que Cristo 'se deu a si mesmo com preço de redenção
[gr. antilutron] por todos' (1Tm 2.6). O Novo
Testamento demonstra claramente que Ele proporcionou a redenção mediante o seu
sangue, pois era impossível que o sangue dos touros e dos bodes tirasse os
pecados (Hb 10.4). Cristo nos comprou de volta para Deus, e o preço foi o seu
sangue (Ap 5,9)" (HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva
pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 357).
SUBSÍDIO ADICIONAL
Fonte:
Ensinador Cristão – n° 72
Hoje, se
podemos nos achegar a Deus e chamá-lo de "Pai" o mérito desse
privilégio está na obra salvífica de Jesus Cristo. O sangue derramado pelo
Filho na cruz foi o alto preço que nosso Senhor pagou no lugar de nossas
transgressões para que, por intermédio de sua crucificação, morte e, posterior
ressurreição, fôssemos justificados.
A obra salvífica de Cristo proveu reconciliação dos homens com Deus
"Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados, e pôs em nós a palavra da reconciliação." (2Co 5.19). Esse
ministério de reconciliação do ser humano com Deus se deu por meio da obra
salvífica e completa de Jesus Cristo. Aqui, é importante destacar que essa obra
não é extensiva somente a um "grupo de eleitos" previamente selecionados
por "decreto divino", condenando assim os demais seres humanos à
perdição total. Não, a obra salvífica de Jesus Cristo é extensiva a todos os
que se arrependerem e crerem no Unigénito de Deus. Desde sempre, a vontade do
Pai é que "todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade.
Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo,
homem, o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de
testemunho a seu tempo". Assim, por meio de Jesus Cristo, o Pai dá
oportunidade ao homem de arrepender-se dos seus pecados e de reconhecer Cristo
Jesus como Senhor, Salvador e Rei.
A obra salvífica de Cristo proveu redenção para o pecador arrependido
Está no
interior humano a impossibilidade de dar a segunda chance para quem cometeu uma
falta gravíssima contra o outro. Quando falamos em falta gravíssima,
referimo-nos, por exemplo, a uma pessoa que comete um assassinato contra a
filha de um pai ou toma do outros bens de valor imaterial. Como achar normal que
se exija do pai o perdão ao assassino de sua filha?
Ou que se
perdoe a pessoa que deu um golpe que trará consequências irreparáveis?
Humanamente
é muito difícil e, para muitos, é loucura! Essa é a situação do pecador diante
de Deus, pois se fosse possível estar no lugar de Deus, qualquer pessoa diria
que o mais justo era condenar o transgressor. Mas o Altíssimo, por intermédio
do seu Filho, preferiu prover outro caminho: o do perdão. A redenção efetuada
pelo nosso Senhor, por meio de sua obra salvífica, nos redimiu e
constrangeu-nos a manifestarmos esse amor aos nossos semelhantes.
Muitos têm seguido
cegamente a João Calvino teólogo francês, radicado na Suíça, falecido em 1564
—, o qual pregava a predestinação como uma eleição arbitrária de indivíduos;
como graça irresistível e impossibilidade de perda da salvação.
A DOUTRINA DO JULGAMENTO DO CRENTE
A DOUTRINA DA GLORIFICAÇÃO FUTURA DOS SALVOS
Teoria Governamental
Calvinismo e Arminianismo.
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Outros têm
seguido as idéias de Jacobus Arminius, teólogo holandês falecido em 1609, o
qual pregava doutrinas conflitantes quanto à salvação e a sua segurança. Um
perigo fatal a que pode levar o arminianismo é o crente depender de suas obras,
de sua conduta, de seu porte, de sua obediência pessoal, para a sua salvação
(Hb 9.12). Nesse extremo campeia a falsa santidade, sendo o homem enganado pelo
seu próprio coração (Jr 17.9).
No caso da
predestinação e da livre-escolha, no tocante à salvação, a tendência humana é
rejeitar uma ou outra. Os arminianistas extremistas rejeitam a predestinação, e
os calvimstas extremistas rejeitam o livre-arbítrio.
Entretanto,
um exame atento e livre de preconceito da Palavra de DEUS mostra que, através da
obra redentora de JESUS, DEUS destinou de antemão (predestinou) todos os homens
à salvação: “quem quiser, tome de graça da água da vida” (Ap 22.17; Is 45.22;
55.1; Mt 11.28,29; 2 Co 6.2; I Tm 2.4). De acordo com João 12.32, todos podem
ser atraídos a CRISTO. Mas nem todos querem seguir a CRISTO.
A
predestinação segundo os predestinalistas. Estes dizem que o homem, decaído
como está, no seu estado de depravação total, é incapaz de fazer livre-escolha
concernente a sua salvação, pois está incapacitado espiritualmente para isso.
Então DEUS elege o homem para a salvação. Segundo essa teoria, DEUS elege uns
para a salvação, comunicando-lhes também a fé. Os demais, não-escolhidos, estão
perdidos. Isso eqüivale a dizer que CRISTO morreu apenas pelos “escolhidos”.
Do
raciocínio acima decorre outro: que a graça de DEUS é irresistível, isto é, a
graça de DEUS não pode ser recusada por aqueles a quem DEUS escolhe salvar.
Segundo o predestinalismo, a salvação é um decreto divino, e a conversão é
simplesmente o início da execução desse decreto. O termo “decreto” é extraído
de textos como Romanos 8.28: “E sabemos que todas as coisas contribuem
juntamente para o bem daqueles que amam a DEUS, daqueles que são chamados por
seu decreto”.
Afirmam
também os predestinalistas que a vida eterna em CRISTO é um dom de DEUS, e que
uma vez recebida não pode ser jamais perdida em conseqüência de qualquer ato ou
determinação da vontade humana. E que se, de fato, o crente nasceu de novo,
está eternamente salvo. Caso venha a desviar-se, comprometerá, sim, o seu
galardão, mas jamais perderá a sua salvação, nem cairá em apostasia. Ê como
alguém que, estando a bordo de um navio, escorrega e cai, porém continua a
bordo.
Finalmente,
dizem que o crente salvo “está escondido com CRISTO em DEUS” (Cl 3.3), e que o
Inimigo jamais o achará, nem jamais o arrebatará dessa posição. Em abono dessa
predestinação fatalista, os predestinalistas citam textos como João 6.37;
10.28,29; Romanos 8.28-30; Efésios 1.4,5; 2 Ts 2.13; Eclesiastes 3.14;
Filipenses 1.6; I Pedro 1.2; e Apocalipse 17.8 — mas sem interpretá-los à luz
de seus respectivos contextos imediato e remoto.
Ora,
proceder como acima exposto é adaptar a Bíblia ao raciocínio humano; ou seja,
ao modo humano de pensar, como se a Palavra de DEUS dependesse de argumentos
humanos.
A Bíblia é
contrária ao predestinalismo. A Palavra de DEUS não afirma que CRISTO morreu
apenas pelos eleitos. CRISTO morreu por todos, e não somente pelos eleitos (I
Tm 2.4,6; I Jo 2.2; 2 Pe 3.9; Ato 2.21; 10.43;Tt 2.11; Hb 2.9; Jo 3.15,16; 2 Co
5.14; Ap 22.17). Ora, aqui não se trata somente de “eleitos”, mas de “todos”
que quiserem ser salvos. O falso ensino de que CRISTO teria morrido apenas
pelos eleitos pode conduzir a um desinteresse pela evangelização, haja vista
DEUS já ter separados os perdidos que vão para o inferno.
Qualquer
pessoa que crê em JESUS torna-se um dos escolhidos de DEUS, pois somos eleitos
em CRISTO (Ef 1.4). Em Mateus 22.1-14, vemos que todos os convidados foram
“chamados”; porém “escolhidos” foram os que aceitaram o convite do rei. No
versículo 14, a expressão “muitos são chamados, mas poucos escolhidos” revela,
portanto, que das multidões que ouvem o evangelho apenas uma pequena parte crê
em CRISTO e o segue.
DEUS elegeu
para si um povo chamado Igreja, e não indivíduos, isoladamente. Somos
predestinados porque somos parte da Igreja de DEUS; não somos parte da Igreja
porque fomos antes, individualmente, predestinados. Se, na Igreja, como Corpo
de CRISTO, alguém individualmente se desvia, e não volta, a eleição da Igreja
não se altera.
De igual
modo foi a eleição de Israel. O Senhor elegeu aquele povo para si; não
indivíduos de per si. E tanto que milhares de israelitas se desviaram, porém a
eleição de Israel, como povo, prosseguiu.
A
livre-escolha do homem é uma realidade inconteste. A Bíblia acentua a cada
passo a responsabilidade do homem no tocante à sua salvação. DEUS oferece a
salvação e, mediante o seu ESPÍRITO, convence o pecador do seu pecado, da
justiça e do juízo O homem aceita a salvação ou rejeita-a (Is 1.19,20; Js
24.15; Dt 30.19; Jo 1.11,12; 3.15,16,19; Ap 22.17; Lc 13.34; Ato 7.51; I Rs
18.21; I Tm 4.1; 2 Cr 15.2; Mac 16.16; Hb 2.3; 3.12; 12.25).
Não existe
graça irresistível. O homem através dos tempos tem resistido a DEUS, por sua
incredulidade e rebeldia (At 7.51; I Ts 5.19; Pv 1.23-30; Mt 23.37; 2 Pe 2.21;
Hb 6.6,7; Tg 5.19). Ora, a ação do ESPÍRITO SANTO no pecador, para que se
salve, é persuasiva, e não compulsória: “Assim que, sabendo o temor que se deve
ao Senhor, persuadimos os homens à fé, mas somos manifestos a DEUS; e espero
que, na vossa consciência, sejamos também manifestos” (2 Co 5.11).
Um cristão
salvo pode vir a se perder; pode, sim, desviar-se, cair em pecado e perecer,
caso não se arrependa ante a insistência do ESPÍRITO SANTO (Ez 18.24,26; 33.18;
Hb 3.12-14; 5.9; I Tm 4.1; 5.15; 12.25; 2 Pe 3.17; 2.20-22; Rm 11.21,22; ITs
5.15; Dt 30.19; I Cr 28.9; 2 Cr 15.2; I Co 10.12; Jo 15.6). Essa verdade fica
amda mais evidente quando consideramos o “se” condicional quanto à salvação (Hb
2.3; 3.6,14; Cl 1.22,23), bem como a condição: “ao que vencer”, que aparece
sete vezes em Apocalipse 2 e 3.
As palavras
de JESUS em João 6.37 — “Todo o que o Pai me dá, esse virá a mim, e o que vem a
mim de maneira nenhuma o lançarei fora” — significam que DEUS destinou à
salvação, não somente este ou aquele indivíduo, mas sim todo aquele que nEle
crê (Jo 3.16). Ou seja, tal passagem refere-se ao fato de DEUS aceitar o
pecador quando este vem a Ele.
Outro texto
empregado pelos predestinalistas é João 10.27,28: “As minhas ovelhas ouvem a
minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca
hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos”. Note
que o
versículo 27 mostra as condições da ovelha, para que ela nunca venha a perecer,
nem sair das mãos de JESUS e do Pai (cf. Jo 6.67).
Se não há
perigo de queda definitiva para o crente, por que a Bíblia adverte com tanta
ênfase para que ninguém caia (I Co 10.12; Hb 3.12; Jo 15.6; I Tm 4.1
[“apostatarão”]; 2Ts 2.3 [“apostasia”]; Pv 16.18; 28.14; Ap 2.4,5)?
Porque; se
viverdes segundo a carne, morrereis... (Rm 8.13).
Portanto,
irmãos, procurai Jazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque,
fazendo isto, nunca jamais tropeçareis (2 Pe 1.10).
Antes,
subjugo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu
mesmo não venha de alguma maneira afcar reprovado (l Co 9.27).
...
porquanto vos desvíastes do Se^OR, o Senhor não será convosco ÍNm 14.43).
O verdadeiro
signifcado da predestinação. Em I Timóteo 2.4, está escrito: “TDeus] quer que
todos os homens se salvem”. Nisto está incluído o mundo inteiro que queira. De
fato, todos os que verdadeiramente crêem, se salvam; somos testemunhas disso. O
Senhor predestinou à salvação todo aquele que aceitar a JESUS. A própria
aceitação já é um dom de DEUS, para que ninguém se glorie julgando que assim
contribuiu para a sua salvação.
A
predestinação fatalista da alma, como ensinada pelos calvmistas, bem como a
dependente de obras humanas, propalada pelos arminianistas, não têm apoio na
Palavra de DEUS. O termo original de onde provém a nossa palavra
“predestinação” (gr. proorizo) significa “destinar de antemão”,
“predeterminar”, “preestabelecer”, “prefixar”, “preeleger”, etc.
Esse
vocábulo aparece seis vezes no Novo Testamento, variavelmente traduzido,
dependendo da versão utilizada. Na versão Revista e Corrigida (ARC), a palavra
aparece nas seguintes passagens:
Atos 4.28 —
“anteriormente determinado”.
Romanos 8.29
— “predestinou”.
Romanos 8.30
— “predestinou”.
I Coríntios
2.7 — “ordenou antes”.
Efésios
1.5—“predestinou”.
Efésios 1.11
— “predestinados”.
A
predestinação que a Bíblia realmente ensina não é a de uns para a vida eterna e
a de outros para a perdição eterna. A predestinação é para os que quiserem ser
salvos, conforme lemos em 2 Tessalonicenses 2.13 e 2 Timóteo 2.10: “DEUS nos
escolheu desde o princípio para a salvação”; “Escolhidos para que também
alcancem a salvação”.
Eleição é o
ato divino pelo qual DEUS escolhe ou elege um povo para si, para salvá-lo (2Ts
2.13). Predestinação é o ato de DEUS determinar o futuro desse povo. No Novo
Testamento, esse povo é a Igreja, o Corpo de CRISTO, o povo salvo (Ef 1.22,23).
Na
predestinação de DEUS para a Igreja está a sua conformação à imagem do Filho de
DEUS (Rm 8.29), a sua chamada para a salvação (Rm 8.30), a sua justificação (Rm
8.30) e a sua glorificação (Rm 8.30). Essa conformação depende de chamada,
justificação e glorificação do crente. E depende, ainda, da santidade de DEUS
(Ef 1.4) e da adoção de filhos (Ef 1.5).
Outrossim, a
eleição divina não consiste somente na soberania de DEUS, mas também na sua
graça (Rm 11.5).
A real
segurança da salvação. O crente está seguro quanto à sua salvação enquanto
permanecer em CRISTO (Jo 15.1-6). Não há segurança fora de JESUS e do seu aprisco.
Não há segurança espiritual para ninguém, estando em pecado (cf. Rm 8.13; Hb
3.6; 5.9). JESUS guarda o crente do pecado; e não no pecado.
Somos
mantidos em CRISTO pelo seu poder, mediante a nossa fé nEle (I Pe 1.5; Jd v.20;
2 Co I.24b). A salvação é eterna para os que obedecem ao Senhor (Hb 5.9; I Co
15.1,2). Estamos em pé pela fé em CRISTO, e não pela predestinação: “tu estás
em pé pela fé” (Rm 11.20); “se é que permaneceis firmes e fundados na fé” (Cl
1.22,23); “DEUS é salvador de todos, mas principalmente dos fiéis [lit. “dos
que crêem”]” (I Tm 4.10).
Há vários
outros textos que também mostram a segurança do crente somente enquanto este
está em CRISTO:
Pois que tão
encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei num alto retiro, porque
conheceu o meu nome (Sl 91.14).
Tenho posto
o Senhor continuamente diante de mim; por isso que ele está à minha mão
direita, nunca vacilarei (Sl 16.8).
Porque nos
tornamos participantes de CRISTO, se retivermos firmemente o princípio da nossa
confiança até ao fim (Hb 3.14).
...eu sei em
quem tenho crido e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito
até àquele Dia (2 Tm 1.12).
[Senhor
JESUS CRISTO, j o qual vos confirmará também até ao fim, para serdes
irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor JESUS CRISTO (l Co 1.8).
O crente
deve obedecer a DEUS; não para que a sua obediência o salve ou o mantenha
salvo, mas como uma expressão da sua salvação, do seu amor e da sua gratidão
para com aquEle que o salvou. Não nos tornamos salvos por aquilo que fazemos ou
deixamos de fazer, mas pela fé em JESUS CRISTO (At 16.31). A conservação da
salvação também vem pela fé em CRISTO, pois está escrito: “O justo viverá da
fé” (Rm I.17)
Conclusão. A
doutrina da predestinação como ensinada pelo calvinismo só leva em conta a
soberania de DEUS, e não a sua graça (Rm 11.5; Tt 2.11) e a sua justiça (SI
145.17; Rm 3.21; 1.17; 10.3). Em Ezequiel 18.23 ;33.11 vemos que DEUS quer que
o ímpio se converta, e não apenas os eleitos e predestinados. DEUS jamais
predestinaria alguém ao inferno sem lhe dar oportunidade de salvação. Isso
aviltaria a natureza dEle.
Se todos já
estão predestinados quanto ao seu destino eterno, então não há lugar para
escolha, decisão ou livre-arbítrio por parte do homem. Entretanto, temos essa
escolha mencionada e exposta em vários textos bíblicos, como vimos.
Que DEUS nos
conceda cada dia uma visão espiritual cada vez mais ampla e profunda, a fim de
compreendermos a sublimidade da gloriosa salvação que JESUS CRISTO consumou; da
qual, pela graça de DEUS, já somos participantes. Glória, pois, a Ele!
A doutrina
da predestinação situando o crente na presciência de DEUS não está na Bíblia
para motivar choques de idéias, especulações ou coisas semelhantes; mas para,
de modo carinhoso, DEUS encorajar o crente. Através dela, o Senhor está
mostrando que antes que o mundo existisse, e o homem nascesse, Ele antecedeu-
se e antecipou-se a tudo, prevendo problemas e dificuldades em nosso caminho e
nos mostrando que é poderoso para nos levar a salvo para o seu Remo celestial
(2Tm 4.18, ARA).
Tendo por
certo isto mesmo: que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até
ao Dia de JESUS CRISTO (Fp 1.6).
Ora, àquele
que é poderoso para vos guardar de tropeçar e apresentar-vos irrepreensíveis,
com alegria, perante a sua glória (..) seja glória e majestade; domínio c
poder, antes de todos os séculos, agora e para todo o sempre. Amém! Qd
vv.24,25).
A DOUTRINA
DA CHAMADA DIVINA PARA A SALVAÇÃO
Essa chamada
não se refere apenas à salvação, mas também ao plano de DEUS para a vida do
crente, como lemos em Efésios 4.1-15, especialmente nos versículos11 a 15:
E ele
[CRISTO] mesmo deu uns apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de CRISTO, até que
todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de DEUS, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de CRISTO, para que não sejamos mais
meninos inconstantes... Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em
tudo naquele que é a cabeça, CRISTO.
Em Efésios
I.18 vemos também nessa chamada a esperança divina para a qual DEUS nos chamou:
“tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a
esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória da sua herança nos
santos”. Na nossa chamada para a salvação temos o cumprimento da nossa eleição:
“Assim, os derradeiros serão primeiros, e os primeiros, derradeiros, porque
muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 20.16). Leia também Mateus
22.14.
A DOUTRINA
DA JUSTIFICAÇÃO
Justificação
é o ato judicial de DEUS, pelo qual Ele declara justo diante dEle o pecador que
põe sua fé para a salvação em JESUS, ficando assim isento de culpa e condenação
(Rm 8.30). A justificação é um ato e também um processo, como a santificação
experimental na vida do crente; ela é primeiramente um ato de DEUS.
O que é
justificar? E DEUS declarar justo diante dEle o transgressor que crê em JESUS
como o seu Salvador pessoal (Rm 4.3-5; 8.33). Justificar, como DEUS justifica,
é mais que perdoar. Em teologia sistemática, a justificação precede a
santificação, mas na Bíblia a santificação precede a justificação (I Co 6.11),
que também é um processo — “justificação de vida” (Rm 5.18).
Diferenças
entre justificar e perdoar. O perdão remove a condenação do pecado; a
justificação nos declara justos diante de DEUS; isto é, como se nunca
tivéssemos pecado! Quão maravilhosa é a graça de DEUS! Aleluia!
Somente DEUS
pode perdoar e também justificar a um só tempo. O homem jamais pode fazer isso;
ele pode relativamente perdoar, mas não justificar — declarar justo um
transgressor da lei. Como é possível um DEUS perfeitamente justo perdoar e
também justificar o ímpio, transgressor, sobrecarregado de delitos e pecados?
Mediante o
seu amor, DEUS substituiu o culpado pelo inocente. O imaculado Cordeiro de
DEUS, no Calvário, pelo amor divino, nos substituiu, levando sobre si os nossos
pecados.
Verdades
fundamentais da justificação pela fé, As verdades fundamentais da justificação
pela fé em DEUS são: (I) a sua origem, que é a graça de DEUS (Rm 3.24;Tt 3.7);
a sua base, o sangue de JESUS (Rm 5.9); o seu meio, a fé (Rm 5.1; 3.25); o seu
testemunho perante os homens são as obras (Tg 2.24); e a sua causa instrumental
é a ressurreição de JESUS CRISTO (Rm 4.25).
A DOUTRINA DO JULGAMENTO DO CRENTE
A doutrina
do julgamento do crente é geralmente estudada, em teologia sistemática, sob a
escatologia. Trata-se do Tribunal de CRISTO, isto é, o julgamento da igreja
após o seu arrebatamento (2 Co 5.10; Rm 14.10; I Jo 4.17). É o dia da prestação
de conta da nossa vida; da nossa mordomia cristã, da nossa diaconia ante o
citado Tribunal.
Segundo a
Palavra de DEUS, o julgamento do crente é tríplice. No passado, o crente foi
julgado em CRISTO, no Calvário, como pecador (2 Co 5.21). No presente, ele é
julgado como filho de DEUS, durante a sua vida (I Co 11.31). No futuro, será
julgado como servo de DEUS, quanto à sua fidelidade no serviço prestado a DEUS
(2 Co 5.10).
Não será um
julgamento de pecados do crente (Rm 8.1; Jo 5.24), mas das obras do crente (Ap
22.12; 14.13). Todos os crentes serão julgados, e não apenas alguns. Este autor
e o leitor — eu e tu — também: todos havemos de
comparecer
ante o tribunal de CRISTO” (Rm 14.10). “... para que cada um receba segundo o
que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal” (2 Co 5.10).
Os critérios
do julgamento. Os critérios de julgamento do crente no Tribunal de CRISTO
envolvem: a “lei da liberdade cristã” (Tg 2.12), haja vista sermos livres para
fazermos ou não a vontade de DEUS (vamos responder por essa liberdade diante do
Senhor naquele dia); a qualidade do trabalho que fazemos para DEUS (Mt
20.1-16); vemos neste ensino de JESUS que muitos crentes trabalharão a vida
toda (“o dia todo”, v. 12), mas receberão a recompensa de quem trabalhou apenas
“uma hora”. Não será primeiramente a quantidade de trabalho que será julgada, e
sim primeiramente a qualidade desse trabalho.
Outros
critérios de julgamento serão: o “material” empregado no trabalho feito para
DEUS (I Co 3.8,12-15); a conduta do crente por meio do seu corpo (2 Co 5.10
; o modo
como tratamos nossos irmãos na fé (Rm 14.10; Tg 5.9; Ef 6.8; Cl 3.25); e os
motivos secretos do nosso coração que nos levaram aos respectivos atos (I Co 4.5;
Rm 2.16).
Um aviso a
todos os que ensinam na casa de DEUS: o seu julgamento será maior, mais
rigoroso e mais exigente:
Meus irmãos,
muitos de vós não sejam mestres; sabendo que receberemos mais duro juízo lg
3.1).
Qualquer;
pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será
chamado o menor no Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será
chamado grande no Reino dos céus (Mt 5.19).
A DOUTRINA DA GLORIFICAÇÃO FUTURA DOS SALVOS
Em Romanos
8.30 DEUS tem tanta certeza da realização da nossa glorificação, que declara o
fato no tempo passado! Isso também ocorre com outros grandes milagres da
salvação, como a cura divina, também declarados pelos profetas no tempo passado
do verbo: “Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas
pisaduras, fomos sarados” (Is 53.5).
Uma forma de
glória divina era, possivelmente, o vestuário original de Adão e Eva antes de
pecarem (Gn 2.25; Rm 3.23; Sm 104.1,2; I Pe 1.7). Maior ainda será a glória da
Igreja (Mt 13.43; Cl 3.4; Rm 8.18; I Co 15.43; Fp 3.21). A salvação começa com
a redenção da alma; prossegue com a redenção do corpo; e culmina com a
glorificação do crente integral. Daí o autor de Hebreus ter chamado essa
gloriosa obra de DEUS de “uma tão grande salvação” (Hb 2.3).
Ainda quanto
à nossa glorificação integral, a Palavra de DEUS menciona a salvação nas eras
divinas e futuras. João Batista, inspirado pelo ESPÍRITO, disse que JESUS é o
Cordeiro que tira o pecado do mundo — kosmos. Isso só acontecerá plenamente no
futuro.
Em Efésios
2.7, vemos isso, onde a palavra para “eras” é aiõnios, termo que se traduz por
“séculos” em I Timóteo 1.17:
[DEUS nos
vivificou juntamente com CRISTO e nos fez assentar nos lugares celestiais] para
mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas de sua graça, pela sua
benignidade para conosco em CRISTO JESUS.
Ora, ao Rei
dos séculos, imortal, invisível, ao único DEUS seja honra eglória para todo o
sempre. Amém!
A Obra Salvífica de CRISTO - Daniel B.Pecota (TEOLOGIA SISTEMÁTICA
STANLEY M. HORTON)
CAPÍTULO DEZ
A Obra Salvífica de CRISTO (Daniel B. Pecota)
Teorias da
Expiação
Teoria da
Influência Moral
A teoria da
influência moral (também chamada teoria do amor de DEUS ou exemplarismo) é
geralmente atribuída a Pedro Abelardo. Ao ressaltar o amor de DEUS, rejeita
qualquer ideia de haver em DEUS uma exigência pela liquidação da dívida do
pecado. DEUS não exigiu pagamento pelo pecado, mas com amor perdoou
graciosamente. Na encarnação e na cruz, vemos uma demonstração do amor
assoberbador de DEUS, visão que nos leva à gratidão e ao amor e, portanto, nos
incita ao arrependimento, à fé e a um desejo de mudar nossa conduta. A teoria
da influência moral não vê na cruz nenhum propósito ou efeito expiador.
Não devemos,
porém, rejeitar esta teoria sem examiná-la, pois contém alguma verdade. Não é
verdade que exemplos de coragem e bondade nos inspiram a mudar de comportamento
e a ser também corajosos e bondosos? Não podemos olhar a cruz sem sentir
inspiração. O conhecido hino Ao Contemplar a Tua Cruz dá expressão a essa
teoria.
Não obstante
enfatize corretamente o amor de DEUS, o exemplarismo é lastimavelmente
inadequado para explicar a razão da cruz. Ignora totalmente a santidade e
justiça de DEUS, bem como as declarações bíblicas que apontam a morte de CRISTO
como uma obra de expiação ou até mesmo de propiciação (Rm 3.25,26; Hb 2.17; 1
Jo 2.2). Além disso, não demonstra como a mera emoção levará ao arrependimento.
Não explica como os santos do Antigo Testamento vieram a ser salvos. Alister
McGrath diz: "Talvez uma das [suas] dificuldades mais graves... seja a
total ambiguidade da cruz. Se a única coisa que a cruz nos ensina é que DEUS
nos ama, por que Ele tratou de revelar o fato de modo tão ambíguo?" Se
CRISTO, na cruz, nada mais fez do que nos influenciar, sua morte é mera
encenação para nos comover. A Bíblia assevera muito mais do que isso.
Teoria do
Resgate
A teoria do
resgate enfatiza a vitória de CRISTO sobre Satanás. E chamada às vezes
"resgate a Satanás" ou teoria dramática. Por causa do nosso pecado,
estamos sob o domínio de Satanás. Mas DEUS, por nos amar, ofereceu o seu Filho
ao diabo como preço do resgate para nos libertar. O maligno ficou mais do que
feliz com a troca, mas desconhecia o fato de que não conseguiria manter CRISTO
no Hades, e, com a ressurreição, perdeu tanto o resgate quanto seus presos
originais. Os pais da Igreja não se preocuparam com o fato de que essa
transação envolveria DEUS num logro (pois Ele certamente sabia o resultado
final). Para eles, significava apenas que DEUS era mais sábio e mais forte que
Satanás. A humanidade de JESUS era a isca que escondia o anzol da sua ,
divindade, e o diabo a engoliu. A culpa era dele, não de DEUS.
Depois de
Anselmo, essa teoria desapareceu, mas em anos recentes um teólogo sueco, Gustaf
Aulen (1879-1978), revivificou os aspectos positivos da teoria na sua obra clássica
Chrístus Victor, que enfatiza a verdade bíblica de que a morte de CRISTO
realmente derrotou o diabo (Hb 2.14; Cl 2.15; Ap 5.5). A morte e o inferno
foram vencidos (1 Co 15.54-57; Ap 1.18). O Descendente da mulher esmagou a
cabeça da serpente (Gn 3.15). Ver a expiação como a vitória sobre todas as
forças do mal deve ser sempre parte vital da nossa proclamação vitoriosa do
Evangelho. Não devemos descartar aquela verdade, embora rejeitemos a ideia que
DEUS usasse de astucioso engano para levar Satanás à derrota.
Teoria da
Satisfação
Anselmo
propôs uma teoria que deu forma a quase totalidade do pensamento católico e
protestante sobre o assunto até ao tempo presente. Escreveu, em parte contra os
judeus de seus dias, que negavam uma encarnação genuína, seu tratado Cur DEUS
Homo ("Por que DEUS se Tornou Homem"). Oferece uma das primeiras e
bem-pensadas teorias da expiação, usualmente chamada teoria da satisfação. Diz
que as pessoas, ao pecarem, ultrajam a honra do DEUS soberano e infinito. A
ofensa contra um soberano não pode passar sem castigo, e exige satisfação. Mas
como poderemos nós pagar essa multa se o Soberano ultrajado é o DEUS infinito
Ao mesmo tempo, o amor de DEUS pleiteia em favor do pecador. Como o aparente
conflito em DEUS será resolvido? Nós cometemos o pecado, e por isso devemos uma
satisfação. Porém, como somente DEUS poderia pagar o preço e somente nós
devemos pagá-lo, apenas um DEUS-homem poderia dar uma satisfação pela ofensa
contra a honra de DEUS e pagar o preço infinito do perdão.
A teoria da
satisfação apresenta muitos aspectos recomendáveis. Focaliza sua atenção
naquilo que DEUS (e não Satanás) exige na expiação. Adota um conceito muito
mais profundo da gravidade do pecado que as teorias da influência moral e do
resgate. Propõe uma teoria da satisfação, ideia esta que explica mais
adequadamente as questões bíblicas.
Mas a teoria
da satisfação apresenta também suas fraquezas. Torna DEUS um senhor feudal
cujos vassalos o desonraram gravemente. E Ele não pode deixar tal coisa passar
sem castigo, para conservar sua posição. Anselmo deixou de levar em conta a
possibilidade de que um soberano pudesse ser misericordioso sem prejudicar sua
posição de superioridade. A teoria parece subentender um conflito entre os
atributos de DEUS, o que a Bíblia não pode confirmar. Além disso, assume uma
dimensão quantitativa: sendo os pecados virtualmente infinitos em número e na
sua natureza - porque cometidos contra um DEUS infinito - sacrifício também
deve ser quantitativa e qualitativamente infinito. Embora esta explicação não
deva ser totalmente rejeitada, a ênfase bíblica não recai numa transação
comercial, mas na ação de um DEUS amoroso e gracioso. Não somos simples
circunstantes a receber os benefícios indiretos de uma transação realizada
entre DEUS e seu Filho. Somos, sim, a razão de tudo isso. Embora a teoria de
Anselmo tenha suas fraquezas, estas não anulam o sentido fundamental - uma
expiação que presta contas.
Teoria Governamental
A teoria
governamental deve sua origem a Hugo Grotius (1583-1645), jurista, estadista e
teólogo holandês. Ele considerava DEUS um Legislador que tanto promulga quanto
sustenta as leis do Universo. A Lei é o resultado da vontade de DEUS, e Ele tem
a liberdade para "alterá-la ou até mesmo ab-rogá-la". A Lei declara
inequivocamente: "A alma que pecar, essa morrerá". A justiça rigorosa
exige a morte eterna dos pecadores.
Como poderia
DEUS impor respeito à Lei e, ao mesmo tempo, demonstrar clemência aos
pecadores? Perdoá-los simplesmente, o que Ele poderia ter feito, não
sustentaria a Lei. Ele mesmo a sustentou, não aplacando um princípio de ira
judicial em sua natureza, mas apresentando a morte de CRISTO como "um
exemplo público da profundidade do pecado e de até que ponto DEUS iria para
sustentar a ordem moral-do Universo". Os efeitos da morte de CRISTO não se
aplicariam diretamente a nós, mas apenas de modo secundário, sendo que Ele não
teria morrido em nosso lugar, somente em nosso favor. Assim, o enfoque primário
não era a salvação dos pecadores, mas a guarda da Lei. Na cruz, DEUS mostrou
que pode abominar a ilegalidade e, ao mesmo tempo, manter a Lei e perdoar os
iníquos.
Embora a
teoria governamental contenha um núcleo de verdade, pois "a penalidade
imposta a CRISTO também é instrumento para garantir os interesses do governo divino",
não expressa o âmago do ensino bíblico, e nisso vemos a objeção principal. Ela
presta um desserviço a muitas passagens bíblicas que, interpretadas no sentido
mais óbvio, indicariam o tema da substituição na morte de CRISTO (Mt 20.28;
26.28; Jo 10.14,15; 2 Co 5.21; Ef 5.25). Também deixa de explicar a razão da
escolha de uma pessoa sem pecado para demonstrar o desejo de DEUS em sustentar
a Lei. Por que não executar o pior dos pecadores? Por que CRISTO, e não
Barrabás? Este último certamente seria um exemplo mais claro da profundidade do
desejo que DEUS sentia de demonstrar quão detestável lhe era a ilegalidade.
Além disso, a teoria governamental não considera plenamente a depravação da
raça. Assim como a teoria da influência moral, toma por certo que um mero
exemplo bastará para nos capacitar a levar adiante um modo de vida fiel à Lei.
Nada poderia estar mais distante da verdade bíblica.
Teoria da
Substituição Penal
Refletindo o
pensamento básico dos reformadores, o evangelicalismo afirma a ideia da substituição
penal para explicar o significado da morte de CRISTO. Declara que CRISTO
suportou em nosso lugar a total penalidade que deveríamos pagar. 'Ou seja, sua
morte foi vicária, totalmente em favor dos outros. Significa que Ele sofreu,
não meramente para nosso benefício ou vantagem, mas em nosso lugar (gr. anti -
"ao invés de", como em Mc 10.45 e 2 Co 5.14).
O Novo
Testamento jamais emprega a expressão "substituição penal", mas de
todas as teorias esta parece representar mais adequadamente os ensinos da
Bíblia. Leva a sério a Bíblia, que retrata a santidade e a justiça de DEUS
expressa na sua ira judicial. Considera plenamente o que a Bíblia diz a
respeito de nossa depravação e a consequente incapacidade de nos salvarmos.
Aceita literalmente as declarações que dizem tipologicamente (no sistema
sacrificial), profeticamente (nas predições diretas) e historicamente (no
registro do Novo Testamento) que CRISTO "tomou o nosso lugar".
Devemos
expressar com cuidado esta opinião, porque nem todos concordam com a teoria da
substituição penal. Podemos responder a algumas objeções, como as seguintes:
Sendo que o
pecado não é externo, pode ser transferido de uma pessoa para outra? Fazer
assim seria, na realidade, imoral. Entenda-se, porém, que não se trata de uma
transferência mecânica de pecados, mas da identificação (a raça pecaminosa) que
CRISTO assumiu conosco, e diminuir-se-á a intensidade da objeção. CRISTO
tornou-se igual a nós, mas sem pecado. Seria possível, então, dizer também que
é imoral a transferência da justiça de CRISTO a nós? Precisamos compreender que
DEUS é o sacrifício. Em JESUS, DEUS assumiu a culpa e suportou a
penalidade.
A teoria da
substituição penal subentende um conflito na Deidade: CRISTO, Salvador amoroso,
precisa arrancar o perdão do punho cerrado de um Pai irado, cuja justiça está
acima do seu amor. A verdade, porém, é que as Escrituras claramente excluem
essa dupla objeção. O Pai amou tanto ao mundo que enviou o Filho. João diz:
"Nisto está a caridade: não em que nós tenhamos amado a DEUS, mas em que
ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados" (1
Jo 4.10). João 3.36 diz: "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas
aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de DEUS sobre ele
permanece". O amor e a ira aparecem juntos com relação ao envio de JESUS a
Terra. Nenhuma dessas qualidades aparece acima da outra.
A teoria da
substituição minimiza a livre graça de DEUS ao sugerir que Ele não perdoaria, e
realmente não poderia perdoar, a não ser que fosse aplacado por um sacrifício.
Embora haja nesta objeção alguma verdade, é falha por não reconhecer que a obra
expiadora de CRISTO é o próprio perdão de DEUS, onde Ele demonstra que é
perdoador e que realmente perdoa. Os que levantam objeções à teoria da substituição
penal precisam reconhecer as implicações de semelhante decisão. Quem realmente
suporta a penalidade pelo pecado: CRISTO ou nós? Precisamos decidir entre os
dois caminhos da redenção. O Cristianismo é uma religião de redenção? Se não
for, onde está a nossa esperança? Caso afirmativo, fica implícita a
substituição.
Aspectos da
Obra Salvífica de CRISTO
O Sacrifício
Embora
algumas ideias já tenham sido estudadas, faz-se necessário examinar mais de
perto alguns aspectos da obra redentora de CRISTO. Várias palavras bíblicas a
caracterizam. Ninguém que leia as Escrituras de modo perceptivo pode fugir à
realidade de que o sacrifício está no âmago da redenção, tanto no Antigo quanto
no Novo Testamento. A figura de um cordeiro ou cabrito sacrificado como parte
do drama da salvação e da redenção remonta à Páscoa (Ex 12.1-13). DEUS veria o
sangue aspergido e "passaria por cima" daqueles que eram protegidos
por sua marca. Quando o crente do Antigo Testamento colocava as suas mãos no
sacrifício, o significado era muito mais que identificação (isto é: "Meu
sacrifício"). Era um substituto sacrificial (isto é: "Sacrifico isto
em meu lugar").
Embora não
se deva forçar demais as comparações, a figura é claramente transferida a
CRISTO no Novo Testamento. João Batista apresentou-o, anunciando: "Eis o
Cordeiro de DEUS, que tira o pecado do mundo" (Jo 1.29). Em Atos 8, Filipe
aplica às boas novas a respeito de JESUS a profecia de Isaías que diz que o
Servo seria levado como um cordeiro ao matadouro (Is 53.7). Paulo se refere a
CRISTO como "nossa páscoa" (1 Co 5.7). Pedro afirma que fomos
redimidos "com o precioso sangue de CRISTO, como de um cordeiro imaculado
e incontaminado" (1 Pe 1.19). Até mesmo nas regiões celestiais, o Leão da
tribo de Judá era louvado e adorado como o Cordeiro que fora morto (Ap 5).
Embora alguns possam achar "sanguinário" o conceito do sacrifício,
removê-lo arranca da Bíblia o seu próprio âmago.
Os termos
"propiciação" e "expiação" relacionam-se estreitamente com
o conceito de sacrifício e procuram informar o efeito do sacrifício de CRISTO.
No Antigo Testamento, refletem kippere seus derivados; no Novo, hilaskomai e
seus derivados. Os dois grupos de palavras significam "aplacar",
"pacificar" ou "conciliar" (isto é, propiciar) e
"encobrir com um preço" ou "fazer expiação por" (a fim de
remover pecado ou ofensa da presença de alguém: expiar). As vezes a decisão de
escolher um significado em preferência a outro tem mais a ver com a posição
teológica que com o significado básico da palavra. Por exemplo, podemos tomar
uma decisão teológica a respeito do que a Bíblia quer dizer com ira de DEUS.
Precisa ela ser aplacada?
Colin Brown
refere-se a um "amplo segmento de estudiosos bíblicos que sustentam que o
sacrifício na Bíblia tem mais a ver com a expiação que com a propiciação".
G. C. Berkouwer refere-se à declaração de Adolph Harnack, no sentido de a
ortodoxia conferir em DEUS o "horrível privilégio" de não ter
"condições de perdoar por amor". Leon Morris assim expressa o
consenso geral dos evangélicos: "O ensino bíblico consistente é que o
pecado do homem tem incorrido na ira de DEUS... evitada pela oferta expiadora
de CRISTO. Deste ponto de vista, sua obra salvífica é corretamente chamada
propiciação". Nem a Septuaginta nem o Novo Testamento esvaziaram o pleno significado
de hilaskomai como "propiciação".
A Bíblia
abandona a crueza frequentemente associada à propiciação nos rituais pagãos. O
Senhor não é uma divindade malévola e caprichosa, cuja natureza permanece tão
inescrutável que nunca se sabe como Ele agirá. Mas sua ira não deixa de ser uma
realidade. A Bíblia, no entanto, ensina que DEUS, em seu amor, misericórdia e
fidelidade às suas promessas, forneceu os meios pelos quais a sua ira seria
aplacada. No caso do ensino neotestamentário, DEUS não somente forneceu os
meios como também veio a sê-los. 1 João 4.10 diz: "Nisto está a caridade:
não em que nós tenhamos amado a DEUS, mas em quem ele nos amou e enviou seu
Filho para propiciação [gr. hilasmos] pelos nossos pecados".
Todos os
léxicos demonstram que kipper e hilaskomai significam "propiciar" e
"expiar". A diferença está na interpretação de seu significado nas
matérias bíblicas que tratam da expiação. Se aceitarmos o que a Bíblia diz a
respeito da ira de DEUS, uma solução possível se apresenta. As palavras têm uma
referência vertical e uma horizontal. Quando o contexto focaliza a expiação em
relação a DEUS, falam da propiciação. Mas significam expiação quando o enfoque
recai em nós e em nosso pecado. Não escolhemos "ou/ou", mas
"tanto/ quanto". O contexto histórico e literário determina o
significado apropriado.
Uma pergunta
pode surgir. Se JESUS suportou a penalidade da nossa culpa ao tomar sobre si a
ira de DEUS e cobrir o nosso pecado, teria sofrido exatamente as mesmas
consequências e o mesmo tipo e grau de castigo que aqueles em favor dos quais
morreu sofreriam cumulativamente? Afinal de contas, Ele era um só, e nós somos
muitos. Assim como a muitíssimas interrogações desse tipo, não há uma resposta
definitiva. A Bíblia não faz nenhuma tentativa nesse sentido. Lembremo-nos, no
entanto, que não temos na cruz um evento mecânico ou uma transação comercial. A
obra da salvação atua no plano espiritual, e não há analogias para explicar
tudo isso.
Primeiramente,
o sofrimento, pela sua própria natureza, não está sujeito a cálculo matemático
nem a ser pesado na balança. Em certo sentido, sofrer o pior caso de braço
quebrado é sofrer todos os casos. Morrer uma só morte excruciante e agonizante
é morrer todas elas. Em segundo lugar, é preciso relembrar o caráter e a natureza
do sofrimento pessoal. CRISTO era perfeito em santidade e, portanto, não
possuía nenhum senso de culpa ou remorso pessoal, que teríamos ao saber que
estávamos sofrendo o justo castigo pelos nossos pecados. Há algo de heróico na
incisiva repreensão do ladrão da cruz ao seu companheiro de crimes: "Tu
nem ainda temes a DEUS, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com
justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal
fez" (Lc 23.40,41). A perfeição de CRISTO não lhe diminuiu o sofrimento, e
até pode tê-lo intensificado, por saber Ele que era imerecido. Sua oração,
pedindo que não lhe fosse necessário "beber o cálice" não era um
gesto teatral. Ele bem sabia o sofrimento que o esperava. O fato de Ele ter sofrido
como DEUS certamente lança luz sobre a questão.
A
Reconciliação
Diferente de
outros termos bíblicos e teológicos, "reconciliação" aparece em nosso
vocabulário comum. E um termo tirado do âmbito social. Todo relacionamento
interrompido clama por reconciliação. O Novo Testamento ensina com clareza que
a obra salvífica de CRISTO é um trabalho de reconciliação. Pela sua morte, Ele
removeu todas as barreiras entre DEUS e nós. O grupo de palavras empregado no
Novo Testamento (gr. allassõ) ocorre raramente na Septuaginta e é incomum no
Novo Testamento, até mesmo no sentido religioso. O verbo básico significa
"mudar", "fazer uma coisa cessar e outra tomar o seu
lugar". O Novo Testamento emprega-o seis vezes, sem referência à doutrina
da reconciliação (por exemplo, At 6.14; 1 Co 15.51,52). Somente Paulo dá
conotação religiosa a esse grupo de palavras. O verbo katallassõ e o
substantivo katallagê transmitem com exatidão a ideia de "trocar" ou
"reconciliar", da maneira como se conciliam os livros contábeis. No
Novo Testamento, o assunto em pauta é primariamente o relacionamento entre DEUS
e a humanidade. A obra reconciliadora de CRISTO restaura-nos ao favor de DEUS
porque "foi tirada a diferença entre os livros contábeis".
Os textos
mais relevantes são Romanos 5.9-11 e 2 Coríntios 5.16-21. Em Romanos, Paulo
coloca a ênfase na certeza de salvação. Usando duas vezes a expressão
"quanto mais", ele assevera que a obra de CRISTO nos salvará da ira
de DEUS (Rm 5.9) e que quando ainda éramos inimigos (Cl 1.21-22) a sua morte
nos reconciliou com DEUS. Logo, o fato de Ele estar vivo garante a nossa
salvação (Rm 5.10). Podemos regozijar-nos em nossa reconciliação com DEUS por
meio de CRISTO (5.11). Se em Romanos a ênfase recai sobre o que DEUS fez
"por nós" em CRISTO, em 2 Coríntios incide sobre DEUS como agente
principal da reconciliação (cf. Cl 1.19,20) . O sermos novas criaturas provém
de DEUS "que nos reconciliou consigo mesmo por JESUS CRISTO" (2 Co
5.18) e que "estava em CRISTO reconciliando consigo o mundo" (5.19).
Estes versículos enfatizam o que pode ser chamado reconciliação ativa: isto é,
para que a reconciliação aconteça, a parte lesada desempenha papel primário. Se
a pessoa lesada não demonstrar a disposição de acolher quem a lesou, não poderá
haver reconciliação.
Observe como
acontece a reconciliação nos relacionamentos humanos, entre marido e mulher,
por exemplo. Se eu pecasse contra minha esposa e assim provocasse um rompimento
em nossa relação, mesmo que eu tomasse a iniciativa e pedisse com sinceridade a
reconciliação - com presentes, flores ou rogando de joelhos - seria necessário
ela me perdoar de coração para que a restauração pudesse acontecer. Ela teria
de tomar a iniciativa, pois sua atitude é fator crucial. Em CRISTO, DEUS nos
garante que já tomou a iniciativa. Ele já nos perdoou. Agora, devemos
corresponder, reconhecendo que já rasgou de cima a baixo o véu que nos separava
dEle, e entrar com ousadia na sua presença perdoadora. Essa é a parte que
devemos cumprir, aceitando o que DEUS tem feito através de CRISTO. Se não
ocorrerem as duas ações, a reconciliação jamais acontecerá.
A Redenção
A Bíblia
também emprega a metáfora do resgate ou da redenção para descrever a obra
salvífica de CRISTO. O tema aparece muito mais frequentemente no Antigo
Testamento que no Novo. O tema aparece muitas vezes no Antigo Testamento,
referindo-se aos ritos da "redenção" no tocante às pessoas ou aos
bens (cf. Lv 25; Rt 3 e 4, que empregam a palavra hebraica ga'al). O
"parente redentor" funciona como um go'el. O próprio Javé é o
Redentor (heb. go'el) do seu povo (Is 41.14; 43.14), e eles são os redimidos
(heb. ge'ulim, Is 35.9; 62.12). O Senhor tomou medidas para redimir (heb.
padhah) os primogênitos (Êx 13.13-15). Ele redimiu Israel do Egito (Êx 6.6; Dt
7.8; 13.5) e também os remirá do exílio (Jr 31.11). Às vezes DEUS redime um
indivíduo (SI 49.15; 71.23); ou um indivíduo ora, pedindo a redenção divina (SI
26.11; 69.18). Mas a obra divina na redenção é primariamente moral no seu
escopo. Em alguns textos bíblicos, a redenção claramente diz respeito aos
assuntos morais. Salmos 130.8 diz: "Ele remirá a Israel de todas as suas
iniquidades". Isaías diz que somente os "remidos", os
"resgatados", andarão pelo chamado "O Caminho SANTO" (Is
35.8-10). Diz ainda que a "filha de Sião" será chamada "povo santo,
os remidos do Senhor" (62.11,12).
No Novo
Testamento, JESUS é tanto o "Resgatador" quanto o
"resgate"; os pecadores perdidos são os "resgatados". Ele
declara que veio "para dar a sua vida em resgate [gr. lutron] de
muitos" (Mt 20.28; Mc 10.45). Era um "livramento [gr. apolutrõsis]
efetivado mediante a morte de CRISTO, que libertou da ira retributiva de DEUS e
da penalidade merecida do pecado". Paulo liga nossa justificação e o
perdão dos pecados à redenção que há em CRISTO (Rm 3.24; Cl 1.14, apolutrõsis
nestes dois textos). Diz que CRISTO "para nós foi feito por DEUS
sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" (1 Co 1.30). Diz, também
que CRISTO "se deu a si mesmo em preço de redenção [gr. antilutron] por
todos" (1 Tm 2.6). O Novo Testamento demonstra claramente que Ele
proporcionou a redenção mediante o seu sangue (Ef 1.7; Hb 9.12; 1 Pe 1.18-19;
Ap 5.9), pois era impossível que o sangue dos touros e dos bodes tirasse os
pecados (Hb 10.4). CRISTO nos comprou (1 Co 6.20; 7.23, gr. agorazõ) de volta
para DEUS, e o preço foi o seu sangue (Ap 5.9).
Sendo que as
palavras subentendem o livramento de um estado de escravidão mediante o
pagamento de um preço, então, de que fomos libertos? A contemplação dessas
coisas é motivo de grande alegria! CRISTO nos livrou do justo juízo de DEUS que
realmente merecíamos, por causa dos nossos pecados (Rm 3.24,25). Ele nos livrou
das consequências inevitáveis de se quebrar a lei de DEUS, que nos sujeitava à
ira divina. Embora não façamos tudo quanto a Lei requer, já não estamos debaixo
de uma maldição. CRISTO tomou sobre si essa maldição (Gl 3.10-13). A sua
redenção conseguiu para nós o perdão dos pecados (Ef 1.7) e nos libertou deles
(Hb 9.15). Ele, ao entregar-se por nós, remiu-nos "de toda iniquidade [gr.
anomia]" (Tt 2.14), mas não para usar a "liberdade para dar ocasião à
carne" (Gl 5.13) ou como "cobertura da malícia" (1 Pe 2.16).
(Anomia é a mesma palavra que Paulo usa em 2,Tessalonicenses 2.3, ao referir-se
ao "homem do pecado".) O propósito de CRISTO ao redimir-nos é
"purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras" (Tt
2.14).
Pedro diz
que "fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que, por tradição,
recebestes dos vossos pais" (1 Pe 1.18). Não podemos ter certeza de quem
são os "pais". Seriam pagãos, judeus, ou ambos? Ambos, provavelmente,
pois o Novo Testamento considera fúteis os modos pagãos (At 14.15; Rm 1.21; Ef
4.17) e também vê certa futilidade nas práticas externas da religião judaica
(At 15.10; Gl 2.16; 5.1; Hb 9.10,25,26; 10.3,4). Haverá, também, uma redenção
final dos gemidos e dores da era presente quando acontecer a ressurreição, e
veremos o resultado de termos sido adotados como filhos de DEUS mediante a obra
de CRISTO na nossa redenção (Rm 8.22,23).
Os
evangélicos crêem que o Novo Testamento ensina haver CRISTO pago o preço pleno
do resgate para nos libertar. Sua é a obra objetiva da expiação, cujos
benefícios, quando aplicados a nós, não deixam nada a ser completado por nós. E
uma obra definitiva, não poderá ser repetida. Uma obra incomparável, que jamais
será imitada ou compartilhada por outros.
O Alcance da
Obra Salvífica de CRISTO
Há entre os
cristãos uma diferença significativa de opiniões quanto à extensão da obra
salvífica de CRISTO. Por quem Ele morreu? Os evangélicos, de modo global,
rejeitam a doutrina do universalismo absoluto (isto é, o amor divino não
permitirá que nenhum ser humano ou mesmo o diabo e os anjos caídos permaneçam
eternamente separados dEle). O universalismo postula que a obra salvífica de CRISTO
abrange todas as pessoas, sem exceção. Além dos textos bíblicos que demonstram
ser a natureza de DEUS de amor e de misericórdia, o versículo chave do
universalismo é Atos 3.21, onde Pedro diz que JESUS deve permanecer no Céu
"até aos tempos da restauração de tudo". Alguns entendem que a
expressão grega apokastaseõs pantõn ("restauração de todas as
coisas") tem significado absoluto, ao invés de simplesmente "todas as
coisas, das quais DEUS falou pela boca de todos os seus santos profetas".
Embora as Escrituras realmente se refiram a uma restauração futura (Rm 8.18-25;
1 Co 15.24-26; 2 Pe 3.13), não podemos, à luz dos os ensinos bíblicos sobre o
destino eterno dos seres humanos e dos anjos, usar esse versículo para apoiar o
universalismo. Fazer assim seria uma violência exegética contra o que a Bíblia
tem a dizer deste assunto.
Entre os
evangélicos, a diferença acha-se na escolha entre o particularismo, ou expiação
limitada (CRISTO morreu somente pelas pessoas soberanamente eleitas por DEUS),
e o universalismo qualificado (CRISTO morreu por todos, mas sua obra salvífica
é levada a efeito somente naqueles que se arrependem e creem). O fato de
existir uma nítida diferença de opinião entre crentes bíblicos igualmente
devotos aconselha-nos a evitar a dogmatização extrema que temos visto no
passado e ainda hoje. Os dois pontos de vista, cada um pertencente a uma
doutrina específica da eleição, têm sua base na Bíblia e na lógica. Os dois
concordam que a questão não é de aplicação. Nem todos serão salvos. Os dois concordam
que, direta ou indiretamente, todas as pessoas receberão benefícios da obra
salvífica de CRISTO. O ponto de discórdia está na intenção divina: tornar a
salvação possível a todos ou somente para os eleitos?
Os
particularistas olham para os textos bíblicos que dizem que CRISTO morreu pelas
ovelhas (Jo 10.11, 15), pela Igreja (Ef 5.25; At 20.28) ou por
"muitos" (Mc 10.45). Citam também numerosas passagens que, em seus
respectivos contextos, claramente associam os que crêem à obra expiadora de
CRISTO (Jo 17.9; Gl 1.4; 3.13; 2 Tm 1.9; Tt 2.3; 1 Pe 2.24). Os particularistas
argumentam: (1) Se CRISTO morreu por todos, DEUS estaria sendo injusto se
alguém perecesse pelos seus próprios pecados, pois CRISTO tomou sobre si a
penalidade total, pelos pecados de todos. DEUS não cobraria duas vezes a mesma
dívida. (2) A doutrina da expiação ilimitada leva logicamente ao universalismo,
pois pensar de outra maneira lançaria dúvidas sobre a eficácia da obra de
CRISTO, que era para "todos". (3) A exegese e a hermenêutica sadias
deixam claro que a linguagem universal nem sempre é absoluta (cf. Lc 2.1; Jo
12.32; Rm 5.18; Cl 3.11).
Os
defensores do universalismo qualificado argumentam: (1) Somente este dá sentido
à oferta sincera do Evangelho a todas as pessoas. Os oponentes respondem que a
ordem no sentido de pregar o Evangelho a todos acha-se na Grande Comissão. Uma
vez que a Bíblia ensina a eleição e não sabemos quais são os eleitos (cf. At
18.10: "Tenho muito povo nesta cidade [Corinto]"), devemos pregar a
todos. Mas seria esta uma oferta genuína da parte de DEUS, que diz: "Todo
aquele que desejar", quando Ele sabe que isso não é realmente possível?
(2) Antes da ascensão do calvinismo, o universalismo qualificado havia sido a
opinião majoritária desde o início da Igreja. "Entre os reformadores, a
doutrina encontra-se em Lutero, Melanchthon, Bullinger, Latimer, Cranner,
Coverdale e até mesmo Calvino, em alguns de seus comentários. Por exemplo,
Calvino diz... a respeito de Marcos 14.24, 'que por muitos é derramado: Com a
palavra muitos, Marcos quer dizer, não uma mera parte do mundo, mas a raça
humana inteira'". (3) As acusações de que, se fosse verdade uma expiação
ilimitada DEUS seria injusto e que o universalismo seria a conclusão lógica,
não podem ser sustentadas. Até mesmo os eleitos precisam crer para ser salvos.
A aplicação da obra de CRISTO não é automática. Se alguém optar por não crer,
não significa que CRISTO não tenha morrido por ele ou que se pode lançar
suspeitas sobre o caráter de DEUS.
O ponto
crucial da defesa, no entanto, é não se poder facilmente desconsiderar o
significado óbvio dos textos universalistas. Diz Millard Erickson: "A
hipótese da expiação universal consegue levar em conta um segmento maior do
testemunho bíblico com menos distorção que a hipótese da expiação
limitada". Por exemplo, Hebreus 2.9 diz que JESUS, pela graça de DEUS,
provou a morte para "todos". Fica bastante fácil argumentar que o
contexto (2.10-13) não significa todos de modo absoluto, mas os "muitos
filhos" que JESUS traz à glória. Semelhante conclusão, no entanto, vai
além da credibilidade exegética. Além disso, há um sentido universal no
contexto (2.5-8,15). Quando a Bíblia diz que "DEUS amou o mundo de tal
maneira" (Jo 3.16) ou que CRISTO é "o Cordeiro de DEUS, que tira o
pecado do mundo" (Jo 1.29) ou que Ele é "o Salvador do mundo" (1
Jo 4.14), significa isso mesmo.
Certamente a
Bíblia emprega a palavra "mundo" num sentido qualitativo,
referindo-se ao sistema maligno que Satanás domina. Mas CRISTO não morreu em
favor de um sistema. Entregou sua vida em favor das pessoas que dele fazem
parte. Em texto algum do Novo Testamento, "mundo" se refere à Igreja
ou aos eleitos. Paulo diz que JESUS "Se deu a si mesmo em preço de
redenção por todos" (1 Tm 2.6) e que DEUS "quer que todos os homens
se salvem" (1 Tm 2.4). Em 1 João 2.1,2, temos uma separação explícita
entre os crentes e o mundo e uma afirmação de que JESUS CRISTO, o Justo,
"é a propiciação" (v. 2) para ambos. H. C. Thiessen reflete o
pensamento do Sínodo de Dort (1618-19): "Concluímos que a expiação é
ilimitada no sentido de estar à disposição de todos; é limitada no sentido de
ser eficaz somente para aqueles que crêem. Está à disposição de todos, mas é
eficiente apenas para os eleitos".
A Ordem da
Salvação
DEUS, por
sua infinita bondade e justiça, enviou seu Filho unigénito à cruz a fim de
suportar a penalidade total do pecado e poder perdoar livremente e com justiça
todos quantos comparecerem diante dEle. Como isso acontece na vida de uma
pessoa? Pensar a respeito da aplicação da obra de CRISTO a nós leva a
considerar a chamada ordo salutis ("ordem da salvação"), expressão
que remonta a 1737, atribuída ao teólogo luterano Jakob Karpov, embora a ideia
propriamente dita seja mais antiga. Qual a ordem lógica (não a cronológica) na
qual experimentamos o processo de passar de um estado pecaminoso para o da
plena salvação? A Bíblia não oferece uma ordem específica, embora se ache
embrionariamente em Efésios 1.11-14 e em Romanos 8.28-30, onde Paulo alista a
presciência, a predestinação, o chamamento, a justificação e a glorificação,
sendo cada conceito edificado na ideia anterior.
O
catolicismo romano direciona essa ordem aos sacramentos, isto é: ao batismo, no
qual a pessoa experimenta a regeneração; à confirmação, na qual a pessoa recebe
o ESPÍRITO SANTO; à eucaristia, a participação da presença física de CRISTO; à
penitência, o perdão dos pecados não-mortais; e à extrema-unção, quando a
pessoa recebe a certeza da entrada no Reino de DEUS.
Entre os
protestantes, a diferença está primariamente entre a abordagem reformada e (de
modo geral) a wesleyana. A opinião que seguimos depende da nossa doutrina da
depravação. Subentenderia esta uma incapacidade total, onde a pessoa necessita
da obra regeneradora do ESPÍRITO SANTO para tornar-se capaz de se arrepender e
crer - a posição reformada? Neste caso, a ordem seria eleição, predestinação,
presciência, chamamento, regeneração, arrependimento, fé, justificação, adoção,
santificação e glorificação. Ou subentende que, por continuarmos a levar em nós
a imagem de DEUS, mesmo no estado caído, temos a capacidade de corresponder com
arrependimento e fé quando DEUS nos atrai a si? Neste caso, a ordem seria
presciência, eleição, predestinação, chamamento, arrependimento, fé,
regeneração e os demais. A diferença encontra-se na ordem dos três primeiros,
que se referem à atividade de DEUS na eternidade, e no posicionamento da
regeneração nessa ordem. A segunda das duas ordens é o ponto de vista adotado
nesse capítulo.
A Eleição
Evidentemente,
a Bíblia ensina uma escolha feita por DEUS: a eleição divina. O Antigo
Testamento diz que DEUS escolheu Abraão (Ne 9.7), o povo de Israel (Dt 7.6;
14-2; At 13.17), Davi (1 Rs 11.34), Jerusalém (2 Rs 23.27) e o Servo (Is 42.1;
43.10). No Novo Testamento, a escolha divina inclui anjos (1 Tm 5.21), CRISTO
(Mt 12.18; 1 Pe 2.4,6), um remanescente de Israel (Rm 11.5) e os crentes, isto
é, os eleitos, quer individual (Rm 16.13; 2 Jo 1.1,13) ou coletivamente (Rm
8.33; 1 Pe 2.9). Sempre a iniciativa é de DEUS. Ele não escolheu Israel pela
grandeza da nação (Dt 7.7). JESUS diz aos seus discípulos: "Não me
escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós" (Jo 15.16). Paulo deixa
bem claro esse fato em Romanos 9.6-24, ao declarar que DEUS escolhera apenas os
descendentes de Isaque para serem seus filhos (vv. 7-8) e que, antes do
nascimento, Ele escolheu Jacó, e não o seu gêmeo, Esaú, "para que o
propósito de DEUS, segundo a eleição, ficasse firme" (v. II).
Precisamos
notar as ênfases de Paulo. Uma delas é que ser filho de DEUS depende da livre e
soberana expressão de sua misericórdia, e não de algo que sejamos ou façamos.
Paulo
enfatiza a misericórdia divina que inclui os gentios juntamente com os judeus
(Rm 9.24-26; 10.12). O calvinismo , entende que esse trecho bíblico afirma a
doutrina de uma escolha arbitrária de DEUS, que não leva em conta a
responsabilidade e participação humanas. Essa, porém, não é a única
possibilidade. Na mesma seção bíblica (Rm 9-11), surgem evidências da
participação e responsabilidade humanas (cf. 9.30-33; 10.3-6,9-11,13,14,16;
11.20,22,23). Paulo afirma: "DEUS, pois, compadece-se de quem quer e
endurece a quem quer" (9.18). Diz ainda que Israel havia experimentado
"o endurecimento em parte" (11.25), mas o contexto parece
relacioná-lo à sua desobediência, obstinação e incredulidade (10.21; 11.20).
Além disso, Paulo declara que a razão por que "DEUS encerrou a todos
debaixo da desobediência" é "para com todos usar de
misericórdia" (11.32). Portanto, não somos forçados a uma única conclusão,
isto é, a eleição incondicional.
Qualquer
estudo sobre a eleição deve sempre começar por JESUS. E toda conclusão
teológica que não fizer referência ao coração e aos ensinos do Salvador, seja
tida forçosamente por suspeita. Sua natureza reflete o DEUS que elege, e em
JESUS não achamos nenhum particularismo. NEle, achamos o amor. Por isso, é
relevante que em quatro ocasiões Paulo vincule o amor à eleição ou à
predestinação: "Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição [gr. eklogên]
é de DEUS" (1 Ts 1.4). "Como eleitos [gr. eklektoi] de DEUS, santos e
amados..". (Cl 3.12) - nesse contexto, amados por DEUS. "Como também
nos elegeu [gr. exelaxato] nele antes da fundação do mundo... e nos predestinou
para filhos de adoção por JESUS CRISTO, para si mesmo, segundo o beneplácito
[gr. eudokia] de sua vontade" (Ef 1.4,5). Embora a intenção divina não
esteja ausente nesta última palavra grega (eudokia), ela inclui também um
sentido de calor que não fica tão evidente em thelõ ou boulomai. A forma verbal
aparece em Mateus 3.17, onde o Pai diz: "Este é o meu Filho amado, em quem
me comprazo [gr. eudokêsa]".
Finalmente,
Paulo diz: "Mas devemos sempre dar graças a DEUS, por vós, irmãos amados
do Senhor, por vos ter DEUS elegido [gr. heilato] desde o princípio para a
salvação, em santificação do ESPÍRITO e fé da verdade" (2 Ts 2.13). O DEUS
que elege é o DEUS que ama, e Ele ama o mundo. Tornar-se-ia válido o conceito
de um DEUS que arbitrariamente escolhe alguns e desconsidera os demais,
deixando-os ir à perdição eterna, diante de um DEUS que ama o mundo?
Em JESUS
vemos também a presciência. Ele sabia que morreria numa cruz (Jo 12.32) e
conhecia alguns pormenores de sua morte (Mc 10.33,34). Sabia que Judas o
trairia (Jo 13.18-27) e que Pedro o negaria (Mc 14-19-31). Mas certamente não
devemos atribuir causalidade à sua presciência. Depois de curado o coxo, Pedro
declarou que os judeus em Jerusalém haviam agido na ignorância ao crucificar
JESUS, mas que também a morte de CRISTO cumprira o que DEUS falara através dos
profetas (At 3.17,18). DEUS não os levou a crucificar JESUS, a culpa ainda era
deles (At 4.27,28). Portanto, quando a Bíblia liga nossa eleição à presciência
(1 Pe 1.2) não devemos ver nisso a causalidade. DEUS não precisa predestinar
para saber de antemão. A declaração, em Romanos 8.29, de que os que DEUS
"dantes conheceu, também os predestinou" não apoia semelhante ideia:
a presciência seria um termo sem significado.
Não
poderíamos considerar a presciência e a predestinação como dois lados de uma
mesma moeda? O lado de cima, a presciência, olha em direção a DEUS, refletindo
o que Ele sabe. Mas, no tocante a nossa parte na salvação, a Bíblia não dá o
mínimo indício do que DEUS sabia com antecedência. Se, porém, sustentarmos uma
doutrina de onisciência total, sua presciência por certo incluiria o nosso
arrependimento e fé em correspondência ao seu chamamento. Esta declaração, não
compromete a atuação soberana de DEUS, na tentativa de fazê-la depender de
alguma coisa que fazemos. Mas se a Bíblia não declara o que DEUS conheceu de
antemão, claramente se refere a quem (Rm 8.29). A predestinação, o lado de
baixo da moeda, olha em direção aos seres humanos e demonstra a operação
soberana da vontade de DEUS.
Além disso,
têm-se dito que o verbo "conhecer de antemão" (gr. proginõskõ) sugere
algo mais que a mera cognição mental. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento
empregam a palavra "conhecer" para referir a intimidade do
relacionamento entre marido e mulher (Gn 4.1; Lc 1.34) e para conhecer aquilo
que vai além de meros fatos a respeito de uma pessoa. O Senhor, falando através
de Amós, diz a Israel: "... a vós somente conheci" (3.2). Paulo
disse: "... para conhecê-lo [CRISTO]" (Fp 3.10). Ao dirigir-se aos
"pais", João diz que "já conhecestes aquele que é desde o
princípio" (1 Jo 2.13,14). Estes exemplos por certo demonstram que
"conhecer", na Bíblia, pode incluir amor e relacionamento.
Poderíamos, então, ver na presciência de DEUS sobre nós uma expressão de seu
amor e solicitude? E DEUS ama a todas as pessoas no mundo. Ele realmente possui
presciência cognitiva de todos os pensamentos e ações de todas as pessoas.
Quando, porém, a Bíblia se refere àqueles que creem no seu Filho, a presciência
é aplicada a eles e a eles somente. Um Pai amoroso apresenta uma Noiva ao seu
Filho amado.
Aqueles que
DEUS conheceu de antemão (Rm 8.29; 1 Pe 1.1), Ele os elegeu em CRISTO (Ef 1.4)
e os predestinou "para serem conformes à imagem de seu Filho" (Rm
8.29) e "para louvor da sua glória" (Ef 1.11,12). Em consonância ao
seu propósito soberano e amoroso assim expresso: "... não querendo que
alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (2 Pe 3.9), Ele
chama as pessoas a si mesmo (Is 55.1-8; Mt 11.28). No Antigo Testamento, o
chamamento divino tinha a ver em primeiro lugar com o povo de Israel, a partir
de Abraão, seu ancestral. No Novo Testamento, o chamamento veio a ser mais
universal e individualista, primariamente com o propósito salvífico, embora
seja diferente a ênfase. Às vezes o chamamento refere-se à (1) conclamação para
seguir a JESUS (Mt 4.21; Mc 2.14, 17; cf. Lc 18.22); (2) a uma chamada divina,
ativa e interior, quando se refere aos crentes (Rm 8.30; Ef 4.1; 2 Tm 1.9); (3)
a uma descrição daqueles que correspondem (ou seja, "os que são
chamados" [1 Co 1.24]); ou (4) ao propósito para o qual DEUS os chamou
(por exemplo, para serem "santos" [Rm 1.7; 1 Co 1.2]).
Ao concluir
a parábola das bodas (Mt 22.1-14), JESUS disse que "muitos são chamados
[gr. klêtoi], mas poucos,, escolhidos [gr. eklektoi]" (v. 13), num
contexto que certamente tem em vista o destino eterno (v. 13). "Demonstra
que, pelo menos do ponto de vista da resposta humana, o círculo dos chamados e
o dos eleitos não coincidem necessariamente entre si". A própria palavra
"chamada" subentende uma resposta, e, se correspondermos a ela,
tornamo-nos eleitos de DEUS. Se o propósito eterno de DEUS estiver em
perspectiva (cf. Ef 1.4), estaremos entre os eleitos.
Quando DEUS
nos chama para si, visando a salvação, é sempre uma chamada da graça,
independente de qualquer distinção que façamos entre a graça "preveniente"
e a graça "eficaz". Poderemos resistir a essa chamada graciosa? O
calvinismo ensina que não, pois a operação de DEUS sempre alcança os seus
propósitos. Sua graça é eficaz. Assim como DEUS chamou irresistivelmente a
criação à existência, também Ele chama irresistivelmente as pessoas à redenção.
Se aceitarmos a ordo salutis, proposta pelos calvinistas, na qual a regeneração
segue o chamamento, mas antecede o arrependimento e a fé, certamente a graça é
irresistível. A pessoa já nasceu de novo. A ideia de resistir, em semelhante
caso, já não faz sentido.
Poder-se-ia
afirmar, então, que a expressão "graça irresistível" é tecnicamente
imprópria? Parece ser um oximoro, como "bondade cruel", porque a
própria natureza da graça subentende que um dom gratuito é oferecido, e tal
presente pode ser aceito ou rejeitado. E assim acontece, mesmo sendo o presente
oferecido por um Soberano gracioso, amoroso e pessoal. E sua soberania não será
ameaçada ou diminuída se recusarmos o dom gratuito. Este fato é evidente no
Antigo Testamento. O Senhor diz: "Estendi as mãos todo o dia a um povo
rebelde" (Is 65.2). E: "chamei, e não respondestes; falei, e não
ouvistes" (Is 65.12). Os profetas deixam claro que quando o povo não
acolhia bem as expressões da graça de DEUS, nem por isso ficava ameaçada a sua
soberania. Estêvão fustiga os seus ouvintes: "Homens de dura cerviz e
incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao ESPÍRITO SANTO;
assim, vós sois como vossos pais" (At 7.51). Parece claro que Estêvão
tinha em vista a resistência à obra do ESPÍRITO SANTO, que queria levá-los a
DEUS. O fato de alguns deles (inclusive Saulo de Tarso) terem crido
posteriormente não serve como evidência em favor da doutrina da graça
irresistível.
Além disso,
necessário é dizer que, fosse impossível resistir à graça de DEUS, os
incrédulos pereceriam, não por não quererem corresponder, mas por não poderem.
A graça de DEUS não seria eficaz para eles. Neste caso, DEUS pareceria mais um
soberano caprichoso que brinca com os seus súditos que um DEUS de amor e graça.
Sua promessa: "todo aquele , que quer" seria uma brincadeira de
inigualável crueldade, pois Ele é quem estaria brincando. Mas o DEUS e Pai de
nosso Senhor JESUS CRISTO não brinca conosco. Quando os braços de nosso Senhor
JESUS CRISTO se estenderam na cruz, Ele abrangeu a todos, pois DEUS ama o
mundo. DEUS é amor, e a própria natureza do amor subentende que ele pode ser
resistido ou rejeitado. Pela sua própria natureza, o amor é vulnerável. Não lhe
diminuímos a magnífica grandeza ou a soberania se cremos possível recusar seu
amor e graça, que buscam atrair todas as pessoas a si mesmos. A situação é a
inversa. DEUS, cujo amor anseia que todos cheguem a Ele mas não os obriga
irresistivelmente a vir e cujo coração fica magoado com a recusa, forçosamente
é de uma grandeza que ultrapassa a nossa imaginação.
Há somente
uma resposta apropriada a tamanho amor: arrepender-nos e crer. Claro está que
não podemos produzir tais ações sem a capacitação divina. Por outro lado, não
são produzidas em nós sem o nosso consentimento. Evitemos as expressões
extremadas do sinergismo (a "operação em conjunto") edomonergismo
(a"operaçãoisolada"). Omonergismo tem suas raízes no agostinianismo,
e afirma que a pessoa, para ser salva, não é capaz de fazer absolutamente nada
para levar a efeito a sua salvação. A conversão é uma obra que somente DEUS
leva a efeito. Se o pecador optar por arrepender-se e crer, DEUS é o único
agente ativo. Se o pecador optar por não se arrepender ou não crer, a culpa é
inteiramente deste.
Formas
extremadas de sinergismo remontam a Pelágio, que negava a depravação essencial
da humanidade. Na sua expressão evangélica moderada, entretanto, remonta a
Armínio e, de modo mais expressivo, a Wesley, sendo que estes dois teólogos
enfatizavam nossa capacidade de escolher livremente, mesmo nas questões que
afetam o nosso destino eterno. Somos depravados; no entanto, nem mesmo os mais
depravados entre nós perderam totalmente a imagem de DEUS. O sinergista
evangélico afirma que somente DEUS salva, mas acredita que as exortações
universais ao arrependimento e à fé fazem sentido apenas se pudermos, na
realidade, aceitar ou rejeitar a salvação. A salvação provém inteiramente da
graça de DEUS, mas declarar este fato não exige que diminuamos a nossa responsabilidade
quando confrontados pelo Evangelho.
O
Arrependimento e a Fé
O
arrependimento e a fé são os dois elementos essenciais da conversão. Envolvem
uma "virada contra" (o arrependimento) e uma "virada para"
(a fé). As palavras primárias, no Antigo Testamento, para expressar a ideia de
arrependimento são shuv ("virar para trás", "voltar") e
nicham ("arrepender-se", "consolar"). Shuv ocorre mais de
cem vezes no sentido teológico, seja quanto ao desviar-se de DEUS (1 Sm 15.11;
Jr 3.19), seja no sentido de voltar para DEUS Qr 3.7; Os 6.1). A pessoa também
pode desviar-se do bem (Ez 18.24, 26) ou desviar-se do mal (Is 59.20; Ez 3.19),
isto é, arrepender-se. O verbo nicham tem um aspecto emocional que não fica
evidente em shuv; mas ambas as palavras transmitem a ideia do arrependimento.
O Novo
Testamento emprega epistrephõ no sentido de "voltar-se" para DEUS (At
15.19; 2 Co 3.16) e metanoeõ/ metanoia para a idéia de
"arrependimento" (At 2.38; 17.30; 20.21; Rm 2.4). Utiliza-se de
metanoeõ para expressar o significado de shuv, que indica uma ênfase à mente e
à vontade. Mas também é certo que metanoia, no Novo Testamento, é mais que uma
mudança intelectual. Ressalta o fato de uma reviravolta da pessoa inteira, que
passa a operar uma mudança fundamental de atitudes básicas.
Embora o
arrependimento por si só não possa nos salvar, é impossível ler o Novo
Testamento sem tomar consciência da ênfase deste sobre aquele. DEUS
"anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam"
(At 17.30). A mensagem inicial de João Batista (Mt 3.2), de JESUS (Mt 4.17) e
dos apóstolos (At 2.38) era "Arrependei-vos!"85 Todos devem
arrepender-se, porque todos pecaram e destituídos estão da glória de DEUS (Rm
3.23).
Embora o
arrependimento envolva as emoções e o intelecto, é a vontade que está mais
profundamente envolvida. Quanto a isso, basta citarmos como exemplos os dois
Herodes. O evangelho de Marcos apresenta o enigma de Herodes Antipas, um
déspota imoral que encarcerou João Batista por ter este denunciado o casamento
com a esposa de seu irmão Filipe, mas ao mesmo tempo "Herodes temia a
João, sabendo que era varão justo e santo" (Mc 6.20). Segundo parece,
Herodes acreditava em algum tipo de ressurreição (6.16). Portanto, possuía
algum entendimento teológico. Dificilmente poderíamos imaginar que João Batista
não lhe tenha proporcionado uma oportunidade de se arrepender.
Paulo
confrontou Herodes Agripa II com a própria crença do rei nas declarações
proféticas a respeito do Messias, mas o rei não quis ser persuadido a tornar-se
cristão (At 26.28). Não quis arrepender-se, embora não negasse a veracidade do
que Paulo lhe dizia a respeito de CRISTO. Todos nós precisamos dizer, assim
como o filho pródigo: "Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai" (Lc
15.18). A conversão subentende "voltar-se contra" o pecado, mas
igualmente "voltar-se para" DEUS. Embora não devamos sugerir uma
dicotomia absoluta entre as duas ações (pois só quem confia em DEUS dá o passo
do arrependimento), não está fora de propósito uma distinção. Quando cremos em
DEUS e confiamos totalmente nEle, voltamo-nos para Ele.
Entre as
declarações bíblicas sobre o assunto, esta é a fundamental: "Abraão creu
[heb. 'aman] no Senhor, e foi-lhe imputado isto por justiça" (Gn 15.6).86
Moisés ligou a rebelião e desobediência dos israelitas à sua falta de confiança
no Senhor (Dt 9.23,24). A infidelidade de Israel (Jr 3.6-14) forma um nítido
contraste com a fidelidade de DEUS (Dt 7.9; SI 89.1-8; Os 2.2,5; cf Os 2.20). A
fé abrange a confiança. Podemos "depender" do Senhor ou nEle
"fiar-nos" (heb. batach) com confiança. Quem assim fizer será
bem-aventurado (Jr 17.7). Alegramo-nos porque podemos confiar no seu nome (SI
33.21) e no seu amor inabalável (SI 13.5). Podemos também
"refugiar-nos" (heb. chasah) nEle, conceito este que afirma a fé (SI
18.30; ver também Is 57.13).
No Novo
Testamento, o verbo pisteuõ ("creio, confio") e o substantivo pistis
("fé") ocorrem cerca de 480 vezes.87 Poucas vezes o substantivo
reflete a ideia da fidelidade como no Antigo Testamento (por exemplo, Mt 23.23;
Rm 3.3; Gl 5.22; Tt 2.10; Ap 13.10). Pelo contrário, normalmente funciona como
um termo técnico, usado quase exclusivamente para se referir à confiança
ilimitada (com obediência e total dependência) em DEUS (Rm 4.24), em CRISTO (At
16.31), no Evangelho (Mc 1.15) ou no nome de CRISTO (Jo 1.12). Tudo isso deixa
claro que, na Bíblia, a fé não é "um salto no escuro".
Somos salvos
pela graça mediante a fé (Ef 2.8). Crer no Filho de DEUS leva à vida eterna (Jo
3.16). Sem fé, não poderemos agradar a DEUS (Hb 11.6). A fé, portanto, é a
atitude da nossa dependência confiante e obediente em DEUS e na sua fidelidade.
Essa fé caracteriza todo filho de DEUS fiel. E o nosso sangue espiritual (Gl
2.20).
Pode-se
argumentar que a fé salvífica é um dom de DEUS, até mesmo dizer que a presença
de anseios religiosos, inclusive entre os pagãos, nada tem a ver com a presença
ou exercício da fé. A maioria dos evangélicos, no entanto, afirma que
semelhantes anseios, universalmente presentes, constituem-se evidências
favoráveis à existência de um DEUS, a quem se dirigem. Seriam tais anseios
inválidos em si mesmos, à parte da atividade divina direta?
Não podemos,
obviamente, exercer a fé salvífica à parte da capacitação divina. Mas ensina a
Bíblia que, quando cremos, estamos simplesmente devolvendo o dom de DEUS? Seria
necessário, para protegermos o ensino bíblico da salvação pela graça mediante a
fé somente, insistir que a fé não é realmente nossa, mas de DEUS? Alguns citam
determinados versículos como evidências em favor de semelhante opinião. J. I.
Packer diz: "DEUS, portanto, é o autor de toda a fé salvífica (Ef 2.8; Fp
1.29)". H. C. Thiessen afirma que há "um lado divino da fé, e um lado
humano", e então declara: "A fé é um dom de DEUS (Rm 12.3; 2 Pe 1.1)
outorgado soberanamente pelo ESPÍRITO de DEUS (1 Co 12.9; cf. Gl 5.22). Paulo
diz que todos os aspectos da salvação são um dom de DEUS (Ef 2.8), e por certo
a fé está incluída aí".
E necessário
perguntar, no entanto: Indicam todas as referências citadas inequivocamente a
fé "salvífica"? Parece que Romanos 12.3 e 1 Coríntios 12.9 não se
referem a ela, e Gálatas 5.22 certamente não. A fé considerada nesses
versículos é a fé (ou fidelidade) demonstrada pelos crentes na contínua
experiência cristã. O versículo em Efésios desperta dúvidas, porque
"fé" é feminino e "isso" é neutro (em grego). Normalmente,
o pronome concorda com o antecedente quanto ao seu gênero. Paulo quer dizer que
a questão inteira de sermos salvos é dádiva de DEUS, ao invés de conquistarmos
a salvação pelas nossas boas obras. Louis Berkhof diz: "A verdadeira fé
salvífica é a que tem seu centro no coração e está arraigada na vida
regenerada". Poderíamos olhar para aqueles versículos de modo diferente?
Por exemplo: "A fé... é a resposta do homem. E DEUS quem possibilita a fé,
mas a fé (o ato de crer) não é de DEUS, mas do homem". A fé não é obra,
mas sim a mão estendida que se abre para aceitar a dádiva divina da salvação.
A
Regeneração
Quando
correspondemos ao chamado divino e ao convite do ESPÍRITO e da Palavra, DEUS
realiza atos soberanos que nos introduzem na família do seu Reino: regenera os
que estão mortos nos seus delitos e pecados; justifica os que estão condenados
diante de um DEUS santo; e adota os filhos do inimigo. Embora estes atos
ocorram simultaneamente naquele que crê, é possível examiná-los separadamente.
A
regeneração é a ação decisiva e instantânea do ESPÍRITO SANTO, mediante a qual
Ele cria de novo a natureza interior. O substantivo grego (palingenesia)
traduzido por "regeneração" aparece apenas duas vezes no Novo
Testamento. Mateus 19.28 emprega-o com referência aos tempos do fim. Somente em
Tito 3.5 se refere à renovação espiritual do indivíduo. Embora o Antigo
Testamento tenha em vista a nação de Israel, a Bíblia emprega várias figuras de
linguagem para descrever o que acontece. O Senhor "tirará da sua carne o
coração de pedra e lhes dará um coração de carne" (Ez 11.19). DEUS diz:
"Espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados... E vos darei um
coração novo e porei dentro de vós um espírito novo... E porei dentro de vós o
meu espírito e farei que andeis nos meus estatutos" (Ez 36.25-27). DEUS
colocará a sua lei "no seu interior e a escreverá no seu coração" (Jr
31.33). Ele "circuncidará o teu coração... para amares ao Senhor" (Dt
30.6).
O Novo
Testamento apresenta a figura do ser criado de novo (2 Co 5.17) e a da
renovação (Tt 3.5), porém a mais comum é a de "nascer" (gr. gennaõ,
"gerar" ou "dar à luz"). JESUS disse: "Na verdade, na
verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de
DEUS" (Jo 3.3). Pedro declara que DEUS, em sua grande misericórdia;
"nos gerou de novo para uma viva esperança" (1 Pe 1.3). E uma obra
que somente DEUS realiza. Nascer de novo diz respeito a uma transformação
radical. Mas ainda se faz mister um processo de amadurecimento. A regeneração é
o início do nosso crescimento no conhecimento de DEUS, na nossa experiência de
CRISTO e do ESPÍRITO e no nosso caráter moral.
A
Justificação
Assim como a
regeneração leva a efeito uma mudança em nossa natureza, a justificação
modifica a nossa situação diante de DEUS. O termo "justificação"
refere-se ao ato mediante o qual, com base na obra infinitamente justa e
satisfatória de CRISTO na cruz, DEUS declara os pecadores condenados livres de
toda a culpa do pecado e de suas conseqüências eternas, declarando-os
plenamente justos aos seus olhos. O DEUS que detesta "o que justifica o
ímpio" (Pv 17.15) mantém sua própria justiça ao justificá-lo, porque
CRISTO já pagou a penalidade integral do pecado (Rm 3.21-26). Constamos, portanto,
diante de DEUS como plenamente absolvidos.
Para
descrever a ação de DEUS a justificar-nos, os termos empregados pelo Antigo
Testamento (heb. tsaddíq: Ex 23.7; Dt 25.1; 1 Rs 8.32; Pv 17.15) e pelo Novo
Testamento (gr. dikaioõ: Mt 12.37; Rm 3.20; 8.33,34) sugerem um contexto
judicial e forense. Não devemos, no entanto, considerá-la uma ficção jurídica,
como se estivéssemos justos sem, no entanto sê-lo. Por estarmos nEle (Ef 1.4,
7, 11), JESUS CRISTO tornou-se a nossa justiça (1 Co 1.30). DEUS credita ou
contabiliza (gr. logizomai) sua justiça em nosso favor. Ela é imputada a nós.
Em Romanos
4, Paulo cita dois exemplos do Antigo Testamento como argumento em favor da
justiça imputada. A respeito de Abraão, diz que "creu ele no Senhor, e
foi-lhe imputado [heb. chashav] isto por justiça" (Gn 15.6). Isto ocorreu
antes de Abraão ter obedecido a DEUS no tocante à circuncisão, sinal da
aliança. De modo talvez ainda mais dramático, Paulo cita Salmos 32.2, no qual
Davi pronuncia uma bênção sobre "o homem a quem o Senhor não imputa
maldade" (Rm 4.8; ver também 2 Co 5.19). Já é glorioso receber em nossa
conta corrente a retidão de uma pessoa perfeita, independente de qualquer bem
que porventura façamos. Mas é ainda mais glorioso não sermos considerados
culpados de nossos pecados e más ações. DEUS, ao nos justi' ficar, tem
graciosamente feito as duas coisas - e de modo lícito, pois o sacrifício de
CRISTO pagou o preço.
Como ocorre
a justificação, em relação ao crente? A Bíblia deixa duas coisas bem claras. Em
primeiro lugar, não é por causa de nenhuma boa obra de nossa parte. Realmente,
"CRISTO morreu debalde" se a justiça provém da obediência à Lei (Gl
2.21). Quem procura ser justificado mediante a Lei está sujeito à maldição (Gl
3.10), foi "separado de CRISTO" e "caiu da graça" (Gl 5.4).
Quem imagina estar mais justificado depois de servir ao Senhor durante cinco ou
55 anos ou pensa que boas obras obtêm mérito diante de DEUS, deixou de
compreender o ensino bíblico.
Em segundo
lugar, no próprio âmago do Evangelho encontra-se a verdade de que a
justificação tem sua origem na livre graça de DEUS (Rm 3.24) e sua provisão no
sangue que CRISTO derramou na cruz (Rm 5.19), e nós a recebemos mediante a fé
(Ef 2.8). É comum, quando ocorre a idéia da justificação no Novo Testamento, a
fé (ou o crer) achar-se ligada a ela (cf. At 13.39; Rm 3.26,28,30; 4.3,5; 5.1;
Gl 2.16; 3.8). A fé nunca é o fundamento da justificação. O Novo Testamento
jamais afirma que a justificação é dia pistin ("em troca da fé"), mas
sempre dia pisteos, ("mediante a fé"). A Bíblia não considera
meritória a fé, mas simplesmente como a mão vazia estendida para aceitar o dom
gratuito de DEUS. A fé tem sido sempre o meio de se receber a justificação,
mesmo no caso dos santos do Antigo Testamento (cf.- Gl 3.6-9).
Tendo sido
justificados pela graça, mediante a fé, experimentamos grandes benefícios de
agora em diante. "Temos paz com DEUS" (Rm 5.1) e estamos preservados
"da ira de DEUS" (Rm 5.9). Temos a certeza da glorificação final (Rm
8.30) e a libertação presente e futura da condenação (Rm 8.33,34; ver também
8.1). A justificação nos toma "herdeiros, segundo a esperança da vida
eterna" (Tt 3.7). Em louvor à justificação, Charles Wesley escreveu:
Não temo
agora a condenação;
Sou do
Senhor e Ele é meu;
Vivo em
JESUS minha salvação,
Vestido da
justiça que vem de DEUS.
A Adoção
DEUS, no
entanto, vai além de nos colocar em situação correta diante dEle. Conduz-nos
também a um novo relacionamento, pois nos adota em sua família. A
"adoção", um termo jurídico, é o ato da graça soberana mediante o
qual DEUS concede todos os direitos, privilégios e obrigações da afiliação
àqueles que aceitam JESUS CRISTO. Embora o termo não apareça no Antigo
Testamento, a idéia se acha ali (Pv 17.2). A palavra grega huiothesia,
"adoção", aparece cinco vezes no Novo Testamento, somente nos
escritos de Paulo e sempre no sentido religioso. Ressalve-se que, ao sermos feitos
filhos de DEUS, não nos tornamos divinos. A divindade pertence ao único DEUS
verdadeiro.
A doutrina
da adoção, no Novo Testamento, leva-nos, desde a eternidade passada e através
do presente, até a eternidade futura (se for apropriada semelhante expressão).
Paulo diz que DEUS "nos elegeu nele [em CRISTO] antes da fundação do
mundo" e "nos predestinou para filhos de adoção por JESUS
CRISTO" (Ef 1.4,5). Diz também, a respeito de nossa experiência presente:
"Porque não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes
em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos [huiothesia], pelo qual
clamamos [em nosso próprio idioma]: Aba [aramaico: Pai], Pai [gr. ho
patêr]" (Rm 8.15). Somos plenamente filhos, embora ainda não sejamos
totalmente maduros. Mas, no futuro, ao deixarmos de lado a mortalidade,
receberemos "a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo" (Rm 8.23).
A adoção é uma realidade presente, mas será plenamente realizada na
ressurreição dentre os mortos. DEUS nos concede privilégios de família mediante
a obra salvífica do seu Filho incomparável, daquEle que não se envergonha de
nos chamar irmãos (Hb 2.11).
A
Perseverança
Se a
doutrina da eleição provoca a ira dos incrédulos, entre os crentes a doutrina
da perseverança surte o mesmo efeito. As caricaturas que os proponentes das
várias opiniões pintam dos conceitos de seus oponentes usualmente não têm base
na realidade. Alguns da persuasão wesleyana-arminiana insistem acreditarem os
calvinistas que, uma vez salvos, podem cometer os pecados que quiserem, tantas
vezes quantas quiserem, e ainda continuarem salvos-como se acreditassem que a
obra santificadora do ESPÍRITO e da Palavra não os afeta. Por outro lado,
calvinistas insistem que os wesleyanos-arminianos acreditam que qualquer pecado
cometido compromete a salvação, de modo que "caem dentro e fora" da
salvação cada vez que pecam-como se acreditassem que o amor, paciência e graça
de DEUS são tão frágeis que rompem à mínima pressão. Qualquer pessoa bíblica e
teologicamente alerta reconhecerá a mentira em cada uma dessas caricaturas. A
presença de extremos tem levado a generalizações lastimáveis.
Naturalmente,
é impossível aceitar como igualmente verdadeiras as posições calvinista e
wesleyana. Ou a Bíblia oferece à pessoa verdadeiramente salva a garantia de
que, por mais longe que se afaste da prática do cristianismo bíblico, não se
apartará definitivamente da fé, ou essa garantia não existe. Ambas as posições
não podem ser verdadeiras. Mas é possível buscar uma orientação bíblica mais
equilibrada.
Biblicamente,
perseverança não significa que todo aquele que professar a fé em CRISTO e se
tornar parte de uma comunidade de crentes tem a segurança eterna. Em 1 João
2.18,19, lemos que o surto de "anticristos" demonstra que "é já
a última hora. Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós,
ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de
nós". Este é um dos textos prediletos dos calvinistas, para apoiar o
argumento de que os que "saem" da fé a ponto de se perderam eram
apenas crentes nominais. Alguns argumentam que Simão, o mago (At 8.9-24), é um
exemplo de semelhante pessoa. Os não-calvinistas não prestam nenhum serviço à
sua posição teológica quando procuram diminuir o impacto dessas declarações.
Nem todas as pessoas em nossas igrejas e nem todos os que oferecem evidências
exteriores de fé são crentes de verdade. JESUS disse a alguns que reivindicavam
possuir poderes espirituais extraordinários (e Ele não negava o fato) nunca os
haver conhecido (Mt 7.21-23). Declarações desse tipo não visam aterrorizar o
coração do crente genuíno e sincero, mas advertir aqueles que dependem de
realizações exteriores para ter a certeza da salvação.
De acordo
com as Escrituras, a perseverança refere-se à operação contínua do ESPÍRITO SANTO,
mediante a qual a obra que DEUS começou em nosso coração será levada a bom
termo (Fp 1.6). Parece que ninguém, seja qual for a sua orientação teológica, é
capaz de levantar objeções a semelhante declaração. E gostaríamos que o assunto
pudesse ser deixado como está. Porém, tendo em vista a necessidade da exegese
da bíblica com integridade, tal desejo revela-se impossível. O que diz a
Bíblia, especificamente, a esse respeito?
Há relevante
apoio, no Novo Testamento, à posição calvinista. JESUS não perderá nada de tudo
quanto DEUS lhe deu (Jo 6.38-40). As ovelhas jamais perecerão (10.27-30). DEUS
sempre atende as orações de JESUS (11.42), e Ele orou ao Pai que guardasse e
protegesse os seus seguidores (17.11). Somos conservados por CRISTO (1 Jo
5.18). O ESPÍRITO SANTO em nós é o selo e a garantia da nossa redenção futura
(2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.14). DEUS guardará o que confiarmos a Ele (2 Tm 1.12).
Ele é poderoso para salvar em todo o tempo aqueles que nEle creem (Hb 7.24,25).
O seu poder nos guarda (1 Pe 1.5). DEUS em nós é maior do que qualquer coisa
fora de nós (1 Jo 4-4). Que garantias grandiosas! Nenhum crente pode (nem deve)
viver sem elas. E, se fosse apenas isto que o Novo Testamento tivesse a dizer,
a posição do calvinismo estaria segura e inabalável.
Porém há
mais. Os wesleyanos-arminianos aceitam sem hesitação a relevância e garantias
dos textos supra. Mas parece que os calvinistas às vezes apelam a métodos
tortuosos, na exegese e na hermenêutica, a fim de evitar as implicações de
outros textos neotestamentários. Não é possível apenas a apostasia formal, mas
também a real (Hb 6.4-6; 10.26-31). A palavra grega apostasia
("apostasia", "rebelião") provém de aphistêmi
("partir", "ir embora") e transmite o conceito de modificar
a posição em que a pessoa está de pé. Millard Erickson diz: "O escritor...
está tratando de uma situação hipotética... JESUS [Jo 10.28] está nos dizendo o
que vai acontecer: as suas ovelhas não perecerão. Então, pode-se entender que a
Bíblia diz que poderíamos apostatar, porém, mediante o poder de CRISTO para nos
conservar, isso não nos acontecerá".
Se tal pode
acontecer, por que a possibilidade existiria somente em hipótese? Erickson e a
maioria dos calvinistas referem-se a Hebreus 6.9 como evidência: "Mas de
vós, ó amados, esperamos coisas melhores e coisas que acompanham a salvação,
ainda que assim falamos". Semelhante justificativa fica sendo tênue à luz
de Hebreus 6.11,12: "Mas desejamos que cada um de vós mostre o mesmo
cuidado até ao fim, para completa certeza da esperança; para que vos não façais
negligentes, mas sejais imitadores dos que, pela fé e paciência, herdam as
promessas". Continuar na fé e na prática confirma nossa esperança e
herança. E realmente possível fazer uma exegese de Hebreus 10.26-31, mesmo a
despeito do v. 39, de modo a concluir que se refira meramente a uma
possibilidade lógica, e não real?
Prosseguindo
nesse raciocínio, citemos a advertência de JESUS: "O amor de muitos se
esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo" (Mt 24.12,13).
Ele diz que olhar para trás nos torna indignos do Reino (Lc 9.62) e adverte:
"Lembrai-vos da mulher de Ló" (Lc 17.32). JESUS diz ainda que, se a
pessoa não permanecer nEle, será cortada (Jo 15.6; cf. Rm 11.17-21; 1 Co 9.27).
Paulo diz que podemos ser alienados de CRISTO e cair da graça (Gl 5.4); que
alguns naufragaram na fé (1 Tm 1.19); que alguns abandonarão (gr. aphistêmi) a
fé (1 Tm 4.1); e que "se o negarmos, também ele nos negará" (2 Tm
2.12). O escritor aos Hebreus diz que "a casa [de DEUS] somos nós, se
tão-somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao
fim" (3.6); que devemos cuidar para que ninguém entre nós tenha "um
coração mau e infiel, para se apartar [gr. aphistamai] do DEUS vivo"
(3.12); e que "nos tornamos participantes de CRISTO, se retivermos
firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim" (3.14).
Pedro
menciona aqueles que "depois de terem escapado das corrupções do mundo,
pelo conhecimento do Senhor e Salvador JESUS CRISTO, forem outra vez envolvidos
nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque
melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça do que, conhecendo-o,
desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado. Deste modo, sobreveio-lhes
o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito; a
porca lavada, ao espojadouro de lama" (2 Pe 2.20-22).
João diz que
a vida eterna não é possessão do crente, independente de ele ter a CRISTO (1 Jo
5.11,12). O Pai "deu também ao Filho ter a vida em si mesmo" no mesmo
sentido em que o Pai tem vida por seu próprio direito e natureza (Jo 5.26). A
nós não foi concedido esse direito. A vida eterna é a vida de CRISTO em nós, e
nós a possuímos somente à medida que estamos "em CRISTO".
Os
calvinistas, dizendo que essas advertências são essencialmente hipotéticas para
os crentes verdadeiros, empregam várias ilustrações. Erickson refere-se a pais
que temem que seus filhos saiam correndo para a rua e sejam atropelados por um
automóvel. Eles têm duas opções: construir um muro alto que impossibilite a
saída de dentro do quintal (mas isto restringiria a liberdade da criança); ou
podem advertir a criança contra o perigo de sair correndo para a rua (neste
caso, a criança poderia fazer isso, mas não o fará). Se, porém, os automóveis
(os perigos) realmente não existem, e se a criança sabe disso, funcionará
realmente a advertência como dissuasão?
Permita-me
uma outra analogia. Vamos imaginar que estamos dirigindo nosso carro pela
estrada, à noite. Em diferentes trechos, passamos por sinais de advertência:
"Curva fechada!" "Ponte caída!" "Deslizamento!"
"Estrada estreita e sinuosa!" "Declive forte!" "Obras
na estrada!" E nenhum desses perigos acaba surgindo. Iremos pensar que foi
uma brincadeira de mau gosto, ou algum louco colocou aqueles sinais. De que
maneira seriam advertências, se não correspondessem à realidade?
Os
calvinistas argumentam ter a certeza da salvação em virtude de sua posição
teológica, ao contrário dos wesleyanos-arminianos. Mas seria essa a verdade?
Tendo em vista passagens bíblicas como os capítulos 6 e 10 de Hebreus e as
demais mencionadas, como podem os calvinistas alegar maior certeza de salvação
que os arminianos? Como poderão ter certeza de estar entre os eleitos antes de
chegar ao Céu? Se a pessoa pode chegar tão perto do Reino quanto descrito na
Epístola aos Hebreus, em 2 Pedro e em Mateus 7.22 e ainda não estar
"dentro" do Reino, de onde provém essa certeza maior? Na realidade, a
certeza da salvação dada a todos os crentes verdadeiros mediante o ESPÍRITO SANTO
que em nós habita, é que, pela graça mediante a fé, estamos em CRISTO, nossa
redenção e justiça. E, estando nEle, temos a segurança eterna. Esta verdade
aplica-se aos calvinistas e também aos wesleyanos-arminianos. Ambos os pontos
de vista concordam que não ousamos presumir, mas não precisamos ter medo.
Um modo
apropriado de encerrar esse capítulo é com adoração, usando as palavras do hino
imortal de Isaac Watts.
Ao
contemplar a tua cruz E o que sofreste ali, Senhor, Sei que não há, ó meu JESUS, Um bem maior que
o teu amor. Não me desejo gloriar Em nada mais senão em ti; Pois que morreste
em meu lugar, Teu, sempre teu, serei aqui. De tua fronte, mãos e pés, De teu ferido coração, Teu sangue, em dores tão cruéis, Deste por
minha redenção. Ao contemplar a tua cruz,
O teu sofrer, o teu penar, Quão
leve sinto, ó meu JESUS, A que em meus
ombros vem pesar! Tudo que eu possa consagrar
Ao teu serviço, ao teu louvor, Em nada poderei pagar Ao que me dás em teu amor!"
FONTE: http://www.apazdosenhor.org.br/profhenrique/licao5-aods-4tr17-a-obra-salvifica-de-cristo.htm
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