Introdução
Hoje,
durante o almoço, um convidado ilustre, dispensando exórdios e etiquetas,
perguntou-me: “Qual o maior desafio da igreja evangélica?” A pergunta não
chegou a surpreender-me, porque eu já vinha maturando o assunto. Não tive, por
isso, dificuldades em responder-lhe: “Nosso maior desafio, hoje, é voltar a ser
Igreja”. Como não tinha tempo para costurar outras considerações, generalizei
umas coisas aqui, especifiquei outras ali. E calei-me sobre muitas. Não sei se
o meu interlocutor deu-se por satisfeito. Mas, naquele momento, era tudo o que
eu podia dizer-lhe. Gostaria de haver explicado àquele homem gentilmente culto
que, à medida que nos robustecemos como organização, debilitamo-nos como
organismo. E, se ganhamos alguma coisa em quantidade, já começamos a perdê-la
por falta de qualidade. O futuro? Só Deus sabe. Infelizmente, o que tanto
temíamos acabou por acontecer: o nominalismo já é uma epidemia entre nós. Por isso,
é-nos bastante apropriado o diagnóstico que o Senhor fez de Sardes: “Conheço as
tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto” (Ap 3.1, ARA).
I. O Perigo da Autossuficiência
Tornamo-nos ricos, poderosos, influentes. Bastamos a nós
mesmos. Hoje, não precisamos mais evangelizar para crescer. O aumento
vegetativo é suficiente para manter-nos a pujança dos números. Então, por que
gerar filhos espirituais se os bebês, apesar de raros, ainda nos incham os róis
e as estatísticas? Nessa dormência espiritual, crescemos para dentro e
minguamos para fora. Nossas demandas internas são tão urgentes, que já não
temos tempo para tratar de coisas importantes como evangelismo e missões.
Florescemos como império; murchamos, todavia, como Reino de
Deus. Os passos encurtaram-se e diminuíram; os paços, porém, alongaram-se e fizeram-se
mais suntuosos. E os nossos pés? Dantes, calejados e formosos; agora, mais
delicados que os da esposa de Cantares. E, nem por isso, fizeram-se mais
limpos.
Antes, éramos
arrolados entre os mártires, agora, enrolados com os ricos e famosos. Outrora
pobres, enriquecíamos a muitos. No presente, temos ouro e prata, porém já não
temos autoridade para declarar: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno,
levanta-te e anda” (At 3.6). Sim, de nada temos falta. Mas a nossa miséria
espiritual já não pode ser disfarçada. Como se não bastasse, orgulhamo-nos de
uma visão administrativa que vê tudo, menos o Reino de Deus na manjedoura.
Ontem, o mundo nos odiava, porque éramos biblicamente
corretos. Hoje, o seu príncipe nos bajula, por estarmos entre os política e
socialmente conformados. Ganhamos influência junto aos palácios e câmaras, mas
já não temos ousadia junto ao trono daquEle cuja soberania não deve ser
ignorada.
No início, a igreja era evangelizadora. Agora, meramente
evangélica. Se no passado fazíamos história, no presente, nem históricos somos.
Já não temos perspectiva quanto ao futuro. Perdemo-nos no tempo, e já não temos
noção de eternidade.
Sim, há exceções e não são poucas. No entanto, fizemo-nos
conhecidos não pelas exceções, mas pela regra geral. Se as exceções fazem o
cristianismo invisível e militante, a regra geral dá corpo e forma à
cristandade visível e já bem acomodada a este século. Se não podemos arrancar o
cristianismo da cristandade apóstata, que pelo menos lhe estanquemos as
apostasias.
Ontem, o joio entre o
trigo. Hoje, o trigo entre o joio. E, pouco a pouco, vai a erva daninha
sufocando a boa semente.
III. Crescimento sem Profundidade
O que aconteceu conosco? John Stott foi buscar três palavras
simples e modestas para descrever a igreja evangélica de nossos dias:
“Crescimento sem profundidade” . O seu diagnóstico é preciso e doloroso. O
teólogo britânico referia-se não somente à igreja de seu país, mas também à do
Brasil, pois não deixamos de ser um reflexo do que acontece no universo
evangélico europeu e norte-americano.
Antes, a espiritualidade da igreja era aferida pela Bíblia.
Hoje, pelo IBGE. Regozijamo-nos com estatísticas e gráficos. Será que a lição
de Davi não é suficiente? O filho de Jessé, mais preocupado com o seu império
do que com o Reino de Deus, ordenou a Joabe que levantasse o censo de Israel.
Julgado pelo Senhor, aprendeu: Deus não precisa de multidões para estar entre o
seu povo. Bastam-lhe três santos, e em nosso meio estará para sempre.
Por falta de senso, recorremos ao censo. Os recenseamentos,
porém, não nos medem o cristianismo; limitam-se a aferir-nos a cristandade. Se
aquele é pouco, esta é muita. É por isso que nos alegramos quando promovemos um
político, mas não externamos a mesma alegria quando um missionário sai ao
campo.
IV. A Mornidão Espiritual
Neste reino de indiferença e mornidão, a pergunta faz-se
império: “Como a igreja voltará a ser Igreja?” Em
primeiro lugar, que nos voltemos ao cristianismo e fujamos à cristandade. Esta
jamais deixará de ser visível e vistosa. Mas aquele, posto que invisível, que
ressurja com as propriedades todas do sal e da luz. Assim recomenda o Senhor:
“Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16, ARA). Em
seu livro ,John Stott é incisivo:
O que então devemos fazer? Devemos assumir um compromisso pessoal
com o Senhor Jesus, de coração e de mente, alma e vontade, entregando nossas
vidas a ele, sem reservas. Devemos nos humilhar diante dele. Devemos confiar
nele como nosso Salvador e nos submetermos a ele como nosso Senhor; para então
assumirmos nossos lugares como membros fiéis da igreja e cidadãos responsáveis
dentro da comunidade.
V. O Resgate do Termo Evangélico
Diante do exposto, urge resgatarmos o termo “evangélico” .
Desgastado midiaticamente, tornou-se um sinônimo mero e ordinário de riqueza,
sucesso, atrevimento e blasfêmia. Não me atrevo a apontar culpados; todos somos
responsáveis pelo que vem acontecendo. Contudo, jamais haverei de isentar a
famigerada teologia da prosperidade que, com a sua ação preferencial pelos
ricos, transformou a igreja evangélica num arremedo teológico. Seus proponentes,
sempre tão gabarolas e fanfarrões, substituíram a excelência da vida cristã
pelo êxito de uma existência cheia de vazios.
Não quero a destruição da igreja evangélica, mas espero que
ela seja também evangelizadora. Anseio que ela seja mais cristianismo que
cristandade, que aumente como Reino e diminua como império. E que, crescendo,
não venha a inchar. Ela não precisa minguar em quantidade, mas é urgente que
venha a crescer em qualidade. Para que isso aconteça, é preciso que eu e você
avivemo-nos pela Palavra de Deus. Que tal começarmos a reaver o evangelismo
integral?
VI. Evangelismo Integral
No Pentecostes, a Igreja saiu de Jerusalém para evangelizar
o mundo. Mas a apostasia logo chegou a galope sob a proteção de Constantino, o
Grande (272-337). A igreja agora, mais romana que universal, voltaria à Judeia
não para falar de Cristo aos muçulmanos. Instigada por Urbano II (1042-1099),
voltava para retomar uma cidade que nunca lhe pertencera e que, ainda hoje,
angustia-se por ser santa. Em vez de empunhar a Espada do Espírito,
desembainhou o aço de sua ganância para matar o corpo e desevangelizar a alma
dos que ansiavam ouvir a mensagem da cruz.
Em vez da cruz de Cristo, a cruzada de uma cristandade
apóstata e imperial.
Evangelizar não é expandir impérios, ainda que estes exibam
títulos eclesiásticos e igrejeiros. O evangelizar autêntico e pentecostal é
mais semeadura que colheita, é mais chorar que rir, é mais pregar que
teologizar. Que exemplo o semeador da parábola! O Mestre disse que ele saiu,
mas calou-se quanto ao seu retorno, pois a evangelização integral tem a ver com
o sair, e não com o retornar.
A evangelização bíblica compreende a proclamação simultânea
de nossa casa, do bairro onde moramos, da cidade na qual plantamos a nossa
árvore genealógica, do país que nos concedeu nacionalidade e cidadania e,
igualmente, do mundo que o Pai entregou ao Filho por herança. Saiamos, pois, a
semear, mas não nos preocupemos com a volta. Se Ele encarregou-se de nossa
saída, há de cuidar de nosso retorno.
VII. Pentecostes com o Espírito Santo
Onde começa a vida cristã? No Calvário. Mas onde tem início
a semeadura eficiente? No Cenáculo. Naquele recanto humilde de Jerusalém,
apóstolos e discípulos aguardaram, em oração e ordem santa, o derramamento do
Espírito Santo. Até mesmo Maria, a mãe do Senhor, ali estava à espera do
Consolador que, na plenitude do Pentecostes, haveria de descer e revestir a
todos com o poder do alto.
A partir daquele instante, a Igreja foi chamada para fora, a
m de ganhar o mundo no poder do Espírito. Chamada para fora do Cenáculo,
evangelizou Jerusalém. Chamada para fora de Jerusalém, inundou a Judeia com a
Palavra de Deus. Chamada para fora da Judeia, chegou a Samaria, a Antioquia e a
Roma. De cidade em cidade, alcançou os confins da Terra.
No Pentecostes, todos somos chamados para fora, a m de
proclamar o evangelho de Cristo. Por essa razão tão santa, anunciemos que Jesus
salva, batiza com o Espírito Santo, cura as enfermidades do corpo, da alma e do
espírito, opera sinais e maravilhas e, em breve, há de voltar para levar-nos à
Jerusalém Celeste.
No poder do Espírito, falaremos de Cristo sem impedimento
algum.
Infelizmente, há igrejas pentecostais, quer entre as neos,
quer entre as históricas, que, apesar do título que ostentam, já não têm o
Espírito Santo. São místicas, mas não espirituais. Sincréticas, mas não
bíblicas. Em vez de evangelizar, fidelizam clientes que se escravizam a um
cristianismo divorciado de Cristo e a um pentecostes sem o Espírito Santo.
VIII. Uma Igreja com as Feições do Cristo
Houve tempo em que nós, pentecostais, recebíamos os mais
abençoados epítetos. Em São Paulo, éramos alcunhados de crentes, pois fazíamos
questão de alardear a santíssima fé no poder do evangelho. Já no Rio de
Janeiro, apelidavam-nos de bíblias, porque não escondíamos nosso apego à
Palavra de Deus. Noutros lugares, as alcunhas oscilavam entre o elogio e a
calúnia. Os católicos mais romanos chamavam-nos de quebra-santos, porquanto
ensinávamos que há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, o Homem
Perfeito. Na verdade, jamais incentivamos a intolerância e o desrespeito às religiões
alheias. Mas, em momento algum, faltamos com a verdade.
O tempo passou. As coisas mudaram. Quanto à nossa postura,
evoluiu até tornar-se social e politicamente correta. Hoje, somos conhecidos
por um agnome elegante e chique: evangélicos. Já não nos tratam de crentes, nem
de bíblias, ou de quebra-santos. E, como evangélicos, fomos associados à
prosperidade, ao luxo e à luxúria. Se continuarmos assim, logo perderemos
também o nome de cristãos.
Nossas feições foram desfiguradas pelo mundo. Hoje, quem nos
olha como evangélicos, já não nos vê como cristãos. É hora de resgatarmos nossa
identidade como servos de Deus para que, à semelhança dos crentes antioquinos,
sejamos conhecidos como autênticos discípulos de Cristo. Se a Igreja é santa,
basta a sua pureza e integridade para convencer o mundo do pecado, da justiça e
do juízo. Mas se é mundana, ao invés de evangelizar, desevangeliza.
IX. Uma Igreja Santa que Produz Santos
Criticamos a igreja
católica pelos santos que ela, contrariando a Palavra de Deus, apensa às
paredes de seus templos e capelas. Mas onde estão nossos santos? Por não
pregarmos mais a santidade, permitimos ao mundo adentrar o rebanho e,
vorazmente, destruir aqueles que porfiavam por uma vida íntegra perante Deus e
diante dos homens.
A santificação não será vista, nestes últimos dias da Igreja
sobre a Terra, como um adereço em sua teologia ou em seus atos litúrgicos. Se
nos voltarmos à Bíblia Sagrada, constataremos que a santificação é a doutrina
insubstituível à peregrinação daqueles que, renunciando ao presente século,
apegam-se a eternidade.
Sem a santificação ninguém verá o Senhor. É o que nos
adverte o apóstolo em sua epístola aos crentes hebreus. Se não retornarmos a
uma vida santa, como haveremos de pregar o evangelho integral? Certa vez, um
evangelista da Idade Média convocou os seus discípulos e ordenou-lhes: “Vão e
preguem o evangelho. Se for necessário, usem as palavras”.
X. Uma Igreja à Espera de Jesus
Até o início dos anos 1980, o mundo evangélico era movido
por uma onda escatológica que, partindo dos Estados Unidos, rebatia na Europa e
espraiava-se no Brasil. Mas o tempo passou. E com este, a expectativa de um
arrebatamento iminente da Igreja de Cristo.
Em lugar da escatologia, demos guarida à teologia da
prosperidade com todas as suas quinquilharias, slogans e fetiches. Antes, as
últimas coisas; agora, nem as primeiras, pois nos habituamos ao presente
século. Então, por que nos ocupar com a eternidade? Em lugar do eterno, o
temporal. Ao invés do divino, o humano com todas as suas mundanidades. E, em
vez do céu, a terra.
Na perspectiva
divina, porém, esse jogo de palavras não é tão inconsequente. Em lugar do
eterno, não contemos com o temporal, mas com o castigo que não tem m. Ao invés
do divino, não esperemos o humano, mas o diabólico que nos torna tão
adversários de Deus quanto Satanás. Em vez do céu, não aguardemos a terra, mas
o lago que arde com fogo e enxofre.
Por esse motivo, não tão literário, busquemos o Reino de
Deus e a sua justiça. Se assim procedermos, viremos a esquecer de nossos
impérios e ninhos que, em nossa mornidão espiritual, construímos num mundo que
jaz no maligno.
Estejamos, pois, apercebidos. Em breve virá Jesus
arrebatar-nos às regiões celestiais.
Conclusão
Eu gostaria de ter dito tudo isso ao meu interlocutor
durante o almoço de hoje. Mas tive pouco tempo. Já em minha sala, agradeci a
Deus pela pergunta que me fez aquele homem. Num momento como este, as
indagações são mais necessárias que as respostas, pois levam ao arrependimento
e às respostas que somente Deus pode dar-nos.
Como herdeiros espirituais de Daniel Berg e Gunnar Vingren,
não fujamos à mensagem simples, mas eficaz, do evangelho: Jesus Cristo salva,
batiza com o Espírito Santo, cura, opera sinais e maravilhas e, brevemente,
levar-nos-á para o céu.
Que a igreja seja Igreja!
Evangelização Integral nessa Última Hora
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