C
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apítulo 10 A Graça da Cidadania
Maravilhosa
Graça
Romanos 13.1-7 Toda alma esteja sujeita às autoridades
superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades
que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade resiste à
ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação.
Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más.
Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela. Porque
ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz
debalde a espada; porque é ministro de Deus e vingador para castigar o que faz
o mal. Portanto, é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo
castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também pagais tributos,
porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo. Portanto, dai a
cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem
temor, temor; a quem honra, honra.
Deveres Civis — Cidadão do Céu e da Terra Também!
‘Toda alma
esteja sujeita às autoridades superiores” (13.1). Alguns comentaristas veem o
texto de Romanos 13 .1-7 com o um grande hiato entre os capítulos 12 e 14.
Alguns até mesmo chegam a afirmar que o assunto aqui destoa de tudo aquilo que
Paulo havia escrito até esse ponto. Mas uma análise cuidadosa do texto nos revelará
que Paulo tem um objetivo definido quando aborda o tema do cristão com o um
cidadão pertencente à sociedade civil. Convém lembrar que a igreja de Roma era
formada tanto por gentios como por judeus. Esses últimos, devido à interpretação
literalista de determinados textos bíblicos, em muitos casos se recusavam a se
subordinar à autoridade civil. Foi isso que forçou a expulsão dos judeus de
Roma (At 18.2). Na teologia paulina, os cristãos, tanto gentios como judeus
convertidos, deveriam ser ordeiros, submetendo -se à lei estatal.
O expositor
bíblico William Hendrik se na lista outras razões que justificam a exposição de
Paulo em Romanos 13.
1. Os
cristãos deveriam se relacionar bem com Deus (Rm 12.1,2); os cristãos
deveriam se relacionar bem entre si (Rm 12.3,4); os cristãos deveriam se
relacionar bem com os de fora (Rm 12.14-21); os cristãos deveriam se relacionar
bem com as autoridades civis (Rm 13.1-7).
2. Paulo queria evitar que o império visse o cristianismo
como inerentemente antagônico ao governo.
3. Paulo queria lembrar ao s cristãos romanos que o próprio
Cristo ensinou esses princípios.1
Romanos 13
fornece diretrizes apostólicas sobre a necessidade de o cristão saber se
comportar em uma sociedade civil organizada . Quando Paulo escreve uma carta à
igreja de Roma, o Império Romano dominava boa parte do mundo de então. Era uma
sociedade organizada com um governo civil centralizado na pessoa do imperador.
Havia leis, regras e normas a serem observadas por todos os cidadãos. Havia ,
portanto, o que hoje comumente se denomina Estado de Direito . Os cristãos,
mesmo como cidadão dos céus, não estavam fora do alcance desse poder civil.
Entre os
séculos XVI e XVII, o debate em torno da origem e natureza do estado dominou o
continente europeu . É nesse contexto que surge a teoria de um contrato soáal.
Os filósofos que se debruçaram a explicar os princípios que regiam esse
contrato social foram denominados de contratualistas} Eles advogavam a
necessidade de um “contrato social” que regulasse as relações entre os homens.
Para esses pensadores, o que gerou a necessidade desse “ contrato social” —
portanto , a criação do Estado de Direito — foi a necessidade de sair do
“estado de natureza” para se organizarem em sociedade. No estado de natureza,
observamos contratualistas, prevalecia o interesse privado de cada um , o que
ocasionava a disputa, a violência e o medo. Nesse estado de coisas faz-se necessário
a criação de um contrato que regule as relações interpessoais. Os principais
filósofos representantes desse contrato social foram John Locke, Thomas Hobbes
e Jean -Jacques Rousseau . Mesmo divergindo quanto à forma e natureza desse
Estado , esses pensadores possuíam ideias semelhantes quanto à sua necessidade.
Na verdade, os filósofos contratualistas
procuraram fornecer diretrizes mais especificas sobre a atuação dessas duas
instituições, a igreja e o estado. Ao assim proceder, eles queriam delimitar a
esfera de atuação de cada uma delas. Qual era a competência da igreja e qual
era o papel do Estado? Grosso modo, a visão que prevalecia era que o Estado
devia cuidar do lado secular da sociedade e a igreja do seu lado espiritual.
Deve ser levado em conta nesse contexto que a Europa vivia um conflito enorme
entre o poder do Papa e o poder dos reis. Em muitos países, principalmente
antes da Reforma Protestante do século XVI, prevalecia a autoridade papal sobre
a autoridade estatal. Os papas mandavam nos reis. No ano de 494 d.C , o bispo
Gelásio I criou a doutrina das duas espadas. Esse documento afirmava: “Há dois
poderes principais mediante os quais este mundo é governado : a autoridade
sagrada dos papas e o poder real. Destes dois, o poder sacerdotal é muito mais
importante, porque tem de prestar contas no tribunal divino, até mesmo pelos
reis dos homens. [...] Sabeis que deveis, nas questões concernentes ao
recebimento e à administração referente dos sacramentos, ser obedientes à
autoridade eclesiástica, ao invés de controlá-la” .3
Durante to
da a Idade Média (500 -1500 d.C .), prevaleceu o conceito das duas esferas — o
Estado como uma instituição temporal e, por outro lado, a igreja como uma
instituição espiritual. Como advento da Reforma luterana em 1517, essa cosmo
visão sofrerá uma ruptura, e as esferas temporal e espiritual ficaram cada vez
mais definidas. Todavia, o reformador alemão não foi tão radical na sua
proposta, pois acreditava que havia algumas competências eclesiásticas, que
poderiam perfeitamente ser administradas pelo Estado. Esse modo de interpretar
as esferas de atuação dessas duas instituições será duramente combatida pelos
anabatistas, um grupo da ala radical da Reforma. Para eles a Igreja e o Estado
deveriam ser completamente separados.
Nos Estados Unidos da América, a partir dos
séculos XVII e X VIII, graças à influência protestante , as esferas de atuação
da Igreja e do Estado foram bem definidas. E isso ficou bem delineado na
conhecida primeira emenda constitucional: “ O Congresso não promulgará nenhum a
lei a respeito da oficialização de alguma religião , nem da proibição de seu
livre exercício ” .4 Essa sem dúvida foi uma grande conquista para os
idealistas cristãos e para as minorias religiosas. Todavia, como aumento do
pluralismo cultural e religioso , a letra dessa lei tem sido desafiada.
Os
legisladores americanos têm invocado a redação da primeira emenda para
legalizar, por exemplo , a união entre pessoas do mesmo sexo. Alguns estados
americanos com população majoritariamente cristã e que possuíam leis
especificas contra a união homossexual, tiveram suas leis revogadas por decisão
da Suprema Corte. Os juízes entenderam que essa restrição dos direitos civis
era uma interferência da religião sobre o Estado. O efeito colateral dessa decisão
da Suprema Corte foi a volta de um debate acalorado novamente sobre as esferas
de atuação dessas duas instituições. Até que ponto o Estado democrático pode
interferir sobre os interesses, crenças e desejos de uma população
majoritariamente cristã?
Esse
conflito não ficou restringido à outra América; recentemente chegou também ao
Brasil. Todos têm conhecimento , pois foi divulgada com enorme destaque pela
mídia, a decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de obrigar os cartórios
a casarem homossexuais. O Supremo legislou , que não é competência sua, por
conta do vazio na legislação brasileira sobre esse assunto. Em um país
majoritariamente “cristão” como o Brasil, essa decisão da Suprema Corte
brasileira teve enorme eco social. Aqui, como nos Estados Unidos, o
questionamento da interferência do Estado sobre questões morais e religiosas se
tornou o foco principal dos debates. A bancada evangélica no Congresso,
juntamente com a bancada católica , tem procurado mecanismos que façam
prevalecer os ideais cristãos esposados na Bíblia. Nesses últimos anos a luta
tem se acirrado.
Pois bem , que princípios podem ser adotados
em relação ao dualismo igreja -estado , a fim de que se estabeleça uma
cosmovisão cristã ? A credito que as ideias do teólogo Wayne Grudem ajudem
nesse assunto. Primeiramente, Grudem fala do que denomina Cinco Visões
Equivocadas a Respeito de Cristianismo e Governo.5 Vou apenas sintetizar as
ideias de Grudem .
1. O governo deve impor a religião.
a. Jesus fez
distinção entre o Reino de Deus e o de César (M t 22.20,21).
b. Jesus não
tentou obrigar as pessoas a crer nEle (Lc 9.52-54).
c. Não há
como impor a fé autêntica (Mt 1 1.28-30; At 28 .23 ; m 10.9,10; Ap 22.17).
2. O governo deve excluir a religião.
a. O equívoco está em fazer distinção entre um
a lei e o conteúdo da lei.
b. O equívoco
está em não levar em conta a vontade do povo.
c. O
equívoco está em transformar liberdade religiosa em ausência de religião.
d. O equívoco se dá em restringir indevidamente
a liberdade religiosa e a liberdade de expressão.
e. O equívoco
está no afastamento do governo dos ensinamentos de Deus sobre o bem e o mal.
3. Todos os governos são perversos e demoníacos.
a. É
fundamentada numa visão equivocada de Lucas 4.6.
b. Esse entendimento acaba por criar um a
equivalência moral entre bons e mau s governos.
c. Rejeita o poder imposto como algo mundano.
4. A igreja deve se dedicar ao evangelho , e não a política.
a.
Fundamenta-se numa visão muito limitada do que seja “evangelho” e Reino de Deus.
b. Não leva em conta que o “ evangelho todo ”
inclui uma transformação da sociedade.
c. Não leva
em conta que tanto a igreja como o governo foram instituídos por Deus para
refrear o mal (Rm 13.1-7).
d. Não leva
em conta a influência positiva sobre governos exercida por cristãos ao longo da
história.
5. A igreja deve se dedicar à política, e não ao evangelismo
a. Busca
apenas a mudança cultural negligenciando a espiritual.
b. Cria
apenas um evangelho social, preocupado com a fome, pobreza, discriminação e
outros males sociais.
c. Não leva
em conta que mudanças autênticas e duradouras só o correrão:
• Se o
coração das pessoas mudar, para que procurem fazer o bem e não o mal. Isso se
dá por meio do evangelismo pessoal e do poder do evangelho de Jesus Cristo.
• Se a mente
das pessoas mudar, para que suas convicções morais se alinhem de modo mais
próximo aos padrões m orais de Deus descritos na Bíblia. Isso se dá por meio da
conversa e ensino pessoal e do diálogo e debate públicos.
• Se as leias mudarem , para que incentivem de
modo mais pleno a boa conduta e castiguem a conduta errada. Isso se dá por meio
do envolvimento político dos cristãos.
Voltemos ao texto.
“. .. porque não há autoridade que não venha
de Deus" (13.1). Nos dias de Paulo, o estado de direito já existia — era o
gigantesco Império Romano. O teísmo de Paulo o leva a crer que o estado quanto
à sua natureza é de origem divina. Isso quer dizer que o apóstolo cria que o
princípio de poder exercido pelos governantes tem sua origem em Deus. “Toda
autoridade é constituída por Deus” (Rm 13.1). Evidentemente que Paulo aqui não
se refere às formas de governos que se revezam ao longo dos séculos, mas ao
princípio de autoridade por trás desses governos. Não há base no texto para
alegar que Paulo está legitimando os governos autoritários e despóticos.
Todavia, está mostrando que Deus, na sua soberania, exerce o seu poder por
intermédio dos governantes terrenos.
A declaração do apóstolo que “não há autoridade
que não venha de Deus” (13.1) tem validação universal. Todos os governos do mundo
estão debaixo da sua autoridade e domínio. A própria história bíblica mostra
que Deus usou governantes pagãos para executar os seus propósitos, com o por
exemplo, os monarcas dos impérios medo -persa e babilônico. Ao rei da Pérsia,
Ciro, o Senhor o chamou de “meu ungido ” : “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a
Ciro, a quem tomo pela sua mão direita, para abater as nações diante de sua
face; eu soltarei os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas
não se fecharão” (Is 45.1). A Nabucodonosor, imperador babilônico, Deus o
chamou de meu servo: “Eu fiz a terra, o homem e os animais que estão sobre a
face da terra, pelo meu grande poder e com o meu braço estendido, e os dou a
quem me agrada. E , agora, eu entreguei todas estas terras nas mãos de
Nabucodonosor, rei da Babilônia, m eu servo, e até os animais do campo lhe dei,
para que o sirvam ” (Jr 27.5,6).
Essas
Escritura s mostram a soberania divina e como Ele está no controle de todas as
coisas, contrariam ente ao que ensina o novo modismo teológico denominado de
“Teísmo Aberto ” .
"... e
as autoridades que há foram ordenadas por Deus" (13.1). E m seu recente
livro Política segundo a Bíblia — Princípios que todo Cristão Deve Conhecer, o escritor
Wayne Grudem mostra vários princípios sobre o governo civil revelados por Paulo
em Romanos 13.1-7. Grudem destaca que:
1. A s
autoridades que exercem poder governamental foram ordenadas por Deus (w . 1,2).
Essa ideia é confirmada pela declaração de Jesus a Pilatos: “Nenhuma autoridade
terias sobre mim , se de cima não te fosse dada” (Jo 19.11, ARA ).
2. Os
governos civis são “motivo de temor [...] para os que fazem o mal” (v. 3), o
que significa que refreiam o mal por meio de ameaças de castigo nos casos de má
conduta. Esse conceito se harmoniza com o que é ensinado em Gênesis 9.5,6.
3. As autoridades
dão sua aprovação ou “louvor” àqueles que fazem o bem (v. 3). Além disso, a autoridade
civil “ é serva de Deus para o teu bem ” . Esse versículo indica que o governo
tem o papel de promover o bem geral da sociedade. Deve não apenas castigar a má
conduta, que contribui para o bem da sociedade.
4. Os
funcionários do governo servem a Deus. Paulo diz que os governantes são servos
de Deus “para o teu bem ” (v. 4; cf. v. 6)
5. Os
funcionários do governo fazem o “bem ” quando realizam seu trabalho. Paulo diz
que a autoridade governamental “é serva de Deus para o teu bem ” (v. 4).
Portanto, em geral, devem os considerar as atividades do governo ao recompensar
o bem e castigar o mal com o algo “bom ” , conforme a Palavra de Deus. Temos
aqui mais um motivo para ser gratos a Deus pelo governo civil. 6
6. Isso não significa, porém , que devemos considerar
bom tudo o que um governante faz! João Batista repreendeu Herodes “ por todos
os males que fiz era ” (Lc 3 .19 ). Daniel disse a Nabucodonosor: “abandona os
teus pecados, praticando a justiça ” (Dn 4 .27 ). O Antigo Testamento traz
diversos relatos de reis que fizeram “o que era mal perante o Senhor” (1 Rs 11.6,
etc.). Portanto, é apropriado dizer que os governantes fazem o “bem ” quando
cumprem suas responsabilidades com
justiça e imparcialidade, segundo os princípios de Deus para o governo.
7. As autoridades governamentais executam a
ira de Deus sobre os malfeitores e, desse modo , aplicam a punição, como fica
evidente na declaração de Paulo de que “não é sem razão que [a autoridade] traz
a espada” .7
Romanos
13.8-10 A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns
aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não
adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não
cobiçarás, e, se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume:
Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo; de sorte
que o cumprimento da lei é o amor. E isto digo, conhecendo o tempo, que é já
hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está, agora, mais perto
de nós do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, e o dia é chegado.
Rejeitemos, pois, as obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz. Andemos
honestamente, como de dia, não em glutonarias, nem bebedeiras, nem em
desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos
do Senhor Jesus Cristo e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências.
Deveres Sociais, Morais e Espirituais — Mandamentos
Verticalizados e Horizontalizados
“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o
amor com que vos ameis uns aos outros;porque quem ama aos outros cumpriu a lei”
(13.8). T endo tratado dos deveres de natureza civil, o apóstolo passa agora a
tratar dos deveres de ordem social. Em um primeiro plano, Paulo mostra que o
cristão deve ser um exemplo em honrar qualquer compromisso assumido. Lembro -me
de que há mais de trinta anos eu viajava em um ônibus intermunicipal. Na metade
do percurso, observei que bem perto de mim o cobrador daquele ônibus discutia
com um passageiro . Aquele passageiro se recusava pagar a passagem porque dizia
ser um servo de Deus. O cobrador, um velho conhecido meu , dirigiu -se a mim e
perguntou -me se era correto um “crente’ viajar sem pagar a sua passagem .
Imediatamente veio-m e à mente este versículo de Romanos 13.8: “A ninguém
devais coisa alguma, a não ser o amor” . Aquele irmão ficou extremamente
chateado com o que eu acabara de falar. Posteriormente, encontrei aquele
cobrador outra vez e ele me disse que já era uma prática daquele cidadão andar
nos ônibus e não querer pagar alegando ser um servo de Deus.
Pois bem , a
lei máxima que deve regular os relacionamentos horizontalizados, isto é, entre
pessoas, é a lei do amor. Não se trata de um poder coercitivo externo , mas a
lei que brota do coração regenerado por Deus. É evidente que Paulo não tinha em
mente limitar o crédito do cristão perante credores, mas mostrar-lhes que a
dívida que todos deveriam ter sempre era a de amar uns aos outros. Alguns
intérpretes destacam o fato de que Paulo cita aqui a segunda tábua da lei, que
continha os preceitos reguladores dos relacionamentos humanos. Todos esses
preceitos serão observados na íntegra se a lei do amor for posta em prática.
“E isto digo, conhecendo 0 tempo, que é já
hora de despertarmos do sono;porque a nossa salvação está, agora, mais perto de
nós do que quando aceitamos a f é ” (13.11). O s versículos 11 ao 14 fazem um
apelo à santidade cristã. Paulo havia falado sobre os deveres do crente em
relação ao estado. Esse cristão não devia esquecer que possuía direitos e
deveres em relação à sociedade civil. Agora deveria lembrar-se também de que
outro aspecto de sua cidadania era a celestial. O cristão , acima de tudo, é um
cidadão dos céus e como tal deve andar de acord o com os padrões desse Reino.
Maravilhosa Graça
O
relacionamento do cristão como cidadão de dois mundos (Rm 13.1-14)
Vimos que ,
em Romanos 12, o apóstolo Paulo abordou nosso relacionamento com Deus (12.1,2),
com nós mesmos (12.3-8), com nossos irmãos (12.9-16) e com nossos inimigos
(12.17-21). Agora, no capítulo 13, ele analisará mais três relacionamentos: o
relacionamento com as autoridades (13.1-7), com a lei (13.8-10) e com o dia da
volta do Senhor Jesus (13.11- 14). No capítulo 12 de Romanos, Paulo trata dos
crentes espirituais no corpo espiritual, a igreja. Esses crentes viviam no
mundo. Após dar regras de como viver na igreja, o apóstolo agora explica no
capítulo 13 de Romanos como os cristãos podem praticar seu cristianismo no
mundo secular, político e cotidiano. O cristão é um cidadão de dois mundos, de
duas ordens, e Paulo parece dizer como o Mestre: “Dai, pois, a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21).1040
Citando J.
W. Allen, F. F. Bruce afirma que o capítulo 13 da epístola aos Romanos contém o
que talvez constituam as palavras mais importantes já escritas na história do
pensamento político.1041 Consideraremos agora esses três novos relacionamentos.
Nosso relacionamento com as autoridades (13.1 -7)
Paulo
menciona “autoridades superiores” em Romanos 13.1, está referindo-se ao Estado,
com seus representantes oficiais.1042 Paulo não defende aqui nenhuma forma
específica de governo, mas afirma que esse governo é uma instituição
divina.1043
E Deus quem levanta e depõe reis. E ele quem
coloca no trono aqueles que governam e os tira do trono. Ele é quem governa o
mundo e faz isso mediante as autoridades constituídas. Deus é Deus de ordem, e
não de desordem. Ele instituiu o governo, e não a anarquia.
Calvino diz
que essas “autoridades superiores” não são as potestades soberanas que dominam
um império ou ostentam um domínio soberano, mas as que têm alguma preeminência
sobre os demais. Refere-se, por conseguinte, às pessoas chamadas magistrados, e
não a uma comparação dos distintos magistrados entre si.1044
Leenhardt
diz que nossa obediência às autoridades não é servil, mas positiva e
crítica.1045 A igreja deve ser a consciência do Estado, alertando-o sempre de
seu papel. A autoridade das autoridades possui limites. O Estado não pode ser
absolutista, divinizado. Deve ser laico e jamais interferir no foro íntimo das
pessoas para escravizar as consciências. A autoridade do Estado é delegada, e não
uma autoridade absoluta.1046
Warren
Wiersbe diz que apenas três organizações terrenas foram instituídas por Deus: a
família, a igreja e o governo humano. Suas funções não se sobrepõem, e há
confusão e problema quando isso acontece.1047
No decorrer
dos séculos a relação do Estado com a igreja tem sido notoriamente
controvertida. Quatro modelos principais já foram tentados:
o erastianismo (o Estado controla a igreja); a teocracia (a igreja controla o
Estado); o constantinismo
(compromisso pelo qual se estabelece que o Estado favorece a igreja e esta se
acomoda ao Estado a fim de garantir seus favores); e a parceria (a igreja e o Estado reconhecem e incentivam um ao
outro nas distintas responsabilidades dadas por Deus, em um espírito de
colaboração construtiva). O último parece o que melhor se encaixa no ensino de
Paulo aqui em Romanos 13.1048
Quatro
verdades básicas são abordadas pelo apóstolo no texto em tela.
Em primeiro
lugar, a origem da autoridade (13.1), sobre a qual Paulo destacada três
aspectos importantes:
a. A autoridade procede de Deus. “Todo homem esteja sujeito às
autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as
autoridades que existem foram por ele instituídas” (13.1). O apóstolo deixa
claro que nenhum indivíduo está isento dessa sujeição; nenhuma pessoa desfruta
privilégios especiais. Nas palavras de John Murray, “nem a incredulidade nem a
fé oferecem imunidade”.1049
Agora, Paulo
diz que Deus é a fonte de toda autoridade e os que a exercem o fazem por
delegação divina. A autoridade precisa reconhecer que sua autoridade é
delegada. Aquele que exerce autoridade é servo. E subalterno. E constituído por
Deus para governar em conformidade com a justiça. Deus é o protótipo e
arquétipo da autoridade. E a autoridade de Deus que se exerce, quando a
autoridade exerce sua autoridade a serviço do bem.
Franz
Leenhardt diz que a autoridade pública se manifesta nas autoridades (exousiai),
nos funcionários legitimamente incumbidos de exercê-la. A autoridade {exousiá)
é, em primeiro plano, o poder efetivo de fazer algo; em segundo lugar, o
direito de exercer tal poder; e, em última análise, é o poder político, síntese
do direito e do poder.1050
b. O compromisso de obedecer à
autoridade. “Todo
homem esteja sujeito às autoridades superiores...” (13.1). A atitude que
devemos ter em relação às autoridades é sujeição. O termo bypotalassesthai não
implica de modo algum servilismo. Trata-se de uma sujeição que visa evitar a
desordem e promover a paz, como convém no Senhor.1051O apóstolo ainda afirma:
“E necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da
punição, mas também por dever de consciência” (13.5). A obediência à autoridade
não tem o caráter de resignada submissão inspirada por temor ou medo, seja de
multa, seja de prisão.
Sua
obediência não se dá só por medo das conseqüências. Você obedece por questão de
consciência, pois aceita que a autoridade vem de Deus e, quando obedece à
autoridade, obedece a Deus.
c. A atitude de não resistir à
autoridade: “De modo
que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que
resistem trarão sobre si mesmos condenação”(13.2). A expressão “... se opõe...”
(13.2) significa “lançar em batalha contra”. Paulo fala sobre uma resistência formal,
planejada, proposital e sistemática. A resistência que podemos ter não é ao
princípio de autoridade, mas aos desmandos da autoridade.
Quando a
autoridade foge do seu caminho, quando deixa de ser ministro de Deus para fazer
o bem e punir o mal, quando oprime, quando se corrompe, quando torce as leis ou
elabora leis injustas de opressão, quando cria meios e instrumentos para
espoliar os fracos, quando suborna os tribunais, quando arrebata o direito do
inocente, quando ama o luxo e esquece a fome e a miséria do povo a quem
governa, quando promove a idolatria e induz o povo a se desviar, quando
colabora com a depravação moral e o desbarrancamento da virtude, então, esse
governo precisa ser alertado. Precisa ser alertado como João Batista alertou o
rei Herodes Antipas, como Amós alertou Jeroboão II, como os apóstolos alertaram
o sinédrio judaico, como Lutero alertou a aristocracia feudal, como Calvino
alertou os tecnocratas genebrinos, como João Wesley condenou o tráfico de
escravos na Inglaterra, como Charles Finney alertou sobre a impiedade da
escravidão na América, como Dietrich Bonhoeffer ergueu sua voz contra o nazismo
alemão.
O povo de
Deus não pode, a título de obediência, ser colaboracionista, entreguista e
conivente com a opressão, a corrupção e a maldade. A igreja europeia foi
colaboracionista com o nazismo de Adolf Hitler. No Brasil, muitos pastores
foram entreguistas no regime da ditadura e da repressão militar.1052
Quando o
governo se desvia de sua rota e se rebela contra a autoridade de Deus,
promulgando leis contrárias à lei de Deus, a desobediência civil se torna um
dever cristão, e precisamos resistir como as parteiras hebreias se recusaram a
matar os meninos recém-nascidos no Egito por ordem de Faraó (Êx E l7).
Precisamos resistir como Mesaque, Sadraque e Abede-Nego resistiram às ordens de
Nabucodonosor para adorar a sua imagem (Dn 3.15-18). Precisamos resistir como
Daniel resistiu à trama que lhe armaram para não orar a Deus (Dn 6.10).
Precisamos resistir como os cristãos primitivos resistiram para não adorar o
imperador romano, ainda que selando essa resistência com o próprio sangue,
incendiados nos jardins de Roma e rasgados por feras no Coliseu Romano.
Concordo com Charles Colson no sentido de que, em cada caso supracitado, o
propósito foi “demonstrar a submissão deles a Deus, e não a sua oposição ao
governo”.1053
John Stott é
enfático: “Se o Estado exige aquilo que Deus proíbe, ou então proíbe o que Deus
ordena, então, como cristãos, nosso dever é claro: resistir, não sujeitar-nos,
desobedecer o Estado a fim de obedecer a Deus (1 Rs 21.3; Dn 3.18; 6.12; Mc
12.17; At 4.19; 5.29; Hb 11.23)”.1054
A história
tem mostrado que, toda vez que o teísmo é aceito, a liberdade humana é
assegurada,
enquanto a tendência natural do ateísmo é sempre totalitária.1055
Oscar Culmann destacou que poucos dizeres do Novo Testamento sofreram tantos
abusos como este.1056 Muitos se entregaram à subserviência aos ditames de
governos totalitários. Nessas horas, temos de entender e responder como os
apóstolos: “Antes importa obedecer a Deus que aos homens” (At 5.29).
Todavia, é
grave pecado resistir à autoridade. Quem a resiste, resiste ao próprio Deus. E
rebelião contra Deus. E ninguém pode resistir a Deus senão para a própria ruína
e confusão. O que resiste à autoridade esforça-se para transtornar a ordem de
Deus. E essa resistência gera a desordem,patrocina a anarquia e o desgoverno, e
estabelece o caos. O texto bíblico diz: “[...] os que resistem trarão sobre si
mesmos condenação” (13.2). O evangelho é tão inimigo da anarquia quanto da
tirania.
Em segundo lugar, a natureza da
autoridade. Paulo
escreve:
Visto que a
autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme;
porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus,
vingador, para castigar o que pratica o mal. E necessário que lhe estejais
sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de
consciência (13.4,5).O apóstolo diz que a autoridade é “ministro de Deus”
(13.4). João Calvino disse: “Não se deve pôr em dúvida que o poder civil é uma
vocação, não somente santa e legítima diante de Deus, mas também mui
sacrossanta e honrosa entre todas as vocações”.1017
Os
magistrados precisam entender sua vocação, seu chamado, seu ministério. Eles
não são autocratas, mas homens vocacionados por Deus. São ministros de Deus,
diakonoi, representantes de Deus, estão sob a mão de Deus. São mordomos de Deus.
Geoffrey Wilson explica que esta passagem não consigna aos governantes carta
branca para exercitarem poderes ilimitados. Esses poderes são limitados pela
natureza da autoridade que é entregue ao magistrado civil.1058
Sua
autoridade está sob a autoridade de Deus. Seu poder não vem de si mesmo. Não
são absolutistas. Não governam à parte de Deus, sem a direção de Deus, sem
reconhecer a soberania de Deus, a justiça de Deus. Não governarão bem sem
conhecerem a ética de Deus, os valores de Deus, os propósitos de Deus, a
Palavra de Deus.
Por isso, a
autoridade nao é constituída para dominar com rigor e despotismo, com violência
e truculência, mas para o bem. A autoridade não recebe poder ilimitado para
rechaçar a autoridade de Deus que está acima.
Calvino chega
a dizer que a autoridade é vigário de Cristo, representa Deus na aplicação da
justiça e na punição do mal. Mas como pode ser ministro de Deus a autoridade
que nega que Deus existe? Como pode representar a Deus? Como a autoridade que
descrê de Deus pode agir em seu nome? Daí bandearem para o totalitarismo, para
a crueldade, os governos que aderem ao ateísmo. Daí os desatinos históricos que
trucidaram milhões de pessoas sob a tirania, a tortura e o holocausto.
No regime
despótico de Mao Tse Tung 60 milhões morreram na China. O regime nazista que
provocou a Segunda Guerra Mundial matou mais de 60 milhões. O regime stalinista
com seu ateísmo intolerante e cercas de arame farpado sacrificou milhões de
pessoas.
O fascismo e
o nazismo com sua truculência inundaram a Europa num mar de sangue. O comunismo
manteve por mais de meio século milhões de pessoas debaixo de opressão. Ainda
hoje governos absolutistas governam o povo com punhos de ferro.
Como
explicar a presença dessas autoridades más? E possível que um mau rei seja um
açoite de Deus pelo qual seu povo é disciplinado (Os 13.11). Calvino diz que é
por nossa culpa que uma bênção tão excelente de Deus se converta em
maldição.10"’9 Deus castigou Israel com a vara da Assíria e disciplinou
Judá com o cetro da Babilônia.1060
Em terceiro lugar, a finalidade da
autoridade (13.3,4).
A autoridade
constituída tem duas finalidades, ambas importantes, ambas fundamentais para o
progresso e a paz da sociedade.
a. Promover o bem (13.3,4). O objetivo do governo
civil nao é promover o bem-estar dos governantes, mas dos governados. Eles sao
ordenados e investidos de autoridade a fim de agir como terror para os
malfeitores e louvor para aqueles que fazem o bem.1061 Se a autoridade é
representante de Deus, se é vigário de Cristo, e se Deus é justo e bom, a
autoridade precisa compatibilizar-se com o caráter de quem ela representa.
Ninguém pode
representar outrem se nega esse alguém, contraria sua vontade, torce suas
palavras e conspira contra os interesses desse alguém. Qual é o ministério que
Deus confiou ao Estado? E um ministério que tem a ver com o bem e o mal. Paulo
já disse que devemos detestar o mal e apegar-nos ao bem (Rm 12.9), que não
devemos retribuir a ninguém mal por mal, mas fazer o bem perante todos os
homens (12.17), e que não devemos deixar-nos vencer pelo mal, mas vencer o mal
com o bem (12.21). Agora, ele descreve o papel que cabe ao Estado com respeito
ao bem e ao mal. O papel do Estado é promover o bem e coibir o mal (13.4).1062
A autoridade
é ministro de Deus para o nosso bem. Que tipo de bem?
— O bem espiritual. Para Calvino, o governo deve
promover a verdade. Quando um governo promove o ateísmo ou outras aberrações
que levam o povo a se desviar da verdade, está cavando a própria sepultura e
tornando-se instrumento de juízo em vez de bênção. A Bíblia diz: “Feliz a nação
cujo Deus é o S e n h o r ” (SI 3 3 .12 ).
— O bem político. O objetivo do governo civil não é
promover o bem-estar dos governantes, mas dos governados. Maldito é o ministro
que apascenta a si mesmo, e não a seurebanho. Maldito é o que legisla em causa
própria. Maldito é o governante que se deleita nas camas de marfim e nos
banquetes regalados enquanto o povo geme sob a tirania da fome.
— O bem social. O governo tem o compromisso de
promover a dignidade humana, estabelecer a justiça social, defender a
liberdade, coibir os preconceitos, defender os humildes, os fracos, os
desassistidos, os despossuídos. O governo tem de ser padrão de honestidade. Não
pode ser corrupto, imoral e parcial.
— O bem econômico. O governo tem de valorizar o homem
e o trabalho, remunerando-o com justiça para que todos possam viver dignamente.
— O bem moral. O governo deve estimular e promover
um alto nível moral do seu povo. Um povo não é forte sem valores morais
sólidos. O patrocínio da cultura imoral está destruindo nosso povo. Os grandes
reinos e nações do passado caíram não por forças externas, mas por debilidade
interna. Uma nação nunca é forte se os valores morais que a sustentam estão
entrando em colapso. Os historiadores dizem que o império romano só caiu nas
mãos dos bárbaros porque já estava podre por dentro. As grandes potências
econômicas da atualidade estão cavando a própria sepultura ao se render ao
relativismo moral.
b. Castigar o mal (13.3,4).
O Estado
recebe a incumbência de uma função explicitamente proibida ao cristão
(12.17,19). Deus proíbe ao cristão aplicar vingança pessoal e ordena ao Estado
fazê-lo. A autoridade deve ser austera no combate ao mal, pois liberdade sem
restrição resulta em anarquia. O governo não pode ser complacente com a
injustiça, com o mal, com a anarquia, com as forças desintegrado ras que tentam
anarquizar a sociedade.
A palavra
grega usada pelo apóstolo para espada, machaira, já ocorreu antes na epístola,
indicando morte (8.35), e, uma vez que foi usada no sentido de execução, parece
claro que Paulo a utiliza aqui como símbolo de punição capital.1063 Geoffrey
Wilson emboca a sua trombeta em sinal de alerta: “Nestes dias degenerados em
que o veneno do humanismo dirigiu a simpatia para o criminoso em vez de para a
vítima, deve-se notar especialmente que o apóstolo descreve os controles
impostos pela lei em termos de vingança retributiva”.1064
O governo
não pode agir com frouxidão no castigo do mal. Ele precisa punir exemplarmente
os promotores do mal. Tem de reagir com rigor e firmeza contra toda forma de
violência, crime, suborno e corrupção (13.4; Gn 9.6; Pv 17.11,15; 20.8,26;
24.24; 25.4,5).
Assim como
Deus não tolera o mal, também as autoridades devem ter pulso forte para
combatê-lo. Quando o Estado castiga um malfeitor, está agindo como servo de
Deus, executando sobre ele a ira divina (13.4).1065 Assim como Deus não tolera
a injustiça, a autoridade civil não pode ter dois pesos e duas medidas. Não
pode favorecer os poderosos e negar a justiça aos fracos. Assim como Deus não
faz acepção de pessoas, o governo civil não pode acobertar o erro daqueles que
cometem crimes de colarinho branco.
Como servos
de Deus, devemos orar pelas autoridades (lTm 2.1,2). Devemos honrá-las,
obedecer-lhes e pagar-lhes tributos. Mas devemos também confrontá-las se elas
se desviarem da verdade, pois, enquanto a autoridade governa sob o governo de
Deus e o representa, somos a consciência do Estado e devemos chamá-lo a
voltar-se a seu papel sempre que ele perder o rumo da sua caminhada.
Em quarto lugar, nosso
dever para com a autoridade.
“Por esse
motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo,
constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem
tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem
honra, honra” (13.6,7).1066 O cristão é cidadão de dois reinos: é cidadão do
mundo e cidadão do céu. Deve obediência ao Estado e obediência a Deus. Sua
obediência ao Estado é delimitada por sua obediência a Deus. O termo grego
usado aqui para “ministro” não é diakonos, como aparece no versículo 4, mas
leitourgos, que geralmente tem implicações religiosas. O termo foi usado para
descrever os anjos (Elb 1.7), os sacerdotes (Hb 8.2) e o próprio Paulo (15.16).1067
As
obrigações do cristão para com o Estado são estabelecidas por Deus. E o próprio
Deus quem nos ordena a pagar ao Estado tributo e imposto,tratando as
autoridades com respeito e honra. Uma vez que o Estado precisa prover certos
serviços e estes têm o seu custo, é absolutamente legítimo que o Estado cobre
impostos. Por isso, todo cristão deve acatar de bom grado as suas obrigações
tributárias, pagando completamente suas dívidas, tanto no nível nacional como
local. O cristão consciente submete-se à autoridade do Estado, honra seus
representantes, paga seus impostos e ora pelo bem-estar do povo (lTm
2.1-4).1068
Warren
Wiersbe argumenta que, se não pagarmos nossos impostos, demonstraremos
desrespeito para com a lei, para com as autoridades e para com o Senhor, e essa
falta de consideração afeta inevitavelmente a consciência do cristão.1069
Entretanto, o governo nao pode exorbitar em sua função, sobrecarregando o povo
com pesados e abusivos impostos, vivendo no fausto e no luxo às expensas da
pobreza e miséria do povo.
Não
poucas vezes, os profetas de Deus condenaram os reis por esse abuso e
anunciaram sobre eles o justo juízo de Deus. Se, por um lado, temos
responsabilidades para com o Estado; por outro lado, o Estado tem
responsabilidade para conosco. Quando se instalam no poder homens gananciosos e
corruptos, que mordem vorazmente o erário público, desviando os recursos dos
impostos para as suas gordas contas bancárias em paraísos fiscais, ou desviam
para o ralo da corrupção verbas que deveriam promover o bem do povo, essa
atitude má do governo deve ser denunciada com toda veemência e ousadia. O Estado não está acima da lei moral,
mas deve ser seu mordomo. Citando Agostinho, E E Bruce, registra: “Sem justiça,
que são os reinos senão grandes bandos de ladrões?”1070
Nosso relacionamento com a lei (13.8-10)
Paulo faz
uma transição de nossa relação com o Estado (13.1-7) para a nossa relação com
os irmãos (13.8-10). Ele já tratou de nossa dívida de compartilhar o evangelho
com os incrédulos (1.14), de nossa dívida para com o Espírito de viver uma vida
santa (8.12) e de nossa dívida de lealdade no pagamento dos impostos ao Estado
(13.6,7).1071 Agora, trata de uma dívida que nunca poderemos quitar
completamente, a dívida do amor. Nunca amamos em grau superlativo. Estamos
sempre aquém dessa exigência divina.
Charles
Erdman diz: “A razão de o amor ser tão importante reside no fato de que o amor
é o cumprimento de toda a lei e a lei é o próprio fundamento do Estado”.1072
Destacaremos
aqui, três pontos:
Em primeiro lugar, o amor ao próximo é uma divida impagável.
“A ninguém fiqueis devendo coisa
alguma, exceto o amor com que vos ameis uns
aos outros...” (13.8a). Conforme William Hendriksen, este versículo condena a
prática de alguns que estão sempre prontos a tomar empréstimo, porém são muito
lentos em reembolsar a soma emprestada.1073 A Bíblia diz que o ímpio pede
emprestado e não paga (SI 37.21), mas o apanágio do cristão é a honestidade.
Vale ressaltar que a expressão “uns aos outros” (13.8) não significa apenas os
irmãos na fé. Na verdade, ninguém está excluído desse amor todo abrangente.1074
Devemos livrar-nos de todas as dívidas, não negando, ignorando ou fugindo
delas, mas pagando-as: existe apenas uma dívida de que ninguém pode livrar-se,
a dívida do amor.1075
Viver como
cristão não significa apenas prontamente quitar compromissos financeiros,
legais e morais, para depois reclinar-se, desligando-se do gigantesco volume
restante de tarefas ao redor. Um cristão permanece no serviço. Jamais dirá ao
próximo: cumpri minha obrigação, estamos quites. Jamais tentará evadir-se com
ajudas que já prestou: desse e daquele me livrei, pois com essa atitude já
estaria fora do amor.1076 Não podemos amar suficientemente uma pessoa. Só Deus
pode fazê-lo de forma plena e cabal. Seremos sempre devedores em relação à
dívida do amor.
Em segundo lugar, o amor ao próximo é o cumprimento da
lei. “[...] pois quem ama o próximo tem cumprido a lei. Pois isto: Não
adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro
mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”
(13.8b,9).
O amor é essencialmente obediência. Quem ama o próximo tem cumprido
a lei. O amor não é o fim da lei, e sim o seu cumprimento. Ao afirmar que quem
ama o próximo tem cumprido a lei, Paulo cita os mandamentos da segunda tábua da
lei, ou seja, nossa relação horizontalou nosso dever para com as outras
pessoas. Quem ama não mata, não adultera, não furta nem cobiça o que é do
próximo. E conhecida a expressão usada por Agostinho de Hipona: “Ama a Deus e
faze o que quiseres”. Quando amamos a Deus e ao próximo, cumprimos a lei.
Concordo com John Stott quando ele diz que o amor e a lei necessitam um do
outro. O amor necessita da lei para orientá-lo, e a lei necessita do amor para
inspirá-la.10/7 Geoffrey Wilson completa: “A lei dá conteúdo ao amor; o amor dá
cumprimento à lei. A lei prescreve a ação, mas é o amor que constrange ou
motiva a realização da ação envolvida”.1078
Em terceiro lugar, o amor não pratica o mal contra o próximo.
“O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é
o amor” (13.10). O amor é benigno, e não maligno. O amor é altruísta, e não
egoísta. O amor coloca sempre o outro na frente do eu.O amor respeita a vida do
outro, por isso quem ama não mata. O amor respeita a honra e a família do
outro, por isso quem ama não adultera. O amor respeita os bens e a propriedade
do outro, por isso quem ama não furta. O amor respeita o bom nome do outro, por
isso quem ama não se presta ao falso testemunho. O amor não deseja o que é do
outro; antes, está contente com o que Deus lhe deu, por isso quem ama não
cobiça.
William
Hendriksen diz que cada mandamento negativo (“Não”) está na base de um
mandamento positivo. Portanto, eis o significado:
Você amará, e por isso não cometerá
adultério, mas preservará a sacralidade dos laços conjugais. Você amará, e por
isso não matará, mas ajudará seu próximo a conservar-se vivo e bem. Você amará,
e por isso nada furtará que pertença a seu próximo, mas, antes, protegerá suas
possessões. Você amará, e como resultado não cobiçará o que pertença a seu
próximo, mas se alegrará no fato de que ele possui algo.107'’
Nosso relacionamento com o tempo (13.11-14)
Depois de
falar da conduta crista em relação ao Estado e ao próximo, Paulo estabelece um
fundamento escatológico para essa conduta. Duas verdades são destacadas: o
discernimento do tempo em que vivemos e o discernimento da conduta apropriada
que devemos ter nesse tempo.
Em primeiro lugar, o discernimento do tempo em que vivemos
(13.11,12b). A luz das Escrituras Sagradas, o tempo é dividido em duas partes:
“este mundo” e “a era vindoura”. A “era vindoura” já foi inaugurada na primeira
vinda de Cristo e será consumada na sua segunda vinda. Quando Jesus voltar, na
parousia, a era presente será completamente tragada pela era vindoura, então
haverá novos céus e nova terra. Hoje, vivemos sob a tensão do “já” da
inauguração do Reino no tempo presente e do “ainda não” da consumação do Reino
na segunda vinda de Cristo.
De que forma
o cristão pode discernir o tempo em que vive?
a. Vivendo acordado e não dormindo. “E digo isto a vós outros que
conheceis o tempo: já é hora de vos despertardes do sono...” (13.11a). Passou a
hora de dormir. E hora de acordar e levantar-se.11)80 Escrevendo aos efésios,
Paulo diz: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo
te iluminará” (Ef 5.14). O cristão não pode viver anestesiado pela presente
era, numa espécie de torpor espiritual. O dia da vinda de Cristo não nos pode apanhar
de surpresa, já que ele vem como o ladrão, inesperadamente. Isso porque não
somos filhos da noite, mas do dia (lTs 5.4,5). O cristão não pode, de igual
forma, viver na prática de pecados que anestesiam sua consciência e lhe roubam
a percepção espiritual.
b. Vivendo na expectativa da
glorificação. “[...]
porque a nossa salvação está, agora, mais perto do que quando no princípio
cremos” (13.11b). Já deixamos claro nesta obra que fomos salvos quanto à
justificação, estamos sendo salvos quanto à santificação, mas seremos salvos
quanto à glorificação. O uso que Paulo faz do termo “salvação” neste versículo
11 alude à glorificação. Hoje estamos mais perto da segunda vinda de Cristo do
que quando no início cremos. Essa proximidade deve levar-nos a viver de forma
coerente com tal expectativa.
c. Vivendo na expectativa da segunda
vinda de Cristo.
“Vai alta a noite, e vem chegando o dia...” (13.12a). A noite, o velho tempo
das trevas, está bem avançada, de forma que está quase acabando; o dia da volta
de Cristo logo vem, está batendo à porta.1081 Não sabemos o dia em que Jesus
virá. Devemos viver apercebidos, para que esse dia não nos apanhe de surpresa.
Em segundo lugar, discernindo a conduta apropriada
que devemos ter nesse tempo (13.12b-14). Depois de explicar acerca do tempo,
Paulo faz algumas exortações sobre como devemos viver nesse tempo. Não basta
discernir o tempo, precisamos viver em conformidade.1082 Paulo usa três
imperativos nesta passagem: “deixemos”, “revistamos” e “andemos”. Esses três
verbos governam o pensamento do apóstolo.
a. Deixemos as obras das trevas. “Deixemos, pois, as obras das
trevas e revistamo-nos das armas da luz” (13.12b). Não basta estarmos
acordados, precisamos despojar-nos das obras das trevas. Não é suficiente
apenas tirarmos as vestes noturnas, precisamos vestir-nos das armas da luz. Um soldado
nao vive de pijamas, ele se atavia com roupas próprias para o combate. A vida
crista não é um spa espiritual, mas um campo de batalha.
b. Andemos como filhos da luz. “Andemos dignamente, como em pleno
dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em
contendas e ciúmes” (13.13). Paulo passa da vestimenta adequada ao
comportamento apropriado.1083 Paulo lista aqui seis pecados, em três pares,
tratando da falta de controle nas áreas da bebida, do sexo e dos
relacionamentos. Concordo com John Stott quando ele diz: “A falta de controle
próprio nas áreas de bebida, do sexo e dos relacionamentos sociais contradiz
totalmente um comportamento cristão decente”.1084
William
Barclay nos ajuda a entender o significado dos seis pecados mencionados aqui
pelo apóstolo Paulo.108'’
- Orgias. A palavra grega komos, traduzida
por “orgias”, originalmente se referia a uma banda formada de amigos que
acompanhava um vencedor desde os jogos até sua casa, cantando seus louvores e
celebrando seu triunfo. Logo passou a significar uma cuidadosa banda que varava
as noites com músicas. Finalmente, veio a significar a classe de pessoas que
degrada um homem e é uma moléstia para os demais. As orgias e as farras não
raro são promovidas com luxo pecaminoso, gastança perdulária e imoralidade
desenfreada. Essa atitude não é digna de um cristão.
- Bebedices. A palavra grega methe descreve a
pessoa que é dominada pela bebida e se entrega à embriaguez. Os gregos eram
grandes bebedores de vinho. Seu café da manhã era pão molhado no vinho. A
embriaguez é um vício maldito. Um copo pede pelo seguinte, até que a sociedade
toda esteja alcoolizada e os controles normais estejam desligados.1086
- Impudicícias. A palavra grega koite significa
literamente “cama”. Trata-se do desejo da cama proibida. Ou seja, da pessoa que
nao dá valor à fidelidade e busca o prazer acima do dever. E uma referência à
sexualidade sem dignidade, encontrada muitas vezes em festinhas, favorecida
pelo efeito entorpecente do álcool e excitada por alimentos fortes.1087
- Dissoluções. A palavra aselgeia é uma das mais
feias do idioma grego. Nao só descreve a imoralidade, mas também o homem que
perdeu a vergonha. A maioria das pessoas tenta encobrir seus pecados, mas o
homem em cujo coração se aninha aselgeia já não tem mais pudor nem se importa
com os escândalos.
- Contendas. A palavra grega eris refere-se ao
espírito que nasce da disputa pelo desejo de posição, poder e prestígio; ou
seja, à aversão de ser superado. Trata-se do egoísmo mais exacerbado. E o
oposto do amor.
- Ciúmes. A palavra grega zelos não é
necessariamente má em seu significado. Aqui, porém, não é zelo pelo bem, mas
ciúme, inveja, o tipo de espírito que não se contenta com o que tem e inveja o
que os outros têm.
c. Revistamo-nos do Senhor Jesus. “Mas revesti-vos do
Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas
concupiscências” (13.14). Em vez de viver premeditando como satisfazer os
desejos da carne, o cristão deve revestir-se do Senhor Jesus Cristo,
tornando-se semelhante a ele. Warren Wiersbe tem plena razão quando escreve: “O
cristão não pode planejar pecar”.1088
Todos os
deveres cristãos estão incluídos no “revestir-se do Senhor Jesus”, em ser como ele, tendo aquela semelhança de
temperamento e conduta resultante de estar intimamente unido a ele pelo
Espírito Santo. Essa união proíbe a indulgência para com toda inclinação
pecaminosa. A salvação é do pecado e para a santidade.1089 Devemos andar como
Jesus andou, falar como Jesus falou, agir como Jesus agiu, sentir como Jesus
sentiu. Jesus deve dominar-nos da cabeça aos pés!
Concluo com
as palavras de William Hendriksen:
Esta admoestação final
é um resumo muitíssimo adequado e belo do que o apóstolo já disse em 12.1—
13.13. Ela toca tanto na justificação quanto na santificação. Significa que,
havendo aceitado a Cristo e havendo sido batizado, o crente agora não deve descansar
em seus lauréis, mas deve prosseguir pondo em prática o que já havia feito em
princípio (Cl 3.27). De certo modo Paulo está dizendo: Havendo despido as
vestes do pecado, vistam-se agora, mais e mais, com o manto da justiça de
Cristo, de modo que, sempre que Satanás trouxer a lume a pecaminosidade de
vocês, lembrem-se imediatamente dele e do novo estado que desfrutam junto a
Deus.111,0
Hernandes D.
Lopes
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