quinta-feira, 26 de maio de 2016

LIÇÃO 9: A NOVA VIDA EM CRISTO




 
       Uma Vida Cheia de GRAÇA


Romanos 12.1,2 Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

As Dimensões da Adoração Cristã

“Rogo-vos,pois, irmãos...” (12.1). O apóstolo começa o capítulo 12 de Romanos com um pedido . A palavra “ rogar” traduz o termo grego parakalô, formado pela preposição grega “para” (ao lado , ao lado de) e “kaleo” (chamar). No grego clássico , essa palavra possuía uso militar e era usada quando um comandante exortava suas tropas.1 Aqui o apóstolo chama os irmãos para perto dele, para ficarem ao lado dele a fim de que possam receber as exortações que lhes dará em seguida.

"... pela compaixão de Deus... ” (12.1). A palavra traduz ida aqui como “ misericórdia ” traduz o grego oiktimos. O corre cinco vezes no Novo Testamento grego , sendo que quatro vezes é deu so paulino. O adjetivo oiktimon, deriva do dessa palavra , é traduzido em Lucas 6 .36 como “vosso Pai é misericordioso ” .2 Paulo , portanto , faz um rogo aos seus irmãos romanos, mas o faz fundamentado na misericórdia de Deus. Essa misericórdia divina está permeada na sua carta desde o primeiro capítulo até aqui. Foi essa misericórdia que acolheu a todos eles quando ainda eram pecadores.

 "... que apresenteis... ” (12.1). Para deixar os crentes em prontidão, Paulo usou uma palavra de cunho militar para exortá-los. Agora, para convocá- los à adoração , ele usa um termo extraído do ritual do culto levítico . Dentre os muitos sentidos assumidos por esse vocábulo no grego antigo, o lexicógrafo Walter Bauer destaca seu sentido figurado na linguagem do sacrifício como oferta.3 O expositor bíblico Fritz Rienecker destaca também que “ apresentar” (gr.paristemi) possui um sentido técnico para a apresentação de um sacrifício , significando literalmente “ colocar de lado ” para qualquer propósito .4

"... 0 vosso corpo em sacrifício vivo...” (12.1). Não há dúvida que Paulo tinha em mente o sistema de sacrifício levítico quando escreveu essas recomendações. Assim como um animal inocente era oferta do em sacrifício na antiga aliança, da mesma forma o cristão devia apresentar o seu corpo a Deus. A diferença era que lá a oferta era apresentada morta e aqui a oferta é apresentada viva. Ao contrário do pensamento grego , que via o corpo como a prisão da alma, Paulo dá grande importância à nossa dimensão corpórea. Devemos evitar o dualismo psico físico introduzido na cultura ocidental pelo filósofo René Descartes. Na concepção desse pensador francês, o homem é formado por uma parte pensante e outra física. Isso não deixa de ser um a verdade, mas da forma como é entendida no racionalismo cartesiano, fatia o homem em partes distintas e separadas uma da outra. A consequência é a criação de um dualismo corpo -alma onde se privilegia a parte racional humana em detrimento do seu lado subjetivo. No contexto bíblico, o homem é um ser integral, formado por espírito, alma e corpo (1 Ts 5.23; 1 C o 14.14).5

“... santo e agradável a Deus” (12.1). O sacrifício deve ser apresentado vivo, mas também de forma santa e agradável. No contexto neo testamentário, a palavra “ santo ” quer dizer “ separado ” . É um termo muito comum na Septuaginta grega quando se refere ao Tabernáculo e aos seus utensílios usados no culto. Aquele que quer servir a Deus deve ser separado para o seu serviço. Precisa, portanto , se conscientizar de que há limites que devem ser respeitados. Não há dúvidas de que a falta de vitalidade no cristianismo hodierno se dá em consequência dessa frouxidão moral, consequência de um conceito equivocado da dou trinada santificação . Quando o sacrifício é apresentado vivo e de forma santa, então ele se torna agradável a Deus. O comentarista americano Robert Gundry destaca que o sacrifício deve ser primeiramente “ ... vivo (no sentido de ‘para ’) Deus” (compare 6,13); em segundo lugar, “consagrado para Deus em vez de ser dominado pelo pecado ” (como os pagãos que desonravam seus corpos através das concupiscências, como mostra Rm 1.24); e, portanto , agradável a Deus ” (comparando com a descrição da queima de sacrifícios de animais como oferta de “um cheiro agradável ao Senhor” (L v 1.9,13,17). Só que em Romanos os sacrifícios estão vivos. Assim , “o serviço do culto é agradável” abrangendo a totalidade da conduta corporal em vez de se limitar as cerimônias ocasionais ou até mesmo regulares, como na oferta de sacrifícios de animais sob a lei mosaica.

 "... que é o vosso culto raàonal” (12.1). Robert Gundry observa que aqui Paulo contrasta a adoração pagã com a adoração cristã. Naquela o culto era irracional, adorando a criatura em lugar do Criador. Por outro lado, no culto cristão , que acontece de forma racional, o Criador, e não a criatura, se torna o centro da adoração .7 Essa recomendação apostólica está em sintonia com aquilo que ele escreveu aos crentes de Corinto , recomendando -os que fizessem tudo com “ decência e ordem ” (1 Co 14.40). Um culto cristão que não tem hora para começar nem tampouco para terminar; que é desprovido de liturgia; em que a pessoa não consegue desligar o celular; que promove o exibicionismo humano ; que é motivado por gordos cachês, etc.; não é um a adoração racional, muito menos cristã.

“E não vos conformeis com este mundo... ” (12.2). Aqui o apóstolo usa o imperativo presente com a negativa “não ” para alertar os cristãos sobre qua l postura devem assumir neste mundo . O termo schemati^esthai, traduzido aqui como “ conformar” , tem o sentido de “ moldar” . E o mesmo verbo usado pelo apóstolo Pedro quando escreveu aos cristãos: “ Como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância” (1 Pe 1.14). Assim como o líquido assume a forma do recipiente que ocupa, da mesma forma o crente, se não se guiar pela Palavra de Deus, pode ser moldado de acordo com a cultura à sua volta. Para que isso não aconteça, é preciso interromper um a ação que pode estar em curso , como sugere o tempo presente do texto grego desse versículo . O expositor suíço Frédéric Louis Godet comenta que o “ termo esquema de nota a maneira de se comportar, atitude, pose; e.schematiesthai, verbo derivado dele, significa a adoção ou imitação dessa pose ou modo recebido de conduta. O termo (este) mundo presente é usado nos rabinos para denotar todo o estado de coisas que antecede a época do Messias ; no Novo Testamento , ele  descreve o curso da vida seguido por aqueles que ainda não tenham sido submetidos à renovação que Cristo opera na vida humana. E esse modo de viver anterior à regeneração que o crente não deve imitar no uso que faz do seu corpo . E o que ele tem que fazer? Buscar um novo modelo, um tipo superior, a ser realizado por meio de um poder que atua dentro dele. Ele deve ser transformado literalmente, metamorfoseado ” .8

“ .. mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” (12.2). Paulo havia mostrado no capítulo 7, principalmente na última seção do capítulo, sobre o conflito interior que o cristão enfrenta. Ele disse que querer fazer o que era bom estava nele, m as não o efetuar. Há uma natureza adâmica que guerreia contra a nova vida. Essa natureza é estimulada pela cultura mundana que também está afastada de Deus. O crente, portanto, vive em um mundo que lhe é hostil. Seus inimigos são o Diabo, a carne e o mundo. O que fazer então para não se deixar subjugar diante dessa cultura caída? Buscando diariamente a transformação de sua mente. A palavra “transformar” traduz o grego metamorphoô, que é um termo usado para descrever a transformação da lagarta em borboleta. A mente do cristão não é passiva nem tampouco neutra; ela precisa de renovação. Paulo aconselha os crentes de Filipos ao exercício das virtudes espirituais como uma forma de renovação da mente (Fp 4.8). Quando o crente não renova a sua mente, nunca vai se assemelhar a uma linda borboleta, mas a uma lagarta feia.

"... para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (12.2). Uma mente transformada e renovada está pronta para a adoração verdadeira. Não há dúvida de que a pobreza de nossa adoração é um reflexo das mentes velhas que participam do culto. Somente uma mente renovada experimenta a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

Romanos 12.3-8 Porque, pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada: se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria.


Os Dons da Graça

“Porque, pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da f é que Deus repartiu a cada um” (12.3).

Os intérpretes chamam a atenção para a mistura cultural presente na igreja de Roma — formada por judeus e gentios. Todavia, na igreja, o corpo místico de Cristo , os cristãos não se encontram separados pela etnia. Eles formam uma unidade na diversidade. Ninguém deve olhar para o outro demonstrando superioridade, quer por status social, quer por tradição religiosa.

‘Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação” (12.4). Essa unidade é vista claramente na analogia do corpo humano , uma das preferidas pelo apóstolo (1 Co 12). O corpo humano , formado por diversos órgãos e membros, constitui-se uma unidade. Cada membro tem sua função, uns são mais utilizados no dia a dia, todavia não se sobressaem em valor em relação aos demais. Assim também é na igreja de Cristo . Se o corpo fosse forma do por um só membro, então ele não seria de fato corpo, mas uma anomalia. Todos os cristãos romanos, quer judeus quer gentios, possuíam funções diferentes dentro do propósito de Deus.

“De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada: se é profecia, seja ela segundo a medida da f é ” (12.6).

Paulo destaca a diversidade dos dons, algo parecido como que ele escreveu em 1 Coríntios 12, mostrando que eles são fruto da graça , e não mérito humano . Como escrevia para uma igreja forjada pelo fogo de Pentecostes (At 2 .10 ), os dons não lhe eram estranhos. O apóstolo não viu necessidade de dar maiores explicações sobre o uso dos mesmos como fizera na igreja de Corinto . Aqui ele destaca primeiramente o dom da profecia. No Novo Testamento, há uma diferença entre a profecia com o um dom espiritual, exercitado por qualquer crente (1 Co 14 .12 ), e o ofício profético , reservado a alguns a quem Deus escolheu (Ef 4 .11 ). Nesse aspecto , nem sempre quem profetiza é um profeta , enquanto todo profeta , evidentemente , profetiza . Isso pode ser ilustrado com as figuras de Agabo , um profeta que aparece no livro de Atos, e as filhas de Filipe, que mesmo não possuindo o oficio de profeta, no entanto, profetizavam . Foi ao profeta Agabo , e não às filhas de Filipe , que o Espírito Santo usou para falar com Paulo (At 11.28; 21 .8 -1 1 ).O conceituado teólogo Wayne Grudem escreveu em 1988 u m livro sobre o dom da profecia no Novo Testamento , ao qual intitulou de O Dom da Profecia. A tese de Grudem é que a profecia no Novo Testamento não está no mesmo patamar daquela dos profetas do Antigo Testamento. Ele argumenta que essas profecias “eram simplesmente um relatório bastante humano — e, às vezes, parcialmente equivocado — do que o Espírito Santo trazia à mente de uma pessoa em especial” .9 Para fundamentar sua tese, Grudem cita o caso de Agabo , profeta do Novo Testamento . Primeiramente , ao fazer uma análise de Atos 21 .10 ,11 , Grudem acusa Agabo de tentar falar como os profetas do Antigo Testamento : “ a frase introdutória de Agabo — “Assim diz o Senhor” —- sugere uma tentativa de falar como os profetas do AT que diziam : “Assim diz o Senhor...” . 10 Grudem vai mais longe em seu argumento e tenta agora provar que Agabo mentiu e que , se vivesse nos dias do Antigo Testamento , seria apedrejado como falso profeta . “Pelo padrão do AT ” , diz ele, “Agabo teria sido condenado como falso profeta , porque em Atos 21 .27 -35 nenhuma de suas previsões é cumprida ” .11 De acordo com Grudem , o primeiro erro de Agabo teria sido a sua previsão errada de quem “ amarraria ” a Paulo. Agabo dissera que seriam os judeus, quando na verdade foram os romanos. O segundo erro de Agabo , na análise de Grudem , foi ter se enganado quanto ao fato de ter predito que os judeus “ entregariam ” Paulo nas mãos dos gentios quando na verdade as autoridades romanas (gentios) o teriam tomado à força das mãos dos judeus.

 Pois bem , eu lamento que Wayne Grudem , na sua análise, chegue a essa conclusão totalmente divorciada do texto bíblico . A sua exegese simplesmente não se sustenta dentro do contexto da teologia lucana registrada em Atos. Em primeiro lugar, se Agabo , de fato, tivesse errado ou mentido como sugeriu Grudem , Lucas — que escreveu o livro de Atos e acompanhou Paulo a partir de Ato s 16.10 — teria sido o primeiro a dizer isso. Pelo contrário, não há nada na teologia lucana que sugira isso. A teologia carismática de Lucas, com o demonstrou Roger Stronstad, mostra que Agabo está dentro daquilo que foi profe tizado na era messiânica — a restauração do Espírito profético na era da igreja .12 Lucas mostra Agabo , dentro da nova era messiânica , como um verdadeiro profeta do Senhor. A acusação de que Agabo se confundiu e errou ao trocar “judeus” por “romanos” , simplesmente não se sustenta. O profeta previu a causa do aprisionamento de  Paulo , o que está claramente mostrado em Atos 21 .27 -30, que ele foi motivado pelos judeus. “ Quando os sete dias estavam quase a terminar, os judeus da Ásia , vendo -o no templo , alvoroçaram todo o povo e lançaram mão dele” (At 21 .27 ). Os judeus foram a causa do aprisionamento de Paulo, e o Espírito profético que estava sobre Ágabo viu com antecipação esse fato. Se um juiz manda prender um marginal e o policial cumpre a ordem , ninguém vai dizer que o policial prendeu o bandido , mas que o juiz fez isso . O juiz foi a causa da prisão. Da mesma forma, quem causou o aprisionamento de Paulo foram os judeus, e não os gentios. Grudem , que se apega a minúcias do texto g rego , quando tenta desacreditar o profeta Ágabo , deveria ter percebido que o termo grego “ agarraram ” (gr. epiballâ) usado em Atos 2 1.27,30 , tem o sentido de “capturar” , “lançar as mãos sobre” , e é usado em relação ao s judeus, e não ao s romanos.

O segundo suposto erro de Ágabo , na análise de Grudem , está nos detalhes do cumprimento da profecia . Em vez de Paulo ter sido “ entregue ” , na verdade ele teria sido “ tomado ” à força pelos gentios. Isso é confundir seis com meia dúzia. Grudem aqui gasta muita tinta fazendo cruzamento de referências paRa mostrar que, levando -se em conta esses detalhes , Ágabo errou redondamente . Um exemplo da profecia do Antigo Testamento resolve essa questão dos detalhes que acompanham aquilo que o cronista registra em pronunciamento profético. A profecia possui uma essência, uma mensagem principal, sendo que os detalhes não a contradizem . Vejamos o livro de 2 Reis 9 .1-10. Nesse texto , o profeta Eliseu chama um dos filhos dos profetas e manda-o entregar uma profecia a Jeú , comandante das forças de Israel. Eliseu deu instruções detalhadas ao seu discípulo dizendo que deveria levar um vaso de azeite e, lá chegando , profetizar: “Assim diz o Senhor: Ungi-te rei sobre Israel. Então , abre a porta , e foge, e não te detenha s” (2 Rs 9.3). Era só isso que o profeta mandou dizer. Mas veja os detalhes que são acrescentados na entrega da profecia nos versículos 6 a 10: “Então, se levantou , e entrou na casa, e derramou o azeite sobre a sua cabeça, e lhe disse: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Ungi-te rei sobre o povo do Senhor, sobre Israel. E ferirás a casa de Acabe, teu senhor, para que eu vingue o sangue de meus servos, os profetas, e o sangue de todos os servos do Senhor da mão de Jezabel. E toda a casa de Acabe perecerá; e destruirei de Acabe todo varão , tanto o encerrado como o livre em Israel. Porque à casa de Acabe hei de fazer como à casa d e Jeroboão , filho de Nebate, e como à casa de Baasa, filho de Aías. E os cães comerão a Jezabel no pedaço de campo de Jezreel; não haverá quem a enterre. Então abriu a porta e fugiu ” (2 R s 9 .6-10).

Se Paulo foi “entregue” ou “tomado à força” em nada muda a essência da profecia de Agabo da mesma forma que os detalhes da profecia do discípulo dos profetas em nada destoou da profecia original que lhe foi entregue por Eliseu . A essência da profecia era clara (Paulo será preso ), como era clara a profecia de Eliseu (Deus ungiu a Jeú rei). Ambas se cumpriram na íntegra!

Os Melhores Dons I

 Cabe a inda observar sobre os dons no contexto paulino que os melhores dons eram aqueles que maior edificação trazem à igreja. Visto que a profecia, uma fala inspirada pelo Espírito Santo, alcançava o maior número de pessoas, Paulo a via como o mais útil. O critério a ser adotado, portanto , no uso dos dons espirituais é a edificação .13

 “Se é ministério, seja em ministrar...” (12.7). A palavra “ministério ” é a tradução do grego diakonia, e aqui significa “ serviço ” . Paulo escrevia para uma igreja jovem , forma da por leigos, portanto , esse termo não possuía a conotação de “ministro ” que lhe é atribuída hoje. Todavia, o “ministro ” como uma função, e não como um ofício, pode ser visto aqui da mesma forma que Paulo se refere à função dos que “ensinam ” , isto é, os mestres, nesse mesmo versículo. Devemos, no entanto, observar que o clericalismo rígido como o conhecem os hoje só aparece no segundo século da igreja cristã. Isso não quer dizer que a organização ou instituição não são importantes. São, mas não podem se sobressair à igreja. A instituição está contida na igreja, e não o contrário.

"... se é ensinar, haja dedicação ao ensino” (12.7). Paulo passa então a se dirigir aos mestres (gr. didaskalos). Os mestres estão listados como um dos dons quíntuplos do ministério, ao lado de apóstolos, profetas, evangelistas e pastores (Ef 4 .11). Eles são importantes porque através da instrução ajudam na formação espiritual da igreja. Lucas os cita em Atos 13.1, quando a igreja enviou pela primeira vez os seus missionários. Uma igreja sem instrução não cresce, apenas incha. E por isso que os mestres precisam ser diligentes e esmerar-se no exercício de seus ofícios. Outros dons listados por Paulo são os de exortar, contribuir, presidir e exercer misericórdia (v. 8).

Romanos 12.9-21 O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. Não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor; alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração; comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade; abençoai aos que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram. Sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos. A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas perante todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.

Fervendo no Espírito

 Esta seção que se estende do versículo 9 ao 21 de Romanos 12 reúne diversos conselhos de Paulo. Vou relacioná-los aqui;

 • Evitar o fingimento (1 2 .9 ) — os relacionamentos precisam ser autênticos. Não podemos expressar akoinonia cristã comum coração hipócrita.

• Evitar flertar com o mal (12.9) — o conselho de Paulo é que os crentes devem detestar o mal. No original, a ideia é a de repulsa pelo mal.

• Evitar a primaria (12.10) — esse problema será resolvido quando o outro, e não nós, ocupar o primeiro lutar. O egoísmo é uma das principais e piores formas de pecado.

• Evitar a frieza espiritual(12.11) — a ideia do texto no original é que os crentes devem “ ferver no Espírito Santo ” . Fervor não é sinônimo de fanatismo nem tampouco de barulho. Fervor significa o cristão ter um coração incendiado pelo Espírito Santo.

• Saber esperar (12.12) — a esperança do cristão é fundamentada na justificação pela fé. Ela se alicerça nas promessas de Deus. Paulo falou da esperança cristã em Romanos 5.

. Saber ser resignado (12.12) — não é fácil ser paciente no sofrimento. Todavia, as tribulações no evangelho de Paulo fazem parte do crescimento na fé.

. Saber orar (12 .12 ) — só vence na oração quem sabe esperar. Perseverar na oração é um dos mais repetidos mandamentos bíblicos. Precisam os ser perseverantes na oração.

. Aprender a compartilhar (12 .13 ) — Paulo sempre demonstrou preocupação com a vida social d a igreja. Sempre procurou ajudar os mais necessitados. Resgatou um m andamento de Jesus que havia sido esquecido , o qual nem mesmo os Evangelhos registraram : “Mais bem -aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35).

. Aprender a acolher (12.13) — ser hospitaleiro é uma virtude que o cristão nascido de novo precisa exercitar. Quem é hospitaleiro sabe dividir como outro parte de sua vida. E um excelente antídoto contra o veneno do egoísmo.

. A prender a abençoar (1 2 .1 4 ) — a maldiçoar é mais fácil do que abençoar. Mas Paulo exorta os crentes a abençoar seus inimigos. Acredito que o sentimento de vingança é a causa da prisão espiritual de muitos cristãos.

. Aprender a se identificar com 0 próximo (12.15) — devemos estar nas festas bem como nos velórios. E fácil se alegrar com quem está alegre, mas não é fácil chorar com quem chora. Para viver a vida cristã plena, uma coisa não pode ser feita sem a outra. . . . .Aprender a se humilhar (12.16) — estar em evidência é um a tentação que assedia todo cristão. Ninguém quer ficar p or baixo, m as sem pre no topo. A tentação de estar na vitrine o tempo todo é uma das armas mais letais d o Diabo.

.  Aprender a perdoar (12.17-20) — um a das razões que a Bíblia dá para Deus ter se agradado da oração de Salomão foi que ele não desejou a morte de seus inimigo s (1 Rs 3.11). Se quisermos orar com eficácia, devem os esvaziar o coração de todo sentimento de vingança.

. Aprender a lutar (12.21) — vencer o mal com o bem é uma arma eficaz no combate cristão.

 Maravilhosa Graça
Uma Vida Cheia de Graça




               
-21)


Nos capítulos 1—2, Paulo abordou o sacrifício que Cristo fez por nós na cruz como prova da misericórdia de Deus; agora, ele versa sobre o sacrifício que devemos oferecer a Deus como prova da nossa gratidão a ele .
Até o capítulo 11 Paulo tratou da doutrina; agora, tratará da ética. Ele passa da teologia para a vida, do ensino para o dever. E E Bruce afirma que a Bíblia nunca ensina uma doutrina para torná-la simplesmente conhecida. Ela é ensinada para que seja transferida para a prática. Paulo repetidamente apresenta uma exposição doutrinária, e em seguida uma exortação ética, interligando ambas, como aqui, pela conjunção “pois” (12.1). 990
 Nunca é demais ressaltar que Paulo sempre baseia o dever na doutrina; deduz a vida da crença; mostra que o caráter é determinado pelo credo.991

No capítulo 12, Paulo foca sua atenção nos relacionamentos: com Deus, com nós mesmos, com o próximo e com os inimigos. Uma vida transformada tem relacionamentos transformados. Não podemos amar a Deus e odiar nossos irmãos. Não podemos ter um relacionamento vertical correto se os relacionamentos horizontais estão errados.

Relacionamento com Deus (12.1,2)

Paulo observa que Cristo entregou seu corpo na cruz como sacrifício vicário e morreu por nós, varrendo todas as vítimas mortas do altar de Deus; agora, devemos entregar nosso corpo como sacrifício vivo a Deus como nosso culto racional. Paulo roga pelas misericórdias de Deus, ou seja, com base no que Deus fez por nós. Stott diz que não há motivação maior para uma vida de santidade que contemplar as misericórdias de Deus.992 No Novo Testamento, se a teologia é graça, a ética é gratidão.993
Duas verdades nos chamam a atenção aqui:

Em primeiro lugar, corpos consagrados. “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (12.1). O apóstolo usa o verbo parakaleo, “rogar”, que mescla súplica e autoridade.994 A razão pela qual Paulo roga aos crentes judeus e gentios com esse tom de autoridade é porque Deus já lhes havia demonstrado sua copiosa misericórdia. O termo “apresentar”, neste versículo, significa “apresentar de uma vez por todas”.995 Paulo ordena uma entrega definitiva do corpo ao Senhor, como os noivos se entregam um ao outro na cerimônia de casamento. Esse sacrifício é descrito como “vivo” em contraste com os sacrifícios antigos cuja vida era tirada antes de ser apresentada sobre o altar; como “santo”, isto é, consagrado, separado e reservado para o serviço de Deus, e “agradável a Deus” como o ascender em sua presença da oferta aromática de outrora.996

A sociedade contemporânea idolatra o corpo. As academias de ginástica estão lotadas. Gastamos rios de dinheiro com cosméticos. Cultuamos a beleza e também a força. A Palavra de Deus, entretanto, nos ensina não a cultuar o corpo, mas a cultuar a Deus por intermédio do corpo.997

Antes da nossa conversão oferecíamos os membros do nosso corpo ao pecado (6.12-14). Agora, oferecemos nosso corpo como sacrifício vivo a Deus. Não oferecemos mais um cordeiro morto no altar, mas nosso corpo vivo. Nosso corpo não é uma tumba como pensavam os gregos. E o templo do Espírito Santo, a morada de Deus. Foi comprado por alto preço e devemos glorificar a Deus no nosso corpo. O próprio Deus não vacilou em tomar um corpo humano e nele viver. Nosso corpo será ressuscitado e glorificado um dia. Consequentemente, o culto racional ou espiritual que prestamos a Deus pela consagração do nosso corpo não é prestado apenas nas cortes do templo ou no edifício da igreja, mas na vida do lar e no mercado de trabalho.998 A isso Adolf Pohl corrobora: “O que Paulo vislumbra não é o culto delimitado, restrito a uma hora e a um recinto”.999

Concordo com John Stott quando diz que nenhum culto é agradável a Deus quando é unicamente interior, abstrato e místico; nossa adoração deve expressar-se em atos concretos de serviço manifestados em nosso corpo.1000
Glorificamos a Deus em nosso corpo quando contemplamos o que é santo, quando nossos ouvidos se deleitam no que é puro, quando nossas mãos praticam o que é reto, quando nossos pés caminham por veredas de justiça. Para Geoffrey Wilson, uma santificação que não se estenda ao corpo é essencialmente espúria.1001 Citando Crisóstomo, William Greathouse pergunta:

Como pode o corpo tornar-se um sacrifício? Deixe que o olho não veja nada mau, e ele se tornará um sacrifício; permita que a língua não diga nada vergonhoso, e ela se tornará uma oferta; deixe que a mão não faça nada ilegal, e ela se tornará uma oferta em holocausto. Não, isso não será suficiente, mas precisamos ter a prática ativa do bem - a mão precisa dar esmola; a boca precisa abençoar em lugar de amaldiçoar; o ouvido precisa dar atenção sem cessar aos ensinamentos divinos. Pois um sacrifício não tem nada impuro; um sacrifício é a primícia de outras coisas. Portanto, que nós possamos produzir frutos para Deus com as nossas mãos, com os nossos pés, com a. nossa boca e com todos os nossos outros membros.1002

Paulo diz que a oferta do nosso corpo a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável é nosso culto racional. A palavra grega logikos, “racional”, carrega a ideia de razoável, lógico e sensato. Trata-se, portanto, de um culto oferecido de mente e coração, culto espiritual em oposição a culto cerimonial.1003 Para F. F. Bruce, talvez seja preferível “culto espiritual”, em contraste com as exterioridades do culto do templo de Israel.’004 Para Adolf Pohl, o culto racional é apenas um culto que responde de modo coerente e adequado à misericórdia de Deus em Jesus Cristo.1005

Em segundo lugar, mentes transformadas. “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (12.2). Há duas palavras que regem esse versículo: conformação e transformação. 
O mundo tem uma fôrma. Essa fôrma é elástica e flácida. A fôrma do mundo é a fôrma do relativismo moral, da ética situacional e do desbarrancamento da virtude. O crente é alguém que não põe o pé nessa fôrma. Não se amolda ao esquema do mundo, mas se transforma pela renovação da mente. A fôrma do mundo é um esquema que muda todo dia. Em vez de entrar nessa fôrma para sermos conformados a ela, devemos ser transformados de dentro para fora, pela renovação da nossa mente.

Em vez de viver pelos padrões de um mundo em desacordo com Deus, os crentes são exortados a deixar que a renovação de sua mente, pelo poder do Espírito Santo, transforme sua vida harmonizando-a com a vontade de Deus.1006 Nas palavras de William Barclay: “Não devemos ser como o camaleão que assume as cores daquilo que o cerca’.1007

O cristão não deve adotar o padrão exterior e transitório deste mundo, mas ser transformado em sua natureza íntima. Paulo usa duas palavras para fôrma: squema, em referência a uma fôrma que muda todo dia, e morphe, em alusão a uma fôrma imutável. Squema significa “aparência exterior” e morphe, “essência interior”.1008 O termo traduzido aqui por “transformar” é o mesmo traduzido por “transfigurar” em Mateus 17.2. Em nossa língua, eqüivale à palavra “metamorfose”. Descreve uma mudança que ocorre de dentro para fora.1009 Em vez de adotar o padrão exterior e transitório deste mundo, devemos ser transformados em nossa natureza íntima. O crente não deve conformar-se com o mundo porque a fôrma do mundo muda todo dia. O errado ontem é certo hoje. O repudiado ontem é aplaudido hoje. O vergonhoso ontem é praticado à luz do dia hoje. Nós, porém, seguimos um modelo absoluto, que jamais fica obsoleto. Esse modelo é Jesus!

Warren Wiersbe diz: “Se o mundo controla nossa maneira de pensar, somos conformados, mas, se Deus controla nossa maneira de pensar, somos transformados'.1010 A transformação interior é a única defesa efetiva contra a conformidade exterior com o espírito do tempo presente.1011 Temos, assim, uma metamorfose gerada pelo Espírito Santo. Quando nosso corpo é consagrado e nossa mente é transformada, nosso culto torna-se racional e experimentamos a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.

Relacionamento com nós mesmos (12.3-8)

O cristão é uma pessoa que tem uma visão correta de si mesmo. Destacamos dois pontos:

Em primeiro lugar, o cristão tem uma avaliação honesta de si mesmo. “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (12.3). Nessa avaliação de si mesmo, há dois perigos que precisam ser evitados:

a. O complexo de superioridade (12.3). Não podemos pensar acerca de nós mesmos além daquilo que convém. Não há espaço para a soberba, arrogância e altivez no coração de quem foi salvo pela graça. Tudo o que temos é o que recebemos de Deus. Tanto a salvação que recebemos pela fé como os dons que recebemos para o serviço são dádivas do Deus triúno. Warren Wiersbe diz corretamente que os dons espirituais são instrumentos que devem ser usados para a edificação, não brinquedos para a recreação nem armas de destruição.10'2 Paulo denuncia o pecado do complexo de superioridade em lCoríntios 12.21: “Nao podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não preciso de vós”.

b. O complexo de inferioridade (12.3). Tanto os que se exaltam como aqueles que se rebaixam aviltam a graça de Deus. Negar a realidade da nossa salvação, negar a honrosa posição que temos como filhos de Deus é uma falsa humildade. Os puritanos diziam: “Achas pouco o fato de seres amado por Deus?” O cristão não pode ter uma autoimagem achatada. Ele é filho de Deus, herdeiro de Deus, a herança de Deus, a menina dos olhos de Deus. Paulo combateu o pecado do complexo de inferioridade quando escreveu: “Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo. Se o ouvido disser: Porque não sou olho, não sou do corpo; nem por isso deixa de o ser” (ICo 12.15,16).

Em segundo lugar, o cristão tem uma compreensão correta dos seus dons espirituais (12.4-8). E necessário dar atenção ao que Paulo escreve:
Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; Ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria.
Romanos 12:4-8

Pertencemos uns aos outros, ministramos uns aos outros e precisamos uns dos outros. Quatro verdades devem ser aqui destacadas acerca dos dons que recebemos de Deus:

a. A unidade (12.5). Somos um só corpo. Fazemos parte de uma só família. Somos um só rebanho. Embora coletivamente sejamos vários membros, somos um só corpo. O que dá unidade a esse corpo é estarmos ligados ao mesmo cabeça e sermos irrigados pelo mesmo sangue.

b. A diversidade (12.4-6a). Segundo F. F. Bruce, a marca das obras de Deus é a diversidade, não a uniformidade. Assim é com a natureza; assim é também com a graça, e em nenhum lugar mais que na comunidade cristã. Nesta há muitos homens e mulheres das mais diversas origens, ambientes, temperamentos e capacidades. E não só isso, mas, desde que se tornaram cristãos, são também dotados por Deus de grande variedade de dons espirituais. Entretanto, graças a essa diversidade e por meio dela, cada um cooperar para o bem do todo.1013 Assim como o corpo tem vários membros, Deus concedeu à igreja vários dons. Somos diferentes uns dos outros para suprir as necessidades uns dos outros.

c. A mutualidade (12.5). Paulo diz que somos membros uns dos outros. Não estamos competindo uns com os outros; antes, servimos uns aos outros. Não atacamos uns aos outros; antes, protegemos uns aos outros. Preciso das mãos para levar o alimento à boca; dos olhos para vê-lo, do olfato para sentir seu aroma; dos dentes para mastigá-lo; da garganta para engoli-lo; do estômago para processá-lo. Todos os membros trabalham para a edificação do corpo e cooperam com igual cuidado a favor uns dos outros (lCo12.25)

d. A utilidade (12.6b-8). Temos vários dons. Nesta lista, os dons são dados pelo Pai. Em ICoríntios 12, os dons são dados pelo Espírito. Em Efésios 4, os dons são dados pelo Filho. Os dons mencionados em Romanos 12.6-8 são divididos em duas categorias: dons de fala (profecia, ensino e exortação) e dons de serviço (servir, contribuir, liderança e mostrar misericórdia).1014 E bastante óbvio que o apóstolo nao está falando de cargos, mas de dons. Nem todo dom implica um cargo diferente. Muitos dons não exigem nenhum cargo.1015 Consideraremos a seguir esses dons espirituais.

- O dom de profecia. “[...] se profecia, seja segundo a proporção da fé” (12.6b). William Barclay diz que, no Novo Testamento, a profecia raramente tem a ver com a predição do futuro; geralmente se refere à proclamação da Palavra de Deus (ICo 14.3,24,31).1016 Devemos fazer uma distinção entre o ofício de profeta no Antigo e Novo Testamentos e o dom de profecia. Hoje não há mais profetas no sentido daqueles primeiros profetas, que se tornaram o fundamento da igreja (Ef 2.20) e receberam a revelação divina para o registro das Escrituras. Hoje qualquer manifestação subsequente deste dom deve ser submetida à doutrina autorizada dos apóstolos e profetas originais, conforme consta do cânon das Escrituras. Hoje Deus não revela mais “verdade nova” diretamente. Sendo, assim, o dom de profecia é o dom de entender as Escrituras e explicá-las. É apresentar ao povo de Deus verdades recebidas não por revelação direta, mas pelo estudo cuidadoso da Palavra de Deus, completa e infalível. Quando Paulo diz: “Se profecia, seja segundo a proporção da fé”, precisamos entender que “fé” aqui não é subjetiva, mas fé objetiva, ou seja, o conteúdo geral das Escrituras (Jd 3; lP e4 .1 0 ,ll).

- O dom de ministério. “Se ministério, dediquemo-nos ao ministério...” (12.7a). Se a profecia envolve demonstrar o amor de Cristo aos homens pela pregação da Palavra; a diakonia, “o dom de serviço”, implica demonstrar o amor de Cristo às pessoas por atos de serviço. Quem tem esse dom é especialmente prestativo. Está sempre atento e disposto a ajudar e servir (Lc 10.40).

- O dom de ensino. “[...] ou o que ensina esmere-se no fazê-lo” (12.7b). A mensagem de Cristo nao deve ser apenas proclamada, mas também explicada. Quem tem o dom de ensino apresenta propensão natural para o estudo. Trata-se do indivíduo que investe na pesquisa, que se deleita no exame da Palavra e se alegra em compartilhar com outros esse conhecimento. Envolve a habilidade de aprofundar-se nas insondáveis riquezas do evangelho de Cristo e aclará-las em detalhes para a igreja (At 13.1; 15.35; 20.20; lTm 2.2).

- O dom de exortação. “Ou o que exorta faça-o com dedicação” (12.8a). Se o ensino se dirige ao entendimento, a exortação é dirigida à consciência e às emoções. Estes devem sempre estar juntos, pois enquanto a exortação recebe conteúdo do ensino, o ensino recebe sua força da exortação.1017 O dom de exortação é a habilidade de estar do lado de outra pessoa para encorajá-la, fortalecê-la e consolá-la. Quem tem o dom de exortação faz a aplicação pessoal do que é declarado pelo profeta e praticado pelo
mestre. Este é o dom de tornar a doutrina viva na vida do cristão, despertando-o, encorajando-o, corrigindo-o, a fim de que ele tenha a vida de Cristo (15.14)

- O dom de contribuição. “[...] o que contribui, com liberalidade” (12.8b). O dom de contribuição é a habilidade especial de ofertar, repartir e compartilhar bens materiais com as pessoas em suas necessidades, na medida de suas posses e até acima delas (2Co 8.1-5). Aqueles que de graça receberam devem livremente dar, sem desejo ulterior de ganho ou desejo ostentatório de fama.1018 E importante ressaltar que não está em foco a quantidade, por isso não só os ricos podem contribuir. Quem tem esse dom jamais vê a contribuição como um peso ou uma obrigação, mas como um privilégio.

- O dom de presidência. “[...] o que preside, com diligência” (12.8c). Deus habilita alguns membros do corpo a exercer a liderança, dando-lhes o dom da presidência. Trata-se do dom de dirigir, liderar, controlar (ITs 5.12; IPe 5.2,3). A palavra grega proistemi traz a ideia de ficar em pé diante de alguém. Liderar é ir adiante de alguém para guiar (Jo 10.27). O líder é aquele que inspira confiança nos outros. É aquele que está disposto a correr riscos e enfrentar perigos para defender seus liderados. O líder é aquele que sobe nos ombros dos gigantes e tem a visão do farol alto, e ao mesmo tempo tem uma atitude de humildade e usa sua liderança não para servir-se dos liderados, mas para servi-los com diligência. O líder é aquele que delega responsabilidades e ao mesmo tempo encoraja e aprecia o trabalho dos liderados. O líder é aquele que influencia pelo exemplo, é organizado, analítico, ágil e eficaz. Adolf Pohl diz que uma igreja na qual a função diretiva é negligenciada eqüivale a um rio sem leito. Muitas coisas se dispersam e não produzem resultado.1019

- O dom de misericórdia. “[...] quem exerce misericórdia, com alegria” (12.8d). O dom de misericórdia é aquele que leva o cristão a envolver-se com os aflitos e socorrê- los em suas angústias, fazendo isso com espontaneidade e alegria. E o dom de consolo. E lançar o coração na miséria do outro. É sofrer com o outro; é ter empatia (Lc 10.33­35). Adolf Pohl diz que, assim como Jesus, sua igreja se torna um ímã para um número enorme de fracos, doentes e pobres. Por isso, há diversos membros que recebem com clareza especial o carisma de Jesus de compadecer-se.1020 O

dom de misericórdia move as ações sociais mais sublimes. Certamente George Muller foi movido por esse dom ao criar na cidade de Bristol, na Inglaterra, orfanatos para cuidar de crianças pobres. Nao há dúvida de que Robert Raykes foi motivado por esse dom espiritual ao criar a Escola Dominical em Gloucester, na Inglaterra, em 1780, com o propósito de ensinar a Palavra de Deus às crianças que andavam errantes pela cidade. Aqueles que têm o dom de misericórdia identificam-se espontaneamente com os que sofrem (Hb 13.3) e manifestam compaixão em ações práticas que aliviam o sofrimento (Jó 29.15,16; Pv 31.20).

Relacionamento com os irmãos (12.9-16)
O amor deve reger nossos relacionamentos. O amor é o sistema circulatório do corpo espiritual, permitindo que todos os membros funcionem de maneira saudável e harmoniosa.1021 John Stott diz que a receita do amor tem doze ingredientes:1022

a. Sinceridade. “O amor seja sem hipocrisia” (12.9a). A palavra grega anypokritos, “sem hipocrisia”, é muito interessante. Hypokrites era o ator que participava de um drama. No entanto, a igreja não pode transformar-se num palco. Afinal, o amor não é teatro; ele faz parte da vida real.

b. Discernimento. “Detestai o mal, apegando-vos ao bem” (12.9b). O cristão deve amar e odiar com a mesma intensidade. Deve apegar-se ao bem e abominar o mal com todas as forças da sua alma. Precisa sentir aversão e repugnância pelo mal. Não pode ser uma pessoa amorfa, insípida, que fica sempre em cima do muro, sem se posicionar.

c. Afeição. “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal” (12.10a). Paulo usa neste versículo duas palavras gregas distintas para amor: philadelplria e philostorgos. A primeira descreve o amor fraternal, ou seja, o amor de irmãos e irmãs uns pelos outros. A segunda descreve a afeição natural que sentimos pelos nossos familiares, tipicamente o amor dos pais pelos filhos. Ambas as palavras eram aplicadas a relações de sangue dentro da família humana.1023 Devemos amar nossos irmãos em Cristo como amamos os membros da nossa família de sangue.

d. Honra. “[...] preferindo-vos em honra uns aos outros” (12.10b). O amor na família cristã deve expressar-se em honra mútua, assim como em afeição mútua.

e. Entusiasmo. “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (12.11). A apatia não combina com a vida cristã. O crente precisa ser um indivíduo em chamas para Deus. Precisa arder de zelo pelas coisas de Deus. E alguém que serve a Deus com fervor. Aqueles que são mornos provocam náuseas em Jesuse, à semelhança da igreja de Laodiceia, estão prestes a ser vomitados pelo Senhor.

f. Paciência. “Regozijai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, na oração, perseverantes” (12.12). O crente cruza os vales da vida com os olhos cravados na esperança da gloriosa volta de Cristo. Ele se alimenta de uma viva esperança, enquanto pacientemente enfrenta as tribulações com uma vida de oração perseverante. William Hendriksen diz que a esperança da salvação futura (5.2,4,5; 8.24,25;15.4,13) estimula a alegria presente.1024

g. Generosidade. “Compartilhai as necessidades dos santos” (12.13a). O verbo grego koinoneo, “compartilhar”, pode significar tanto participar das necessidades e dos sofrimentos dos outros, como repartir os nossos recursos com eles.1025

h. Hospitalidade. “[...] praticai a hospitalidade” (12.13b). Se com os necessitados precisamos ser generosos, com os visitantes devemos ser hospitaleiros. E preciso haver umequilíbrio entre philadelphia (amor pelos irmãos e irmãs) e philoxenia (amor pelos estranhos).1026

i. Boa vontade. “Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis” (12.14). O cristão deve desejar o bem até mesmo para aqueles que lhe desejam o mal.

j. Simpatia. “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (12.15). O amor nunca se mantém longe das alegrias e das dores dos outros. Assim como o gozo dividido é dobrado, também a tristeza dividida é reduzida à metade. Citando Crisóstomo, Geoffrey Wilson alerta para o fato de que é mais fácil chorar com os que choram que se alegrar com os
que se alegram; porque a própria natureza estimula o primeiro, mas a inveja bloqueia o segundo.1027

k. Harmonia. “Tende o mesmo sentimento uns para com os outros” (12.16a). Os cristãos devem viver em concordância uns com os outros. Devem ser unânimes entre si, nutrir os mais nobres sentimentos e praticar as mais excelentes atitudes entre si.

1. Humildade. “[...] em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde; não sejais sábios aos vossos próprios olhos” (12.16b). Entre os cristãos não há espaço para o esnobismo. O amor coloca o outro na frente do eu.
Sintetizando esses doze ingredientes, destacamos cinco verdades importantes:

Em primeiro lugar, devemos abrir nosso coração (12.9,10). Paulo diz que o nosso amor pelos irmãos deve ser sincero, cordial e fraterno. Como já vimos, a palavra “sincero” destaca que não somos atores nem a igreja é um palco. Onde a hipocrisia está presente, o amor está ausente. O amor deve ser sem dissimulação. A palavra cordial destaca o amor storge, ou seja, o amor familiar, especialmente aqueleque os pais dedicam aos filhos. Dentro da igreja não somos estranhos, muito menos unidades isoladas; somos irmãos e irmãs, porque temos o mesmo Pai, Deus. A igreja não é apenas um agrupamento de conhecidos nem mesmo a reunião de amigos, mas uma família em Deus.
Já a palavra fraterno fala do amor philéo. O termo usado pelo apóstolo, philadelphia, como já destacamos, significa amar os irmãos como amamos um irmão de sangue. Dificilmente teríamos coragem de ser desonestos com um irmão de sangue ou trair sua confiança. Devemos amar uns aos outros como carne da nossa carne e sangue do nosso sangue.

Em segundo lugar, devemos abrir nosso bolso (12.13a). O cristão não ama apenas de palavra, mas de fato e em verdade. Ele compartilha a necessidade dos santos e reparte os seus bens. Num mundo governado pelo afã de obter, o cristão se inclina a dar, porque sabe que aquilo que guardamos, nós o perdemos, mas o que nós damos, isso é o que temos.
O cristão não tem apenas o coração aberto, mas também o bolso. A generosidade é a marca do cristão. A Bíblia diz que devemos trabalhar para suprir nossas necessidades e ainda socorrer aos necessitados (Ef 4.28). Nosso papel não é acumular apenas para nós. A verdadeira riqueza é aquela que distribuímos. A semente que multiplica não é a que comemos, mas a que semeamos. Deus supre e multiplica a nossa sementeira para continuarmos semeando na seara dos necessitados. O princípio ensinado pelo Senhor Jesus é claro: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20.35). A alma generosa prosperará. Quando você semeia com abundância, com fartura ceifará.
Qual foi a última vez que você ajudou alguém, que você deu uma oferta a alguém? Lembre-se, aqueles que foram salvos pela graça têm o coração aberto para amar e o bolso aberto para contribuir!

Em terceiro lugar, devemos abrir nossa casa (12.13b). O cristão não tem apenas seu coração e bolso abertos, mas também sua casa. Ele é hospitaleiro. Não devemos amar apenas os irmãos, mas também acolher os estranhos. A Palavra de Deus diz que muitos sem saber hospedaram anjos (Hb 13.2). Não apenas nós devemos estar a serviço de Deus, mas também nossa casa deve estar a serviço dos forasteiros. A Bíblia fala de Priscila e Aquila, que abriram sua casa para receber as pessoas. A casa deles era uma igreja. Hoje podemos fazer da nossa casa uma agência de evangelização, um centro de aconselhamento. O cristianismo é a religião do coração aberto, da mão aberta e da porta aberta.

Em quarto lugar, devemos abrir nossos lábios (12.14). O cristão é um abençoador. Ele abençoa até mesmo as pessoas que lhe perseguem. Platão dizia que é melhor suportar o mal que cometê-lo. A língua do cristão não deve ser fogo e veneno, mas árvore frutífera e fonte que jorra água límpida. Suas palavras são medicina. O cristão deve tornar a vida das pessoas mais suave com suas palavras. Ele é um encorajador. Suas palavras aliviam o fardo; são azeite na ferida. Suas palavras são verdadeiras, boas, oportunas e encontram graça.
Jesus não respondeu ultraje com ultraje. Os homens cuspiram nele. Arrancaram sua barba, esbordoaram sua cabeça, surraram seu corpo, pregaram-no numa cruz, mas ele, que podia fuzilá-los com seu juízo, abriu os lábios para interceder por eles. O diácono Estêvão morreu pedindo perdão para aqueles que o apedrejavam (At 7.60). Agostinho disse que foi a oração de Estêvão que quebrou a dureza do coração de Paulo, assim como foi a oração de Cristo que quebrou a dureza do coração do ladrão na cruz.

Em quinto lugar, devemos abrir nossa alma (12.15,16). O cristão não é solitário, mas solidário. Ele chora com o que sofre e alegra-se com o que se alegra. Trafega da festa de casamento para o funeral e do cemitério para um aniversário e solidariza-se com seus irmãos tanto em suas tristezas como em suas alegrias. Como já afirmamos, o amor nunca se afasta das alegrias e das dores dos outros.
O cristão não pode ser uma pessoa egoísta, arrogante e soberba (12.16). Não pode tocar trombeta acerca de suas pretensas virtudes. Não pode aplaudir a si mesmo e colocar placas de honra ao mérito ao longo de seu caminho. Não é aprovado quem a si mesmo se louva, diz a Palavra.

Relacionamento com os inimigos (12.17-21)

O crente não faz inimigos, mas tem inimigos. Jesus teve inimigos. Paulo teve inimigos. Temos inimigos e precisamos aprender a lidar com eles. Por essa razão, não há vida saudável, casamento saudável, família saudável ou igreja saudável sem relacionamentos saudáveis, e não há relacionamentos saudáveis sem o exercício do perdão. Somos imperfeitos e tropeçamos em muitas coisas. As pessoas nos decepcionam e nós decepcionamos as pessoas. As pessoas nos ferem e nós ferimos as pessoas. Falar de perdão é mais fácil que perdoar.
Paulo destaca cinco verdades importantíssimas acerca do nosso relacionamento com os inimigos:

Em primeiro lugar, nao devemos retaliar. “Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens” (12.17). Pagar o mal com o mal, devolver a agressão na mesma moeda, dar o troco na mesma medida podem dar-lhe a sensação de ser justo, mas não expressam a graça de Deus. Somos um povo perdoado e perdoador.
Pagar o bem com o mal é demoníaco. Pagar o mal com o mal é retribuição humana. Pagar o mal com o bem é graça divina. Mesmo que recebamos mal, devemos esforçar-nos para fazer o bem perante todos os homens. A Bíblia fala que Jó, em vez de retaliar seus acusadores, orou por elese, na medida em que fez isso, eles foram perdoados e Jó foi restaurado. Estêvão intercedeu por seus algozes quando estava sendo apedrejado. Ao ser pregado na cruz, Jesus orou por seus exatores.

Em vez de retaliar, procure uma oportunidade para fazer o bem a quem lhe fez o mal. Peça a oportunidade de demonstrar a essa pessoa sua bondade. Peça a Deus o privilégio de não apenas fazer o bem, mas também de sentir um amor sincero pela pessoa que lhe fez o mal.
William Hendriksen diz que Paulo combate aqui dois erros estreitamente relacionados. O primeiro é a vingança, o desejo de desforrar-se por uma injustiça sofrida. A vingança é uma espécie de apropriação indébita. Ela pertence a Deus e não a nós. Administrá-la com nossas mãos é conspirar contra uma atribuição divina. A Palavra de Deus insistentemente proíbe a vingança (lTs 5.15; ICo 4.12,14; ICo 6.7; lPe 3.9). David Stern diz que vingança significa ser vencido pelo inimigo, a quem você permite incitá-lo a pagar na mesma moeda pelos impulsos do mal de sua própria velha natureza, os quais você deveria subjugar.1028 O segundo erro é a pretensão de assumir a função do magistrado civil a fim de punir individualmente o crime. O espírito vingativo é contrário ao espírito cristão.1029

Em segundo lugar, não devemos criar conflitos desnecessários. “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (12.18). Essa exortação para viver em paz com todos está em harmonia com outras passagens,como: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14); “A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica” (Tg 3.17) e “Bem-aventurados [são] os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9).1030

Aqueles que são filhos do Deus da paz, têm como irmão mais velho o Príncipe da paz, anunciam o evangelho da paz, têm paz com Deus e experimentam a paz de Deus, esses são desafiados a ter paz com todos os homens.
Geoffrey Wilson está coberto de razão, entretanto, quando diz que esta exortação a viver em paz com todos os homens é apresentada com uma dupla limitação. “Se possível” implica que não será sempre possível. Quando a verdade deve ser sacrificada pela paz, então o preço da paz está alto demais. Não devemos nunca procurar manter a paz, com o mundo ou com cristãos, pelo sacrifício de alguma parte da verdade divina. Um cristão deve estar disposto a ser impopular, para que possa ser útil e fiel. Contra qualquer dificuldade ou oposição, ele deve diligentemente lutar pela fé que foi uma vez entregue aos santos. Entretanto, como indica a segunda restrição, o prazer na discórdia não tem parte alguma na virtude cristã, e portanto o cristão, tanto quanto depender dele, deve fazer todo esforço para preservar e promover a paz com seus semelhantes (Hb 12.14).1031

Há momentos em que manter a paz é um erro. William Hendriksen diz que há circunstâncias sob as quais é impossível o estabelecimento ou a manutenção da paz. Hebreus 12.14 não só defende a paz, mas também a santificação. Esta não deve ser sacrificada a fim de manter aquela, pois uma paz sem santificação não é digna do nome. Se a manutenção da paz subentende o sacrifício da verdade ou da honra, a paz deve ser abandonada. Quando as pessoas,para manter paz conosco, nos exigirem o sacrifício da verdade, terá chegado o momento do sacrifício da paz.1032

A Bíblia não nos ensina a ter paz a qualquer preço. Contudo, enquanto depender de nós, devemos ter paz com todos os homens, pois o cristão não é um gerador de conflitos. Não é um encrenqueiro nem deve ser um criador de problemas. O crente é da paz e também é um pacificador. Ele apaga os focos de incêndio em vez de jogar mais combustível na fogueira. Não joga um irmão contra o outro. Não dissemina contendas entre os irmãos nem espalha boatos. Não descobre a falha dos irmãos, mas cobre multidão de pecados.

Em terceiro lugar, não devemos vingar-nos das pessoas que nos fazem mal. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor” (12.19). A vingança é uma atribuição exclusiva de Deus. Vingar é tentar assumir o comando que só pertence a Deus. E usurpar o lugar de Deus. E ter síndrome de Deus. A retribuição é obra de Deus. Ele sabe o que fazer, quando fazer e na medida certa de fazer. Tentar administrar a vingança com nossas mãos é atentar não apenas contra as pessoas, mas contra o próprio Deus.
A Bíblia fala de José. Ele foi odiado e vendido por seus irmãos. José os perdoou e demonstrou isso de forma dupla: primeiro, dando-lhes o melhor da terra; segundo, dando a seu filho primogênito o nome de Manassés, cujo significado é “Deus me fez esquecer”. José ergueu um monumento vivo ao perdão.

Em quarto lugar, não devemos guardar mágoa, mas perdoar. “Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendoisto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça” (12.20). O perdão não é apenas o cancelamento da dívida, mas a restauração a favor. Devemos não apenas deixar de revidar, mas também ajudar, socorrer o nosso inimigo. Devemos dar-lhe pão se ele tiver fome. Devemos dar-lhe água se ele tiver sede. Devemos envergonhá-lo não com nossa truculência, mas com nossa bondade. Devemos vencê-lo não com nossas armas de destruição, mas com nossos gestos de misericórdia.
Trate seu inimigo com bondade, pois isso poderá fazê-lo envergonhar-se e arrepender-se. Será como brasas vivas sobre sua cabeça. Possivelmente, Paulo estava referindo-se a um ritual egípcio no qual um homem dava pública demonstração do seu arrependimento levando na cabeça uma bacia cheia de carvão em brasa.1033 Leenhardt diz que a sensação provocada pelo calor das brasas vivas figurava a dor do arrependimento, ardente como um fogo interior a queimar a consciência.1034
Onde há arrependimento, deve existir perdão. O perdão é a faxina da mente, a assepsia da alma, a libertação da masmorra da mágoa. Perdoar é zerar a conta, é não lançar no rosto da pessoa nunca mais o mal que ela nos fez. Perdoar é lembrar sem sentir dor. Jesus disse que aquele que não perdoa não pode orar, nem adorar, nem contribuir, nem ser perdoado. Quem não perdoa adoece emocional, física e espiritualmente. Quem não perdoa é entregue aos verdugos da consciência, aos flageladores da alma.

Em quinto lugar, não devemos ser derrotados pelo mal,mas vencer o mal com o bem. “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (12.21). O crente age transcendentalmente. Não é vencido pelo mal; ele vence o mal com o bem. Concordo com Leenhardt quando ele diz que a vitória primeira sobre o mal é o amor. O bem é o amor ao próximo e de modo geral a vontade de Deus.1035 José do Egito nao revidou o mal com o mal, mas ofereceu aos seus irmãos o melhor. Jesus não revidou ultraje com ultraje, mas orou por seus algozes e ainda atenuou-lhes a culpa. Abraão Lincoln dizia que a única maneira de vencer um inimigo é fazendo dele um amigo. Warren Wiersbe tem razão quando destaca que o mal só pode ser sobrepujado através do bem. Se pagarmos com a mesma moeda, só alimentaremos ainda mais o conflito.1036
Concluímos este capítulo com as palavras de John Murray: “A vingança fomenta a contenda e desperta as chamas do ressentimento. Quão sublime é o alvo de conduzir nossos adversários ao arrependimento ou à vergonha que restringirá e, talvez, removerá as ações malignas compelidas pela hostilidade”.1037

Hernandes D. Lopes





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