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raça, um Favor Imerecido
Romanos 3.21-26
Mas, agora, se
manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos
Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre
todos os que creem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela
redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé
no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes
cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste
tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em
Jesus.
Declarado Inocente!
"Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de
Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas” (3.21). Essa seção que começa
em Romano s 3.21 e se estende até 4.25 apresenta o remédio d o diagnóstico que
Paulo tinha dado anteriormente para a questão do pecado em Romanos 1.18— 3.20.
Vimos que Paulo primeiramente apresentou o mundo pagão totalmente mergulhado
nas trevas do pecado . Por outro lado , a situação dos seus com patriotas
judeus não era diferente. Eles também estavam debaixo do domínio do mesmo
pecado . É , pois, nessa seção qüe o apóstolo apresentará a solução de Deus
para a rebelião do homem — a justiça de Deus imputada a todos por Cristo Jesus.
À parte da lei, isto é, sem o concurso da lei, a justiça de
Deus se manifestou para resolver o
dilema humano . Essa justiça divina, que se manifestaria em Cristo Jesus, já
era testemunhada pela própria lei e pelos profetas (v. 21). Primeiramente, a
imagem que Paulo tem em mente aqui é de um tribunal. Alguém que se encontra com
o réu diante de um juiz e de quem espera o veredicto condenatório . Todavia, em
vez de receber uma condenação , ele recebe a absolvição.
O expositor bíblico
William Barclay mostra o pano de fundo da dou trina da justificação nessa
passagem . Nesse exemplo de Paulo , imagina-se o homem diante do tribunal de
Deus. Barclay destaca com muita propriedade que a palavra grega traduzida com o
“justificar” vem da mesma raiz de dikaiún e que todos os verbos gregos que
terminam em ún têm o sentido de considerar alguém como algo e não 0 de fazer
algo a alguém. Dessa forma, se alguém que é inocente se apresenta diante de um
juiz, o juiz, evidentemente, o declarará inocente. Todavia, o caso mostrado por
Paulo aqui é diferente. A pessoa que se apresenta diante de Deu s é totalmente
culpada, merecendo a punição do seu erro , porém , o justo Juiz , em um demonstração de sua graça infinita ,
considera -o como se fosse inocente . Isso é o que se entende do significado da
palavra “justificação ” no contexto paulino. Quando Paulo diz “Deus justifica o
ímpio ” , significa, dentro do contexto d a justificação , que Deu s trata o
ímpio como alguém bom . E evidente que tal raciocínio deixou os judeus
totalmente escandalizados. Na mente do s judeus, apenas um juiz iníquo agiria
dessa forma, pois justificar o ímpio é uma abominação para Deus (Pv 17.15); “não
justificarei o ímpio ” (E x 23.7). Todavia, a argumentação de Paulo mostra que
é exatamente isso o que Deus fez.
Na mente de Paulo, observa Barclay, se alguém desejasse
saber como Deus é, então deveria olhar para Jesus, pois Ele revelou Deus aos
homens. O verbo encarnado de Deus veio mostrar o grande amor de Deus pelos
homens, mesmo estes estando mortos em
seus delito se pecados (E f 2.1,2). Barclay destaca que “quando descobrimos
isso e cremos, nossa relação com Deus muda radicalmente. Estamos conscientes
do nosso pecado , mas não estamos
aterrorizados ou distantes. Quebrantados e arrependidos, recorremos a Deus como
um a criança triste se chega a sua mãe e sabemos que o Deus a quem chegamos é
amor. Isso é o que significa justificação pela fé em Jesus Cristo. Isso
significa que estamos em relacionamento correto com Deus porque acreditamos
sinceramente que o que Jesus nos disse de Deus é a verdade. Já não somos
estranhos que têm medo de um Deu s irado . Somos filhos, crianças errantes que
confiam no amor do Pai que os perdoará. E não podíamos nunca chegar a esse
relacionamento com Deus, se Jesus não tivesse vindo para viver e morrer para
nos dizer como maravilhosamente Deus nos ama” .
Escravo Alforriado
“...pela redenção que
há em Cristo Jesus” (3.24b). A palavra traduzida como “redenção ” vem do grego
apolutrósis. De acordo com o léxico grego de Gerhard Kittel, essa palavra tem o
sem tido d e resgate o u pagamento de um regaste, passando a ser um termo muito
importante no Novo Testamento.2 A história seguinte ajuda-nos a entender o seu
real sentido .
No tempo da escravidão , nos Estados Unidos, numa
movimentada rua de certa cidade, uma multidão de pessoas concorreu para uma
feira de escravos. Amarrados de pés e mãos, aguardavam compradores.
No meio dos escravos, estava uma moça de olhar cabisbaixo ,
triste, pensando na sua condição de escrava. Um cavalheiro passou , olhou para
os escravos e teve profunda compaixão por aquela escrava, que era tratada como os
demais escravos, feito animais. Na hora dos lances, o cavalheiro ofereceu o
dobro . O leiloeiro bateu o martelo , estava livre, podia gozar de sua liberdade.
Soltaram a escrava e o seu libertador disse-lhe: “Acompanhe
-me ” . Com raiva, ela cuspiu na cara do seu benfeitor. Ele tirou o lenço do
bolso, limpou a cusparada. Terminou a parte burocrática. Peg ou os documentos e
deu à jovem . Era a carta de alforria. A escrava estava livre. Com aqueles
papéis ninguém conseguiria escravizá-la. Com os documentos na mão, dizia quase
sem p arar: “ O senhor me comprou para me libertar? ” . Estava livre . Aquele
homem comprou a libertação da jovem escrava. Poderia gozar de sua liberdade . A
nossa escravidão , imposta pelo Diabo, é muito mais grave do que a escravidão
daquela jovem negra. Estávamos nos grilhões do Diabo . Comumente, ele nos
levava pelo caminho do cigarro , das drogas, da prostituiç ão , do furto e do
crime. E esses pecados se refletiam em nossa
família , nossos filhos, nosso
trabalho . No cabresto do Diabo , ele nos
levava por esses caminhos de sombras, de desilusão , de amargura , de
morte. Matou a esperança em nosso coração . Como aquele cavalheiro nos Estados
Unidos pagou a libertação da jovem , Cristo pagou o preço da nossa redenção .
O Preço de um Resgate
"... a qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu
sangue... ” (3.25). O vocábulo “propiciação” (gr. hilastérion), comenta Elvis Carballosa,
significa sacrifico expiatório . Esse sacrifício expiatório foi a morte d e
Cristo em lugar do pecador. A frase “no seu sangue” se refere à morte de Cristo.
A morte de Cristo foi uma realidade histórica.
Romanos 3.27-31
Onde está, logo, a
jactância? E excluída. Por qual lei? Das obras? Não! Mas pela lei da fé.
Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei. É,
porventura, Deus somente dos judeus? E não o é também dos gentios? Também dos
gentios, certamente. Se Deus é um só, que justifica, pela fé, a circuncisão e,
por meio da fé, a incircuncisão, anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira
nenhuma! Antes, estabelecemos a lei.
Jesus e o Judaísmo Palestino
“Concluímos, pois, que 0 homem é justificado pela fé, sem as
obras da lei” (3.28). N esse ponto, dentro de nosso comentário textual e
exegético desse texto, é preciso fazer referência a um grande debate que nos
últimos anos tem surgido em torno da teologia paulina da graça. Alguns expositores
têm defendido a tese de que Paulo não estaria com batendo o legalismo judaico,
isto é, a salvação p elas obras, mas em vez disso estaria se posicionando
apenas contra o orgulho judaico de pertencer ao povo d a aliança.
Os escritos do norte -americano E . P. S anders revolucionaram
os estudos sobre a teologia paulina quando , em 1977, publicou seu livro Paulo
e 0 Judaísmo Palestino. Sanders parte do princípio de que o judaísmo não era
uma religião legalista que pregava a salvação pelas obras. Esse pensamento de
Sanders, denominado de A. Nova Perspectiva sobre Paulo, é radicalmente oposto
àquele da tradição cristã histórica . O livro de S anders é uma tentativa de
provar que a teologia sobre Paulo , que os reformadores defendiam , não era de
fato de Paulo, m as de Agostinho, bispo de Elipona. O escritor William S.
Campbell destaca que “é perceptível, pela leitura de Sanders, que um debate
cristão interno posterior sobre a graça e obras foi projetado no cristianismo
inicial, fazendo com que nosso entendimento das origens cristãs, em relação ao
judaísmo, se tornasse um tanto distorcido . E m certo sentido, esse é, na
verdade, mais um debate sobre a graça dentro do cristianismo. E esclarecedor
observar que foram .
os escritos antipelagianos de Agostinho o material que
Lutero considerou mais úteis. Para Lutero, A gostinho é sua autoridade preferida,
seu principal aliado na luta contra as tendências pelagianas do escolasticismo. Mas, em
decorrência disso, os judeu s são vistos por Lutero como representantes de um
tipo de pelagianismo e, como tal, inimigos d o Evangelho tanto quanto a igreja
não reformada” .
Partindo, portanto,
desse princípio, E. P. Sanders se opôs a essa visão dos reformadores. A o contrário
do que crê o cristianismo tradicional, disse que o judaísmo é um a religião d a
aliança em que o status de pertencer ao gru p o eleito, e não a obediência
legalista d a lei, é a principal característica. Para Sanders, os judeus não
acreditavam que a obediência aos preceitos legais lhes garantia salvação, mas
apenas mantinha seu status dentro do grupo da aliança. Nesse aspecto, em vez d
e ser a causa da salvação, a obediência era apenas a condição. Essa nova
perspectiva, Sanders denominou de nomismo da aliança. Em outras palavras, o
erro dos judeus era o de se orgulhar de pertencer ao povo eleito de Deus,
pertencer a aliança que Deus fez com Israel e não querer agradá-lo por meio das
obras.
Outro autor que fez coro com Sanders foi o britânico James
D. G. Dunn que também passou a defender a Nova Perspectiva sobre Paulo.
Todavia, Dunn fez críticas ao modelo de Sanders para implantar o seu próprio
modelo. Dunn afirma que “o Paulo luterano foi substituído p o r um Paulo
idiossincrático que, de maneira arbitrária e irracional, volta-se contra a
glória e a grandeza da teologia pactuai do judaísmo e abandona o judaísmo
simplesmente por que ele não é cristianismo”. O teólogo presbiteriano Augustas
Nicodemus o bserva que J. D. G. Dunn nessa nova abordagem sociológica sobre
Paulo “tem recebido vasta aceitação. Para ele, Paulo ataca as ‘obras da lei’
não porque elas expressam algum desejo de alcançar mérito por parte dos judeus,
mas porque entende que elas fazem uma distinção entre os judeus, o povo de Deus
da antiga dispensação, e os gentios, a quem o evangelho está sendo oferecido. A
s ‘obras da lei’, que Paulo identifica como restritas à circuncisão, às leis
sobre alimentos puros e impuro s (kashruí) e aos dias especiais do calendário
judaico, são emblemas que caracterizam o judaísmo e devem ser rejeitadas porque
enfatizam a separação entre judeu s e não judeus, a qual Cristo veio abolir” .
Duas coisas precisam
ser observadas aqui. Primeiro, a leitura de Romanos 3.28 mostra claramente que
Paulo não via o problema da rejeição judaica apenas como sendo um orgulho de
pertencer ao povo da aliança. Essa Escritura é clara o suficiente para mostrar
que a busca pelo mérito por meio das obras constituiu-se o principal obstáculo
para um judeu legalista aceitar a justificação som ente pela fé. Em segundo lugar, é um fato que não apenas
Lutero, mas outros reformadores depois dele, beberam do poço doutrinário de
Agostinho, como por exemplo, a crença no pecado original com a consequente
doutrina da regeneração batismal, etc. Embora haja similaridade entre o
legalismo judaico e a doutrina da salvação pelas obras de Pelágio, não é
correto fazer a crença luterana na justificação pela fé depender exclusivamente
de Agostinho. Não há como negar que Lutero foi influenciado de forma negativa
por Agostinho, todavia, a própria história da Reforma, com seu lema “O justo
viverá pela fé” (Rm 1.17), revela a grande influência que a Carta aos Romanos
teve na vida e obra do reformador alemão. Não é seguro, portanto, pelo menos neste
caso, fazer a convicção teológica do reformador alemão depender somente de
Agostinho . Por outro lado, é certo e historicamente provado, como demonstrou
Sanders, que Lutero errou ao odiar os judeus ao projetar neles o erro
pelagiano.
Romanos 4.1-25
Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a
carne? Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar,
mas não diante de Deus. Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso
lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é
imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não
pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como
justiça. Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a
justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são
perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor
não imputa o pecado. Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão
somente ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a fé foi imputada
como justiça a Abraão. Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou
na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão. E recebeu o sinal
da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que
fosse pai de todos os que creem (estando eles também na incircuncisão, a fim de
que também a justiça lhes seja imputada), e fosse pai da circuncisão, daqueles
que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé
de Abraão, nosso pai, que tivera na incircuncisão. Porque a promessa de que
havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua
posteridade, mas pela justiça da fé. Pois, se os que são da lei são os
herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é aniquilada. Porque a lei opera a ira;
porque onde não há lei também não há transgressão. Portanto, é pela fé, para
que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a
posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o
qual é pai de todos nós, (como está escrito: Por pai de muitas nações te
constituí.), perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os
mortos e chama as coisas que não são como se já fossem. O qual, em esperança,
creu contra a esperança que seria feito pai de muitas nações, conforme o que
lhe fora dito: Assim será a tua descendência. E não enfraqueceu na fé, nem
atentou para o seu próprio corpo já amortecido (pois era já de quase cem anos),
nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara.
E não duvidou da promessa
de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus; e
estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o
fazer. Pelo que isso lhe foi também imputado como justiça. Ora, não só por
causa dele está escrito que lhe fosse tomado em conta, mas também por nós, a
quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a
Jesus, nosso Senhor, o qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para
nossa justificação.
A Jornada da Fé A partir dessa seção , Paulo introduz a
história do patriarca Abraão como um exemplo do seu argumento da justificação
pela fé. Paulo argumenta a partir de Gênesis 15; toda ia, acredito ser oportuno
aqui vermos alguns aspectos anteriores da jornada desse gigante espiritual.
Voltemo -nos , pois , ao capítulo 13 de Gênesis para traçar mos o percurso
dessa jornada .
1. Uma jornada para conviver com altares, e não com
pirâmides. “ Subiu , pois, Abrão do Egito [a terra das pirâmides] [...] E fez
as suas jornadas do Sul [Neguebe] até Betei, até ao lugar onde, ao princípio,
estivera a sua tenda, entre Betei e A i; até ao lugar do altar que, dantes, ali
tinha feito; e Abrão invocou ali o nome do Senhor” (G n 1 3 .1-4).11 Abraão
saiu do Egito , onde conviveu com as grandes pirâmides, para voltar à
Palestina, terra onde construíra altares. Deus quer o fiel convivendo com
altares, e não com pirâmides.
2. Uma jornada onde a
visão deve ser maior do que a ambição. “ E houve contenda entre os pastores do
gado de Abrão e os pastores do gado de Ló [...] E disse Abrão a Ló: Ora, não
haja contenda entre mim e ti e entre os meus pastores e os teus pastores,
porque irmãos somos” (G n 13.7,8). A ambição , o orgulho e o desejo de te r são
agentes causadores da quebra da unidade fraternal, mas a busca da koinonia é o
remédio para esse mal. A luta por espaço arranhou o relacionamento entre os
pastores de Abraão e Ló. Evidentemente que isso estava tendo consequências
entre o tio e o sobrinho . E melhor abrir mão de alguma coisa do que permitir
que venha a arranhar a comunhão fraternal.
3. Uma jornada que não pode ser seduzida por uma imitação do
Paraíso nem pelas lembranças do Egito. “E levantou Ló os seus olhos e viu toda
a campina do Jordão , que era toda bem regada, antes de o Senhor ter destruído
Sodoma e Gomorra, e era como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, quando
se entra em Zoar” (G n 13.10). Ló se deixou seduzir por uma lembrança do
Paraíso , todavia Abraão procurou viver a realidade nua e crua de um a vida de
fé. As campinas de Sodoma lembravam o Paraíso, mas não eram o Paraíso. Às
vezes, o crente se deixa iludir pelas aparências e em vez de procurar o caminho mais seguro, busca os
atalhos.
4. Uma jornada que se
aproxima de Canaã e se afasta de Sodoma. “ Habitou Abrão na terra de Canaã, e
Ló habitou nas cidades da campina e armou as suas tendas até Sodoma” (Gn
13.12,13 ). Enquanto Ló se aproximava de Sodoma, do pecado , Abraão se
distanciava cada vez mais dele. Impulsionado pelo s atrativos, Ló se aproximava cada vez
mais dos encantos de Sodoma. Foi um sedução
que, posteriormente , lhe custou muito caro. Por que em vez de se afastar de
Sodoma muitos se aproximam cada vez m ais?
5. Uma jornada onde a
exclusividade determina a intimidade. “ E disse o Senhor a Abrão , depois q u e
Ló se apartou dele ” (G n 13.14). À s vezes precisam os nos separar de
determinadas coisas, até mesmo de pessoas, se queremos ouvir a voz do Senhor.
Não dá para conviver com quem gosta de Sodoma.
6. Uma jornada onde Deus mostra 0 futuro, mas é 0 homem quem
constrói 0 presente. “Levanta, agora, os teus olhos e olha desde o lugar onde
estás, para abanda do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda
esta terra que vês te hei de dar a ti e à tua sem ente, para sem pre. [...]
Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a
ti a darei. E Abrão armou as suas tendas, e veio, e habitou nos carvalhais de Manre,
que estão junto a Hebrom ; e edificou ali um altar ao Senhor” (G n 1 3 .1 4 -1
8 ). Deus revela o futuro, mas somos nós quem construímos o presente. É preciso
haver deslocamento . Começar e recomeçar sempre. Deus faz promessas e as
cumpre, mas é preciso ter paciência, encarar as in certezas do presente para chegar
às garantias do futuro.
7. Uma jornada onde pessoas são mais importantes do que
coisas. “Também tomaram a L ó , que ha bitava em Sodoma, filho do irmão de
Abrão, e a sua fazenda e foram -se. [...] não tomarei coisa alguma de tudo o
que é teu; para que não digas: Eu enriquecia Abrão ” (G n 14.12,23). Abraão era
rico , mas não punham nas riquezas a sua confiança. O importante p ara ele era
a comunhão com o seu Deus.
8. Uma jornada onde Abrão aprendeu que era grande, mas não o
maior. “E Melquisedeque, rei de Salém , trouxe pão e vinho; e este era
sacerdote do D eu s Altíssimo . E abençoou -o e disse: Bendito seja Abrão do
Deus Altíssimo , o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus
Altíssimo , que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E deu-lhe o dízimo de
tudo ” (G n 14.18,20; H b 7.1-10). Mesmo sendo um homem grande , Abraão reconheceu
que havia alguém ainda maior. Melquisede
que é um tipo de Cristo , e o velho patriarca aprendeu desde sempre a depender
da fé nEle.
Pois bem , voltemos ao texto. O texto de Romanos 4 .1 -2 5 ,
como vimos, trata com exclusividade da vida do velho patriarca Abraão . A exegese
feita por Paulo nessa passagem mostra , a partir do livro de Gênesis, que a
justificação de Abraão não se deu em decorrência das obras, mas da fé. Nesse
aspecto há uma similaridade entre a fé de Abraão e a fé do cristão . Lucien
Cerfaux sintetizou bem essa analogia usada por Paulo . Dentro dessa passagem de
Romanos é possível perceber com clareza Paulo fazendo a ligação entre a justiça
de Abraão , Cristo e a justiça do cristão .
“Pois, que di% a
Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça ” (Km
4.3). Paulo toma como ponto de partida de seu argumento Gênesis 1 5 .6 , onde
Deus fez a promessa a Abrão de lhe dar uma posteridade numerosa . O judaísmo acreditava
que Abraão havia sido justificado em consequência do rito da circuncisão , o
que Paulo vai negar. Paulo observa que Deus justificou o patriarca em consequência
da sua fé , que aconteceu muito antes da prática da circuncisão . Dessa forma ,
como mostra Romanos 4 .4 , Abraão não poderia ter sido justificado pelas obras,
mas pela fé. A sua justificação foi uma dádiva , e não uma dívida.
O expositor Lucien Cerfaux destaca que “Paulo exalta a fé de
Abraão, emoldurando a – de maneira mais
determinada com a fé dos cristãos, cujo objeto principal é a ressurreição de
Cristo. Abraão crera em Deus ‘que dá vida aos mortos e, chamando -as, faz
existir as coisas que não existiam ’ (Rm 4.17). Paulo explica seu modo de
pensar: ‘E sem vacilar na fé, não considerou nem o seu corpo, já sem
vitalidade, por ser quase centenário, nem a falta de vigor do seio de Sara; nem
hesitou por falta de fé, perante a promessa de Deu s, antes hauriu força na sua
fé, dando gloria a Deus’ (R m 4.19). No tem -se as expressões ‘morte ’ (o corpo
de Abraão , o seio de Sara estão mortos) e ‘dar vida ’. É a antítese
morte-ressu rreição . A fé de Abraão constitui o primeiro esboço da fé cristã;
pela maneira com a qual a formula, suspeita-se que Paulo a encara com o um
‘tipo ’ de fé na morte e ressurreição de Cristo ” .
“Bem-aventurado 0 homem a quem 0 Senhor não imputa 0
pecado” (Rm 4.8).
Seguindo um dos princípios hermenêuticos (Ge^erah Sahawah) d
a escola rabínica de Hillel, faz um paralelo entre Salmos 32.1 e Gênesis 16.6.
O propósito do apóstolo é interpretar Gênesis 1 5 a partir do Salmo 32. “O fato
de Abraão ter sido considera do justo , de ter-lhe sido atribuída justiça
diante de Deus (G n 15.6), significa que Deus não contou, atribuiu seu s
pecados contra ele (SI 3 2 .1 ,2 ), com referência ao perdão divino dos pecados
d e adultério e homicídio cometidos por Davi [cf. 2 Sm 11]. Tudo isso significa
que Abraão foi justificado diante de Deus, pela fé e não por obras. De fato,
Abraão era um pecador cuja única esperança era a graça de Deus recebida pela fé
” . Na argumentação de Paulo , ficam , portanto , os fatos:
1. Quando Abraão foi justificado, era ainda incircunciso.
Isso significa que Abraão seria o p ai de todos os que h aviam d e crer sem
estar circuncidados (incircuncisos), e assim fosse creditada a justiça também a
eles.
2. A circuncisão foi
dada após, como “sinal” (segundo Gn 17.1 Os), isto é, como sinal da justiça da
f é que ele havia recebido sendo ainda incircunciso. Isso significa que Abraão
seria o p ai de todos circuncisos, isto é, daqueles que não se limitam à
circuncisão, m as que, além disso, seguem n a esteira da fé que, ainda incircunciso,
possuía nosso pai Abraão (R m 4 .11).15.
( Maravilhosa Graça - José Gonçalves)
II. A Justificação
1. Natureza da justificação: absolvição
divina.
A palavra "justificar" é termo judicial que
significa absolver, declarar justo, ou pronunciar sentença de aceitação. A
ilustração procede das relações legais. O réu está perante Deus, o justo Juiz;
mas, ao invés de receber sentença condena-tória, ele recebe a sentença de
absolvição.
O substantivo "justificação" ou
"justiça", significa o estado de aceitação para o qual se entra pela
fé. Essa aceitação é dom gratuito da parte de Deus, posto à nossa disposição
pela fé em Cristo. (Rom. 1:17; 3:21,22.) É o estado de aceitação no qual o
crente permanece (Rom. 5:2). Apesar de seu passado pecaminoso e de imperfeições
no presente, o crente goza de completa e segura posição para com Deus.
"Justificado" é o veredito divino e ninguém o poderá contradizer.
(Rom. 8:34.) Essa doutrina assim se define: "Justificação é um ato da
livre graça de Deus pelo qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita
como justos aos seus olhos somente por nos ser imputada a justiça de Cristo,
que se recebe pela fé."
Justificação é primeiramente uma mudança de posição da parte
do pecador, o qual antes era um condenado; agora, porém, goza de absolvição.
Antes estava sob a condenação, mas agora participa da divina aprovação.
Justificação inclui mais do que perdão dos pecados e remoção
da condenação, pois no ato da justificação Deus coloca o ofensor na posição de
justo. O presidente da República pode perdoar o criminoso, mas não pode
reintegrá-lo na posição daquele que nunca desrespeitou as leis. Mas a Deus é
possível efetuar ambas as coisas! Ele apaga o passado, os pecados e ofensas, e,
em seguida, trata o ofensor como se nunca tivesse cometido um pecado sequer! O
criminoso perdoado não é considerado ou descrito como bom ou justo; mas Deus,
ao perdoar o pecador, o declara justificado, isto é, justo aos olhos divinos.
Juiz algum poderia justificar o criminoso, isto é, declará-lo homem justo e
bom. Se Deus estivesse sujeito às mesmas limitações e justificasse somente gente
boa, então não haveria evangelho nenhum a ser anunciado aos pecadores.
Paulo nos assegura que Deus justifica o ímpio. "O milagre do Evangelho é
que Deus se aproxima dos ímpios, com uma misericórdia absolutamente justa e os
capacita pela fé, a despeito do que são, a entrarem em nova relação com ele,
relação pela qual é possível que se tomem bons. O segredo do Cristianismo do
Novo Testamento, e de todos os avivamentos e reformas da igreja, é justamente
este maravilhoso paradoxo: "Deus justifica o ímpio!"
Assim vemos que justificação é primeiramente subtração — o
cancelamento dos pecados; segundo, adição — imputação de justiça.
2. Necessidade da Justificação: a condenação
do homem.
"Como se justificará o homem para com Deus?"
perguntou Jó (9:1). "Que é necessário que eu faça para me salvar?"
interrogou o carcereiro de Filipos. Ambos expressaram a maior de todas as
perguntas: Como pode o homem acertar sua vida perante Deus e ter certeza da
aprovação divina?
A resposta a essa interrogação encontra-se no Novo
Testamento, especialmente na epístola aos Romanos, na qual se apresenta, em
forma sistemática e detalhada, o plano da salvação. O tema do livro encontra-se
no capítulo 1:16,17, o qual se pode parafrasear da seguinte maneira: O
evangelho é o poder de Deus para a salvação dos homens, pois o evangelho revela
aos homens como se pode mudar de posição e de condição, de maneira que eles
sejam justos perante Deus.
Uma das frases proeminentes da mesma epístola é: "A
justiça de Deus." O inspirado apóstolo descreve a qualidade de justiça que
Deus aceita, de forma que o homem que a possui tenha aceitação como justo
perante ele. Essa justiça resulta da fé em Cristo. Paulo demonstra que todos os
homens necessitam dessa justiça de Deus, porque toda a raça pecou. Os gentios
estão sob condenação. Os passos de sua degradação foram claros: outrora
conheceram a Deus (1:19,20); falhando em o servirem e adorarem, seu coração
insensato se obscureceu (1:21,22); a cegueira espiritual os conduziu à
idolatria (verso 23) e a idolatria os conduziu à corrupção moral (vers. 24-31).
São indesculpáveis porque tinham a revelação de Deus na natureza, e a
consciência que aprova ou desaprova seus atos. (Rom. 1:19,20; 2:14,15.) O judeu
também está sob condenação. É verdade que ele pertence à nação escolhida, e
conhece a lei de Moisés de há muitos séculos, mas transgrediu essa lei em pensamentos,
atos e palavras (cap. 2). Paulo, assim, estrondosamente, encerra toda a raça
humana sob a condenação: "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos
que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o
mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada
diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do
pecado" (Rom. 3:19,20).
Qual será essa "justiça" de que tanto necessita o
homem? A própria palavra significa "retidão", ou estado de reto, ou
justo. A palavra às vezes descreve o caráter de Deus, como sendo isento de toda
imperfeição ou injustiça. Quando aplicada ao homem, significa o estado de
retidão diante de Deus. Retidão significa "reto", aquilo que se
conforma a um padrão ou norma. Por conseguinte, é o homem que se conforma à lei
divina. Mas que acontecerá se esse homem descobrir que, em vez de ser
"reto", ele é perverso (literalmente "torto") sem poder se
endireitar? É então que ele precisa da justificação — que é obra exclusiva de
Deus.
Paulo declarou que pelas obras da lei ninguém será
justificado. Essa declaração não é uma crítica contra a lei, a qual é santa e
perfeita. Significa simplesmente que a lei não foi dada com esse propósito de fazer
justo o povo, e, sim, de suprir a necessidade duma norma de justiça. A lei
pode ser comparada a uma fita métrica que pode medir o comprimento do pano,
sem, contudo, aumentar o comprimento. Podemos compará-la à balança que
determina o nosso peso, sem, contudo, aumentar esse peso. "Pela lei vem o
conhecimento do pecado."
"Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de
Deus" (Rom. 3:21). Notem a palavra "agora". Alguém disse que
Paulo dividiu todo o tempo em "agora" e "depois". Em outras
palavras, a vinda de Cristo operou uma grande mudança nas transações de Deus
com os homens. Introduziu uma nova dispensação. Durante séculos os homens
pecavam e aprendiam a impossibilidade de aniquilarem ou vencerem seus pecados.
Mas agora Deus, clara e abertamente, revelou-lhes um novo caminho.
Muitos israelitas julgavam que devia haver um meio de serem
justificados sem ser pela guarda da lei; por duas razões: 1) perceberam um
grande abismo entre as exigências de Deus para com Israel e seu verdadeiro
estado espiritual. Israel era injusto, e a salvação não podia proceder dos
próprios méritos ou esforços. A salvação teria que proceder de Deus, por sua
intervenção. 2) Muitos israelitas reconheceram por experiência própria sua
incapacidade para guardar perfeitamente a lei. Chegaram à conclusão de que
devia haver uma justiça alcançável independentemente de suas próprias obras e
esforços. Em outras palavras,-anelavam por redenção e graça. E Deus lhes
assegurou que tal justiça lhes seria revelada. Paulo (Rom. 3:21) fala da
justiça de Deus sem a lei, "tendo o testemunho da lei (Gên. 3:15; 12:3;
Gál. 3:6-8) e dos profetas (Jer. 23:6; 31:31-34)". Essa justiça incluía
tanto o perdão dos pecados como a justiça íntima do coração.
Na verdade, Paulo afirma que a justificação pela fé foi o
plano original de Deus para a salvação dos homens; a lei foi acrescentada para
disciplinar os israelitas e fazê-los sentir a necessidade de redenção. (Gál.
3:19-26.) Mas a lei em si não possuía poder para salvar, como o termômetro não
tem poder para baixar a febre que ele registra. Seria o próprio Senhor, o
Salvador do seu povo; e sua graça seria a sua única esperança.
Infelizmente, os judeus exaltaram a lei, imaginando que ela
fosse um agente justificador, e elaboraram um plano de salvação baseado no
mérito pela guarda dos seus preceitos e das tradições que lhes foram
acrescentadas. "Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando
estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus"
(Rom. 10:3). Não conheceram o propósito da lei. Confiaram nela como meio de salvação
espiritual, ignorando a pecabilidade dos seus próprios corações, e imaginavam
que seriam salvos pela guarda da letra da lei. Por essa razão, quando Cristo
veio, oferecendo-lhes a salvação dos seus pecados, pensavam que não precisavam
dum Messias como ele. (vide João 8:32-34.) O pensamento dos judeus era o de
estabelecer rígidos requisitos pelos quais conseguiriam a vida eterna. "Que
faremos para executarmos as obras de Deus?" perguntaram. E não se
prontificaram a obedecer à indicação de Jesus: "A obra de Deus é esta: Que
creiais naquele que ele enviou" (João 6:28,29). Tão ocupados
estavam em estabelecer seu próprio sistema de justiça, que perderam, por
completo, a oportunidade de serem participantes da justificação divinamente
provida para os homens pecadores. Na viagem, um trem representa o meio de
conseguir um determinado alvo. Ninguém pensa em fazer do trem sua morada;
antes, preocupa-se tão somente em chegar ao destino. Ao chegar a esse destino,
deixa-se o trem. A lei foi dada a Israel com o propósito de conduzi-lo a um
destino, e esse destino é a fé na graça salvadora de Deus. Mas, ao aparecer o
Redentor, os judeus satisfeitos consigo mesmos, fizeram o papel do viajante
que, chegando ao destino, se recusa a deixar o trem, embora o condutor lhe diga:
"Estamos no fim da viagem"! Os judeus se recusaram a deixar as
poltronas do "trem do Antigo Pacto", muito embora o Novo Testamento
lhes assegurasse: "O fim da lei é Cristo", e que se cumpriu o Antigo
Testamento. (Rom. 10:4.)
3. A fonte da justificação: a graça.
Graça significa, primeiramente, favor, ou a disposição
bondosa da parte de Deus. Alguém a definiu como a "bondade genuína e favor
não recompensados", ou "favor não merecido". Dessa forma a graça
nunca incorre em dívida. O que Deus concede, concede-o como favor; nunca
podemos recompensá-lo ou pagar-lhe. A salvação é sempre apresentada como dom,
um favor não merecido, impossível de ser recompensado; é um benefício legítimo
de Deus. (Rom. 6:23) O serviço cristão portanto, não é pagamento pela graça de
Deus; serviço cristão é um meio que o crente aproveita para expressar sua
devoção e amor a Deus. "Nós o amamos porque ele primeiramente nos
amou."
A graça é transação de Deus com o homem, absolutamente
independente da questão de merecer ou não merecer. "Graça não é tratar a
pessoa como merece, nem tratá-la melhor do que merece",
escreveu L. S. Chafer. "E tratá-la graciosamente sem a mínima referência
aos seus méritos. Graça é amor infinito expressando-se em bondade
infinita."
Devemos evitar certo mal-entendido. Graça não significa que
Deus é de coração tão magnânimo que abranda a penalidade ou desiste dum justo
juízo.
Sendo Deus o Soberano perfeito do universo, ele não pode
tratar indulgentemente o assunto do pecado pois isso depreciaria sua perfeita
santidade e justiça. A graça de Deus aos pecadores revela-se no fato de que ele
mesmo pela expiação de Cristo, pagou toda a pena do pecado. Por
conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os
merecimentos ou não merecimentos. Os pecadores são perdoados, não porque Deus
seja benigno para desculpar os pecados deles, mas porque existe redenção
mediante o sangue de Cristo. (Rom. 3:24; Efés. 1:6.) Os pregadores
modernistas erram nesse ponto; pensam que Deus por sua benignidade perdoa os
pecados; entretanto, seu perdão baseia-se na mais rigorosa justiça. Ao
perdoar o pecado, "Ele é fiel e justo" (1 João 1:9). A graça de Deus
revela-se no fato de haver ele provido uma expiação pela qual pode ser justo e
justificador e, ao mesmo tempo, manter sua santa e imutável lei. A graça
manifesta-se independente das obras ou atividades dos homens. Quando a pessoa
está sob a lei, não pode estar sob a graça; e quando está sob a graça, não pode
estar sob a lei. Está "sob a lei" quando tenta assegurar a sua
salvação ou santificação como recompensa, por fazer boas obras ou observar
certas cerimônias. Essa pessoa está "sob a graça" quando assegura para
si a salvação por confiar na obra que Deus fez por ela, e não na obra que ela
faz para Deus. As duas esferas são mutuamente exclusivas. (Gál. 5:4.) A lei
diz: "paga tudo"; mas a graça diz: "Tudo está pago." A lei
representa uma obra a fazer; a graça é uma obra consumada. A lei restringe as
ações; a graça transforma a natureza. A lei condena; a graça justifica. Sob a
lei a pessoa é servo assalariado; sob a graça é filho em gozo de herança
ilimitada.
Enraizada no coração humano está a idéia de que o homem deve
algo para tornar-se merecedor da salvação. Na igreja primitiva certos
instrutores judaico-cristãos insistiam em que os convertidos fossem salvos pela
fé e a observância da Lei de Moisés. Entre os pagãos, e em alguns setores da
igreja cristã, esse erro tem tomado a forma de auto-castigo, observância de
ritos, peregrinações, e esmolas. A idéia substancial de todos esses esforços é
a seguinte: Deus não é bondoso; o homem não é justo; por conseguinte, o homem
precisa fazer-se justo a fim de tornar Deus benigno. Esse foi o erro de Lutero,
quando, mediante automortificações, envidava esforços para efetuar a sua
própria salvação. "Oh quando será que você se tornará piedoso a ponto de
ter um Deus benigno?" exclamou certa vez, referindo-se a si próprio.
Finalmente Lutero descobriu a grande verdade básica do evangelho: Deus é
bondoso; portanto deseja fazer justo o homem. A graça do amoroso Pai, revelada
na morte expiatória de Cristo é um dos elementos que distinguem o Cristianismo
das demais religiões.
Salvação é a justiça de Deus imputada ao pecador; não é a
justiça imperfeita do homem. Salvação é divina reconciliação; não é regulamento
humano. Salvação é o cancelamento de todos os pecados; não é eliminar
alguns pecados. Salvação é ser libertado da lei e estar morto para a lei; não é
ter prazer na lei ou obedecer á lei. Salvação é regeneração divina; não é
reforma humana. Salvação é ser aceitável a Deus; não é tornar-se
excepcionalmente bom. Salvação é perfeição em Cristo; não é competência de
caráter. A salvação, sempre e somente, procede de Deus; nunca procede do homem.
— Lewis Sperry Chofer. Usa-se, às vezes, a palavra "graça", no
sentido íntimo, para indicar a operação da influência divina (Efés. 4:7) e seus
efeitos (Atos 4:33; 11:23; Tia. 4:6; 2 Cor. 12:9). As operações desse aspecto
da graça têm sido classificadas da seguinte maneira: Graça proveniente
(literalmente, "que vem antes") é a influência divina que precede a
conversão da pessoa, influências que produzem o desejo de voltar para Deus. É o
efeito do favor divino em atrair os homens (João 6:44) e convencer os
desobedientes. (Atos 7:51.) Essa graça, às vezes, é denominada eficiente, tornando-se
eficaz em produzir a conversão, quando não encontra resistência. (João 5:40;
Atos 7:51; 13:46.) A graça efetiva capacita os homens a viverem
justamente, a resistirem à tentação, e a cumprirem o seu dever. Por isso
pedimos graça ao Senhor para cumprir uma determinada tarefa. A graça habitual
é o efeito da morada do Espírito Santo que resulta em uma vida plena do
fruto do Espírito (Gál. 5:22,23).
4. Fundamento da justificação: a justiça de
Cristo.
Como pode Deus tratar o pecador como pessoa justa? Resposta:
Deus lhe provê a justiça. Mas será que isso é apenas conceder o título de
"bom" e "justo" a quem não o merece? Resposta: O Senhor
Jesus Cristo ganhou o título a favor do pecador, o qual é declarado justo
"mediante a redenção que há em Cristo Jesus". Redenção significa
completa libertação por preço pago.
Cristo ganhou essa justiça por nós, por sua morte expiatória,
como está escrito: "Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu
sangue." Propiciação é aquilo que assegura o favor de Deus para com os que
não o merecem. Cristo morreu por nós para nos salvar da justa ira de Deus e nos
assegurar o seu favor. A morte e a ressurreição de Cristo representam a
provisão externa para a salvação do homem, referindo-se o termo justificação à
maneira pela qual os benefícios salvadores da morte de Cristo são postos à disposição
do pecador. Fé é o meio pelo qual o pecador lança mão desses benefícios.
Consideremos a necessidade de justiça. Como o corpo necessita
de roupa, assim a alma necessita de caráter. Assim como é necessário
apresentar-se em público decentemente vestido, assim é necessário que o homem
se vista da roupa dum caráter perfeitamente justo para apresentar-se diante de
Deus. (Vide Apo. 19:8; 3:4; 7:13,14.) As vestes do pecado estão sujas e
rasgadas (Zac. 3:1-4); se o pecador se vestisse de sua própria bondade e seus
próprios méritos, alegando serem boas as suas obras, elas seriam consideradas
como "trapos de imundícia". (Isa. 64:6.) A única esperança do homem é
adquirir a justiça que Deus aceita — a "justiça de Deus". Visto que o
homem por natureza está destituído dessa justiça, terá que ser provida para ele
essa justiça; terá que ser uma justiça que lhe seja imputada, não merecida.
Essa justiça foi comprada pela morte expiatória de Cristo.
(Isa. 53:5,11; 2 Cor. 5:21; Rom. 4:6; 5:18,19.) Sua morte foi um ato perfeito
de justiça, porque satisfez a lei de Deus. Foi também um ato perfeito de
obediência. Tudo isso foi feito por nós e posto a nosso crédito. "Deus nos
aceita como justos aos seus olhos somente por nos ter sido imputada a justiça
de Cristo", afirma determinada declaração doutrinária.
O ato pelo qual Deus credita essa justiça à nossa conta
chama-se imputação. Imputação é levar à conta de alguém as conseqüências do ato
de outrem. As conseqüências do pecado do homem foram levadas à conta de Cristo,
e as conseqüências da obediência de Cristo foram levadas à conta do crente. Ele
vestiu-se das vestes do pecado para que nós pudéssemos nos vestir do seu
"manto de justiça". "Cristo... para nós foi feito por Deus...
justiça" (1Cor. 1:30). Ele torna-se "O Senhor Justiça Nossa"
(Jer. 23:6).
Cristo expiou nossa culpa, satisfez a lei, tanto por
obediência como por sofrimento, e tornou-se nosso substituto, de maneira que,
estando unidos com ele pela fé, sua morte toma-se nossa morte, e sua obediência
toma-se nossa obediência. Deus então nos aceita, não por qualquer bondade
própria que nós tenhamos, nem pelas coisas imperfeitas que são as nossas
"obras" (Rom. 3:28; Gál. 2:16), nem por nossos méritos, mas porque
nos foi creditada a perfeita e toda-suficiente justiça de Cristo. Por causa de
Cristo, Deus trata o homem culpado, quando este se arrepende e crê, como se
fosse justo. Os méritos de Cristo são creditados a ele.
Também surgem as seguintes perguntas na mente da pessoa que
investiga: sim, a justificação que salva é algo externo e concernente à posição
legal do pecador; mas não haverá mudança alguma na condição moral? Afeta a sua
situação, mas não afetará sua conduta? A justiça é imputada somente e não
concedida de modo prático? Na justificação Cristo somente será por nós, ou
agirá também em nós? Em outras palavras, parece que a imputação da justiça
desonraria a lei se não incluísse a certeza de justiça futura.
A resposta é que a fé que justifica é o ato inicial da
vida cristã e esse ato inicial, quando a fé for viva, é seguido por uma
transformação interna conhecida como regeneração. A fé une o crente com o
Cristo vivo; essa união com o Autor da vida resulta em transformação do
coração. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já
passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Cor. 5:17). A justiça é imputada no
ato da justificação e é comunicada na regeneração. O Cristo que é por nós
torna-se o Cristo em nós.
A fé pela qual a pessoa é realmente justificada,
necessariamente tem que ser uma fé viva. Uma fé viva produzirá uma vida reta;
será uma fé que "opera pelo amor" (Gál. 5:6). Outrossim,
vestindo a justiça de Cristo, o crente é exortado a viver uma vida em
conformidade com o caráter de Cristo. "Porque o linho fino são as justiças
dos santos" (literalmente os atos de justiça) (Apoc. 19:8). A verdadeira
salvação requer uma vida de santidade prática. Que julgamento faríamos da
pessoa que sempre se vestisse de roupa imaculada mas nunca lavasse o corpo?
Incoerente, diríamos! Mas não menos incoerente é a pessoa que alega estar
vestida da justiça de Cristo, e, ao mesmo tempo, vive de modo indigno do
evangelho. Aqueles que se vestem da justiça de Cristo terão cuidado de
purificar-se do mesmo modo como ele é puro. (1 João 3:3.)
5. Os meios da justificação: a fé.
Visto que a lei não pode justificá-lo, a única esperança do
homem é receber "justiça sem lei" (isto, entretanto, não significa
injustiça ilegal, nem tampouco religião que permita o pecado; significa sim,
uma mudança de posição e condição). Essa é a "justiça de Deus", isto
é, a justiça que Deus concede, sendo também um dom, pois o homem é incapaz de
operar a justiça. (Efés. 2:8-10.)
Mas um dom tem que ser aceito. Como, então, será aceito o dom
da justiça? Ou, usando a linguagem teológica: qual é o instrumento que se apropria
da justiça de Cristo? A resposta é: "pela fé em Jesus Cristo." A fé é
a mão, por assim dizer, que recebe o que Deus oferece. Que essa fé é a causa
instrumental da justificação prova-se pelas seguintes referências: Rom. 3:22;
4: 11; 9:30; Heb. 11:7; Fil. 3:9.
Os méritos de Cristo são comunicados e seu interesse salvador
é assegurado por certos meios. Esses meios necessariamente são estabelecidos
por Deus e somente ele os distribui. Esses meios são a fé — o princípio único
que a graça de Deus usa para restaurar-nos à sua imagem e ao seu favor.
Nascida, como é, no pecado, herdeira da miséria, a alma carece duma
transformação radical, tanto por dentro como por fora; tanto diante de Deus
como diante de si própria. A transformação diante de Deus denomina-se
justificação; a transformação interna espiritual que se segue, chama-se
regeneração pelo Espírito Santo. Esta fé é despertada no homem pela influência
do Espírito Santo, geralmente em
conexão com a Palavra. A fé lança mão da promessa divina e
apropria-se da salvação. Ela conduz a alma ao descanso em Cristo como Salvador
e Sacrifício pelos pecados; concede paz à consciência e dá esperança
consoladora do céu. Sendo essa fé viva e de natureza espiritual, e cheia de
gratidão para com Cristo, ela é rica em boas obras de toda espécie.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto
não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se
glorie" (Efés. 2:8,9). O homem nenhuma coisa possuía com que comprar sua
justificação. Deus não podia condescender em aceitar o que o homem oferecia; o
homem também não tinha capacidade para cumprir a exigência divina. Então Deus
graciosamente salvou o homem, sem pagar este coisa alguma —"gratuitamente
pela sua graça" (Rom. 3:24). Essa graça gratuita é recebida pela fé. Não
existe mérito nessa fé, como não cabem elogios ao mendigo que estende a mão
para receber uma esmola. Esse método fere a dignidade do homem, mas perante
Deus, o homem decaído não tem mais dignidade; o homem não tem possibilidades de
acumular bondade suficiente para adquirir a sua salvação. "Nenhuma carne
será justificada diante dele pelas obras da lei" (Rom. 3:20).
A doutrina da justificação pela graça de Deus, mediante a fé
do homem, remove dois perigos: primeiro, o orgulho de autojustiça e de
auto-esforço; segundo, o medo de que a pessoa seja fraca demais para conseguir
a salvação.
Se a fé em si não é meritória, representando apenas a mão que
se estende para receber a livre graça de Deus, que é então que lhe dá poder, e
que garantia oferece ela à pessoa que recebeu esse dom gratuito, de que viverá
uma vida de justiça? Importante e poderosa é a fé porque ela une a alma a
Cristo, e é justamente nessa união que se descobre o motivo e o poder para a
vida de justiça. "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos
revestistes de Cristo"(Gál. 3:27). "E os que são de Cristo
crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências" (Gál. 5:24).
A fé não só recebe passivamente mas também usa de modo ativo
aquilo que Deus concede. É assunto próprio do coração (Rom. 10:9,10; vide Mat.
15:19; Prov. 4:23), e quem crê com o coração, crê também com suas emoções,
afeições e seus desejos, ao aceitar a oferta divina da salvação. Pela fé,
Cristo mora no coração (Efés. 3:17). A fé opera pelo amor (a "obra da
fé"... 1Tess. 1:3), isto é, representa um princípio enérgico, bem como uma
atitude receptiva. A fé, por conseguinte, é poderoso motivo para a obediência e
para todas as boas obras. A fé envolve a vontade e está ligada a todas as boas
escolhas e ações, pois "tudo que não é de fé é pecado" (Rom.
14:23).Ela inclui a escolha e a busca da verdade (2 Tess. 2:12) e implica
sujeição à justiça de Deus (Rom. 10:3).
O que se segue representa o ensino bíblico concernente à
relação entre fé e obras. A fé se opõe às obras quando por obras entendemos
boas obras que a pessoa faz com o intuito de merecer a salvação. (Gál. 3:11.)
Entretanto, uma fé viva produzirá obras (Tia. 2:26), tal qual uma árvore viva
produzirá frutos. A fé é justificada e aprovada pelas obras (Tia. 2:18), assim
como o estado de saúde das raízes duma boa árvore é indicado pelos frutos. A fé
se aperfeiçoa pelas obras (Tia. 2:22), assim como a flor se completa ao
desabrochar. Em breves palavras, as obras são o resultado da fé, a prova da fé,
e a consumação da fé.
Imagina-se que haja contradição entre os ensinos de Paulo e
de Tiago. O primeiro, aparentemente, teria ensinado que a pessoa é justificada
pela fé, o último que ela é justificada pelas obras. (Vide Rom. 3:20 e Tia.
2:14-16.) Contudo, uma compreensão do sentido em que eles empregaram os termos,
rapidamente fará desvanecer a suposta dificuldade. Paulo está recomendando uma
fé viva que confia somente no Senhor; Tiago está denunciado uma fé morta e
formal que representa, apenas, um consentimento mental. Paulo está rejeitando
as obras mortas da lei, ou obras sem fé; Tiago está louvando as obras vivas que
demonstram a vitalidade da fé. A justificação mencionada por Paulo refere-se ao
início da vida cristã; Tiago usa a palavra com o significado de vida de
obediência e santidade como evidência exterior da salvação. Paulo está
combatendo o legalismo, ou a confiança nas obras como meio de salvação; Tiago
está combatendo antinomianismo, ou seja, o ensino de que não importa qual seja
a conduta da pessoa, uma vez que creia. Paulo e Tiago não são soldados lutando
entre si; são soldados da mesma linha de combate, cada qual enfrentando
inimigos que os atacam de direções opostas.
( CONHECENDO AS DOUTRINAS DA BÍBLIA )
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