sexta-feira, 15 de abril de 2016





G

raça, um Favor Imerecido


 Romanos 3.21-26
Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.


Declarado Inocente!

"Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas” (3.21). Essa seção que começa em Romano s 3.21 e se estende até 4.25 apresenta o remédio d o diagnóstico que Paulo tinha dado anteriormente para a questão do pecado em Romanos 1.18— 3.20. Vimos que Paulo primeiramente apresentou o mundo pagão totalmente mergulhado nas trevas do pecado . Por outro lado , a situação dos seus com patriotas judeus não era diferente. Eles também estavam debaixo do domínio do mesmo pecado . É , pois, nessa seção qüe o apóstolo apresentará a solução de Deus para a rebelião do homem — a justiça de Deus imputada a todos por Cristo Jesus.
À parte da lei, isto é, sem o concurso da lei, a justiça de Deus se manifestou  para resolver o dilema humano . Essa justiça divina, que se manifestaria em Cristo Jesus, já era testemunhada pela própria lei e pelos profetas (v. 21). Primeiramente, a imagem que Paulo tem em mente aqui é de um tribunal. Alguém que se encontra com o réu diante de um juiz e de quem espera o veredicto condenatório . Todavia, em vez de receber uma condenação , ele recebe a absolvição.

 O expositor bíblico William Barclay mostra o pano de fundo da dou trina da justificação nessa passagem . Nesse exemplo de Paulo , imagina-se o homem diante do tribunal de Deus. Barclay destaca com muita propriedade que a palavra grega traduzida com o “justificar” vem da mesma raiz de dikaiún e que todos os verbos gregos que terminam em ún têm o sentido de considerar alguém como algo e não 0 de fazer algo a alguém. Dessa forma, se alguém que é inocente se apresenta diante de um juiz, o juiz, evidentemente, o declarará inocente. Todavia, o caso mostrado por Paulo aqui é diferente. A pessoa que se apresenta diante de Deu s é totalmente culpada, merecendo a punição do seu erro , porém , o justo Juiz , em um  demonstração de sua graça infinita , considera -o como se fosse inocente . Isso é o que se entende do significado da palavra “justificação ” no contexto paulino. Quando Paulo diz “Deus justifica o ímpio ” , significa, dentro do contexto d a justificação , que Deu s trata o ímpio como alguém bom . E evidente que tal raciocínio deixou os judeus totalmente escandalizados. Na mente do s judeus, apenas um juiz iníquo agiria dessa forma, pois justificar o ímpio é uma abominação para Deus (Pv 17.15); “não justificarei o ímpio ” (E x 23.7). Todavia, a argumentação de Paulo mostra que é exatamente isso o que Deus fez.

Na mente de Paulo, observa Barclay, se alguém desejasse saber como Deus é, então deveria olhar para Jesus, pois Ele revelou Deus aos homens. O verbo encarnado de Deus veio mostrar o grande amor de Deus pelos homens,  mesmo estes estando mortos em seus delito se pecados (E f 2.1,2). Barclay destaca que “quando descobrimos isso e cremos, nossa relação com Deus muda radicalmente. Estamos conscientes do  nosso pecado , mas não estamos aterrorizados ou distantes. Quebrantados e arrependidos, recorremos a Deus como um a criança triste se chega a sua mãe e sabemos que o Deus a quem chegamos é amor. Isso é o que significa justificação pela fé em Jesus Cristo. Isso significa que estamos em relacionamento correto com Deus porque acreditamos sinceramente que o que Jesus nos disse de Deus é a verdade. Já não somos estranhos que têm medo de um Deu s irado . Somos filhos, crianças errantes que confiam no amor do Pai que os perdoará. E não podíamos nunca chegar a esse relacionamento com Deus, se Jesus não tivesse vindo para viver e morrer para nos dizer como maravilhosamente Deus nos ama” .
Escravo Alforriado
 “...pela redenção que há em Cristo Jesus” (3.24b). A palavra traduzida como “redenção ” vem do grego apolutrósis. De acordo com o léxico grego de Gerhard Kittel, essa palavra tem o sem tido d e resgate o u pagamento de um regaste, passando a ser um termo muito importante no Novo Testamento.2 A história seguinte ajuda-nos a entender o seu real sentido .
No tempo da escravidão , nos Estados Unidos, numa movimentada rua de certa cidade, uma multidão de pessoas concorreu para uma feira de escravos. Amarrados de pés e mãos, aguardavam compradores.

No meio dos escravos, estava uma moça de olhar cabisbaixo , triste, pensando na sua condição de escrava. Um cavalheiro passou , olhou para os escravos e teve profunda compaixão por aquela escrava, que era tratada como os demais escravos, feito animais. Na hora dos lances, o cavalheiro ofereceu o dobro . O leiloeiro bateu o martelo , estava livre, podia gozar de sua liberdade.
Soltaram a escrava e o seu libertador disse-lhe: “Acompanhe -me ” . Com raiva, ela cuspiu na cara do seu benfeitor. Ele tirou o lenço do bolso, limpou a cusparada. Terminou a parte burocrática. Peg ou os documentos e deu à jovem . Era a carta de alforria. A escrava estava livre. Com aqueles papéis ninguém conseguiria escravizá-la. Com os documentos na mão, dizia quase sem p arar: “ O senhor me comprou para me libertar? ” . Estava livre . Aquele homem comprou a libertação da jovem escrava. Poderia gozar de sua liberdade . A nossa escravidão , imposta pelo Diabo, é muito mais grave do que a escravidão daquela jovem negra. Estávamos nos grilhões do Diabo . Comumente, ele nos levava pelo caminho do cigarro , das drogas, da prostituiç ão , do furto e do crime. E esses pecados se refletiam em nossa  família , nossos  filhos, nosso trabalho . No cabresto do Diabo , ele nos  levava por esses caminhos de sombras, de desilusão , de amargura , de morte. Matou a esperança em nosso coração . Como aquele cavalheiro nos Estados Unidos pagou a libertação da jovem , Cristo pagou o preço da nossa redenção .

O Preço de um Resgate
"... a qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue... ” (3.25). O vocábulo “propiciação” (gr. hilastérion), comenta Elvis Carballosa, significa sacrifico expiatório . Esse sacrifício expiatório foi a morte d e Cristo em lugar do pecador. A frase “no seu sangue” se refere à morte de Cristo. A morte de Cristo foi uma realidade histórica.
Romanos 3.27-31

 Onde está, logo, a jactância? E excluída. Por qual lei? Das obras? Não! Mas pela lei da fé. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei. É, porventura, Deus somente dos judeus? E não o é também dos gentios? Também dos gentios, certamente. Se Deus é um só, que justifica, pela fé, a circuncisão e, por meio da fé, a incircuncisão, anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei.
Jesus e o Judaísmo Palestino
“Concluímos, pois, que 0 homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (3.28). N esse ponto, dentro de nosso comentário textual e exegético desse texto, é preciso fazer referência a um grande debate que nos últimos anos tem surgido em torno da teologia paulina da graça. Alguns expositores têm defendido a tese de que Paulo não estaria com batendo o legalismo judaico, isto é, a salvação p elas obras, mas em vez disso estaria se posicionando apenas contra o orgulho judaico de pertencer ao povo d a aliança.

Os escritos do norte -americano E . P. S anders revolucionaram os estudos sobre a teologia paulina quando , em 1977, publicou seu livro Paulo e 0 Judaísmo Palestino. Sanders parte do princípio de que o judaísmo não era uma religião legalista que pregava a salvação pelas obras. Esse pensamento de Sanders, denominado de A. Nova Perspectiva sobre Paulo, é radicalmente oposto àquele da tradição cristã histórica . O livro de S anders é uma tentativa de provar que a teologia sobre Paulo , que os reformadores defendiam , não era de fato de Paulo, m as de Agostinho, bispo de Elipona. O escritor William S. Campbell destaca que “é perceptível, pela leitura de Sanders, que um debate cristão interno posterior sobre a graça e obras foi projetado no cristianismo inicial, fazendo com que nosso entendimento das origens cristãs, em relação ao judaísmo, se tornasse um tanto distorcido . E m certo sentido, esse é, na verdade, mais um debate sobre a graça dentro do cristianismo. E esclarecedor observar que foram .
os escritos antipelagianos de Agostinho o material que Lutero considerou mais úteis. Para Lutero, A gostinho é sua autoridade preferida, seu principal aliado na luta contra as tendências  pelagianas do escolasticismo. Mas, em decorrência disso, os judeu s são vistos por Lutero como representantes de um tipo de pelagianismo e, como tal, inimigos d o Evangelho tanto quanto a igreja não reformada” .
 Partindo, portanto, desse princípio, E. P. Sanders se opôs a essa visão dos reformadores. A o contrário do que crê o cristianismo tradicional, disse que o judaísmo é um a religião d a aliança em que o status de pertencer ao gru p o eleito, e não a obediência legalista d a lei, é a principal característica. Para Sanders, os judeus não acreditavam que a obediência aos preceitos legais lhes garantia salvação, mas apenas mantinha seu status dentro do grupo da aliança. Nesse aspecto, em vez d e ser a causa da salvação, a obediência era apenas a condição. Essa nova perspectiva, Sanders denominou de nomismo da aliança. Em outras palavras, o erro dos judeus era o de se orgulhar de pertencer ao povo eleito de Deus, pertencer a aliança que Deus fez com Israel e não querer agradá-lo por meio das obras.

Outro autor que fez coro com Sanders foi o britânico James D. G. Dunn que também passou a defender a Nova Perspectiva sobre Paulo. Todavia, Dunn fez críticas ao modelo de Sanders para implantar o seu próprio modelo. Dunn afirma que “o Paulo luterano foi substituído p o r um Paulo idiossincrático que, de maneira arbitrária e irracional, volta-se contra a glória e a grandeza da teologia pactuai do judaísmo e abandona o judaísmo simplesmente por que ele não é cristianismo”. O teólogo presbiteriano Augustas Nicodemus o bserva que J. D. G. Dunn nessa nova abordagem sociológica sobre Paulo “tem recebido vasta aceitação. Para ele, Paulo ataca as ‘obras da lei’ não porque elas expressam algum desejo de alcançar mérito por parte dos judeus, mas porque entende que elas fazem uma distinção entre os judeus, o povo de Deus da antiga dispensação, e os gentios, a quem o evangelho está sendo oferecido. A s ‘obras da lei’, que Paulo identifica como restritas à circuncisão, às leis sobre alimentos puros e impuro s (kashruí) e aos dias especiais do calendário judaico, são emblemas que caracterizam o judaísmo e devem ser rejeitadas porque enfatizam a separação entre judeu s e não judeus, a qual Cristo veio abolir” .

 Duas coisas precisam ser observadas aqui. Primeiro, a leitura de Romanos 3.28 mostra claramente que Paulo não via o problema da rejeição judaica apenas como sendo um orgulho de pertencer ao povo da aliança. Essa Escritura é clara o suficiente para mostrar que a busca pelo mérito por meio das obras constituiu-se o principal obstáculo para um judeu legalista aceitar a justificação som ente pela fé.  Em segundo lugar, é um fato que não apenas Lutero, mas outros reformadores depois dele, beberam do poço doutrinário de Agostinho, como por exemplo, a crença no pecado original com a consequente doutrina da regeneração batismal, etc. Embora haja similaridade entre o legalismo judaico e a doutrina da salvação pelas obras de Pelágio, não é correto fazer a crença luterana na justificação pela fé depender exclusivamente de Agostinho. Não há como negar que Lutero foi influenciado de forma negativa por Agostinho, todavia, a própria história da Reforma, com seu lema “O justo viverá pela fé” (Rm 1.17), revela a grande influência que a Carta aos Romanos teve na vida e obra do reformador alemão. Não é seguro, portanto, pelo menos neste caso, fazer a convicção teológica do reformador alemão depender somente de Agostinho . Por outro lado, é certo e historicamente provado, como demonstrou Sanders, que Lutero errou ao odiar os judeus ao projetar neles o erro pelagiano.
Romanos 4.1-25

Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne? Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado. Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão somente ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a fé foi imputada como justiça a Abraão. Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão. E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que creem (estando eles também na incircuncisão, a fim de que também a justiça lhes seja imputada), e fosse pai da circuncisão, daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé de Abraão, nosso pai, que tivera na incircuncisão. Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé. Pois, se os que são da lei são os herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é aniquilada. Porque a lei opera a ira; porque onde não há lei também não há transgressão. Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós, (como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se já fossem. O qual, em esperança, creu contra a esperança que seria feito pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência. E não enfraqueceu na fé, nem atentou para o seu próprio corpo já amortecido (pois era já de quase cem anos), nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara. 

E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus; e estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer. Pelo que isso lhe foi também imputado como justiça. Ora, não só por causa dele está escrito que lhe fosse tomado em conta, mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor, o qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa justificação.

A Jornada da Fé A partir dessa seção , Paulo introduz a história do patriarca Abraão como um exemplo do seu argumento da justificação pela fé. Paulo argumenta a partir de Gênesis 15; toda ia, acredito ser oportuno aqui vermos alguns aspectos anteriores da jornada desse gigante espiritual. Voltemo -nos , pois , ao capítulo 13 de Gênesis para traçar mos o percurso dessa  jornada .

1. Uma jornada para conviver com altares, e não com pirâmides. “ Subiu , pois, Abrão do Egito [a terra das pirâmides] [...] E fez as suas jornadas do Sul [Neguebe] até Betei, até ao lugar onde, ao princípio, estivera a sua tenda, entre Betei e A i; até ao lugar do altar que, dantes, ali tinha feito; e Abrão invocou ali o nome do Senhor” (G n 1 3 .1-4).11 Abraão saiu do Egito , onde conviveu com as grandes pirâmides, para voltar à Palestina, terra onde construíra altares. Deus quer o fiel convivendo com altares, e não com pirâmides.

 2. Uma jornada onde a visão deve ser maior do que a ambição. “ E houve contenda entre os pastores do gado de Abrão e os pastores do gado de Ló [...] E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti e entre os meus pastores e os teus pastores, porque irmãos somos” (G n 13.7,8). A ambição , o orgulho e o desejo de te r são agentes causadores da quebra da unidade fraternal, mas a busca da koinonia é o remédio para esse mal. A luta por espaço arranhou o relacionamento entre os pastores de Abraão e Ló. Evidentemente que isso estava tendo consequências entre o tio e o sobrinho . E melhor abrir mão de alguma coisa do que permitir que venha a arranhar a comunhão fraternal.

3. Uma jornada que não pode ser seduzida por uma imitação do Paraíso nem pelas lembranças do Egito. “E levantou Ló os seus olhos e viu toda a campina do Jordão , que era toda bem regada, antes de o Senhor ter destruído Sodoma e Gomorra, e era como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, quando se entra em Zoar” (G n 13.10). Ló se deixou seduzir por uma lembrança do Paraíso , todavia Abraão procurou viver a realidade nua e crua de um a vida de fé. As campinas de Sodoma lembravam o Paraíso, mas não eram o Paraíso. Às vezes, o crente se deixa iludir pelas aparências e em vez de  procurar o caminho mais seguro, busca os atalhos.

 4. Uma jornada que se aproxima de Canaã e se afasta de Sodoma. “ Habitou Abrão na terra de Canaã, e Ló habitou nas cidades da campina e armou as suas tendas até Sodoma” (Gn 13.12,13 ). Enquanto Ló se aproximava de Sodoma, do pecado , Abraão se distanciava cada vez mais dele. Impulsionado  pelo s atrativos, Ló se aproximava cada vez mais dos encantos de Sodoma. Foi um  sedução que, posteriormente , lhe custou muito caro. Por que em vez de se afastar de Sodoma muitos se aproximam cada vez m ais?

 5. Uma jornada onde a exclusividade determina a intimidade. “ E disse o Senhor a Abrão , depois q u e Ló se apartou dele ” (G n 13.14). À s vezes precisam os nos separar de determinadas coisas, até mesmo de pessoas, se queremos ouvir a voz do Senhor. Não dá para conviver com quem gosta de Sodoma.

6. Uma jornada onde Deus mostra 0 futuro, mas é 0 homem quem constrói 0 presente. “Levanta, agora, os teus olhos e olha desde o lugar onde estás, para abanda do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês te hei de dar a ti e à tua sem ente, para sem pre. [...] Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei. E Abrão armou as suas tendas, e veio, e habitou nos carvalhais de Manre, que estão junto a Hebrom ; e edificou ali um altar ao Senhor” (G n 1 3 .1 4 -1 8 ). Deus revela o futuro, mas somos nós quem construímos o presente. É preciso haver deslocamento . Começar e recomeçar sempre. Deus faz promessas e as cumpre, mas é preciso ter paciência, encarar as in certezas do presente para chegar às garantias do futuro.

7. Uma jornada onde pessoas são mais importantes do que coisas. “Também tomaram a L ó , que ha bitava em Sodoma, filho do irmão de Abrão, e a sua fazenda e foram -se. [...] não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu; para que não digas: Eu enriquecia Abrão ” (G n 14.12,23). Abraão era rico , mas não punham nas riquezas a sua confiança. O importante p ara ele era a comunhão com o seu Deus.

8. Uma jornada onde Abrão aprendeu que era grande, mas não o maior. “E Melquisedeque, rei de Salém , trouxe pão e vinho; e este era sacerdote do D eu s Altíssimo . E abençoou -o e disse: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo , o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus Altíssimo , que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E deu-lhe o dízimo de tudo ” (G n 14.18,20; H b 7.1-10). Mesmo sendo um homem grande , Abraão reconheceu que  havia alguém ainda maior. Melquisede que é um tipo de Cristo , e o velho patriarca aprendeu desde sempre a depender da fé nEle.
Pois bem , voltemos ao texto. O texto de Romanos 4 .1 -2 5 , como vimos, trata com exclusividade da vida do velho patriarca Abraão . A exegese feita por Paulo nessa passagem mostra , a partir do livro de Gênesis, que a justificação de Abraão não se deu em decorrência das obras, mas da fé. Nesse aspecto há uma similaridade entre a fé de Abraão e a fé do cristão . Lucien Cerfaux sintetizou bem essa analogia usada por Paulo . Dentro dessa passagem de Romanos é possível perceber com clareza Paulo fazendo a ligação entre a justiça de Abraão , Cristo e a justiça do cristão .
 “Pois, que di% a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça ” (Km 4.3). Paulo toma como ponto de partida de seu argumento Gênesis 1 5 .6 , onde Deus fez a promessa a Abrão de lhe dar uma posteridade numerosa . O judaísmo acreditava que Abraão havia sido justificado em consequência do rito da circuncisão , o que Paulo vai negar. Paulo observa que Deus justificou o patriarca em consequência da sua fé , que aconteceu muito antes da prática da circuncisão . Dessa forma , como mostra Romanos 4 .4 , Abraão não poderia ter sido justificado pelas obras, mas pela fé. A sua justificação foi uma dádiva , e não uma dívida.

O expositor Lucien Cerfaux destaca que “Paulo exalta a fé de Abraão, emoldurando  a – de maneira mais determinada com a fé dos cristãos, cujo objeto principal é a ressurreição de Cristo. Abraão crera em Deus ‘que dá vida aos mortos e, chamando -as, faz existir as coisas que não existiam ’ (Rm 4.17). Paulo explica seu modo de pensar: ‘E sem vacilar na fé, não considerou nem o seu corpo, já sem vitalidade, por ser quase centenário, nem a falta de vigor do seio de Sara; nem hesitou por falta de fé, perante a promessa de Deu s, antes hauriu força na sua fé, dando gloria a Deus’ (R m 4.19). No tem -se as expressões ‘morte ’ (o corpo de Abraão , o seio de Sara estão mortos) e ‘dar vida ’. É a antítese morte-ressu rreição . A fé de Abraão constitui o primeiro esboço da fé cristã; pela maneira com a qual a formula, suspeita-se que Paulo a encara com o um ‘tipo ’ de fé na morte e ressurreição de Cristo ” .
“Bem-aventurado 0 homem a quem 0 Senhor não imputa 0 pecado” (Rm 4.8).

Seguindo um dos princípios hermenêuticos (Ge^erah Sahawah) d a escola rabínica de Hillel, faz um paralelo entre Salmos 32.1 e Gênesis 16.6. O propósito do apóstolo é interpretar Gênesis 1 5 a partir do Salmo 32. “O fato de Abraão ter sido considera do justo , de ter-lhe sido atribuída justiça diante de Deus (G n 15.6), significa que Deus não contou, atribuiu seu s pecados contra ele (SI 3 2 .1 ,2 ), com referência ao perdão divino dos pecados d e adultério e homicídio cometidos por Davi [cf. 2 Sm 11]. Tudo isso significa que Abraão foi justificado diante de Deus, pela fé e não por obras. De fato, Abraão era um pecador cuja única esperança era a graça de Deus recebida pela fé ” . Na argumentação de Paulo , ficam , portanto , os fatos:

1. Quando Abraão foi justificado, era ainda incircunciso. Isso significa que Abraão seria o p ai de todos os que h aviam d e crer sem estar circuncidados (incircuncisos), e assim fosse creditada a justiça também a eles.

 2. A circuncisão foi dada após, como “sinal” (segundo Gn 17.1 Os), isto é, como sinal da justiça da f é que ele havia recebido sendo ainda incircunciso. Isso significa que Abraão seria o p ai de todos circuncisos, isto é, daqueles que não se limitam à circuncisão, m as que, além disso, seguem n a esteira da fé que, ainda incircunciso, possuía nosso pai Abraão (R m 4 .11).15.
( Maravilhosa Graça - José Gonçalves)

                     II. A Justificação

1. Natureza da justificação: absolvição divina.

A palavra "justificar" é termo judicial que significa absolver, declarar justo, ou pronunciar sentença de aceitação. A ilustração procede das relações legais. O réu está perante Deus, o justo Juiz; mas, ao invés de receber sentença condena-tória, ele recebe a sentença de absolvição.
O substantivo "justificação" ou "justiça", significa o estado de aceitação para o qual se entra pela fé. Essa aceitação é dom gratuito da parte de Deus, posto à nossa disposição pela fé em Cristo. (Rom. 1:17; 3:21,22.) É o estado de aceitação no qual o crente permanece (Rom. 5:2). Apesar de seu passado pecaminoso e de imperfeições no presente, o crente goza de completa e segura posição para com Deus. "Justificado" é o veredito divino e ninguém o poderá contradizer. (Rom. 8:34.) Essa doutrina assim se define: "Justificação é um ato da livre graça de Deus pelo qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos aos seus olhos somente por nos ser imputada a justiça de Cristo, que se recebe pela fé."
Justificação é primeiramente uma mudança de posição da parte do pecador, o qual antes era um condenado; agora, porém, goza de absolvição. Antes estava sob a condenação, mas agora participa da divina aprovação.

Justificação inclui mais do que perdão dos pecados e remoção da condenação, pois no ato da justificação Deus coloca o ofensor na posição de justo. O presidente da República pode perdoar o criminoso, mas não pode reintegrá-lo na posição daquele que nunca desrespeitou as leis. Mas a Deus é possível efetuar ambas as coisas! Ele apaga o passado, os pecados e ofensas, e, em seguida, trata o ofensor como se nunca tivesse cometido um pecado sequer! O criminoso perdoado não é considerado ou descrito como bom ou justo; mas Deus, ao perdoar o pecador, o declara justificado, isto é, justo aos olhos divinos. Juiz algum poderia justificar o criminoso, isto é, declará-lo homem justo e bom. Se Deus estivesse sujeito às mesmas limitações e justificasse somente gente boa, então não haveria evangelho nenhum a ser anunciado aos pecadores. Paulo nos assegura que Deus justifica o ímpio. "O milagre do Evangelho é que Deus se aproxima dos ímpios, com uma misericórdia absolutamente justa e os capacita pela fé, a despeito do que são, a entrarem em nova relação com ele, relação pela qual é possível que se tomem bons. O segredo do Cristianismo do Novo Testamento, e de todos os avivamentos e reformas da igreja, é justamente este maravilhoso paradoxo: "Deus justifica o ímpio!"
Assim vemos que justificação é primeiramente subtração — o cancelamento dos pecados; segundo, adição — imputação de justiça.

2. Necessidade da Justificação: a condenação do homem.

"Como se justificará o homem para com Deus?" perguntou Jó (9:1). "Que é necessário que eu faça para me salvar?" interrogou o carcereiro de Filipos. Ambos expressaram a maior de todas as perguntas: Como pode o homem acertar sua vida perante Deus e ter certeza da aprovação divina?
A resposta a essa interrogação encontra-se no Novo Testamento, especialmente na epístola aos Romanos, na qual se apresenta, em forma sistemática e detalhada, o plano da salvação. O tema do livro encontra-se no capítulo 1:16,17, o qual se pode parafrasear da seguinte maneira: O evangelho é o poder de Deus para a salvação dos homens, pois o evangelho revela aos homens como se pode mudar de posição e de condição, de maneira que eles sejam justos perante Deus.
Uma das frases proeminentes da mesma epístola é: "A justiça de Deus." O inspirado apóstolo descreve a qualidade de justiça que Deus aceita, de forma que o homem que a possui tenha aceitação como justo perante ele. Essa justiça resulta da fé em Cristo. Paulo demonstra que todos os homens necessitam dessa justiça de Deus, porque toda a raça pecou. Os gentios estão sob condenação. Os passos de sua degradação foram claros: outrora conheceram a Deus (1:19,20); falhando em o servirem e adorarem, seu coração insensato se obscureceu (1:21,22); a cegueira espiritual os conduziu à idolatria (verso 23) e a idolatria os conduziu à corrupção moral (vers. 24-31). São indesculpáveis porque tinham a revelação de Deus na natureza, e a consciência que aprova ou desaprova seus atos. (Rom. 1:19,20; 2:14,15.) O judeu também está sob condenação. É verdade que ele pertence à nação escolhida, e conhece a lei de Moisés de há muitos séculos, mas transgrediu essa lei em pensamentos, atos e palavras (cap. 2). Paulo, assim, estrondosamente, encerra toda a raça humana sob a condenação: "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Rom. 3:19,20).

Qual será essa "justiça" de que tanto necessita o homem? A própria palavra significa "retidão", ou estado de reto, ou justo. A palavra às vezes descreve o caráter de Deus, como sendo isento de toda imperfeição ou injustiça. Quando aplicada ao homem, significa o estado de retidão diante de Deus. Retidão significa "reto", aquilo que se conforma a um padrão ou norma. Por conseguinte, é o homem que se conforma à lei divina. Mas que acontecerá se esse homem descobrir que, em vez de ser "reto", ele é perverso (literalmente "torto") sem poder se endireitar? É então que ele precisa da justificação — que é obra exclusiva de Deus.

Paulo declarou que pelas obras da lei ninguém será justificado. Essa declaração não é uma crítica contra a lei, a qual é santa e perfeita. Significa simplesmente que a lei não foi dada com esse propósito de fazer justo o povo, e, sim, de suprir a necessidade duma norma de justiça. A lei pode ser comparada a uma fita métrica que pode medir o comprimento do pano, sem, contudo, aumentar o comprimento. Podemos compará-la à balança que determina o nosso peso, sem, contudo, aumentar esse peso. "Pela lei vem o conhecimento do pecado."
"Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus" (Rom. 3:21). Notem a palavra "agora". Alguém disse que Paulo dividiu todo o tempo em "agora" e "depois". Em outras palavras, a vinda de Cristo operou uma grande mudança nas transações de Deus com os homens. Introduziu uma nova dispensação. Durante séculos os homens pecavam e aprendiam a impossibilidade de aniquilarem ou vencerem seus pecados. Mas agora Deus, clara e abertamente, revelou-lhes um novo caminho.
Muitos israelitas julgavam que devia haver um meio de serem justificados sem ser pela guarda da lei; por duas razões: 1) perceberam um grande abismo entre as exigências de Deus para com Israel e seu verdadeiro estado espiritual. Israel era injusto, e a salvação não podia proceder dos próprios méritos ou esforços. A salvação teria que proceder de Deus, por sua intervenção. 2) Muitos israelitas reconheceram por experiência própria sua incapacidade para guardar perfeitamente a lei. Chegaram à conclusão de que devia haver uma justiça alcançável independentemente de suas próprias obras e esforços. Em outras palavras,-anelavam por redenção e graça. E Deus lhes assegurou que tal justiça lhes seria revelada. Paulo (Rom. 3:21) fala da justiça de Deus sem a lei, "tendo o testemunho da lei (Gên. 3:15; 12:3; Gál. 3:6-8) e dos profetas (Jer. 23:6; 31:31-34)". Essa justiça incluía tanto o perdão dos pecados como a justiça íntima do coração.

Na verdade, Paulo afirma que a justificação pela fé foi o plano original de Deus para a salvação dos homens; a lei foi acrescentada para disciplinar os israelitas e fazê-los sentir a necessidade de redenção. (Gál. 3:19-26.) Mas a lei em si não possuía poder para salvar, como o termômetro não tem poder para baixar a febre que ele registra. Seria o próprio Senhor, o Salvador do seu povo; e sua graça seria a sua única esperança.
Infelizmente, os judeus exaltaram a lei, imaginando que ela fosse um agente justificador, e elaboraram um plano de salvação baseado no mérito pela guarda dos seus preceitos e das tradições que lhes foram acrescentadas. "Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus" (Rom. 10:3). Não conheceram o propósito da lei. Confiaram nela como meio de salvação espiritual, ignorando a pecabilidade dos seus próprios corações, e imaginavam que seriam salvos pela guarda da letra da lei. Por essa razão, quando Cristo veio, oferecendo-lhes a salvação dos seus pecados, pensavam que não precisavam dum Messias como ele. (vide João 8:32-34.) O pensamento dos judeus era o de estabelecer rígidos requisitos pelos quais conseguiriam a vida eterna. "Que faremos para executarmos as obras de Deus?" perguntaram. E não se prontificaram a obedecer à indicação de Jesus: "A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou" (João 6:28,29). Tão ocupados estavam em estabelecer seu próprio sistema de justiça, que perderam, por completo, a oportunidade de serem participantes da justificação divinamente provida para os homens pecadores. Na viagem, um trem representa o meio de conseguir um determinado alvo. Ninguém pensa em fazer do trem sua morada; antes, preocupa-se tão somente em chegar ao destino. Ao chegar a esse destino, deixa-se o trem. A lei foi dada a Israel com o propósito de conduzi-lo a um destino, e esse destino é a fé na graça salvadora de Deus. Mas, ao aparecer o Redentor, os judeus satisfeitos consigo mesmos, fizeram o papel do viajante que, chegando ao destino, se recusa a deixar o trem, embora o condutor lhe diga: "Estamos no fim da viagem"! Os judeus se recusaram a deixar as poltronas do "trem do Antigo Pacto", muito embora o Novo Testamento lhes assegurasse: "O fim da lei é Cristo", e que se cumpriu o Antigo Testamento. (Rom. 10:4.)

3. A fonte da justificação: a graça.

Graça significa, primeiramente, favor, ou a disposição bondosa da parte de Deus. Alguém a definiu como a "bondade genuína e favor não recompensados", ou "favor não merecido". Dessa forma a graça nunca incorre em dívida. O que Deus concede, concede-o como favor; nunca podemos recompensá-lo ou pagar-lhe. A salvação é sempre apresentada como dom, um favor não merecido, impossível de ser recompensado; é um benefício legítimo de Deus. (Rom. 6:23) O serviço cristão portanto, não é pagamento pela graça de Deus; serviço cristão é um meio que o crente aproveita para expressar sua devoção e amor a Deus. "Nós o amamos porque ele primeiramente nos amou."
A graça é transação de Deus com o homem, absolutamente independente da questão de merecer ou não merecer. "Graça não é tratar a pessoa como merece, nem tratá-la melhor do que merece", escreveu L. S. Chafer. "E tratá-la graciosamente sem a mínima referência aos seus méritos. Graça é amor infinito expressando-se em bondade infinita."

Devemos evitar certo mal-entendido. Graça não significa que Deus é de coração tão magnânimo que abranda a penalidade ou desiste dum justo juízo.
Sendo Deus o Soberano perfeito do universo, ele não pode tratar indulgentemente o assunto do pecado pois isso depreciaria sua perfeita santidade e justiça. A graça de Deus aos pecadores revela-se no fato de que ele mesmo pela expiação de Cristo, pagou toda a pena do pecado. Por conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os merecimentos ou não merecimentos. Os pecadores são perdoados, não porque Deus seja benigno para desculpar os pecados deles, mas porque existe redenção mediante o sangue de Cristo. (Rom. 3:24; Efés. 1:6.) Os pregadores modernistas erram nesse ponto; pensam que Deus por sua benignidade perdoa os pecados; entretanto, seu perdão baseia-se na mais rigorosa justiça. Ao perdoar o pecado, "Ele é fiel e justo" (1 João 1:9). A graça de Deus revela-se no fato de haver ele provido uma expiação pela qual pode ser justo e justificador e, ao mesmo tempo, manter sua santa e imutável lei. A graça manifesta-se independente das obras ou atividades dos homens. Quando a pessoa está sob a lei, não pode estar sob a graça; e quando está sob a graça, não pode estar sob a lei. Está "sob a lei" quando tenta assegurar a sua salvação ou santificação como recompensa, por fazer boas obras ou observar certas cerimônias. Essa pessoa está "sob a graça" quando assegura para si a salvação por confiar na obra que Deus fez por ela, e não na obra que ela faz para Deus. As duas esferas são mutuamente exclusivas. (Gál. 5:4.) A lei diz: "paga tudo"; mas a graça diz: "Tudo está pago." A lei representa uma obra a fazer; a graça é uma obra consumada. A lei restringe as ações; a graça transforma a natureza. A lei condena; a graça justifica. Sob a lei a pessoa é servo assalariado; sob a graça é filho em gozo de herança ilimitada.

Enraizada no coração humano está a idéia de que o homem deve algo para tornar-se merecedor da salvação. Na igreja primitiva certos instrutores judaico-cristãos insistiam em que os convertidos fossem salvos pela fé e a observância da Lei de Moisés. Entre os pagãos, e em alguns setores da igreja cristã, esse erro tem tomado a forma de auto-castigo, observância de ritos, peregrinações, e esmolas. A idéia substancial de todos esses esforços é a seguinte: Deus não é bondoso; o homem não é justo; por conseguinte, o homem precisa fazer-se justo a fim de tornar Deus benigno. Esse foi o erro de Lutero, quando, mediante automortificações, envidava esforços para efetuar a sua própria salvação. "Oh quando será que você se tornará piedoso a ponto de ter um Deus benigno?" exclamou certa vez, referindo-se a si próprio. Finalmente Lutero descobriu a grande verdade básica do evangelho: Deus é bondoso; portanto deseja fazer justo o homem. A graça do amoroso Pai, revelada na morte expiatória de Cristo é um dos elementos que distinguem o Cristianismo das demais religiões.

Salvação é a justiça de Deus imputada ao pecador; não é a justiça imperfeita do homem. Salvação é divina reconciliação; não é regulamento humano. Salvação é o cancelamento de todos os pecados; não é eliminar alguns pecados. Salvação é ser libertado da lei e estar morto para a lei; não é ter prazer na lei ou obedecer á lei. Salvação é regeneração divina; não é reforma humana. Salvação é ser aceitável a Deus; não é tornar-se excepcionalmente bom. Salvação é perfeição em Cristo; não é competência de caráter. A salvação, sempre e somente, procede de Deus; nunca procede do homem. — Lewis Sperry Chofer. Usa-se, às vezes, a palavra "graça", no sentido íntimo, para indicar a operação da influência divina (Efés. 4:7) e seus efeitos (Atos 4:33; 11:23; Tia. 4:6; 2 Cor. 12:9). As operações desse aspecto da graça têm sido classificadas da seguinte maneira: Graça proveniente (literalmente, "que vem antes") é a influência divina que precede a conversão da pessoa, influências que produzem o desejo de voltar para Deus. É o efeito do favor divino em atrair os homens (João 6:44) e convencer os desobedientes. (Atos 7:51.) Essa graça, às vezes, é denominada eficiente, tornando-se eficaz em produzir a conversão, quando não encontra resistência. (João 5:40; Atos 7:51; 13:46.) A graça efetiva capacita os homens a viverem justamente, a resistirem à tentação, e a cumprirem o seu dever. Por isso pedimos graça ao Senhor para cumprir uma determinada tarefa. A graça habitual é o efeito da morada do Espírito Santo que resulta em uma vida plena do fruto do Espírito (Gál. 5:22,23).

4. Fundamento da justificação: a justiça de Cristo.

Como pode Deus tratar o pecador como pessoa justa? Resposta: Deus lhe provê a justiça. Mas será que isso é apenas conceder o título de "bom" e "justo" a quem não o merece? Resposta: O Senhor Jesus Cristo ganhou o título a favor do pecador, o qual é declarado justo "mediante a redenção que há em Cristo Jesus". Redenção significa completa libertação por preço pago.
Cristo ganhou essa justiça por nós, por sua morte expiatória, como está escrito: "Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue." Propiciação é aquilo que assegura o favor de Deus para com os que não o merecem. Cristo morreu por nós para nos salvar da justa ira de Deus e nos assegurar o seu favor. A morte e a ressurreição de Cristo representam a provisão externa para a salvação do homem, referindo-se o termo justificação à maneira pela qual os benefícios salvadores da morte de Cristo são postos à disposição do pecador. Fé é o meio pelo qual o pecador lança mão desses benefícios.

Consideremos a necessidade de justiça. Como o corpo necessita de roupa, assim a alma necessita de caráter. Assim como é necessário apresentar-se em público decentemente vestido, assim é necessário que o homem se vista da roupa dum caráter perfeitamente justo para apresentar-se diante de Deus. (Vide Apo. 19:8; 3:4; 7:13,14.) As vestes do pecado estão sujas e rasgadas (Zac. 3:1-4); se o pecador se vestisse de sua própria bondade e seus próprios méritos, alegando serem boas as suas obras, elas seriam consideradas como "trapos de imundícia". (Isa. 64:6.) A única esperança do homem é adquirir a justiça que Deus aceita — a "justiça de Deus". Visto que o homem por natureza está destituído dessa justiça, terá que ser provida para ele essa justiça; terá que ser uma justiça que lhe seja imputada, não merecida.

Essa justiça foi comprada pela morte expiatória de Cristo. (Isa. 53:5,11; 2 Cor. 5:21; Rom. 4:6; 5:18,19.) Sua morte foi um ato perfeito de justiça, porque satisfez a lei de Deus. Foi também um ato perfeito de obediência. Tudo isso foi feito por nós e posto a nosso crédito. "Deus nos aceita como justos aos seus olhos somente por nos ter sido imputada a justiça de Cristo", afirma determinada declaração doutrinária.

O ato pelo qual Deus credita essa justiça à nossa conta chama-se imputação. Imputação é levar à conta de alguém as conseqüências do ato de outrem. As conseqüências do pecado do homem foram levadas à conta de Cristo, e as conseqüências da obediência de Cristo foram levadas à conta do crente. Ele vestiu-se das vestes do pecado para que nós pudéssemos nos vestir do seu "manto de justiça". "Cristo... para nós foi feito por Deus... justiça" (1Cor. 1:30). Ele torna-se "O Senhor Justiça Nossa" (Jer. 23:6).

Cristo expiou nossa culpa, satisfez a lei, tanto por obediência como por sofrimento, e tornou-se nosso substituto, de maneira que, estando unidos com ele pela fé, sua morte toma-se nossa morte, e sua obediência toma-se nossa obediência. Deus então nos aceita, não por qualquer bondade própria que nós tenhamos, nem pelas coisas imperfeitas que são as nossas "obras" (Rom. 3:28; Gál. 2:16), nem por nossos méritos, mas porque nos foi creditada a perfeita e toda-suficiente justiça de Cristo. Por causa de Cristo, Deus trata o homem culpado, quando este se arrepende e crê, como se fosse justo. Os méritos de Cristo são creditados a ele.
Também surgem as seguintes perguntas na mente da pessoa que investiga: sim, a justificação que salva é algo externo e concernente à posição legal do pecador; mas não haverá mudança alguma na condição moral? Afeta a sua situação, mas não afetará sua conduta? A justiça é imputada somente e não concedida de modo prático? Na justificação Cristo somente será por nós, ou agirá também em nós? Em outras palavras, parece que a imputação da justiça desonraria a lei se não incluísse a certeza de justiça futura.

A resposta é que a fé que justifica é o ato inicial da vida cristã e esse ato inicial, quando a fé for viva, é seguido por uma transformação interna conhecida como regeneração. A fé une o crente com o Cristo vivo; essa união com o Autor da vida resulta em transformação do coração. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Cor. 5:17). A justiça é imputada no ato da justificação e é comunicada na regeneração. O Cristo que é por nós torna-se o Cristo em nós.

A fé pela qual a pessoa é realmente justificada, necessariamente tem que ser uma fé viva. Uma fé viva produzirá uma vida reta; será uma fé que "opera pelo amor" (Gál. 5:6). Outrossim, vestindo a justiça de Cristo, o crente é exortado a viver uma vida em conformidade com o caráter de Cristo. "Porque o linho fino são as justiças dos santos" (literalmente os atos de justiça) (Apoc. 19:8). A verdadeira salvação requer uma vida de santidade prática. Que julgamento faríamos da pessoa que sempre se vestisse de roupa imaculada mas nunca lavasse o corpo? Incoerente, diríamos! Mas não menos incoerente é a pessoa que alega estar vestida da justiça de Cristo, e, ao mesmo tempo, vive de modo indigno do evangelho. Aqueles que se vestem da justiça de Cristo terão cuidado de purificar-se do mesmo modo como ele é puro. (1 João 3:3.)

5. Os meios da justificação: a fé.

Visto que a lei não pode justificá-lo, a única esperança do homem é receber "justiça sem lei" (isto, entretanto, não significa injustiça ilegal, nem tampouco religião que permita o pecado; significa sim, uma mudança de posição e condição). Essa é a "justiça de Deus", isto é, a justiça que Deus concede, sendo também um dom, pois o homem é incapaz de operar a justiça. (Efés. 2:8-10.)
Mas um dom tem que ser aceito. Como, então, será aceito o dom da justiça? Ou, usando a linguagem teológica: qual é o instrumento que se apropria da justiça de Cristo? A resposta é: "pela fé em Jesus Cristo." A fé é a mão, por assim dizer, que recebe o que Deus oferece. Que essa fé é a causa instrumental da justificação prova-se pelas seguintes referências: Rom. 3:22; 4: 11; 9:30; Heb. 11:7; Fil. 3:9.

Os méritos de Cristo são comunicados e seu interesse salvador é assegurado por certos meios. Esses meios necessariamente são estabelecidos por Deus e somente ele os distribui. Esses meios são a fé — o princípio único que a graça de Deus usa para restaurar-nos à sua imagem e ao seu favor. Nascida, como é, no pecado, herdeira da miséria, a alma carece duma transformação radical, tanto por dentro como por fora; tanto diante de Deus como diante de si própria. A transformação diante de Deus denomina-se justificação; a transformação interna espiritual que se segue, chama-se regeneração pelo Espírito Santo. Esta fé é despertada no homem pela influência do Espírito Santo, geralmente em
conexão com a Palavra. A fé lança mão da promessa divina e apropria-se da salvação. Ela conduz a alma ao descanso em Cristo como Salvador e Sacrifício pelos pecados; concede paz à consciência e dá esperança consoladora do céu. Sendo essa fé viva e de natureza espiritual, e cheia de gratidão para com Cristo, ela é rica em boas obras de toda espécie.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efés. 2:8,9). O homem nenhuma coisa possuía com que comprar sua justificação. Deus não podia condescender em aceitar o que o homem oferecia; o homem também não tinha capacidade para cumprir a exigência divina. Então Deus graciosamente salvou o homem, sem pagar este coisa alguma —"gratuitamente pela sua graça" (Rom. 3:24). Essa graça gratuita é recebida pela fé. Não existe mérito nessa fé, como não cabem elogios ao mendigo que estende a mão para receber uma esmola. Esse método fere a dignidade do homem, mas perante Deus, o homem decaído não tem mais dignidade; o homem não tem possibilidades de acumular bondade suficiente para adquirir a sua salvação. "Nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei" (Rom. 3:20).

A doutrina da justificação pela graça de Deus, mediante a fé do homem, remove dois perigos: primeiro, o orgulho de autojustiça e de auto-esforço; segundo, o medo de que a pessoa seja fraca demais para conseguir a salvação.
Se a fé em si não é meritória, representando apenas a mão que se estende para receber a livre graça de Deus, que é então que lhe dá poder, e que garantia oferece ela à pessoa que recebeu esse dom gratuito, de que viverá uma vida de justiça? Importante e poderosa é a fé porque ela une a alma a Cristo, e é justamente nessa união que se descobre o motivo e o poder para a vida de justiça. "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo"(Gál. 3:27). "E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências" (Gál. 5:24).

A fé não só recebe passivamente mas também usa de modo ativo aquilo que Deus concede. É assunto próprio do coração (Rom. 10:9,10; vide Mat. 15:19; Prov. 4:23), e quem crê com o coração, crê também com suas emoções, afeições e seus desejos, ao aceitar a oferta divina da salvação. Pela fé, Cristo mora no coração (Efés. 3:17). A fé opera pelo amor (a "obra da fé"... 1Tess. 1:3), isto é, representa um princípio enérgico, bem como uma atitude receptiva. A fé, por conseguinte, é poderoso motivo para a obediência e para todas as boas obras. A fé envolve a vontade e está ligada a todas as boas escolhas e ações, pois "tudo que não é de fé é pecado" (Rom. 14:23).Ela inclui a escolha e a busca da verdade (2 Tess. 2:12) e implica sujeição à justiça de Deus (Rom. 10:3).
O que se segue representa o ensino bíblico concernente à relação entre fé e obras. A fé se opõe às obras quando por obras entendemos boas obras que a pessoa faz com o intuito de merecer a salvação. (Gál. 3:11.) Entretanto, uma fé viva produzirá obras (Tia. 2:26), tal qual uma árvore viva produzirá frutos. A fé é justificada e aprovada pelas obras (Tia. 2:18), assim como o estado de saúde das raízes duma boa árvore é indicado pelos frutos. A fé se aperfeiçoa pelas obras (Tia. 2:22), assim como a flor se completa ao desabrochar. Em breves palavras, as obras são o resultado da fé, a prova da fé, e a consumação da fé.

Imagina-se que haja contradição entre os ensinos de Paulo e de Tiago. O primeiro, aparentemente, teria ensinado que a pessoa é justificada pela fé, o último que ela é justificada pelas obras. (Vide Rom. 3:20 e Tia. 2:14-16.) Contudo, uma compreensão do sentido em que eles empregaram os termos, rapidamente fará desvanecer a suposta dificuldade. Paulo está recomendando uma fé viva que confia somente no Senhor; Tiago está denunciado uma fé morta e formal que representa, apenas, um consentimento mental. Paulo está rejeitando as obras mortas da lei, ou obras sem fé; Tiago está louvando as obras vivas que demonstram a vitalidade da fé. A justificação mencionada por Paulo refere-se ao início da vida cristã; Tiago usa a palavra com o significado de vida de obediência e santidade como evidência exterior da salvação. Paulo está combatendo o legalismo, ou a confiança nas obras como meio de salvação; Tiago está combatendo antinomianismo, ou seja, o ensino de que não importa qual seja a conduta da pessoa, uma vez que creia. Paulo e Tiago não são soldados lutando entre si; são soldados da mesma linha de combate, cada qual enfrentando inimigos que os atacam de direções opostas.


( CONHECENDO AS DOUTRINAS DA BÍBLIA )


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