TEXTO ÁUREO
“Escolhei, pois,
irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio.”
(At 6.3).
VERDADE PRÁTICA
Uma igreja cheia da sabedoria do Espírito age
sabiamente para resolver conflitos de relacionamentos.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE
Atos
6.1-7.
1
— Ora, naqueles dias, crescendo o número dos
discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas
viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano.
2
— E os doze, convocando a multidão dos
discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e
sirvamos às mesas.
3
— Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete
varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais
constituamos sobre este importante negócio.
4
— Mas nós perseveraremos na oração e no
ministério da palavra.
5
— E este parecer contentou a toda a multidão,
e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro,
e Nicanor, e Timão, e Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia;
6
— e os apresentaram ante os apóstolos, e
estes, orando, lhes impuseram as mãos.
7
— E crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém
se multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes
obedecia à fé.
PLANO
DE AULA
1.
INTRODUÇÃO
Nesta lição, aprenderemos como a igreja primitiva
enfrentou e solucionou conflitos internos, destacando a importância da diaconia
no serviço cristão. O crescimento da igreja trouxe desafios sociais e
culturais, mas os apóstolos, guiados pelo Espírito Santo, instituíram diáconos
para auxiliar no cuidado dos necessitados sem comprometer a pregação da Palavra
e a prática da oração no ministério. Veremos que a igreja deve equilibrar sua
missão espiritual e social, reconhecendo que ambos os aspectos são essenciais.
Que possamos refletir sobre a importância do serviço cristão e como podemos
aplicá-lo em nossa igreja local.
2.
APRESENTAÇÃO DA LIÇÃO
A)
Objetivos da Lição: I)
Analisar as naturezas cultural e social dos conflitos enfrentados pela igreja
primitiva e sua relevância para a igreja atual; II) Explicar a importância da
organização e da distribuição de funções dentro da igreja para equilibrar as
responsabilidades espirituais e sociais; III) Aplicar os princípios bíblicos de
caráter, sabedoria e serviço na vida cristã e na atuação ministerial.
B)
Motivação: A igreja não está
isenta de desafios, mas a forma como lida com eles revela seu compromisso com a
vontade de Deus. Assim como a igreja primitiva enfrentou conflitos culturais e
sociais, também enfrentamos desafios que exigem sabedoria e serviço. A solução
encontrada pelos apóstolos demonstra que o equilíbrio entre oração, ensino e
assistência social é essencial. Devemos refletir: como temos contribuído para a
unidade e o crescimento da igreja?
C)
Sugestão de Método: Para
iniciar a lição de forma envolvente, você pode utilizar o método da
problematização. Pode começar perguntando à classe: “Quais tipos de conflitos
podem surgir dentro da igreja?” e anotar as respostas no quadro. Em seguida,
deve incentivar a classe a refletir sobre como esses conflitos podem afetar a
comunhão e o crescimento espiritual. Após essa introdução, pode relacionar a
discussão ao texto bíblico de Atos 6.1-7, mostrando como a igreja primitiva
enfrentou desafios semelhantes. Essa abordagem desperta o interesse dos alunos
e os prepara para compreender a importância da diaconia e da sabedoria na
resolução de problemas na igreja.
3.
CONCLUSÃO DA LIÇÃO
A)
Aplicação: Assim como a
igreja primitiva enfrentou desafios com sabedoria e serviço, devemos agir com
amor e compromisso, promovendo a unidade e cuidando uns dos outros para a
glória de Deus.
4.
SUBSÍDIO AO PROFESSOR
A)
Revista Ensinador Cristão. Vale
a pena conhecer essa revista que traz reportagens, artigos, entrevistas e
subsídios de apoio à Lições Bíblicas Adultos. Na edição 102, p.40, você
encontrará um subsídio especial para esta lição.
B)
Auxílios Especiais: Ao
final do tópico, você encontrará auxílios que darão suporte na preparação de
sua aula: 1) O texto “Equilíbrio Ministerial”, localizado depois do segundo
tópico, aprofunda o assunto a respeito do equilíbrio que devemos ter nos
ministérios de caráter espiritual e social; 2) No final do terceiro tópico, o
texto “Requisitos dos Escolhidos” analisa o processo de escolha dos diáconos,
extraindo lições para o nosso tempo.
COMENTÁRIO
INTRODUÇÃO
Nesta lição, exploraremos a diaconia bíblica, um
ministério essencial de serviço na igreja, que nos ensina sobre o serviço ao
próximo. A Bíblia nos mostra que a Igreja, mesmo em seus primórdios, enfrentava
desafios, mas a busca por soluções em Deus era fundamental. A criação do
ministério dos diáconos não foi para estabelecer uma hierarquia, mas para
organizar o serviço social na Igreja, mostrando que todos os líderes são
chamados a servir. O que realmente importa no Reino de Deus é a disposição em
servir, independentemente do cargo ou tarefa, pois o serviço é a essência do
trabalho na igreja.
Palavra-Chave:
DIACONIA
AUXÍLIO
VIDA CRISTÃ
EQUILÍBRIO MINISTERIAL
“À medida que a Igreja Primitiva crescia, suas
necessidades aumentavam. Uma delas era organizar a distribuição de alimentos
para os pobres. Os apóstolos precisavam concentrar-se na pregação; então
escolheram diáconos para administrar o programa alimentar. Cada cristão tinha
uma função vital a desempenhar na igreja (ver 1Co 12). Se você já ocupa uma
posição de liderança e está sobrecarregado por suas responsabilidades,
determine quais são as habilidades que lhe foram dadas por Deus e reveja suas
prioridades; então procure outras pessoas para ajudá-lo. Se você não faz parte
da liderança, saiba que tem dons que podem ser usados por Deus em várias áreas
do ministério da igreja. Coloque estes dons a serviço do Mestre.” (Bíblia de
Estudo Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p.1488).
SUBSÍDIO
DIDÁTICO
REQUISITOS
DOS ESCOLHIDOS
“Essa tarefa
administrativa não foi tratada de modo inconsequente. Observe os requisitos dos
homens que cuidariam da distribuição dos alimentos: deveriam ter boa reputação
e ser cheios do Espírito Santo e de sabedoria. As pessoas que têm grandes
responsabilidades e que trabalham próximas a outras devem ter estas qualidades.
Devemos procurar homens e mulheres espiritualmente sábios e maduros para
liderar nossas igrejas.
As prioridades dos apóstolos eram corretas. O
ministério da Palavra nunca deveria ser negligenciado por causa dos fardos
administrativos. Os pastores não devem tentar desempenhar todas as tarefas da
igreja, e ninguém deve esperar que o façam. Ao contrário, o trabalho da igreja
deve ser dividido entre os membros.” (Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. Rio
de Janeiro: CPAD, 2013, p.1488).
CONCLUSÃO
Aprendemos nesta lição a importância do serviço
cristão. A igreja “espiritual” é também social. Devemos nos dedicar tanto ao
ministério da oração e pregação como também à assistência ao mais necessitados.
A igreja que cuida da alma também deve cuidar do corpo. Deus não é glorificado
na desgraça de ninguém. Se há um necessitado em nosso meio, e há, devemos
considerar os princípios bíblicos ensinados nessa passagem das Escrituras para
alcançá-lo. Assim, a igreja cresce como Igreja de Deus e o Senhor é glorificado.
SUBSÍDIOS
ENSINADOR CRISTÃO
UMA
IGREJA QUE ENFRENTA SEUS PROBLEMAS
Estimado(a)
professor(a), a paz do Senhor. A lição desta semana discorre sobre a diaconia
do ponto de vista bíblico. Diferentemente do que muitos crentes pensam na
atualidade, o exercício da diaconia não é exclusiva daqueles que têm o cargo de
diácono. Antes, a palavra diaconia tem na sua essência o significado de
“serviço”. Logo, o exercício da diaconia é um dever de todos os crentes. Na
igreja atual, há uma grande discussão sobre o trabalho realizado pelos
diáconos. Infelizmente, muitos crentes diminuem a excelência do diaconato,
dizendo ser apenas um cargo com finalidades sociais ou de zeladoria. Longe de
ser apenas uma função menor, o cargo de diácono é de sublime honra, haja vista
os escritos de Atos e as epístolas pastorais apresentarem alto nível de exigência
para aqueles que desejavam exercer essa função.
Vale
destacar que o exercício ministerial, seja para o cargo de diácono ou mesmo
para os demais cargos, deve ter como essência a atitude de um coração disposto
a servir, sempre pensando na edificação do Corpo de Cristo e na glorificação do
Filho de Deus. De acordo com Stanley Horton, na obra Teologia
Sistemática: Um Perspectiva Pentecostal, acerca da diakonia,
“são os esforços no serviço a Cristo que continuam o ministério encarnacional
que Ele realizou e que nos ajuda a realizar. O caráter desse ministério é
servir; não imita o padrão da autoridade ou do propósito que este mundo impõe.
A essência do ministério tem sido exemplificada por Cristo de uma vez para
sempre (Mc 10.45) e, como consequência, servimos a Cristo por meio de servir à
criação que está debaixo do seu senhorio. A dimensão de serviço no ministério
leva-nos, além de divulgar as boas-novas com denodo e coragem, a participar do
desejo de Deus de alcançar de modo prático os marginalizados da sociedade. As
pessoas que não têm ninguém para pleitear a sua causa, e que se encontram
desconsideradas e abandonadas, também foram criadas à imagem de Deus. A Igreja,
revestida pelo poder do Espírito, terá de passar das palavras para as ações se
quer ver realizada os propósitos de Deus. Não poderá haver maneira de fugir
deste fato: se vamos realmente servir no ministério continuado de Jesus, esse
serviço deverá seguir o exemplo do seu ministério” (1996, p.604).
Todos fomos
chamados pelo Senhor a servir com afinco em Sua obra. Para este compromisso não
há hierarquia, mas disposição pronta e independente do cargo que se ocupa.
Quanto maior a posição do cargo, maior deve ser o nível de responsabilidade,
comprometimento e amabilidade no serviço. “Nada façais por contenda ou por
vangloria, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si
mesmo” (Fp 2.3).
CPAD : A Igreja em Jerusalém — Doutrina,
Comunhão e Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições
Lição
8: Uma Igreja que enfrenta os seus problemas
Comentarista:
José Gonçalves
J |
á
tratamos em capítulos anteriores sobre o crescimento da comunidade cristã em Jerusalém.
À medida que os apóstolos testemunhavam com poder do Espírito Santo sobre a ressurreição
de Jesus, mais e mais pessoas convertiam-se à fé. A pequena comunidade agora já
era uma multidão. Crescendo a comunidade, cresceram também os problemas e
desafios. Uma igreja bíblica não é aquela que não tem problemas reais.
Lucas
mostra que alguns daqueles crentes pertencentes à comunidade judaica de fala
grega estavam sendo preteridos e negligenciados na questão da distribuição de
donativos. Tratava-se de um problema de natureza social provocado por outro, de
natureza cultural. Nesse momento, a igreja era formada pela comunidade judaica
de Jerusalém, que se comunicava em hebraico, e pela comunidade de língua grega,
judeus helenistas, que se comunicavam em grego. Estes últimos faziam parte da
diáspora, judeus espalhados por diferentes partes do mundo greco-romano que,
por conta da falta de contato com a sua terra de origem, não se comunicavam
mais em hebraico, mas somente em grego.
Em um
primeiro momento, essa barreira cultural estava gerando problemas na esfera
social. Alguns autores acreditam que, se o problema não tivesse sido tratado
com a urgência e sabedoria que o caso requeria, havia a possibilidade de uma
divisão na primeira Igreja. Isso fez com que os apóstolos agissem rapidamente
e, com sabedoria, delegassem tarefas a outros irmãos da comunidade para
auxiliá-los naquele momento.
Os
apóstolos estavam imbuídos na tarefa de pregar a Palavra de Deus e discipular
os novos crentes e, por isso, precisavam de mais pessoas que os auxiliassem
naquele serviço. E, então, que é instituída a diaconia, um serviço de caráter
social cujo objetivo é atender os neces sitados com equidade e justiça.
Contudo, para essa nova missão, era exigido, além do pertencimento à
comunidade, que fossem pessoas de caráter, isto é, de boa reputação e que
fossem cheios do Espírito Santo. Não era, portanto, uma missão secular, mas um
serviço cujo propósito era servir a comunidade cristã e glorificar a Deus.
Justiça
e Ética Social na Igreja Apostólica
“Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete
varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais
constituamos sobre este importante negócio” (At 6.3). Como foi sublinhado, os
cristãos helenistas, isto é, judeus convertidos de fala grega, reclamaram que
as suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária dos alimentos
(At 6.1-4).
Tendo
tomado conhecimento da situação, os apóstolos escolheram sete homens para
cuidar dessa parte social da igreja, enquanto eles estariam mais dedicados à
pregação do evangelho e às orações. Contudo, aqueles que deveríam trabalhar
diretamente no trabalho social da igreja deveríam ser pessoas com elevado
padrão ético- moral. A orientação apostólica foi no sentido de que os
escolhidos precisavam ser homens de boa reputação, cheios do Espirito Santo e
de sabedoria. A solução encontrada pelos apóstolos teve efeito imediato no
crescimento da igreja, pois “crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se
multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes
obedecia à fé” (At 6.7).
As
três qualificações exigidas para os escolhidos para a diaconia merecem nossa
reflexão. Foi o padrão exigido para aqueles que, segundo o texto sagrado, iriam
“cuidar das mesas”, isto é, a esfera social da igreja.
Uma
coisa precisa ficar bem clara: o crescimento saudável da igreja de Jerusalém
deu-se, evidentemente, pela capacitação do Espí rito, mas não separada desta,
pelo exemplo de vida dos crentes. Eram homens de caráter, carisma e notório
saber. Lucas não está tratando aqui de qualidades “inatas” dessas pessoas, mas
do fruto do Espírito, que era exuberante na vida delas.
A
falta de qualificações para o exercício do ministério cristão, seja ele
diaconal, pastoral, mestre ou qualquer outro, é, sem dúvida, o responsável por
muitos escândalos na igreja hoje. E triste vermos nas redes sociais o grande
estrago que um caráter deformado causa na igreja. Não tenho dúvida de que o
Senhor transforma a quem quer que seja. Parece-me, contudo, que estamos pondo
em função de liderança quem não tem qualificações nem habilidade para tal.
Infelizmente, devido ao mal exemplo que dão, muitos que querem hoje ser
pastores não preencheríam os requisitos para o diaconato na Igreja Primitiva!
Outro qualitativo mostrado por Lucas e que estava presente na vida dos sete
eram os carismas do Espírito. Nós, pentecostais, já estamos habituados com essa
linguagem. Será, entretanto, que estamos conscientes das suas implicações? O
que é, de fato, uma vida cheia do Espírito? No Novo Testamento, especialmente
na Igreja Primitiva, isso fez toda a diferença.
Não se
tratava de sentir um “arrepio”, de rodopiar na igreja ou pregar com voz rouca.
Ser cheio do Espírito era ter o Espírito de Cristo. Era ser capaz de demonstrar
por palavras e por obras o que Cristo era e o que Ele fez. Da mesma forma,
essas pessoas deveríam ser cheias de sabedoria. Não se tratava apenas de um conhecimento
intelectual — embora isso também seja importante —, mas, sim, de uma sabedoria
divina.
Evitando
a “espiritualização” de problemas sociais
“e os apresentaram ante os apóstolos, e estes,
orando, lhes impuseram as mãos” (At 6.6). Esse versículo mostra os apóstolos
delegando autoridade aos sete escolhidos para o serviço social da igreja. E
importante destacar que os apóstolos, bem como os sete escolhidos, eram homens
espirituais, mas não os vemos aqui “espiritualizando” problemas de natureza
social. Em outras palavras, eles não negaram a existência dos problemas sociais
nem tampouco o transferiram para Diabo. Também não acusavam os menos
favorecidos de estarem em pecado porque eram pobres ou menos favorecidos.1
Uma
das características de muitas igrejas evangélicas hoje é a prática de
espiritualizar problemas humanos, ou seja, tirá-los da esfera social para
pô-los na dimensão sobrenatural. Assim, por exemplo, a fome e a pobreza não
seriam consequências da falta de políticas públicas adequadas, mas a ação
direta do Diabo sobre as vidas. Essas igrejas culpam o Diabo, e não os homens,
por todos os atos de malda de cometidos. Isso vale desde problemas financeiros
até problemas comportamentais. Não se quer, com isso, negar a existência dos
demônios, muito menos do mal. Todavia, ao espiritualizar problemas de natureza
social, atribuindo ao Diabo em vez de vê-los também como ações humanas, essas
igrejas entram numa rota de fuga que as distanciam muito das ações dos profetas
e apóstolos bíblicos. Não vemos, por exemplo, os apóstolos negando os problemas
sociais, nem tampouco “espiritualizando-os”. Nesse sentido, eles atendiam as
demandas da igreja, procurando a forma mais sábia e apropriada de resolvê-las.
Justiça e Ética Social nos Profetas Bíblicos
Os
profetas do Antigo Testamento, mesmo tendo uma consciência acurada sobre a
realidade espiritual e movendo-se muitas vezes no mundo sobrenatural, sempre
mantiveram os problemas sociais na esfera humana. Esse é um fato que contrasta
com muitas igrejas de hoje, que adotam uma postura de fuga quando espiritualizam
as ações dos seres humanos. Assim como os apóstolos do Novo Testamento, os
homens de Deus debaixo do antigo pacto também possuíam uma forte consciência
social. Assim, podemos perceber que a questão social sempre esteve presente na
história do povo de Deus. Todavia, como os apóstolos, antes de serem homens do
povo, eram homens de Deus, e somente pessoas com caráter podem atuar na esfera
pública. Para a comunidade cristã de Jerusalém era um problema novo, mas, para
o povo de Deus do antigo pacto, os problemas da esfera social já eram bem
conhecidos. As questões de natureza social eram um tema recorrente nos antigos
profetas.
Abraham
J. Heschel destaca:
O tipo de crime e até mesmo o nível de delinquência que deixam atônitos
os profetas de Israel não são mais graves que aquilo que consideramos
ingredientes normais e típicos da dinâmica social. Para nós, um ato isolado de
injustiça — desonestidade nos negócios, exploração dos pobres — podem ser
insignificantes; para os profetas, é uma catástrofe. Para nós, a injustiça
prejudica o bem-estar dos pobres; para os profetas um desastre moral na
existência; para nós, um incidente; para eles, uma catástrofe, uma ameaça ao
mundo [...] O tempo todo somos testemunhas de injustiças, manifes tações de
hipocrisia, falsidade, ofensas, situações de penúria, porém raramente isso nos
deixa indignados ou afeta de modo significativo nossas emoções.2
No livro de minha autoria, O Carisma
Profético e o Pentecostalismo Atual, reservei uma parte para tratar do carisma
no contexto social. Destaquei que, ao tratarmos da profecia bíblica no contexto
social, seria mais apropriado referirmo-nos ao '‘movimento profético” em vez de
“instituição profética”. Isso porque a primeira tem a ver com a função, o
carisma, enquanto a segunda, com o cargo, o ofício. Esse era o entendimento que
tinha o sociólogo alemão Max Weber. Por outro lado, o também sociólogo Peter
Berger posiciona-se a favor da segunda. E a análise do contraste existente
entre essas duas posições que nos ajudará a entender o profetismo no contexto
da antiga sociedade judaica.
No
entendimento de Weber, o profeta seria alguém isolado da sociedade, sem vínculo
econômico e em oposição ao sistema religioso e estatal. Nesse aspecto, Weber
entendia os profetas bíblicos como indivíduos socialmente distanciados e
essencialmente em oposição à estrutura institucional oficial de Israel como
representada pela monarquia e pelo sacerdócio. Weber rejeita explicitamente a
noção segundo a qual esses profetas devem ser entendidos como porta-vozes de um
movimento social de protesto proveniente de camadas desprivilegiadas.
Em
posição contrastante, contudo, buscando uma mediação, Berg acredita que o
profeta, de fato, parte de uma posição carismática para uma de natureza mais
social. Assim, o profeta verdadeira mente emergiria de uma função definida,
exercendo a sua atividade carismática em termos dessa função, mas que, devido à
sua missão profética, via-se levado para a esfera onde o povo encontrava-se: a
social. Berg, portanto, entende que o que teria começado como uma simples
manifestação carismática no antigo Israel evoluiu para um oráculo social. Na
análise de Berg, percebe-se que o carisma precede a instituição da mesma forma
como a função precede a forma. Assim sendo, tanto a instituição como o carisma
são importantes; no entanto, uma compreensão da estrutura social da profecia
bíblica e o seu papel institucional necessariamente precisa começar pelas
primeiras manifestações carismáticas.
Como podemos observar, nesse contexto do
profetismo bíblico, é possível vermos a existência de uma ética e justiça
social nos profetas.3 O pastor de confissão batista Isaltino Gomes Coelho
Filho, de saudosa memória, a meu ver, mostrou esse fato de forma magistral em
uma das suas muitas obras, Ética dos Profetas.4 O que disse esse autor sobre o
compromisso ético-social dos profetas merece nossa atenção. De acordo com
Isaltino, a proposta de ética social feita pelos profetas mostrava alguns
contornos que podemos observar e reclamar para os dias de hoje. São eles: Etica
da solidariedade e moralidade administrativa; Ética de imparcialidade e
igualdade perante a lei; e Ética de defesa do oprimido e condenação do
opressor.
Assim
pontua Isaltino Gomes:
Ética
de solidariedade e moralidade administrativa. Assim, as pessoas não deviam
viver apenas sua vidinha, cuidando de sua horta e seu jardinzinho, esquecidas
dos outros. Viver a vida não era procurar levar vantagem em tudo, mas repartir
com os outros. A queixa de Amós 6.6 foi que os líderes não se preocupavam com a
ruína do povo. Em Isaías 58.6, o jejum que Deus pede é que se acabe com a
injustiça e com a opressão. Em Isaías 58.7, o jejum que Deus escolheu não consistia
na privação de alimentos, mas que se repartisse o alimento com o faminto. Os
que jejuam hoje e fazem estardalhaço disso, mostrando o fato como evidência de
sua espiritualidade, estão conscientes desta palavra? Solidariedade é a
palavra-chave da vivência do povo. Dessa forma, os profetas se indignaram com o
comércio desonesto. Amós condenou as balanças adulteradas, como se lê em 8.5,
onde tais vendedores são declarados como “procedendo dolosamente” e o luxo da
classe dirigente em detrimento da pobreza do povo, como se lê em 6.3-7.
Miquéias 6.11 também condenou a desonestidade no comércio. E em 7.3 o mesmo
profeta condena o governante corrupto e o juiz vendido. Moralidade na vida
pública era uma exigência profética. O que temos, como povo de Deus, a dizer
sobre a malversação de verbas públicas e da farra que se faz com o dinheiro
público?
Isaltino destaca que a ética dos profetas
tanto corrigia as injustiças quanto mostrava imparcialidade e tratamento igual
de todos perante a lei:
Ética
de imparcialidade e igualdade perante a lei. O rei e o juiz não podiam ser
tendenciosos. “Parcialidade no julgar não é bom”, diz Provérbios 24.23,
espelhando o conceito bíblico sobre a neutralidade do juiz. A ideia é repetida
em 28.21, mostrando que era conceito corrente. O rei Josafá disse aos juizes
que “não há no Senhor, nosso Deus, injustiça, nem parcialidade, nem aceita ele
suborno” (2Cr 19.7). Atribui-se a diversos políticos brasileiros a expressão
“aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. E difícil saber-se, ao certo, quem
seja seu autor. Mas o só existir esta frase é uma iniquidade terrível. Este é
um desdobramento da ideia anterior. Ninguém estava acima da lei. O rei Davi,
como já apontamos, foi duramente acusado por Natã e João Batista, último dos
profetas na linhagem do Antigo Testamento, que disse aos soldados que o
procuravam para não serem violentos, para não denunciarem falsamente, nem se
deixarem subornar (Lc 3.14). Aos funcionários públicos, incumbidos de cobrar
impostos, que fossem honestos (Lc 3.12-13). O rei Herodes foi acusado por ele
(Mc 6.18).
Por
último, Isaltino destaca a
Etica de defesa do oprimido e
condenação do opressor. Basta ler os profetas sociais, como Amós, Miquéias,
Isaías e trechos de Jeremias para ver que havia grande preocupação com os desfavoreeidos
na escala social. Eles deviam ser protegidos. Usamos muito as palavras de
Jesus, “os pobres sempre os tendes convosco” para justificar o nosso imobilismo
social. Mas o trecho é bem mais amplo que isso. Ele continua, em Deuteronômio
15.11: “por isso, eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão,
para o necessitado, para o pobre na tua terra”. Basta voltar aos chamados
profetas sociais para verificar isto. Para não fazermos uma afirmação genérica,
sem lastro bíblico, fiquemos com Amós 6, mais uma vez. E suficiente.5
Pois
bem, não há dúvida de que os profetas bíblicos foram veementes nas suas
denúncias contra as mazelas sofridas pelo povo. A medida que combatiam as
injustiças, eles foram oráculos da justiça divina. Da mesma forma, os apóstolos
no Novo Testamento procuram agir com justiça ao buscarem a solução para uma
questão de natureza social. Assim, de acordo com David Ailen, a justiça social
bíblica exige que reconheçamos o valor do ser humano, isto é, no sentido que
todos possuem dignidade e valores que lhes são inerentes.6 Nesse sentido, a
justiça social bíblica é enxergar os outros como seres de incomparável valor e
que, portanto, devem ter os seus direitos, que lhes foram dados por Deus,
respeitados. Em suma, é amar o próximo como a si mesmo. Ailen lembra que isso é
chamado às vezes de justiça comunitária, e é dever de todo ser humano.
Justiça
e Ética Social na Contemporaneidade
Por
outro lado, Ailen entende que o conceito de “justiça social”, conforme é
amplamente difundido pelo humanismo socialista7, está distorcido e
desvirtuado.8 Aliem destaca que esse novo modelo de “justiça social” foi
construído a partir de pressupostos de uma cosmo- visão totalmente
materialista, e não a partir do modelo judaico-cristão. Nessa nova cosmovisão,
prega-se a supressão ou destruição dos valores vigentes. Assim, aquilo que era
entendido como justiça e moralidade bíblicas são subvertidos.
O
humanismo social, portanto, não pode ser confundido com a justiça social nos
profetas e apóstolos bíblicos.9 Isso nos ajuda a evitar transportar para dentro
da Bíblia um conceito que é estranho a ela. Assim, quando observamos os
cristãos primitivos buscando corrigir injustiças na esfera social, não devemos enxergar
e tentar compreender essa prática nobre com as lentes do socialismo
contemporâneo. Nos contextos tanto do Antigo como do Novo Testamentos, havia
uma prática de justiça social que em nada se assemelha à ideologia social
atual.
O serviço de diaconia instituído pelos
apóstolos visava corrigir possíveis injustiças com os mais necessitados,
deixando claro, contudo, que o evangelho de Jesus seria sempre o instrumento de
transforma ção social. Assim, a poderosa mensagem da cruz não pode ser vista
como um mero humanismo socialista. Não basta encher a barriga; é preciso
alimentar também a alma: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra
que sai da boca de Deus” (Mt 4.4).
A Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e
Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições
José
Gonçalves
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