terça-feira, 19 de agosto de 2025

CPAD : A Igreja em Jerusalém — Lição 8: Uma Igreja que enfrenta os seus problemas

 

 


TEXTO ÁUREO

Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio.

(At 6.3).

VERDADE PRÁTICA

Uma igreja cheia da sabedoria do Espírito age sabiamente para resolver conflitos de relacionamentos.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Atos 6.1-7.

1 — Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano.

2 — E os doze, convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas.

3 — Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio.

4 — Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra.

5 — E este parecer contentou a toda a multidão, e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timão, e Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia;

6 — e os apresentaram ante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos.

7 — E crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes obedecia à fé.

PLANO DE AULA

1. INTRODUÇÃO

Nesta lição, aprenderemos como a igreja primitiva enfrentou e solucionou conflitos internos, destacando a importância da diaconia no serviço cristão. O crescimento da igreja trouxe desafios sociais e culturais, mas os apóstolos, guiados pelo Espírito Santo, instituíram diáconos para auxiliar no cuidado dos necessitados sem comprometer a pregação da Palavra e a prática da oração no ministério. Veremos que a igreja deve equilibrar sua missão espiritual e social, reconhecendo que ambos os aspectos são essenciais. Que possamos refletir sobre a importância do serviço cristão e como podemos aplicá-lo em nossa igreja local.

2. APRESENTAÇÃO DA LIÇÃO

A) Objetivos da Lição: I) Analisar as naturezas cultural e social dos conflitos enfrentados pela igreja primitiva e sua relevância para a igreja atual; II) Explicar a importância da organização e da distribuição de funções dentro da igreja para equilibrar as responsabilidades espirituais e sociais; III) Aplicar os princípios bíblicos de caráter, sabedoria e serviço na vida cristã e na atuação ministerial.

B) Motivação: A igreja não está isenta de desafios, mas a forma como lida com eles revela seu compromisso com a vontade de Deus. Assim como a igreja primitiva enfrentou conflitos culturais e sociais, também enfrentamos desafios que exigem sabedoria e serviço. A solução encontrada pelos apóstolos demonstra que o equilíbrio entre oração, ensino e assistência social é essencial. Devemos refletir: como temos contribuído para a unidade e o crescimento da igreja?

C) Sugestão de Método: Para iniciar a lição de forma envolvente, você pode utilizar o método da problematização. Pode começar perguntando à classe: “Quais tipos de conflitos podem surgir dentro da igreja?” e anotar as respostas no quadro. Em seguida, deve incentivar a classe a refletir sobre como esses conflitos podem afetar a comunhão e o crescimento espiritual. Após essa introdução, pode relacionar a discussão ao texto bíblico de Atos 6.1-7, mostrando como a igreja primitiva enfrentou desafios semelhantes. Essa abordagem desperta o interesse dos alunos e os prepara para compreender a importância da diaconia e da sabedoria na resolução de problemas na igreja.

3. CONCLUSÃO DA LIÇÃO

A) Aplicação: Assim como a igreja primitiva enfrentou desafios com sabedoria e serviço, devemos agir com amor e compromisso, promovendo a unidade e cuidando uns dos outros para a glória de Deus.

4. SUBSÍDIO AO PROFESSOR

A) Revista Ensinador Cristão. Vale a pena conhecer essa revista que traz reportagens, artigos, entrevistas e subsídios de apoio à Lições Bíblicas Adultos. Na edição 102, p.40, você encontrará um subsídio especial para esta lição.

B) Auxílios Especiais: Ao final do tópico, você encontrará auxílios que darão suporte na preparação de sua aula: 1) O texto “Equilíbrio Ministerial”, localizado depois do segundo tópico, aprofunda o assunto a respeito do equilíbrio que devemos ter nos ministérios de caráter espiritual e social; 2) No final do terceiro tópico, o texto “Requisitos dos Escolhidos” analisa o processo de escolha dos diáconos, extraindo lições para o nosso tempo.

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

Nesta lição, exploraremos a diaconia bíblica, um ministério essencial de serviço na igreja, que nos ensina sobre o serviço ao próximo. A Bíblia nos mostra que a Igreja, mesmo em seus primórdios, enfrentava desafios, mas a busca por soluções em Deus era fundamental. A criação do ministério dos diáconos não foi para estabelecer uma hierarquia, mas para organizar o serviço social na Igreja, mostrando que todos os líderes são chamados a servir. O que realmente importa no Reino de Deus é a disposição em servir, independentemente do cargo ou tarefa, pois o serviço é a essência do trabalho na igreja.

Palavra-Chave:

DIACONIA

AUXÍLIO VIDA CRISTÃ

EQUILÍBRIO MINISTERIAL

“À medida que a Igreja Primitiva crescia, suas necessidades aumentavam. Uma delas era organizar a distribuição de alimentos para os pobres. Os apóstolos precisavam concentrar-se na pregação; então escolheram diáconos para administrar o programa alimentar. Cada cristão tinha uma função vital a desempenhar na igreja (ver 1Co 12). Se você já ocupa uma posição de liderança e está sobrecarregado por suas responsabilidades, determine quais são as habilidades que lhe foram dadas por Deus e reveja suas prioridades; então procure outras pessoas para ajudá-lo. Se você não faz parte da liderança, saiba que tem dons que podem ser usados por Deus em várias áreas do ministério da igreja. Coloque estes dons a serviço do Mestre.” (Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p.1488).

 SUBSÍDIO DIDÁTICO

REQUISITOS DOS ESCOLHIDOS

 “Essa tarefa administrativa não foi tratada de modo inconsequente. Observe os requisitos dos homens que cuidariam da distribuição dos alimentos: deveriam ter boa reputação e ser cheios do Espírito Santo e de sabedoria. As pessoas que têm grandes responsabilidades e que trabalham próximas a outras devem ter estas qualidades. Devemos procurar homens e mulheres espiritualmente sábios e maduros para liderar nossas igrejas.

As prioridades dos apóstolos eram corretas. O ministério da Palavra nunca deveria ser negligenciado por causa dos fardos administrativos. Os pastores não devem tentar desempenhar todas as tarefas da igreja, e ninguém deve esperar que o façam. Ao contrário, o trabalho da igreja deve ser dividido entre os membros.” (Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p.1488).

CONCLUSÃO

Aprendemos nesta lição a importância do serviço cristão. A igreja “espiritual” é também social. Devemos nos dedicar tanto ao ministério da oração e pregação como também à assistência ao mais necessitados. A igreja que cuida da alma também deve cuidar do corpo. Deus não é glorificado na desgraça de ninguém. Se há um necessitado em nosso meio, e há, devemos considerar os princípios bíblicos ensinados nessa passagem das Escrituras para alcançá-lo. Assim, a igreja cresce como Igreja de Deus e o Senhor é glorificado.

SUBSÍDIOS ENSINADOR CRISTÃO 

UMA IGREJA QUE ENFRENTA SEUS PROBLEMAS

  Estimado(a) professor(a), a paz do Senhor. A lição desta semana discorre sobre a diaconia do ponto de vista bíblico. Diferentemente do que muitos crentes pensam na atualidade, o exercício da diaconia não é exclusiva daqueles que têm o cargo de diácono. Antes, a palavra diaconia tem na sua essência o significado de “serviço”. Logo, o exercício da diaconia é um dever de todos os crentes. Na igreja atual, há uma grande discussão sobre o trabalho realizado pelos diáconos. Infelizmente, muitos crentes diminuem a excelência do diaconato, dizendo ser apenas um cargo com finalidades sociais ou de zeladoria. Longe de ser apenas uma função menor, o cargo de diácono é de sublime honra, haja vista os escritos de Atos e as epístolas pastorais apresentarem alto nível de exigência para aqueles que desejavam exercer essa função.

    Vale destacar que o exercício ministerial, seja para o cargo de diácono ou mesmo para os demais cargos, deve ter como essência a atitude de um coração disposto a servir, sempre pensando na edificação do Corpo de Cristo e na glorificação do Filho de Deus. De acordo com Stanley Horton, na obra Teologia Sistemática: Um Perspectiva Pentecostal, acerca da diakonia, “são os esforços no serviço a Cristo que continuam o ministério encarnacional que Ele realizou e que nos ajuda a realizar. O caráter desse ministério é servir; não imita o padrão da autoridade ou do propósito que este mundo impõe. A essência do ministério tem sido exemplificada por Cristo de uma vez para sempre (Mc 10.45) e, como consequência, servimos a Cristo por meio de servir à criação que está debaixo do seu senhorio. A dimensão de serviço no ministério leva-nos, além de divulgar as boas-novas com denodo e coragem, a participar do desejo de Deus de alcançar de modo prático os marginalizados da sociedade. As pessoas que não têm ninguém para pleitear a sua causa, e que se encontram desconsideradas e abandonadas, também foram criadas à imagem de Deus. A Igreja, revestida pelo poder do Espírito, terá de passar das palavras para as ações se quer ver realizada os propósitos de Deus. Não poderá haver maneira de fugir deste fato: se vamos realmente servir no ministério continuado de Jesus, esse serviço deverá seguir o exemplo do seu ministério” (1996, p.604).

   Todos fomos chamados pelo Senhor a servir com afinco em Sua obra. Para este compromisso não há hierarquia, mas disposição pronta e independente do cargo que se ocupa. Quanto maior a posição do cargo, maior deve ser o nível de responsabilidade, comprometimento e amabilidade no serviço. “Nada façais por contenda ou por vangloria, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo” (Fp 2.3).

   CPAD : A Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições

Lição 8: Uma Igreja que enfrenta os seus problemas

Comentarista: José Gonçalves

 


 J

á tratamos em capítulos anteriores sobre o crescimento da comunidade cristã em Jerusalém. À medida que os apóstolos testemunhavam com poder do Espírito Santo sobre a ressurreição de Jesus, mais e mais pessoas convertiam-se à fé. A pequena comunidade agora já era uma multidão. Crescendo a comunidade, cresceram também os problemas e desafios. Uma igreja bíblica não é aquela que não tem problemas reais.

   Lucas mostra que alguns daqueles crentes pertencentes à comunidade judaica de fala grega estavam sendo preteridos e negligenciados na questão da distribuição de donativos. Tratava-se de um problema de natureza social provocado por outro, de natureza cultural. Nesse momento, a igreja era formada pela comunidade judaica de Jerusalém, que se comunicava em hebraico, e pela comunidade de língua grega, judeus helenistas, que se comunicavam em grego. Estes últimos faziam parte da diáspora, judeus espalhados por diferentes partes do mundo greco-romano que, por conta da falta de contato com a sua terra de origem, não se comunicavam mais em hebraico, mas somente em grego.

   Em um primeiro momento, essa barreira cultural estava gerando problemas na esfera social. Alguns autores acreditam que, se o problema não tivesse sido tratado com a urgência e sabedoria que o caso requeria, havia a possibilidade de uma divisão na primeira Igreja. Isso fez com que os apóstolos agissem rapidamente e, com sabedoria, delegassem tarefas a outros irmãos da comunidade para auxiliá-los naquele momento.

   Os apóstolos estavam imbuídos na tarefa de pregar a Palavra de Deus e discipular os novos crentes e, por isso, precisavam de mais pessoas que os auxiliassem naquele serviço. E, então, que é instituída a diaconia, um serviço de caráter social cujo objetivo é atender os neces sitados com equidade e justiça. Contudo, para essa nova missão, era exigido, além do pertencimento à comunidade, que fossem pessoas de caráter, isto é, de boa reputação e que fossem cheios do Espírito Santo. Não era, portanto, uma missão secular, mas um serviço cujo propósito era servir a comunidade cristã e glorificar a Deus.

  Justiça e Ética Social na Igreja Apostólica

  “Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio” (At 6.3). Como foi sublinhado, os cristãos helenistas, isto é, judeus convertidos de fala grega, reclamaram que as suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária dos alimentos (At 6.1-4).

   Tendo tomado conhecimento da situação, os apóstolos escolheram sete homens para cuidar dessa parte social da igreja, enquanto eles estariam mais dedicados à pregação do evangelho e às orações. Contudo, aqueles que deveríam trabalhar diretamente no trabalho social da igreja deveríam ser pessoas com elevado padrão ético- moral. A orientação apostólica foi no sentido de que os escolhidos precisavam ser homens de boa reputação, cheios do Espirito Santo e de sabedoria. A solução encontrada pelos apóstolos teve efeito imediato no crescimento da igreja, pois “crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes obedecia à fé” (At 6.7).

   As três qualificações exigidas para os escolhidos para a diaconia merecem nossa reflexão. Foi o padrão exigido para aqueles que, segundo o texto sagrado, iriam “cuidar das mesas”, isto é, a esfera social da igreja.

   Uma coisa precisa ficar bem clara: o crescimento saudável da igreja de Jerusalém deu-se, evidentemente, pela capacitação do Espí rito, mas não separada desta, pelo exemplo de vida dos crentes. Eram homens de caráter, carisma e notório saber. Lucas não está tratando aqui de qualidades “inatas” dessas pessoas, mas do fruto do Espírito, que era exuberante na vida delas.

   A falta de qualificações para o exercício do ministério cristão, seja ele diaconal, pastoral, mestre ou qualquer outro, é, sem dúvida, o responsável por muitos escândalos na igreja hoje. E triste vermos nas redes sociais o grande estrago que um caráter deformado causa na igreja. Não tenho dúvida de que o Senhor transforma a quem quer que seja. Parece-me, contudo, que estamos pondo em função de liderança quem não tem qualificações nem habilidade para tal. Infelizmente, devido ao mal exemplo que dão, muitos que querem hoje ser pastores não preencheríam os requisitos para o diaconato na Igreja Primitiva! Outro qualitativo mostrado por Lucas e que estava presente na vida dos sete eram os carismas do Espírito. Nós, pentecostais, já estamos habituados com essa linguagem. Será, entretanto, que estamos conscientes das suas implicações? O que é, de fato, uma vida cheia do Espírito? No Novo Testamento, especialmente na Igreja Primitiva, isso fez toda a diferença.

   Não se tratava de sentir um “arrepio”, de rodopiar na igreja ou pregar com voz rouca. Ser cheio do Espírito era ter o Espírito de Cristo. Era ser capaz de demonstrar por palavras e por obras o que Cristo era e o que Ele fez. Da mesma forma, essas pessoas deveríam ser cheias de sabedoria. Não se tratava apenas de um conhecimento intelectual — embora isso também seja importante —, mas, sim, de uma sabedoria divina.

   Evitando a “espiritualização” de problemas sociais

   “e os apresentaram ante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos” (At 6.6). Esse versículo mostra os apóstolos delegando autoridade aos sete escolhidos para o serviço social da igreja. E importante destacar que os apóstolos, bem como os sete escolhidos, eram homens espirituais, mas não os vemos aqui “espiritualizando” problemas de natureza social. Em outras palavras, eles não negaram a existência dos problemas sociais nem tampouco o transferiram para Diabo. Também não acusavam os menos favorecidos de estarem em pecado porque eram pobres ou menos favorecidos.1

   Uma das características de muitas igrejas evangélicas hoje é a prática de espiritualizar problemas humanos, ou seja, tirá-los da esfera social para pô-los na dimensão sobrenatural. Assim, por exemplo, a fome e a pobreza não seriam consequências da falta de políticas públicas adequadas, mas a ação direta do Diabo sobre as vidas. Essas igrejas culpam o Diabo, e não os homens, por todos os atos de malda de cometidos. Isso vale desde problemas financeiros até problemas comportamentais. Não se quer, com isso, negar a existência dos demônios, muito menos do mal. Todavia, ao espiritualizar problemas de natureza social, atribuindo ao Diabo em vez de vê-los também como ações humanas, essas igrejas entram numa rota de fuga que as distanciam muito das ações dos profetas e apóstolos bíblicos. Não vemos, por exemplo, os apóstolos negando os problemas sociais, nem tampouco “espiritualizando-os”. Nesse sentido, eles atendiam as demandas da igreja, procurando a forma mais sábia e apropriada de resolvê-las.

   Justiça e Ética Social nos Profetas Bíblicos

   Os profetas do Antigo Testamento, mesmo tendo uma consciência acurada sobre a realidade espiritual e movendo-se muitas vezes no mundo sobrenatural, sempre mantiveram os problemas sociais na esfera humana. Esse é um fato que contrasta com muitas igrejas de hoje, que adotam uma postura de fuga quando espiritualizam as ações dos seres humanos. Assim como os apóstolos do Novo Testamento, os homens de Deus debaixo do antigo pacto também possuíam uma forte consciência social. Assim, podemos perceber que a questão social sempre esteve presente na história do povo de Deus. Todavia, como os apóstolos, antes de serem homens do povo, eram homens de Deus, e somente pessoas com caráter podem atuar na esfera pública. Para a comunidade cristã de Jerusalém era um problema novo, mas, para o povo de Deus do antigo pacto, os problemas da esfera social já eram bem conhecidos. As questões de natureza social eram um tema recorrente nos antigos profetas.

  Abraham J. Heschel destaca:

  O tipo de crime e até mesmo o nível de delinquência que deixam atônitos os profetas de Israel não são mais graves que aquilo que consideramos ingredientes normais e típicos da dinâmica social. Para nós, um ato isolado de injustiça — desonestidade nos negócios, exploração dos pobres — podem ser insignificantes; para os profetas, é uma catástrofe. Para nós, a injustiça prejudica o bem-estar dos pobres; para os profetas um desastre moral na existência; para nós, um incidente; para eles, uma catástrofe, uma ameaça ao mundo [...] O tempo todo somos testemunhas de injustiças, manifes tações de hipocrisia, falsidade, ofensas, situações de penúria, porém raramente isso nos deixa indignados ou afeta de modo significativo nossas emoções.2

   No livro de minha autoria, O Carisma Profético e o Pentecostalismo Atual, reservei uma parte para tratar do carisma no contexto social. Destaquei que, ao tratarmos da profecia bíblica no contexto social, seria mais apropriado referirmo-nos ao '‘movimento profético” em vez de “instituição profética”. Isso porque a primeira tem a ver com a função, o carisma, enquanto a segunda, com o cargo, o ofício. Esse era o entendimento que tinha o sociólogo alemão Max Weber. Por outro lado, o também sociólogo Peter Berger posiciona-se a favor da segunda. E a análise do contraste existente entre essas duas posições que nos ajudará a entender o profetismo no contexto da antiga sociedade judaica.

   No entendimento de Weber, o profeta seria alguém isolado da sociedade, sem vínculo econômico e em oposição ao sistema religioso e estatal. Nesse aspecto, Weber entendia os profetas bíblicos como indivíduos socialmente distanciados e essencialmente em oposição à estrutura institucional oficial de Israel como representada pela monarquia e pelo sacerdócio. Weber rejeita explicitamente a noção segundo a qual esses profetas devem ser entendidos como porta-vozes de um movimento social de protesto proveniente de camadas desprivilegiadas.

   Em posição contrastante, contudo, buscando uma mediação, Berg acredita que o profeta, de fato, parte de uma posição carismática para uma de natureza mais social. Assim, o profeta verdadeira mente emergiria de uma função definida, exercendo a sua atividade carismática em termos dessa função, mas que, devido à sua missão profética, via-se levado para a esfera onde o povo encontrava-se: a social. Berg, portanto, entende que o que teria começado como uma simples manifestação carismática no antigo Israel evoluiu para um oráculo social. Na análise de Berg, percebe-se que o carisma precede a instituição da mesma forma como a função precede a forma. Assim sendo, tanto a instituição como o carisma são importantes; no entanto, uma compreensão da estrutura social da profecia bíblica e o seu papel institucional necessariamente precisa começar pelas primeiras manifestações carismáticas.

   Como podemos observar, nesse contexto do profetismo bíblico, é possível vermos a existência de uma ética e justiça social nos profetas.3 O pastor de confissão batista Isaltino Gomes Coelho Filho, de saudosa memória, a meu ver, mostrou esse fato de forma magistral em uma das suas muitas obras, Ética dos Profetas.4 O que disse esse autor sobre o compromisso ético-social dos profetas merece nossa atenção. De acordo com Isaltino, a proposta de ética social feita pelos profetas mostrava alguns contornos que podemos observar e reclamar para os dias de hoje. São eles: Etica da solidariedade e moralidade administrativa; Ética de imparcialidade e igualdade perante a lei; e Ética de defesa do oprimido e condenação do opressor.

   Assim pontua Isaltino Gomes:

   Ética de solidariedade e moralidade administrativa. Assim, as pessoas não deviam viver apenas sua vidinha, cuidando de sua horta e seu jardinzinho, esquecidas dos outros. Viver a vida não era procurar levar vantagem em tudo, mas repartir com os outros. A queixa de Amós 6.6 foi que os líderes não se preocupavam com a ruína do povo. Em Isaías 58.6, o jejum que Deus pede é que se acabe com a injustiça e com a opressão. Em Isaías 58.7, o jejum que Deus escolheu não consistia na privação de alimentos, mas que se repartisse o alimento com o faminto. Os que jejuam hoje e fazem estardalhaço disso, mostrando o fato como evidência de sua espiritualidade, estão conscientes desta palavra? Solidariedade é a palavra-chave da vivência do povo. Dessa forma, os profetas se indignaram com o comércio desonesto. Amós condenou as balanças adulteradas, como se lê em 8.5, onde tais vendedores são declarados como “procedendo dolosamente” e o luxo da classe dirigente em detrimento da pobreza do povo, como se lê em 6.3-7. Miquéias 6.11 também condenou a desonestidade no comércio. E em 7.3 o mesmo profeta condena o governante corrupto e o juiz vendido. Moralidade na vida pública era uma exigência profética. O que temos, como povo de Deus, a dizer sobre a malversação de verbas públicas e da farra que se faz com o dinheiro público?

    Isaltino destaca que a ética dos profetas tanto corrigia as injustiças quanto mostrava imparcialidade e tratamento igual de todos perante a lei:

   Ética de imparcialidade e igualdade perante a lei. O rei e o juiz não podiam ser tendenciosos. “Parcialidade no julgar não é bom”, diz Provérbios 24.23, espelhando o conceito bíblico sobre a neutralidade do juiz. A ideia é repetida em 28.21, mostrando que era conceito corrente. O rei Josafá disse aos juizes que “não há no Senhor, nosso Deus, injustiça, nem parcialidade, nem aceita ele suborno” (2Cr 19.7). Atribui-se a diversos políticos brasileiros a expressão “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. E difícil saber-se, ao certo, quem seja seu autor. Mas o só existir esta frase é uma iniquidade terrível. Este é um desdobramento da ideia anterior. Ninguém estava acima da lei. O rei Davi, como já apontamos, foi duramente acusado por Natã e João Batista, último dos profetas na linhagem do Antigo Testamento, que disse aos soldados que o procuravam para não serem violentos, para não denunciarem falsamente, nem se deixarem subornar (Lc 3.14). Aos funcionários públicos, incumbidos de cobrar impostos, que fossem honestos (Lc 3.12-13). O rei Herodes foi acusado por ele (Mc 6.18).

   Por último, Isaltino destaca a

   Etica de defesa do oprimido e condenação do opressor. Basta ler os profetas sociais, como Amós, Miquéias, Isaías e trechos de Jeremias para ver que havia grande preocupação com os desfavoreeidos na escala social. Eles deviam ser protegidos. Usamos muito as palavras de Jesus, “os pobres sempre os tendes convosco” para justificar o nosso imobilismo social. Mas o trecho é bem mais amplo que isso. Ele continua, em Deuteronômio 15.11: “por isso, eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na tua terra”. Basta voltar aos chamados profetas sociais para verificar isto. Para não fazermos uma afirmação genérica, sem lastro bíblico, fiquemos com Amós 6, mais uma vez. E suficiente.5

   Pois bem, não há dúvida de que os profetas bíblicos foram veementes nas suas denúncias contra as mazelas sofridas pelo povo. A medida que combatiam as injustiças, eles foram oráculos da justiça divina. Da mesma forma, os apóstolos no Novo Testamento procuram agir com justiça ao buscarem a solução para uma questão de natureza social. Assim, de acordo com David Ailen, a justiça social bíblica exige que reconheçamos o valor do ser humano, isto é, no sentido que todos possuem dignidade e valores que lhes são inerentes.6 Nesse sentido, a justiça social bíblica é enxergar os outros como seres de incomparável valor e que, portanto, devem ter os seus direitos, que lhes foram dados por Deus, respeitados. Em suma, é amar o próximo como a si mesmo. Ailen lembra que isso é chamado às vezes de justiça comunitária, e é dever de todo ser humano.

  Justiça e Ética Social na Contemporaneidade

  Por outro lado, Ailen entende que o conceito de “justiça social”, conforme é amplamente difundido pelo humanismo socialista7, está distorcido e desvirtuado.8 Aliem destaca que esse novo modelo de “justiça social” foi construído a partir de pressupostos de uma cosmo- visão totalmente materialista, e não a partir do modelo judaico-cristão. Nessa nova cosmovisão, prega-se a supressão ou destruição dos valores vigentes. Assim, aquilo que era entendido como justiça e moralidade bíblicas são subvertidos.

   O humanismo social, portanto, não pode ser confundido com a justiça social nos profetas e apóstolos bíblicos.9 Isso nos ajuda a evitar transportar para dentro da Bíblia um conceito que é estranho a ela. Assim, quando observamos os cristãos primitivos buscando corrigir injustiças na esfera social, não devemos enxergar e tentar compreender essa prática nobre com as lentes do socialismo contemporâneo. Nos contextos tanto do Antigo como do Novo Testamentos, havia uma prática de justiça social que em nada se assemelha à ideologia social atual.

   O serviço de diaconia instituído pelos apóstolos visava corrigir possíveis injustiças com os mais necessitados, deixando claro, contudo, que o evangelho de Jesus seria sempre o instrumento de transforma ção social. Assim, a poderosa mensagem da cruz não pode ser vista como um mero humanismo socialista. Não basta encher a barriga; é preciso alimentar também a alma: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4).

   A Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições

José Gonçalves

 

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