segunda-feira, 4 de agosto de 2025

CPAD : A Igreja em Jerusalém — Lição 6: Uma Igreja não conivente com a mentira

 


TEXTO ÁUREO

Disse, então, Pedro: Ananias, porque encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço da herdade?

(At 5.3).

VERDADE PRÁTICA

Como toda forma de engano, a mentira é pecado. Devemos, pois, andar sempre na luz da verdade.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Atos 5.1-11.

1 — Mas um certo varão chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade

2 — e reteve parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e, levando uma parte, a depositou aos pés dos apóstolos.

3 — Disse, então, Pedro: Ananias, porque encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço da herdade?

4 — Guardando-a, não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.

5 — E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram.

6 — E, levantando-se os jovens, cobriram o morto e, transportando-o para fora, o sepultaram.

7 — E, passando um espaço quase de três horas, entrou também sua mulher, não sabendo o que havia acontecido.

8 — E disse-lhe Pedro: Dize-me, vendestes por tanto aquela herdade? E ela disse: Sim, por tanto.

9 — Então, Pedro lhe disse: Por que é que entre vós vos concertastes para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e também te levarão a ti.

10 — E logo caiu aos seus pés e expirou. E, entrando os jovens, acharam-na morta e a sepultaram junto de seu marido.

11 — E houve um grande temor em toda a igreja e em todos os que ouviram estas coisas.

PLANO DE AULA

 

1. INTRODUÇÃO

Na vida cristã, a verdade deve ser um valor inegociável. A história de Ananias e Safira dentro da comunidade de Jerusalém revela a seriedade do compromisso com a honestidade diante de Deus e da Igreja. Movidos pela cobiça e pela busca de reconhecimento, tentaram enganar os apóstolos, mas foram desmascarados e sofreram juízo imediato. Esta lição nos ensina que a mentira não apenas compromete nosso caráter, mas também fere a santidade da Igreja. A justiça divina se manifesta para preservar a pureza do povo de Deus, destacando a necessidade de temor, integridade e sinceridade na caminhada cristã.

2. APRESENTAÇÃO DA LIÇÃO

A) Objetivos da Lição: I) Apresentar a origem da mentira como uma estratégia de Satanás para enganar os crentes; II) Mostrar que mentir é uma escolha moral e que todo crente deve rejeitar o engano; III) Valorizar a santidade da Igreja e a necessidade de viver em verdade diante de Deus.

B) Motivação: A verdade é um pilar inegociável da vida cristã, e a história de Ananias e Safira nos ensina que Deus não compactua com o engano. Satanás usa a mentira para desviar os crentes, mas cada um tem a responsabilidade de escolher a verdade. Como cristãos, devemos rejeitar qualquer forma de falsidade, pois a mentira traz consequências espirituais e prejudica a comunhão com Deus. A Igreja deve preservar sua santidade, mantendo-se firme na transparência e integridade, pois o temor ao Senhor nos conduz a uma vida autêntica e irrepreensível.

C) Sugestão de Método: Para reforçar o tópico “O Cristão e a Mentira”, você pode utilizar o método do estudo de caso. Apresente uma situação hipotética de um cristão enfrentando a tentação de mentir para obter vantagem, como em uma entrevista de emprego ou na declaração de imposto renda. Peça à classe que analise as consequências dessa escolha, relacionando com Atos 5.1-11. Em seguida, promova uma reflexão guiada, incentivando os alunos a aplicarem os princípios os bíblicos contra a mentira, como Efésios 4.25. Finalize destacando que, assim como Ananias e Safira sofreram consequências, todo engano traz perdas espirituais e morais.

3. CONCLUSÃO DA LIÇÃO

A) Aplicação: Como servos de Deus, devemos viver em integridade, rejeitando toda forma de engano, pois a verdade fortalece nossa comunhão com Cristo e preserva a santidade da Igreja.

4. SUBSÍDIO AO PROFESSOR

A) Revista Ensinador Cristão. Vale a pena conhecer essa revista que traz reportagens, artigos, entrevistas e subsídios de apoio à Lições Bíblicas Adultos. Na edição 102, p.39, você encontrará um subsídio especial para esta lição.

B) Auxílios Especiais: Ao final do tópico, você encontrará auxílios que darão suporte na preparação de sua aula: 1) O texto “O Pecado da Hipocrisia”, localizado depois do primeiro tópico, traz uma reflexão sobre a ação de Satanás para semear mentira e hipocrisia no meio do povo de Deus; 2) No final do segundo tópico, o texto “Evite que o pecado germine” promove uma reflexão sobre a importância de erradicar o pecado da mentira desde a sua origem, ou seja, no nível do pensamento.

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

Um casal, aparentemente despretensioso, achou que podia lucrar às custas da santidade da Igreja. Ao combinarem um ardil para enganar os apóstolos, Ananias e Safira estavam, na verdade, a serviço do Diabo, o pai da mentira. Nesta lição, aprenderemos que é possível um crente não vigilante estar a serviço do Diabo em vez de agir em favor do Reino de Deus. Foi exatamente isso o que aconteceu com Ananias e Safira — tentaram obter lucro negociando valores do Reino. Como crentes, não podemos usar de engano, porque Deus sonda os corações. Cabe, portanto, a nós, nos afastarmos do pecado pelo temor do Senhor.

Palavra-Chave:

MENTIRA

 

AUXÍLIO BÍBLICO—TEOLÓGICO

 “O PECADO DA HIPOCRISIA.

 Os crentes, movidos por amor cristão, vendiam seus imóveis espontaneamente. Faziam isto para distribuírem a importância apurada conforme a necessidade de cada um. [...] No meio daquele entusiasmo, Ananias e Safira venderam uma propriedade. Ananias entrou em acordo com sua mulher e reteve parte do preço, depositando o restante aos pés dos apóstolos. Até ali, tudo havia sido glorioso na vida da igreja. Suas características típicas eram o amor fraternal, a bondade altruísta, a coragem heroica e a real devoção a Cristo. Não era, no entanto, nenhum Milênio espiritual. Satanás, longe de estar amarrado, trabalhava com vigor! Não conseguiu destruir a Igreja através das perseguições vindas de fora. Procurou, então, estragá-la por dentro, seduzindo alguns dos seus membros. Não conseguindo destruir o trigo, semeou seu joio (Mt 13.24-30). Suas primeiras vítimas, aliás indesculpáveis, foram Ananias e Safira. Daquele tempo para cá, a hipocrisia sempre tem seguido a realidade da religião como uma sombra negra.” (PEARLMAN, Myer. Atos: Estudo do Livro de Atos e o Crescimento da Igreja Primitiva. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, pp.59,60).

AUXÍLIO BÍBLICO—TEOLÓGICO

 “EVITE QUE O PECADO GERMINE. Tomás Kempis escreveu: ‘Em primeiro lugar, chega à mente um simples pensamento sobre o mal, então chega à mente uma forte impressão do mesmo, e, depois, o deleite no mal com o impulso de praticá-lo, e finalmente, o consentimento’. Estas palavras descrevem o caráter gradual do pecado. [...] Ananias e Safira se deixaram encantar por Satanás. Deixaram seu amor a Deus ceder lugar à concupiscência pelo ouro. Houve, no entanto, um tempo em que tinham a possibilidade de resistir à tentação. E a lição que tiramos é: evite que o pecado germine. O pecado começa com um pensamento. É nesta altura que se trava a batalha decisiva contra o pecado. Devemos nos apegar firmemente à doutrina bíblica de que o diabo pode ser resistido (Tg 4.7).” (PEARLMAN, Myer. Atos: Estudo do Livro de Atos e o Crescimento da Igreja Primitiva. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, p.64).

SUBSÍDIOS ENSINADOR CRISTÃO

UMA IGREJA NÃO CONIVENTE COM A MENTIRA

  Amigo(a) professor(a), a paz do Senhor. A lição desta semana trata sobre um comportamento execrado pela Palavra de Deus e que é muito comum no mundo. Estamos falando da prática da mentira, um malefício que resulta em grandes problemas para a vida das pessoas que a tornam um hábito. A igreja primitiva também teve de lidar com esse tipo de atitude. A mentira de Ananias e Safira é um dos grandes exemplos bíblicos que expressam a insatisfação de Deus em relação à mentira (At 5.1-11). As Escrituras classificam o Diabo como pai e autor da mentira (Jo 8.44). Em contrapartida, nosso Senhor é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14.6). Essa declaração comprova o compromisso de Jesus com a verdade.

  O pecado da mentira é um mal contumaz que tem feito parte da vida de muitas pessoas. A mentira destrói famílias, relacionamentos, separa os melhores amigos e pode levar até mesmo inocentes a serem injustamente condenados. Em geral, a mentira é praticada por quem não sabe lidar com o medo de encarar a verdade ou pelo constrangimento de ser punido. De acordo com o Dicionário Bíblico Wycliffe, editado pela CPAD, sobre Ananias e Safira, “em um profundo contraste com a falta de egoísmo de outros membros da igreja, eles fingiram dar à igreja o valor total da venda de sua propriedade, mas na realidade estavam separando uma parte para si mesmos. Pedro repreendeu Ananias, que imediatamente caiu morto por um julgamento Divino.    Algumas horas mais tarde, Safira foi igualmente julgada pelo mesmo esforço de enganar. É importante perceber que Pedro previa, mas não decretava esses julgamentos, que eram atos exclusivos de Deus. A severidade do julgamento de Deus é um aviso para todos, e não se repetiu em casos posteriores por causa da sua tolerância e do desejo que tem de que nos arrependamos. Esse casal pode não ter sido enviado à punição eterna, como alguns supõem, mas, antes, levados desta vida para que não fossem condenados com os infiéis (1Co 11.29-32).” (2006, p.98).

  Não obstante o exemplo de Ananias e Safira, há quem acredite que Deus não atua da mesma maneira hoje em relação à mentira e outros pecados, com tal evento sendo só uma forma de ensinar aos primeiros cristãos sobre a onisciência do Espírito Santo. Na verdade, nosso Deus continua comprometido com a fidelidade a Seu santo Evangelho, bem como Seu Espírito se indigna com a mentira (Pv 6.16,17). Ele espera de nós comprometimento com afinco às verdades basilares do Evangelho. Em tempos de mornidão espiritual, importa sermos cautelosos e reafirmar nosso compromisso com o testemunho cristão para não sermos achados em falta quando o som da trombeta soar.

CONCLUSÃO

É possível um crente pecar e se acostumar com o pecado sem se arrepender. É possível que ele encontre até mesmo justificativas plausíveis para comportamentos notadamente pecaminosos. Contudo, uma coisa é certa: não é possível escapar do juízo divino. No caso da igreja de Jerusalém, o juízo divino veio de forma rápida e precisa. Contudo, em outros, como no caso de Corinto, o apóstolo Paulo cobrou uma ação enérgica por parte da igreja que havia se tornado tolerante em relação ao comportamento pecaminoso de um crente (1Co 5.1-13). Em outra situação, Paulo deixou claro que Deus exerceu seu direito de juiz com aqueles que haviam pecado (1Co 11.30-32). Fica o alerta: ninguém é capaz de enganar a Deus.

 CPAD : A Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições

Comentarista: José Gonçalves

Lição 6: Uma Igreja não conivente com a mentira



O

 canal a cabo TV Discovery exibe uma série policial denominada de Verdadeiras Mentiras. Sempre há no enredo alguém que se vale de uma mentira para enganar outra pessoa. Nos diferentes episódios, vemos mentiras ardilosamente inventadas sempre com o mesmo propósito: obter vantagens valendo-se do engano. Nessa série, que, na sua maioria, explora a criminalidade norte-americana, as mentiras têm sempre consequências gravíssimas. Sem exceção, o que foi enganado perde a vida, e o mentiroso, a sua liberdade. A lição que fica é que mentir é errado e sempre traz consequências. Os dicionaristas conceituam mentira como sendo qualquer afirmação ou ato cujo objetivo é enganar outra pessoa.1 Nesse aspecto, a mentira é algo intencional feito com o propósito de prejudicar o outro. Dessa forma, quando o fato envolvendo a mentira vem à tona, o enganador esconde-se atrás da mentira porque o seu orgulho impede-o de reconhecer o seu erro.

   Há muitas questões de natureza teológica e filosófica envolvendo o que caracteriza, de fato, uma mentira. Antes, contudo, de entrar mos nessas questões e analisarmos a questão em foco aqui — a mentira de Ananias e Safira —, é preciso destacar que a mentira é condenada na Bíblia (Êx 20.16; Ef 4.25). Assim, mentir é um ato errado porque é contrário à natureza de Deus (Tt 1.2; Hb 6.18), reve lando, dessa forma, que o mentiroso não tem comunhão com Deus.2

  Nesse aspecto,

  Todo falso testemunho e mentira são proibidos ao povo de Deus (Êx 20.16; Pv 12.22; Cl 3.9). A extrema seriedade do delito é indicada nas Escrituras pela morte de Ananias e Safira (At 5.1-11) e pelo lugar dos mentirosos impenitentes no juízo final (Ap 21.8; 22.15). A oposição bíblica a toda mentira tem sua origem no fato de que o povo de Deus deve sua vida e sua lealdade ao “único Deus verdadeiro” (Jo 17.3). Jesus Cristo é “a verdade” Jo 14.6). O Espírito Santo é “o Espírito da verdade” Jo 16.13). A Palavra é sempre “a verdade” Jo 17.17). Por outro lado, Satanás é “mentiroso e pai da mentira” Jo 8.44). Fundamental no pecado humano e na sua alienação de Deus é a escolha dos homens que “mudaram a verdade de Deus em mentira” (Rm 1.25). Não há meio-termo; o povo de Deus é exortado assim: “... deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo” (Ef 4.25). A escolha é entre o caminho de Deus e o caminho de Satanás.3

  O princípio bíblico, portanto, é que mentir é sempre errado porque quebra o mandamento divino e porque ninguém acredita que ser enganado é uma coisa boa para si mesmo — nem mesmo o mentiroso. A mentira só é boa para o mentiroso enquanto o beneficia; se, contudo, alguém usar de ardil contra ele e enganá-lo com uma mentira, da mesma forma como ele enganou alguém, ele logo se manifestará contra essa ação.

   Ananias e Safira “Disse, então, Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço da herdade?” (At 5.3). Essa narrativa bíblica é bem concisa, porém dramática. Temos o caso de um crente mentindo deliberadamente para obter alguma vantagem. Duas coisas ficam claras aqui. A primeira é que Ananias, induzido pelo Diabo, escolheu mentir. Como um ato moral, mentir é sempre uma escolha humana. Quem mente, mente porque quer mentir. A outra coisa é que a mentira tem consequências — no caso de Ananias, custou-lhe a vida.

   É possível imaginar que Ananias tenha começado a flertar com a mentira e dado lugar ao Diabo quando viu os seus outros irmãos de fé fazerem generosas doações. Ele viu crentes doando tudo o que tinham: “Então, José, cognominado, pelos apóstolos, Barnabé (que, traduzido, é Filho da Consolação), levita, natural de Chipre, possuin do uma herdade, vendeu-a, e trouxe o preço, e o depositou aos pés dos apóstolos” (At 4.36,37). Ele, evidentemente, não queria ficar de fora da lista dos doadores da igreja, mas a sua avareza não permitia que a sua fé chegasse ao nível dos que se desfizeram de tudo. Ele, porém, queria parecer que sim. A forma encontrada foi concordar com a sua esposa que, ao vender uma propriedade, dariam como oferta apenas parte do preço, mas demonstrariam para a igreja que haviam doado o valor integral da venda. Esse era um segredo que só o casal sabia até aquele momento.

   O texto deixa claro que o casal não era obrigado a doar tudo o que tinha, nem mesmo era solicitado a que doassem alguma coisa. As doações, tanto em dinheiro como em outros bens, foram feitas de forma voluntária. Quem podia dar dava; quem não podia não era cobrado por isso. O objetivo do casal, no entanto, era obter lucro, fama e status com aquela aparente ação generosa. Há, sem dúvida, um ardil diabólico nisso tudo. Geralmente, a pessoa tentada só enxerga o que vai ganhar ou como vai ser recompensa da com o objeto da tentação. Nunca pensa nas consequências. O casal, evidentemente, mesmo participando de uma igreja pente- costal, onde os seus obreiros curavam até mesmo paralíticos, não pensou que seria descoberto — mas foi.

   Para nós fica o alerta e a lição: não podemos usar de engano na casa do Senhor, nem tampouco acreditar que nos beneficiaremos com a mentira. Falar a verdade é uma virtude que o cristão deve sempre exercitar. Por outro lado, reconhecer a mentira quando se valeu dela também o é. E uma demonstração de caráter. Muitos crentes evitariam o juízo divino se simplesmente reconhecessem e confessassem o seu erro. Quando isso não acontece, são julgados por Deus. Nunca vi um mentiroso terminar bem. Assim, falemos a verdade uns com os outros.

  Mentira — casos Emblemáticos

  Há algumas questões de natureza ético-moral envolvendo personagens bíblicos que têm servido de combustível para os críticos da fé cristã. São narrativas bíblicas em que, aparentemente, o texto sagrado estaria apoiando a mentira de alguém ou até mesmo Deus estaria induzindo alguém a mentir. Nesse aspecto, alguns textos bíblicos são emblemáticos. Procurarei mostrá-los aqui expondo como a apologética cristã conservadora tem tratado com eles. Meu propósito não é, de modo algum, fazer coro com esses críticos, mas mostrar que essas passagens bíblicas podem ser lidas de outra forma além da que questiona ou põe em xeque a inspiração do texto sagrado.

  Nesse aspecto, ao tratar da questão da mentira na Bíblia, o apologista norte-americano Norman Geisler destaca que, nas Escrituras, encontramos (1) mentiras que não têm aprovação divina; (2) verdades parciais que não são mentiras e relatos que supostamente conteriam (3) aparentes mentiras.

  No primeiro caso, encontramos Satanás dizendo a Eva: certamente não morrereis” (Gn 3.4). Essa é uma mentira condenada pelas Escrituras porque Deus já havia dito, de fato, que o casal morrería (Gn 2.17). Qualquer um que tem o conhecimento dessa narrativa bíblica logo percebe que Satanás estava mentindo.

   No segundo caso, temos Deus mandando Samuel ungir Davi rei sobre Israel. Havia, contudo, um problema que foi levantado por Samuel: se Saul soubesse desse fato, iria matá-lo: “Porém disse Samuel: Como irei eu? Pois, ouvindo-o Saul, me matará” (1 Sm 16.2). Deus, então, instruiu o profeta no que este deveria fazer: “Então, disse o Senhor: Toma uma bezerra das vacas em tuas mãos e dize: Vim para sacrificar ao Senhor” (í Sm 16.2). Os críticos que não creem na inspiração das Escrituras dizem que o Senhor não só instruiu, como também induziu Samuel a mentir. Nesse caso, Geisler defende que temos uma verdade parcial que não é uma mentira.

  Geisler explica:

  Perguntaram a Samuel: “Vens em paz?” Sua resposta foi: “Vim sacrificar ao Senhor” (ISm 16.5). Isso correspondia aos fatos, ou seja, foi por isso que ele foi e foi isso o que fez. O fato de ter outro propósito não está diretamente relacio nado à pergunta que lhe fizeram e à resposta que deu. É claro que se perguntassem: “Tens outro propósito para vir?”, então teria de esclarecer tudo. “Não” seria uma mentira. Ocultamento e mentira não são necessariamente a mesma coisa. Certamente Samuel ocultou um dos propósitos de sua missão para salvar a própria vida (ISm 16.2). Não é sempre necessário (nem mesmo possível) dizer tudo para dizer a verdade. O fato de que Deus mandou Samuel ocultar um dos propósitos de sua visita para evitar a ira assassina de Saul não significa que ele fosse culpado de mentira. Não dizer parte da verdade e dizer uma mentira não são necessariamente a mesma coisa. E segredo e ocultamento não são a mesma coisa que duplicidade e falsidade.4 5

   A meu ver, a explicação de Geisler contribui para a interpretação correta desse texto. Nesse caso, Samuel não contou uma mentira, nem tampouco uma meia-verdade a Saul.3 Simplesmente ele não tinha a obrigação de dizer-lhe toda a verdade. Ao agir assim, ele não estava mentido.

   No terceiro caso, temos as parteiras hebreias agindo contra a ordem de Faraó (Êx 1.15,19): “E o rei do Egito falou às parteiras das hebreias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o nome da outra, Puá) e disse: Quando ajudardes no parto as hebreias e as virdes sobre os assentos, se for filho, matai-o; mas, se for filha, então, viva” (Êx 1.15,16). Mesmo diante de uma ordem tão clara, isto é, matar os infantes hebreus, as parteiras desobedeceram à ordem do Faraó. Quando questionadas por que não estavam cumprindo as ordens de Faraó, preservando, antes, a vida das crianças (Êx 1.18), as parteiras responderam a Faraó: “É que as mulheres hebreias não são como as egípcias; porque são vivas e já têm dado à luz os filhos antes que a parteira venha a elas” (Êx 1.19). O texto bíblico mostra que o Senhor não só aprovou essa ação das parteiras, como também as recompensou por ela: “Portanto, Deus fez bem às parteiras [...]. E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, estabeleceu-lhes casas” (Êx 1.20,21).

   Como fica, então, o caso da aparente mentira das parteiras? Geisler dá a explicação seguinte:

   O dilema moral no qual as parteiras se encontraram era inevitável. Ou elas obedeciam à lei de Deus de não matar ou obedeciam à obrigação menor do Faraó. Ao invés de cometer infanticídio deliberado contra os filhos de seu próprio povo, as parteiras desobedeceram ao rei. Deus manda obedecer aos poderes governamentais, mas também manda não matar (Êx 20.13). A salvação de vidas inocentes é uma obrigação maior que a obediência ao governo. Quando o governo ordena um ato contra Deus, não devemos obedecer. Deus teria responsabilizado as parteiras se tivessem cumprido seu dever em relação ao governo. No caso das parteiras, a lei maior era a preservação da vida dos meninos recém-nascidos (v. At 4; Ap 13). Além disso, a mentira e o ato de enorme desobediência aconteceram no contexto do compromisso de fé das parteiras para com Deus. Elas tiveram de fazer uma escolha de lealdade e obediência, escolha que exigiu coragem e sabedoria espiritual. Uma situação semelhante pode envolver obediência à autoridade dos pais. A submissão faz parte da autoridade moral. Mas se um pai manda um filho matar ou adorar um ídolo, o filho deve submeter-se à autoridade maior e recusar-se a fazê-lo. Jesus ressaltou a necessidade de seguir a lei moral maior quando disse: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37a). As parteiras temiam a Deus, e isso levou-as a fazer o que era necessário para salvar vidas.

   Sua afirmação falsa ao Faraó era parte essencial de seu esforço para salvar vidas.6 Observamos que Geisler acredita na existência de uma escala de valores morais em que um valor pode ser maior do que o outro. O filósofo Battista Mondin também, quando trata dos valores funda mentais, defende que, na questão moral, há valores que se sobrepõem a outros.7 No caso das parteiras, onde havia duas ordens em conflito — de um lado, o mandamento divino de não matar e, do outro, a ordem de Faraó ordenando o contrário —, as parteiras preferiram a obediência à Lei divina, que é superior. A bênção dada a elas decorreu, portanto, da sua obediência à Lei de Deus, e não por terem usado de algum subterfúgio ou artifício com o governante egípcio. Nesse caso, Deus abençoou as parteiras apesar de, e não por causa de. Apesar de terem ocultado o que aparentemente seria a verdade, Deus abençoou-as por causa da obediência e fé demonstradas.

  Outro caso de aparente mentira que será analisado, contudo, não tem uma explicação fácil: é no caso de Raabe (Js 2.4,5). Geisler expõe esse caso da seguinte forma: Quando os espiões hebreus chegaram a Jerico, procuraram refúgio na casa de Raabe.

  Quando o rei de Jerico ordenou que Raabe trouxesse os homens, ela disse que eles já haviam partido e que não sabia onde estavam. Quando Israel destruiu Jerico, Raabe e toda a sua família foram salvos, sendo deixados vivos como recompensa por sua proteção. Como Deus poderia abençoar Raabe por mentir? Os defensores do texto bíblico dividem-se em dois grupos nessa questão. Alguns argumentam que não fica claro que Deus tenha abençoado Raabe por mentir. Ele a abençoou por sua “fé” (Hb 11.31), não pela mentira. Deus abençoou Raabe apesar de sua mentira, não por causa dela. Os defensores dessa teoria insistem em que Deus salvou e abençoou Raabe por ela haver protegido os espiões e ajudado na derrota de Jericó. Eles reiteram que a Bíblia não diz em parte alguma que Deus abençoou Raabe por mentir. Outros teólogos insistem em que Raabe enfrentou um verdadeiro dilema moral. Seria impossível salvar os espiões e dizer a verdade aos soldados do rei. Assim, Deus não responsabilizaria Raabe (v. Geisler, cap. 7). Certamente uma pessoa não pode ser responsabilizada por desobedecer a uma lei inferior para cumprir uma obrigação superior. A Bíblia ordena obediência ao governo (Rm 13.1; Tt 3.1; lPe 2.13), mas a desobediência civil quando o governo tenta impor a injustiça (Ex 5; Dn 3,6; Ap 13). O caso das parteiras hebreias (Êx 1) que mentiram para salvar a vida dos meninos talvez seja o exemplo mais claro.8

  Não há, como eu disse, uma solução fácil para esse dilema moral. Contudo, nesse caso, a meu ver, a primeira explicação, que diz que Deus abençoou Raabe apesar de sua mentira, e não por causa dela, parece encaixar-se melhor no contexto. Contudo, a segunda hipótese, a defendida por Geisler, também não pode ser descartada. Isso fica mais claro quando Raabe demonstrou para os espias saber o que o Senhor estava fazendo e também demonstrou que temia a Ele: “Bem sei que o Senhor vos deu esta terra [...] porque temos ouvido que o Senhor secou as águas do mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito, e o que fizestes aos dois reis dos amorreus, a Seom e a Ogue, que estavam dalém do Jordão” Js 2. 9,10).

   A Bíblia contém muitas questões de natureza ético-moral, e não mentir é uma delas. Dizer a verdade quando há a tentação de dizer-se o oposto revela traços do caráter. O cristão, por ser uma nova criatura em Cristo, tem o dever de falar sempre a verdade diante de Deus e do seu próximo. Mentir não é uma opção: “Não mintais uns aos outros” (Cl 3.9). Como foi dito neste capítulo, não há meio-termo.

   A Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e Fé: a base para o crescimento da Igreja em meio às perseguições

José Gonçalves

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