quinta-feira, 27 de julho de 2023

CENTRAL GOSPEL PILARES DA TEOLOGIA PRÁTICA - Lição 5 : Central Gospel Exegese Bíblica




Lição 5 : Central Gospel Exegese Bíblica

ESBOÇO DA LIÇÃO

1- A ÁRDUA TAREFA DA INTERPRETAÇÃO

1.1. O propósito da exegese

1.2. A finalidade da exegese

1.3. Barreiras ao uso da exegese

1.3.1. As maneiras fixas e as limitações do pensamento

1.3.2. A falta de desejo de encontrar o verdadeiro sentido das Escrituras

2- REGRAS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

2.1. A Escritura deve ser interpretada, em primeiro lugar, em seu sentido literal

2.2. A Bíblia deve ser interpretada à luz do seu próprio contexto

2.3. O texto bíblico não deve ser interpretado de forma isolada

3. ORIENTAÇÕES EXEGÉTICAS

3.1. A exegese na prática

3.2. Particularidades a serem observadas no processo exegético

3.2.1. A direção do ESPÍRITO SANTO

3.2.2. O lugar estratégico da exegese

3.2.3. A inversão de valores

TEXTO BÍBLICO BÁSICO

 - 2 Timóteo 2.14-19

14 – Traze estas coisas à memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes.

15 - Procura apresentar-te a DEUS aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.

16 - Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade.

17 - E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto;

18 - os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns. 19 - Todavia, o fundamento de DEUS fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de CRISTO aparte-se da iniquidade.

TEXTO ÁUREO

Oh! Quanto amo a tua lei!

É a minha meditação

em todo o dia!

Salmo 119.97

OBJETIVOS

  Ao término do estudo bíblico, o aluno deverá ser capaz de:

- entender a importância da exegese bíblica para a igreja e para cada pessoa individualmente;

- explicar o sentido e a finalidade da exegese bíblica; -  - compreender os princípios e regras para a interpretação correta das Escrituras.

ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

  Prezado professor, Martinho Lutero, personagem central da Reforma Protestante, declarou que toda pessoa justificada pela fé em CRISTO é também um intérprete das Escrituras. Esta frase ratifica um dos maiores legados reformistas, que é a devolução das Escrituras à igreja e ao povo de DEUS — uma vez que a Bíblia estava trancafiada nos porões do catolicismo da época. No entanto, nos dias atuais, a Palavra de DEUS também pode estar trancafiada nos porões da superficialidade e dos grosseiros erros de interpretação, que distanciam as pessoas do real sentido dos textos sagrados. Excelente aula!

COMENTÁRIO

Palavra introdutória

 A exegese bíblica é uma das principais disciplinas nos currículos de seminários e faculdades de Teologia. Embora o termo pareça distante do grande público, de fato, ele está mais próximo do que se imagina, porque tem relação com a tarefa da interpretação das Escrituras. Etimologicamente, o vocábulo exegese origina-se do termo grego exégèsis e tem o sentido de “extrair o significado, explicar, expor os fatos com precisão, conduzir o sentido para fora”

Subsídio 1

A exegese ocupa-se do estudo gramatical do texto bíblico e auxilia o leitor do texto sagrado em sua compreensão útil das Escrituras, visando ao testemunho, à pregação e ao ensino na igreja.

1- A ÁRDUA TAREFA DA INTERPRETAÇÃO

  É necessário considerar que a tarefa de interpretação bíblica, por inúmeras vezes, não é tão simples. O leitor do texto sagrado precisa ter em mente algumas variáveis muito importantes: ele foi produzido entre os anos 1600a.C—99d.C.; portanto, está separado historicamente do mundo atual por milênios; ele foi escrito em idiomas geralmente desconhecidos do grande público da atualidade: o Antigo Testamento foi escrito na língua hebraica, com pequenas inserções em aramaico; o Novo Testamento, no grego koiné; há uma distância entre os primeiros destinatários do texto bíblico e os destinatários de hoje — as distâncias culturais entre as pessoas do mundo em que a Bíblia foi escrita e os leitores da atualidade só pode ser minorada com o uso da exegese.

1.1. O propósito da exegese

 Considerando que os escritores sagrados dirigiram suas mensagens aos seus contemporâneos — sem imaginar que esses escritos alcançariam pessoas de todos os povos, línguas e épocas —, a exegese bíblica propõe-se a responder, basicamente, às seguintes questões: Qual era o significado que o autor bíblico queria comunicar originalmente? O que o autor inspirado desejava que seus leitores originais compreendessem? A partir do momento que as respostas a essas questões são obtidas, as distâncias temporais e culturais são atenuadas. Uma ressalva: as distâncias do contexto histórico-cultural- -político dos primeiros destinatários da mensagem bíblica, assim como as diferenças quanto aos idiomas, não podem servir de pretexto para que as pessoas interpretem a Bíblia de modo particular, ao seu bel-prazer. É nesse sentido que a exegese ganha campo e se torna uma disciplina altamente necessária.

Subsídio 2

Sendo a Bíblia um livro de todos os povos e épocas, há nela um modo significativo, atual e relevante de aplicar sua mensagem à vida das pessoas, independentemente do tempo histórico em que vivem. Esse fato a torna um livro maravilhoso, espetacular e incomparável!

1.2. A finalidade da exegese

  A exegese ocupa-se do exame particular de um determinado texto das Escrituras, objetivando sua interpretação de forma apropriada. A disciplina tem como finalidade a análise sistemática do sentido gramatical do texto e, assim, pelo estudo do significado das palavras nos originais, lançar luzes sobre o que o texto significou aos seus primeiros destinatários. Enquanto a exegese busca o significado do texto para o público a quem ele foi endereçado originalmente, a hermenêutica ocupa-se de como aplicar esse texto, de maneira prática, à vida do leitor atual das Escrituras, dando-lhe, assim, significância.

1.3. Barreiras ao uso da exegese

  A desinformação, o descaso ou comodismo — o jeito de fazer as coisas sempre da mesma forma —, transformam-se em grandes empecilhos e barreiras ao entendimento mais amplo das Escrituras.

1.3.1. As maneiras fixas e as limitações do pensamento

 Os preconceitos e as verdades aceitas como tais, de maneira inquestionável, sem os métodos e procedimentos oriundos da exegese bíblica, afastam as pessoas dos grandes e verdadeiros tesouros da Bíblia Sagrada. O fato é que se pode ir muito além no conhecimento da Palavra, e a exegese existe com esta finalidade.

1.3.2. A falta de desejo de encontrar o verdadeiro sentido das Escrituras

  O caminho do conhecimento mais profundo da Bíblia exige um coração aberto e uma mente pronta para adquirir um novo saber. Nesse caso, as pressuposições e achismos precisam ser modificados a partir de um entendimento mais consistente e amplo do texto. Não são os pré-entendimentos que governam a ação, mas o desejo de ver no texto aquilo que ele realmente quer dizer. O sentido real e verdadeiro do significado do texto deve sempre ter a primazia. O intérprete deve ser um servo do texto, nunca o contrário.

2- REGRAS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

  É preciso sinceridade e franqueza para reconhecer que se pode pregar, ensinar, aconselhar, anunciar, exortar, evangelizar, sem conhecer profundamente os princípios de exegese e hermenêutica bíblicas. As pessoas do passado nem mesmo sabiam da existência dessas disciplinas, e isso não as impediu de realizar a obra de DEUS com dedicação e amor. No entanto, sem os princípios da interpretação, o relacionamento com as Escrituras e o entendimento das verdades ali reveladas serão sempre feitos no nível da superficialidade em termos da compreensão. Há, também, o grande risco de cometerem- -se equívocos e distorções na interpretação da mensagem do evangelho, o que não é algo raro nos dias atuais. No caso particular das Escrituras Sagradas, alguns princípios e regras de exegese precisam ser aplicados, como os descritos nos subtópicos seguintes.

2.1. A Escritura deve ser interpretada, em primeiro lugar, em seu sentido literal

 É notório que a Bíblia é rica em figuras de linguagem, alegorias e simbolismos. Porém, o primeiro olhar que deve ser lançado é ao seu sentido literal, não figurado, ou seja, “ao pé da letra”.

2.2. A Bíblia deve ser interpretada à luz do seu próprio contexto

 Esta é a regra básica e áurea de interpretação das Escrituras: cada texto deve ser comparado com os textos que vêm antes e depois da passagem que está em estudo, pois a Bíblia interpreta a própria Bíblia.

2.3. O texto bíblico não deve ser interpretado de forma isolada

 Um único verso ou passagem da Bíblia não pode ser utilizado isoladamente, pois pode levar o leitor a conclusões precipitadas, equívocos e erros de interpretação. Não raramente, partes isoladas do texto bíblico tornam-se pretextos que podem afastar o leitor do contexto original, distanciando-o, por conseguinte, do conhecimento das verdades contidas nas Sagradas Escrituras.

3. ORIENTAÇÕES EXEGÉTICAS

  Como dito até este ponto, o termo exegese refere-se à iniciativa de, pela análise gramatical das palavras, buscar o sentido original, mais profundo e verdadeiro de uma passagem bíblica.

3.1. A exegese na prática

 O trabalho de exposição da Bíblia deve ser, por via de regra, antecedido pela tarefa exegética. Se todo expositor da mensagem bíblica pensasse a partir desse raciocínio, evitar-se-iam muitos erros e distorções teológicas. Seguem algumas sugestões — entre outras — para a prática exegética:

- jamais negligencie o contexto — é impossível entender o significado de um texto separado do seu contexto;

- construa uma paráfrase do texto, ou seja, reproduza o texto com suas próprias palavras;

- observe a narrativa da passagem — ela pode ser histórica; pode conter poesia, parábolas, alegorias, profecia, doutrina etc.;

- esclareça o significado das palavras do texto — com a evolução dos idiomas, é preciso entender o que cada palavra significava na época em que foi escrita e o que significa hoje;

- faça anotações — nenhuma pessoa tem uma mente tão prodigiosa; as informações que se apresentam como inéditas precisam ser anotadas e utilizadas quando houver oportunidade;

- estude com atenção o contexto, definindo datas, locais, costumes, tradições etc.;

- dirija ao texto indagações que possam elucidá-lo, tais como: Onde aconteceu? Quem participa da narrativa? O que aconteceu? Por que aconteceu?;

- organize o texto em seções principais e secundárias; - defina o tema central e os objetivos de cada livro ou passagem bíblica.

3.2. Particularidades a serem observadas no processo exegético

  Embora a decoração dos textos bíblicos seja um hábito extremamente saudável — e as pessoas devam ser encorajadas a praticá-la —, a tarefa mais importante quanto ao conhecimento da Bíblia é a sua correta interpretação. A partir desse raciocínio, nos subtópicos seguintes, serão apontadas algumas particularidades relacionadas a esta nobre tarefa.

3.2.1. A direção do ESPÍRITO SANTO

  O trabalho exegético exige pesquisa e trabalho árduo; no entanto, ele não pode ficar limitado à atividade intelectual. O estudante da Bíblia deve ter o seu coração aberto para a inspiração, unção e direção do ESPÍRITO SANTO (Jo 14.26).

3.2.2. O lugar estratégico da exegese

  A tarefa de pregar e ensinar deve sempre ser precedida pelo trabalho exegético. Ao decidir-se sobre o uso de um de terminado texto bíblico, o pregador (ou ensinador) deve ter o cuidado de saber, com segurança, se o interpretou corretamente (Mt 28.19).

 

3.2.3. A inversão de valores

  Atualmente, a igreja vive um momento em que o ensino das Escrituras está deixando de ser prioridade. Os eventos, com resultados quantitativos e instantâneos, superaram o desejo de conhecer mais profundamente a natureza de DEUS, de Seu Filho unigênito e dos Seus propósitos. De muitas maneiras, a pregação da Palavra está sendo limitada a mensagens sem vida; reduzida a chavões, clichês, repetições, plágios e lugares comuns. Por todo lado, é possível identificar as marcas da superficialidade e, não raro, de erros grosseiros de interpretação do texto bíblico, em que prevalecem a violação aos princípios da exegese e da boa e correta interpretação. É urgente que se resgate a importância do conhecimento das Escrituras, do seu sentido mais amplo, profundo e verdadeiro.

CONCLUSÃO

 Como dito na introdução, após a Reforma Protestante, toda pessoa poderia interpretar livremente as Escrituras Sagradas. O clero católico romano deixou de ter exclusividade sobre esta nobre tarefa. Em resumo: a Bíblia foi devolvida à igreja e aos seus membros. Que grande legado, que imenso privilégio e responsabilidade! No entanto, embora seja livre para interpretar as Escrituras, nenhuma pessoa pode fazê-lo a seu bel-prazer. Ninguém possui isenção para virar as costas aos princípios e regras que regem a tarefa da interpretação. Toda pessoa tem a liberdade de ler e interpretar as Escrituras, mas, na mesma medida, ninguém pode ir além dos limites da mensagem sagrada. O intérprete deve ser um servo do que nela está registrado. Ninguém tem o direito de atribuir suas próprias conclusões aos autores inspirados. A liberdade de quem interpreta a Bíblia deve permanecer dentro dos limites do fato de ser ela a Palavra que revela o caráter de DEUS e os Seus propósitos para a humanidade e para cada pessoa individualmente.

ATIVIDADE PARA FIXAÇÃO

1. O que é exegese?

R.: É uma disciplina que auxilia na interpretação dos textos da Bíblia.

Lições Palavra de Deus nº 70 - Editora Central Gospel  PILARES DA TEOLOGIA PRÁTICA.

Lição 5 : Central Gospel Exegese Bíblica 



   O Método Teológico

  Visto ser importante que a teologia sistemática se baseie na Bíblia, nesta seção lidaremos com o método teológico, especialmente na sua interação com a exegese e a teologia bíblica.

A Exegese e a Teologia Bíblica como Matriz

  Várias etapas de desenvolvimento existem nesse proces­so teológico, onde a pessoa passa da Bíblia à teologia siste­mática: (1) a exegese e a interpretação dos textos individu­ais; (2) a síntese dessas interpretações de conformidade com algum sistema de teologia bíblica;28 e (3) a apresentação desses ensinos na linguagem do próprio teólogo sistemático, visando suas próprias necessidades e as do seu povo.29

  Na teologia ocidental, é comum utilizar-se de algum princípio organizador, empregado na formulação de um con­junto coerente de doutrinas. Em seguida, a teologia bíblica é apresentada (sem nenhuma alteração de seu significado) numa linguagem clara a fim de comunicar a mensagem de DEUS, ajudando os fiéis a solucionar os seus problemas.

  Para manter o nível da autoridade bíblica no decurso da elaboração da teologia sistemática, é necessário que a pessoa que elabora tais estudos evite a dedução. Com isso, quere­mos dizer que o teólogo não deve começar com uma declara­ção teológica geral, tentando impô-la ao texto bíblico para obrigar a Bíblia a dizer o que ele quer, torcendo o significado real do texto. Pelo contrário: o estudo exegético cuidadoso do texto bíblico deve levar (indutivamente) a uma declara­ção teológica.

A Natureza e a Função da Exegese

  O alvo da exegese é deixar as Escrituras dizerem o que o ESPÍRITO SANTO pretendia que se dissesse no seu contexto original. No caso de cada texto, portanto, o intérprete deve analisar o contexto social e histórico, o gênero literário e outros fatores afins, e a luz lançada pelos idiomas originais. Faremos algumas observações a respeito de cada um desses fatores, nesta mesma ordem.

  Quanto ao contexto social e histórico, o escritor bíblico pressupunha que seus ouvintes possuíam certa base cultural e histórica comum a todos. Boa parte desta era tomada por certa mais que declarada. Devemos tomar o cuidado de não supor ingenuamente ser a base cultural e histórica do escri­tor bíblico a mesma de nossos dias. Não é a mesma. Entre o intérprete e qualquer texto bíblico há vastas diferenças cul­turais e históricas.

  Howard C. Kee explica que o significado de uma palavra pode ser determinado somente pelo exame do contexto soci­al em que é usada. Por exemplo: tendo consciência dos fatores sociais e culturais, podemos ver que Mateus emprega o termo "justiça" como "uma qualidade de comportamen­to... exigida por DEUS, e que deve ser posta em prática pelos seus servos fiéis", ao passo que Paulo, num contexto diferen­te, emprega-o no sentido de uma "ação mediante a qual DEUS endireita as coisas”. 30

  Além disso, devemos tomar consciência do gênero literá­rio, do tipo específico de documento ou forma literária que estamos examinando. Ter consciência da natureza de um documento é um dos princípios fundamentais da interpre­tação.31 A não ser que saibamos como um texto foi com­posto, e o motivo pelo qual o foi, não perceberemos o seu sentido.

  A Bíblia é composta por diferentes gêneros literários: narrativa histórica (Gênesis, Rute, Crônicas e Atos dos Após­tolos),32 poesia (Salmos, Jó eProvérbios), evangelho (narrati­va episódica com sermões, dirigida a públicos específicos), epístolas (cartas), apocalipse e profecia (o livro do Apocalipse). Ao estudarmos o gênero literário que o escritor bíblico em­prega, e por que ele o emprega, poderemos interpretá-lo mais facilmente.

  O gênero literário muito interessa ao pentecostal em virtude da teologia da evidência inicial, interpretação esta que depende parcialmente do gênero de Atos. Os pentecos­tais e os evangélicos têm debatido o seu gênero literário, sendo que estes últimos, muitas vezes, tratam Atos como mera história. Os pentecostais, por outro lado, argumentam que Atos é de natureza teológica, 33 muito semelhante ao Evangelho de Lucas, posto que Lucas haja escrito ambos os livros. Podemos, portanto, usar Atos como fonte originária de doutrina. 34

  Outro campo de interesse é o significado das palavras bíblicas. Nesse assunto, devemos evitar a falácia da raiz. Esta, em termos simples, ocorre quando a etimologia de uma palavra (significado de sua raiz) é aplicada a esta todas as vezes que aquela aparece. Ou, conforme às vezes se observa, a etimologia é aplicada a alguns casos escolhidos em que a palavra surge a fim de apoiar o ponto de vista do intérprete. E, porém, o uso, e não a derivação, que determina o signifi­cado. (Por exemplo, praevenire [em latim "ir adiante de"] e prevent, em inglês, tinham o mesmo significado, mas hoje prevent significa "impedir"). O contexto, portanto, é da máxima importância. Determinada palavra pode possuir gran­de variedade de significados, mas, num contexto específico, somente um deles será válido.

Crítica, Interpretação e Teologia da Bíblia

  A crítica bíblica35 foi desenvolvida depois da Reforma. As duas divisões principais da crítica bíblica, anteriormente denominadas de alta e baixa crítica, agora são usualmente chamadas crítica histórica e crítica textual, respectivamen­te. Os conservadores e os liberais igualmente trabalham em ambas as áreas, posto serem necessárias na exegese. Além disso, oferecem grande ajuda na compreensão da Bíblia. A crítica histórica ajuda-nos a conhecer com mais exatidão o contexto social e cultural de um texto ou livro da Bíblia, levando-nos a interpretá-lo com mais exatidão. As fontes primárias das informações históricas incluem a própria Bíblia, as obras dos historiadores seculares e as descober­tas arqueológicas. Os documentos secundários incluem as obras dos vários intérpretes, tanto antigos quanto mo­dernos.

  A crítica textual é a ciência que examina as cópias feitas à mão (manuscritos) da Bíblia em hebraico, aramaico e grego, e que procura recuperar o que os escritores inspirados realmente escreveram. 36 Existem milhares de manuscritos antigos da Bíblia, e todos eles têm diferenças esparsas na linguagem, na ordem das palavras, e na omissão ou acrésci­mo de palavras. 37 Tratam-se, muitas vezes, dos erros cometi- , dos pelos copistas. Outras mudanças podem ter sido delibe­radas, inclusive na atualização da linguagem. A crítica tex­tual emprega métodos objetivos e científicos para comparar os vários textos, e descobrir qual o mais correto. 38

  Por um lado, alguns intérpretes têm aplicado ao texto bíblico hipóteses imaginárias, influenciados pelas modernas teorias sobre a História (que usualmente envolve a negação do aspecto sobrenatural). Por outro lado, reconhecemos ser a interpretação mais acertada a que considera ter sido a totalidade das Escrituras inspirada por DEUS, possuindo, por conseguinte, uma natureza especial que merece respeito. Quando nos ocupamos da crítica bíblica, o ideal é não ata­carmos a Bíblia (embora muitos o façam). Pelo contrário: atacamos o nosso próprio modo de entender a Bíblia a fim de harmonizar nossa interpretação com o significado original das Escrituras. 39

  Por exemplo: os intérpretes pentecostais vêm, já algum tempo, empregando o que podemos chamar "crítica narrati­va" na sua forma mais simples. Os defensores do batismo no ESPÍRITO SANTO argumentam em favor de uma teologia de evidência inicial em Atos dos Apóstolos, crendo que o falar noutras línguas é normativa. Pois a narrativa menciona frequentemente que o fenômeno ocorre quando o ESPÍRITO San­to enche alguém com sua plenitude. As repetições na narra­tiva fornecem paradigmas de comportamento, dando força e expressão à teologia.40 Ou seja: o que Lucas registrou em Atos foi com a intenção de demonstrar-nos que o falar noutras línguas não é somente a evidência inicial e física como também a evidência convincente que nos deixa saber quando uma pessoa foi realmente batizada no ESPÍRITO San­to.

  O teólogo conservador crê estar a narrativa arraigada à história (a história é o meio pelo qual teria sido efetivada a revelação).41 Ao proceder a narrativa, o autor sagrado foi orientado pelo ESPÍRITO SANTO na seleção daquilo que serviria ao seu propósito, omitindo o restante.

  Tomemos como exemplo o capítulo 2 de Atos para de­monstrar o que estamos dizendo. Este texto é um dos relatos mais amplos do livro de Atos dos Apóstolos. Determinamos B ser uma narrativa específica por levar-nos a distinguir seus limites dentro dos quais é possível divisar os personagens, o enredo e o ponto culminante. O capítulo tem três partes: a vinda do ESPÍRITO SANTO, a atitude do povo e o sermão de Pedro.42

  O âmago da narrativa (a mensagem de Pedro) explica a função teológica das línguas e da vinda do ESPÍRITO SANTO. As línguas são o sinal de que a prometida era da salvação e do ESPÍRITO SANTO já havia chegado; as línguas evidenciam que o ESPÍRITO SANTO já revestiu a Igreja de poder para testemunhar de JESUS. Além disso, o propósito primário das línguas é testificar que as escrituras do Antigo Testamento profetiza­ram a respeito da presente era do ESPÍRITO. Ou seja: todo o povo de DEUS receberia o ESPÍRITO e falaria noutras línguas, e que as línguas seriam a evidência de que DEUS ressuscitara a JESUS dentre os mortos e o exaltara, ascendendo-o ao céu. Aí está Ele, agora, derramando o ESPÍRITO. Além disso, os que falam em línguas dão testemunho da salvação e do evange­lho de JESUS (cf. 1.8), da vinda do Reino de DEUS que, agora mesmo, está confrontando com sinais e prodígios as potênci­as das trevas. Lucas, inspirado pelo ESPÍRITO SANTO, selecio­nou os elementos principais do Dia de Pentecostes, e os descreveu nessa breve narrativa a fim de convencer seus leitores a buscar o batismo no ESPÍRITO SANTO.

  A ênfase na vinda do ESPÍRITO com poder é o tema princi­pal no Evangelho de Lucas e em Atos dos Apóstolos. O fato dá a entender que os leitores de Lucas não haviam recebido o batismo no ESPÍRITO SANTO, sendo este mui comum na Igreja Primitiva. Seus leitores, portanto, devem receber o batismo com o sinal do falar em línguas. Esse revestimento de poder impulsioná-los-ia a se lançarem no mundo como uma comunidade poderosa de testemunho.

  A narrativa era comum na antiguidade, e ainda o é em muitos lugares, especialmente nos países do chamado Ter­ceiro Mundo. Além disso, está em franca ascensão no Oci­dente. Ela comunica de modo indireto: o narrador expõe os seus argumentos através de elementos tais como o diálogo e o comportamento. Assim, o comportamento torna-se paradigma daquilo que os leitores devem valorizar e seguir (em Atos 2, receber o ESPÍRITO com o falar em outras línguas fez-se normativo).

  A narrativa e o estilo indireto são contrastados com os tipos de literatura que comunicam de modo direto. Na co­municação direta, o autor ensina na primeira pessoa de maneira proposicional. Um exemplo de orientação na Bíblia é a forma epistolar. A Bíblia contém teologia, tanto narrati­va quanto proposicional.

Pressuposições do Intérprete e do Teólogo

  Finalmente, é importante examinarmos o que nós, intér­pretes, trazemos de nosso mundo, e acrescentamos ao texto (pressuposições). Primeiro: tenhamos um compromisso com a inspiração verbal e plenária.43 Os métodos supra delinea­dos devem afirmar esse ponto de vista. Prestemos atenção a todo o conselho de DEUS, e evitemos a ênfase exagerada num só tema ou texto. Doutra forma, surge um cânon den­tro de um cânon, que é outro erro grave. E que, na prática, traçamos um círculo dentro do círculo maior (a Bíblia), e dizemos, na prática, que essa parte assim delineada é mais inspirada do que o resto. Se derivarmos a teologia só de uma parte selecionada da Bíblia, acontecerá a mesma coisa.

  E importante, portanto, que o pentecostal tenha uma base e um ponto de referência realmente bíblicos e pentecos­tais. Primeiro: deve crer no mundo sobrenatural, especial­mente em DEUS, que opera de forma poderosa e revela-se na história. Os milagres, no sentido bíblico, são ocorrências comuns. Na Bíblia, "milagre" refere-se a qualquer manifesta­ção do poder de DEUS, e não necessariamente a um evento raro ou incomum.44 Além disso, outros poderes no mundo sobrenatural, quer angelicais (bons), quer demoníacos (maus), penetram em nosso mundo e aqui operam. O pentecostal não é materialista nem racionalista, mas reconhece a reali­dade da dimensão sobrenatural.

  Em segundo lugar, o ponto de referência "do pentecostal deve ser a revelação que DEUS fez de si mesmo.45 O pentecos­tal acredita ser a Bíblia a forma autorizada de revelação que, devidamente interpretada, afirma, confirma, orienta e dá testemunho da atividade de DEUS neste mundo. Mas o co­nhecimento racional das Escrituras, que não é o simples fato de se decoradas, não substitui a experiência pessoal da regeneração e o batismo no ESPÍRITO SANTO, com todas as ativida­des de testemunho e de edificação que o ESPÍRITO coloca diante de nós.

  Os pentecostais acreditam que minimizar o valor dessas experiências é contraproducente. O Evangelho de João, de modo claro, deliberado e poderoso, afirma ser o novo nasci­mento no ESPÍRITO SANTO a maneira de se desvendar o conhe­cimento divino. Sem essa experiência não se pode conhecer a DEUS. Outra maneira de se perceber tal fato é aplicar o termo "cognitivo" ao conhecimento que provém do estudo das Escrituras (ou teologia) e o termo "afetivo" ao conheci­mento que provém da experiência pessoal. Não devemos jogar um contra o outro, pois essenciais. Mas a experiência pessoal é importante. Como são maravilhosos a regeneração e o batismo no ESPÍRITO! Depois de havermos recebido a ambos, passamos a ter um conhecimento mais pleno de DEUS e, sem dúvida, mais pessoal.

  Além disso, o pentecostal crê que DEUS fala à sua igreja através dos dons do ESPÍRITO SANTO a fim de corrigir, edificar e consolar. Embora os dons sejam subordinados às Escrituras e discerníveis à luz destas, devem ser encorajados.

  Tendo em mente tais fatos, a teologia (e a cultura) não precisam inibir o fervor espiritual. Na realidade, não é a teologia nem a cultura que inibe a obra do ESPÍRITO SANTO, mas o ponto de referência-teológica e educacional. E impor­tante, portanto, interpretar a Bíblia dentro de suas próprias condições através de um ponto de referência apropriado. Dessa forma, teremos uma teologia corroborada pela experi­ência. Teologia esta que, mediante a fé e a obediência, passa a ser uma "realidade da experiência"46 baseada na Bíblia, com eficácia na vida diária, ao invés de uma teologia que não passa de mero motivo de discussão.

    TEOLOGIA SISTEMÁTICA STANLEY M. HORTON

 


 Exegese Bíblica: Vantagens, Desvantagens Limites e Contribuições na Interpretação Moderna da Bíblia

  O estudo da Bíblia (Antigo Testamento, ou Bíblia Hebraica, e Novo Testamento) possui longa tradição, tanto nas denominações cristãs, como judaicas. Na Antiguidade, Filo de Alexandria (25 a.C. - 50 d.C.) representa bem uma vertente judaica de interpretação, ancorada na Filosofia grega. Os comentários em hebraico ou aramaico constituíram o midrash composto pela Mishná, pelos Talmudes de Jerusalém e da Babilônia e o Midrash Aggadá, todos de época clássica, complementados pelos escritos pós-clássicos e tardios. O Midrash, enquanto categoria propriamente judaica de interpretação, pode ser definido como um “exame, interrogação” (derivado da raiz daroch). O Midrash é, pois, uma exploração da letra do texto, a buscar um pretexto para a reflexão, uma leitura infinita. As modalidades de procedimentos metodológicos são a mahloquete (diálogo entre mestres, a intersubjetividade) e a guezerá chava (analogia semântica ou intertextualidade). A exegese retorna ao texto, dando ao texto bíblico sua própria autonomia ao livrá-lo de seu contexto histórico original. A partir das alusões (remazim) visa a prescrição (halakha). A aggada, produto da Palestina (eretz Israel) baseia-se na petiha (abertura) e utiliza-se, amplamente, do jogo de palavras entre o hebraico da Bíblia e o aramaico, como no caso do Bereshit (Gênesis), palavra inicial que significa “no início”, interpretada como “bara chit”, “criou seis”, em aramaico (FUNARI, 1999).

  Também os cristãos, já no início do segundo século d.C., começaram a estudar os textos do que viria a ser o Antigo Testamento e, aos poucos, também do Novo Testamento. Este movimento tomou corpo e, no século IV, quando do fim da perseguição aos cristãos, multiplicaram-se os estudos exegéticos e as interpretações, tanto a partir dos idiomas originais, como, principalmente, a partir das versões, primeiro em grego, depois em latim. Agostinho de Hipona foi um dos mais influentes comentadores cristãos. Pelos séculos posteriores, tanto os cristãos a ocidente, em latim, como a oriente, em grego, assim como os judeus, continuaram a produzir comentários, sempre a partir de perspectiva teológica e mesmo apologética.

  Foi apenas com o Iluminismo, no século XVIII, que começaram a surgir perspectivas diversas, menos centradas na correta interpretação, de acordo com o dogma, e isso se deu em um contexto de mudanças sociais, econômicas e culturais que estão conosco até hoje. Por um lado, a industrialização levou à urbanização e a uma preocupação com a explicação racional do mundo e com a experiência empírica. Por outro, a estrutura social fundada na ordem cósmica de fundo religioso foi questionada. As monarquias de direito divino e as ordens sociais estamentais (nobres e plebeus) fundadas na ordem religiosa do mundo foram colocadas em cheque, com o surgimento do estado nacional moderno, baseado na cidadania e no compartilhamento de valores. O estado nacional moderno burguês dependeu, assim, de uma nova compreensão do mundo: racional, experimental, laica. O Iluminismo esteve na raiz do estudo da Filologia, o conhecimento racional dos idiomas, com a busca das origens das palavras e estruturas, assim como das inter-relações entre línguas vivas e mortas. Surgia o conceito de ramos linguísticos, com a definição dos idiomas indo-europeus, que incluem o latim e o grego, e os semitas, que abrangem o hebraico e aramaico.

  Esta visão iluminista viria a difundir-se no século XIX e atingir, de forma contundente, o estudo dos textos religiosos, em geral, e bíblicos, em particular. Na raiz da moderna exegese bíblica está, portanto, um distanciamento da leitura crente da Bíblia, uma perspectiva racional do texto bíblico, como já estava em Spinoza (1632-1677). Por isso mesmo, houve e há teólogos católicos, protestantes e judeus que a criticaram por essa abordagem despreocupada com crença. Contudo, muitos estudiosos rejeitaram essa dicotomia, proveniente do embate, à época iluminista, entre fé e razão e consideram que uma exegese bíblica fundada na razão não invalida a crença, posição que adotamos por dois motivos. Em primeiro lugar, do ponto de vista antropológico, a contraposição entre razão e fé é enganosa. O simbolismo está presente no ser humano desde seus primórdios nas cavernas e continua a estar na raiz do mundo atual. Alguns dirão que o humano define-se pela memória dos antepassados, representada nos enterramentos, rituais funerários e na rememoração dos falecidos. Mesmo os sistemas sociais fundados no ateísmo perpetuaram a memória de líderes falecidos, em alguns casos, como na Coreia do Norte, até mesmo com a consideração que os mortos estão vivos. Em seguida, e não menos importante, a presença do sagrado no mundo contemporâneo, em diversas formas, continua intensa, ainda mais no Brasil e uma perspectiva humanista e simbólica, fundada na exegese moderna, permite uma vivência mais rica e aberta à diversidade de comportamento do que uma abordagem pouco atenta ao estudo do texto bíblico.

  EXEGESE E HERMENÊUTICA

  A exegese é um conjunto de procedimentos destinados a estabelecer o sentido de um texto sob vários ângulos (textual, literário, dos motivos/temas, do processo de composição e outros) a fim de extrair dele suas mensagens. Têm[1]se necessidade dela cada vez que um texto suscita um interesse durável, ou é sempre considerado importante (LACOSTE, 2004, p. 698). Em termos etimológicos, exegese vem do grego e significa conduzir, guiar, dirigir, governar, explicar pormenorizadamente, interpretar, ordenar, prescrever, aconselhar, arrancar para fora do texto. A Eisegesis consiste em introduzir em um texto alguma coisa que alguém deseja que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo. Importante é a distinção entre exegese (condução para fora) e eisegese (condução para dentro) o que significa, portanto, guiar para fora dos pensamentos o que o escritor tinha quando escreveu um dado documento, isto é, literalmente “tirar de dentro para fora” (ex-ago), extrair o significado, interpretar (FREEDMAN, 1992, p. 682-3). Demanda a utilização de método científico, além de precisar contar com o auxílio de várias ciências humanas (história, geografia, arqueologia, paleografia, história das religiões comparadas, entre outras), visto que há uma enorme distância temporal (em alguns casos, também espacial) e, sobretudo cultural entre os textos e nós, pessoas de outra época e cultura.

  A hermenêutica muitas vezes, é usada como sinônimo de exegese. Etimologicamente, hermenêutica vem do grego hermeneuein e significa traduzir, interpretar. Atualmente, se convencionou chamar de exegese a busca do sentido que o autor quer exprimir a seus contemporâneos e de hermenêutica o sentido que um texto pode adquirir hoje. O termo hermenêutica provém do nome do deus Hermes da mitologia grega (HEIDEGGER, 2003, p. 73). Em si mesmas, nem a hermenêutica, nem a exegese são próprias da Bíblia. Elas se aplicam a qualquer tipo de texto e, de um modo especial, aos textos mais antigos. Texto dos filósofos antigos também é objeto de estudos exegéticos e hermenêuticos, além de textos literários, e outros. Enfim, qualquer tipo de texto pode ser objeto de estudo exegético.

  A exegese e a hermenêutica aplicada aos estudos da Bíblia Hebraica e ao Novo Testamento costuma ser denominada “Exegese Bíblica” (VIRKLER, 1987, p. 9-33). Segundo Uwe Wegner (2001), quando se fala de exegese Bíblica, entende-se o termo sempre no sentido de explicação e interpretação. É a prática da hermenêutica sagrada que busca a real interpretação dos textos que formam o Antigo Testameno, ou Bíblia Hebraica, e o Novo Testamento. Vale-se, pois, do conhecimento das línguas originais (hebraico, aramaico e grego), da confrontação dos diversos textos bíblicos e das técnicas aplicadas na linguística e na filosofia (WEGNER, 2001, p. 11). Metodologia da Exegese Bíblica, portanto, é a organização e análise sistemática dos processos que devem orientar a investigação científica da Bíblia. Consiste na aplicação dos princípios racionais de investigação usados em documentos plurisseculares com o propósito de apreender o estilo literário de cada autor, a estrutura da obra, as formas literárias do conjunto, entre outros. É o conjunto de procedimentos científicos empregados com o propósito de explicar o texto em sua diversidade.

  O uso de uma metodologia na exegese do texto bíblico não é fortuito, mas cumpre duas funções específicas: viabilizar a obtenção do conhecimento científico da Bíblia e possibilitar a sistematização lógica desse saber. O método em exegese, por conseguinte, requer o emprego de uma ordenação dos diferentes processos que serão empregados para alcançar determinados resultados. Entende-se por processo, a forma como determinada técnica é aplicada, isto é, o modo específico de executar o método (EGGER, 1994, p. 48).

  ESCRITA E ORALIDADE

  Antes de serem escritos, muitos relatos pertenciam à tradição oral. A fixação por escrito é apenas parte de um processo mais amplo, pois um novo contexto é sempre ocasião para a releitura e a reelaboração de um texto do passado. Muitas vezes, o próprio texto oferece indícios que permitem reconstruir as etapas da redação que hoje possuímos. A ciência bíblica desenvolveu certos critérios, a fim de refazer o caminho que o texto percorreu até chegar às nossas mãos. O resultado desse trabalho de reconstrução é encontrado nas chamadas “edições críticas”. São edições dos textos do Antigo e do Novo Testamento (em hebraico, em grego, em aramaico e, ainda, em latim) que trazem, no rodapé, o “aparato crítico”. Nas margens laterais, encontram-se outras observações e anotações a respeito do texto. Para economizar espaço, quase todas as informações do aparato crítico e das margens estão abreviadas ou codificadas em símbolos, cuja decodificação encontra-se nas introduções e nos apêndices de cada edição crítica (WEGNER, 2001, p. 48).

  A Bíblia é um livro de difícil compreensão. Para um mesmo texto, surgem muitas interpretações, algumas legítimas, outras questionáveis, outras descartáveis. Tudo depende do modo, ou melhor, do método com que se lê a Bíblia. Com efeito, não basta um único método de leitura para esgotá-la. Ela nos reserva sempre uma novidade, uma surpresa, um horizonte novo. A importância da exegese bíblica, para não dizer de sua necessidade, reside no fato de que ela possibilita uma compreensão mais precisa do sentido de um texto bíblico, e, por conseguinte, fornece bases para uma construção teológica e histórica melhor fundamentada.

  Um texto tem longa e complexa história de transmissão: cópias, versões, citações, edições que envolvem inúmeros problemas (mudanças intencionais e não-intencionais, adaptações culturais e releituras, imprecisões, decisões editoriais). Daí a importância e a necessidade da atitude crítica diante do texto.

 A EXEGESE MODERNA E A SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS DE LEITURA DO TEXTO BÍBLICO

  O início da exegese moderna se deu a partir do século XVII. Mas foi na virada do século XIX para o século XX com a filosofia hermenêutica de Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer que provocaram mudanças na exegese, de modo especial, pela nova maneira de se compreender a relação entre o autor, o texto e o leitor. Na sequência, vieram os trabalhos exegéticos de Karl Barth e de Rudolf Karl Bultmann. Ambos recolocaram a questão hermenêutica, mas cada um a seu modo. Barth se perguntava sobre o significado do texto bíblico para o homem moderno. Já Bultmann dizia que a linguagem dos autores bíblicos tinha deixado de ser compreensível. Era uma linguagem mítica e o homem moderno tinha adquirido uma visão científica do mundo. Era, pois, preciso retraduzir aquela linguagem nesta outra para que o texto bíblico voltasse a ter sentido. Pela mesma via, mas em sentido contrário, foram os trabalhos de Paul Ricoeur, para quem a linguagem simbólica da Sagrada Escritura precisava ser reinterpretada, não, porém, substituída (GRECH, 2005, p. 48-9).

  O século XX foi profundamente frutuoso e questionador no que se refere à interpretação bíblica: muitos métodos surgiram, firmaram-se, foram superados e/ou redefiniram seus pressupostos e seus objetivos com muitos manuais publicados na Europa e na América do Norte (FITZMYER, 1994, p. 23-5). Na América Latina e Caribe a leitura da Bíblia está vivendo um colorido de perspectivas (REIMER, 2006, p. 20). Durante as últimas décadas, a leitura popular da Bíblia tem destacado a importância central dos pobres dentro deste conjunto de textos, as preocupações emergentes como pobreza, desemprego, desigualdades sociais, bem como as situações e os desafios de ordem mundial (nova situação da mulher, novas tecnologias, busca da superação de preconceitos raciais e religiosos), acabaram também condicionando nova postura diante do texto bíblico, que é visto, cada vez mais, como paradigma para a caminhada do povo de Deus. A leitura da Bíblia a partir dos pobres e marginalizados, a leitura orante, eclesial, pastoral ecumênica e também certa reserva em relação aos métodos que se preocupam com o texto bíblico enquanto texto fez surgirem “novas formas de interpretar a Bíblia e novas teologias” (BIBLIOGRAFIA BÍBLICA LATINO-AMERICANA, Vl 8, 1988-1995).

  Podem-se destacar algumas barreiras para a interpretação bíblica, contudo, estas são suficientes ao menos para demonstrar o problema da sua interpretação e a consequente necessidade de uma Metodologia de interpretação que ajude a transpor cada um destes obstáculos. Pois parece, pela natureza intrínseca da própria Escritura, que sem a aquisição de pré-requisitos históricos e literários, relacionados à formação da bíblia, não será possível uma interpretação mais bem fundamentada. E é para a “solução” desse problema hermenêutico que surge a Exegese como uma ferramenta indispensável para uma melhor interpretação do texto bíblico.

  A primeira barreira com a qual se depara quando se pretende interpretar a Bíblia é a barreira histórica. Ou seja, a Bíblia foi escrita ou formada em circunstâncias e épocas totalmente distantes e diferentes da nossa realidade. A Bíblia é um livro histórico, nascido e configurado dentro de matizes históricas específicas. Seu contexto histórico e destinatários originais são muitas vezes desconhecidos quanto a sua natureza e problemáticas peculiares. Em outras palavras, a Bíblia não foi do ponto de vista histórico, escrita para nós hoje do século XXI. Há um grande abismo histórico e cronológico entre nós e os antigos autores bíblicos. A Bíblia é histórica, nasceu na história, pela história e para a história. Portanto, toda leitura bíblica precisa ser uma leitura histórica. Se não se apreende a cosmovisão, Weltanschauung, do período histórico em que a Bíblia nasceu e se formou corre-se o risco de não compreendê-la de maneira refletida.

  A segunda barreira que se depara é o que se pode chamar de barreira sócio-cultural. Esta diz respeito ao mundo social, econômico, político e religioso em que se formou a Bíblia. É sabido que a Bíblia se originou na estrutura sócio[1]cultural do Antigo Oriente Próximo, mais em particular na Sírio-Palestina, mas também nas regiões circunstantes, como a Mesopotâmia e o Egito, como seu cenário geográfico principal. As diferenças culturais entre Ocidente e Oriente são gigantescas. Estando diante de uma literatura antiga emoldurada dentro de um contexto judaico-helenista com suas mais ricas peculiaridades. A ignorância quanto às estruturas sociais e culturais da época e ambiente onde nasceu a Bíblia torna totalmente inviável qualquer aproximação à sua interpretação.

  Tem-se ainda uma terceira barreira quando se pretende interpretar a Bíblia. Trata-se da barreira linguística, ou seja, o problema da linguagem peculiar da Bíblia. A Bíblia não foi escrita em nosso idioma, mas em três línguas antigas, a saber, o Hebraico, o Aramaico, línguas semitas, e o Grego, de outro ramo, o indo-europeu. Fato este que dificulta a tradução, pois muitas vezes não há em nossa língua, palavras adequadas para traduzir expressões específicas.

  Para sanar essas barreiras, muitos métodos surgiram e têm sido usados como ferramentas de interpretação de um texto bíblico. Os mais importantes historicamente são o alegórico e o histórico-gramatical, conhecido como método de análise literária (PENTECOST, 1998, p. 22-23). Esses dois podem ser utilizados mais facilmente, mas também podem se tornar extremamente complexos e especializados. (continua…)

     Almeida, Maria Aparecida de A., Funari, Pedro Paulo A. Exegese Bíblica: Vantagens, Desvantagens Limites e Contribuições na Interpretação Moderna da Bíblia.

                                

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