terça-feira, 10 de setembro de 2019

LIÇÃO 11 : A mordomia das obras de misericórdia




M
isericordioso e piedoso é o Senhor ; longânimo e grande em benignidade” (SI 103.8). Misericórdia faz parte do caráter e dos atributos morais de Deus transferíveis ao homem. Ele não transmite ou reparte seus atributos absolutos, o de onipotência, onisciência e onipresença, dentre outros, mas Ele transfere seus atributos relativos para os homens. Sendo misericordioso, Deus quer que seus filhos também o sejam. “Misericórdia é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a buscar o bem temporal e a salvação eterna dos que se opuseram à vontade dele, mesmo a custo do sacrifício próprio”.1 Se Ele não fosse misericordioso, ninguém subsistiria ante sua santidade. “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos; porque as suas misericórdias não têm fim” (Lm 3.22). Bancroft2 diz que a misericórdia era mais enfatizada no Antigo Testamento, enquanto a graça é mais apresentada no Novo Testamento. Ele dizia que misericórdia também é sinônimo da longanimidade de Deus. A misericórdia de Deus é a manifestação do seu sentimento para com os que se acham angustiados, em miséria, seja pelo pecado, seja pelo sofrimento. A misericórdia de Deus age no sentido de livrar o sofredor de seus problemas. A Bíblia diz: “Misericordioso e piedoso é o Senhor ; longânimo e grande em benignidade” (SI 103.8); “Piedoso e benigno é o Senhor , sofredor e de grande misericórdia” (SI 145.8).
       Com essa visão acerca de Deus, a Bíblia mostra-nos que Ele requer de seus filhos que também sejam misericordiosos, que façam obras que demonstre esse sentimento, que é fruto do amor cristão, que deve dominar os corações dos que o aceitam como Salvador. Assim como Deus deseja livrar o que sofre de suas aflições, da mesma forma, o crente fiel precisa sentir compaixão e misericórdia daqueles que estão ao seu redor ou de que tem conhecimento, no sentido de não só orar por eles, como também fazer o que estiver ao seu alcance para minorar a dor alheia. O salvo precisa cultivar e difundir obras de misericórdia e de amor. São obras que refletem o amor cristão na prática, ou seja, a caridade. O apóstolo João escreveu em sua primeira epístola: “Quem, pois, tiver bens do mundo e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar o seu coração, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1 Jo 3.17,18). João, considerado “o apóstolo do amor”, foi, de fato, o escritor bíblico que mais discorreu sobre a importância de praticar o amor de Deus na vida cristã. A exemplo de Tiago, João questiona se “a caridade de Deus” está naquele que, vendo seu irmão necessitado, fecha o coração. E ele completa com uma solene exortação, ensinando que não devemos amar apenas “de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”.

      Um cristão só pode identificar-se com Deus e com Cristo se praticar a misericórdia. Jesus censurou os fariseus na questão dos dízimos, pois esses se diziam os mais rigorosos no cumprimento da Lei, a ponto de pagarem os dízimos das coisas mínimas, como o “endro e o cominho”; mas eles desprezavam, segundo Jesus, “o mais importante da lei, o juízo, a mismcórdia e a fé” (Mt 23.23 – grifo acrescido). A prática da misericórdia é condição determinante para alguém alcançar a misericórdia de Deus no Juízo. Tiago diz: “Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2.13).

I - SIGNIFICADO DE MISERICÓRDIA
      Definição. Misericórdia é um a palavra que vem do latim (mismcórdia): “Compaixão suscitada pela miséria alheia”; “Indulgência, graça, perdão”.3 Na definição do dicionário, vemos que misericórdia é um sinônimo de “indulgência”, “graça”, como “favor não merecido”, e “perdão”, com o sentido de “remissão de pena, desculpa, indulto”. ‘Ά palavra misericórdia vem do latim mercês, mercedis, “pagamento”, “recompensa”, que veio a ser associada à recompensas divinas, ou seja, aos atos de compaixão celeste”.4 No Antigo Testamento, vemos expressões de misericórdia em algumas referências, bem como seus respectivos termos hebraicos. “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor por longos dias” (SI 23.6). No texto, misericórdia é o termo hebraico hesed, indicando o que uma pessoa sente pelos que precisam de compaixão e amparo. O u o ato ou julgamento de alguém que transgride a Lei. “No Novo Testamento, a palavra ‘misericórdia’ é a tradução da palavra grega eleos, ou ‘piedade, compaixão, misericórdia’.”5; como vemos na parábola do Bom Samaritano, quando o que foi o próximo do homem assaltado “usou de misericórdia” para com ele. E Jesus mandou que seu interlocutor fizesse o mesmo (Lc 10.36,37).

       Misericordioso. Refere-se àquele “Que tem misericórdia, compassivo, clemente [...]; que revela misericórdia”. Essa é a conceituação do léxico na língua portuguesa. Na Bíblia, temos significados mais amplos para demonstrar o que é ser misericordioso. Em Efésios, está escrito: “Antes, sede uns para com os outros benignos, misencordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo.” (4.32 — grifo acrescido). A palavra “misericordiosos” aí no grego é “vísceras gentis”, ou “entranha de misericórdia, ou de bondade”, dando a entender que ser misericordioso é algo muito profundo, que exprime sentimento que vem do íntimo “das entranhas”, ou do ser, do “coração”. Por isso, a Bíblia mostra-nos que o Senhor é Deus de misericórdia, longanimidade e benignidade: “Misericordioso e piedoso é o S e n h o r ; longânimo e grande em benignidade” (SI 103.8). Essas são qualidades morais de Deus, que são próprias de quem é realmente identificado com Cristo mediante a ação do Espírito Santo, por quem produz o “fruto do Espírito” (G1 5.22).

II - A MORDOMIA DA MISERICÓRDIA CRISTÃ

      Misericórdia é como o amor. Só tem valor se for praticada. As obras de misericórdia são inseridas no contexto das “boas obras”, que são inerentes à vida de todos os salvos em Cristo Jesus, e fazem parte da essência do cristianismo, que é a prática do verdadeiro amor. Não adianta o cristão dizer que ama a Deus “acima de tudo” se não “amar o próximo como a si mesmo” (ver M t 22.37-39). Deus considera mentira alguém dizer que o ama, mas não ama o seu irmão: “Se alguém diz: Eu amo a Deus e aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?” (1 Jo 4.20).

O que São “ Obras de Misericórdia” . Essa expressão não consta do texto bíblico, mas o seu senúdo é patente em toda a Bíblia. Como indica a frase, são obras, ações e práticas realizadas em prol dos outros como expressão de amor, especialmente para com os que se encontram em situação de fragilidade física, emocional, social, ou espiritual e precisam da ajuda, ou socorro da parte daqueles que servem a Deus.
       Quando Davi assumiu o reinado em Israel, lembrou-se de Jônatas, seu falecido amigo, que ficou ao seu lado mesmo quando Saul, seu pai, levantou-se injustamente contra ele. Davi m andou procurar saber se haveria alguém da família de Jônatas a quem ele pudesse usar de “beneficência de Deus”. Ao saber que havia um filho de Jônatas chamado Mefibosete, aleijado, que residia em Lo-Debar, esquecido, no ostracismo, Davi mandou chamá-lo e ordenou que todas as terras de seu pai fossem-lhe entregues e que ele comeria pão à mesa do rei (2 Sm 9.1-13). Davi usou de gratidão à memória do seu amigo Jônatas e usou de misericórdia para com seu filho Mefibosete, que era deficiente e estava recolhido à casa de outra pessoa.
       No Novo Testamento, certamente, a lição espiritual dada por Jesus com a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37) é um exemplo eloqüente do que são “obras de misericórdia”. N a parábola, a narrativa é feita a partir da pergunta de “um certo doutor da lei”, que inquirira Jesus para experimentá-lo sobre o que ele deveria fazer para “herdar a vida eterna”. Jesus gostava do método dialético, de perguntas e respostas, e indagou ao homem sobre o que dizia a Lei, e o interlocutor resumiu a Lei no mandamento de am ar a Deus (Dt 6.5) e ao próximo como a si mesmo (Lv 19.18). “E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás” (Lc 10.28). Mas o homem, que respondera tão bem sobre a Lei, indagou a Jesus sobre quem seria seu “próximo”.
       Respondendo de forma magistral sobre quem seria o próximo, Jesus, na parábola, falou sobre um homem que fora assaltado por bandidos e deixado “meio m orto”. Ante o semblante de admiração do doutor da lei, Jesus continuou sua narração, apresentando três personagens da história. Primeiro, um sacerdote, que, vendo o homem caído, “passou de largo” (Lc 10.31). Aquele sacerdote representa os que conhecem a Lei, ou seja, que a pregam , que entregam os dízimos, mas que não vivem a misericórdia. São pessoas formalistas e egoístas, que não pensam nos carentes e oprimidos. Em segundo lugar, Jesus referiu-se ao levita, que, da mesma forma, “passou de largo” (Lc 10.32). Por último, surgiu um samaritano, que, vendo o pobre homem quase à morte, demonstrou ser compassivo e misericordioso. Ele não passou de largo, mas chegou junto ao ferido e fez “obras de misericórdia” . Aquele samaritano teve “íntima compaixão”, “atou-lhe as feridas”, “pôs o moribundo sobre sua cavalgadura”, levou-o p ara um a hospedaria e deixou-o aos cuidados do hospedeiro, pagando adiantado as despesas da hospedagem até que voltasse, quando acertaria todos os gastos. Jesus indagou ao doutor da lei: “Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai e faze da mesma maneira” (Lc 10.36,37). Jesus mostrou que a misericórdia não deve ser apenas um “sentimento”, mas, acima de tudo, ação: “Vai e faze da mesma maneira”, isto é, vá e faça misericórdia.
       Em Atos dos Apóstolos, lemos sobre Dorcas, um a discípula de Cristo que residia em Jope. Ela, além de ser fiel ao Senhor, “ [...] estava cheia de boas obras e esmolas que fazia” (At 9.36). Dorcas dedicava-se a produzir roupas para viúvas pobres. Em seu tempo, não havia máquinas de costura. As peças de roupa eram confeccionadas à mão, o que demandava muito tempo, dedicação, esforço e amor. O texto dá a entender que Dorcas ajudava as mulheres necessitadas voluntariamente e sem receber nenhum a retribuição por seu trabalho. Mesmo com tanta bondade, como acontece com qualquer ser humano, Dorcas faleceu, e a Bíblia não diz a causa de sua morte.

        Por providência de Deus, no dia do seu velório, o apóstolo Pedro encontrava-se nas proximidades, em Lida, e os discípulos, amigos da falecida, mandaram chamá-lo com pressa. Pedro foi levado ao lugar onde estava o corpo e ficou comovido com as lágrimas das viúvas, as quais Dorcas ajudara, pois elas levantavam “as túnicas e as vestes” que Dorcas fizera graciosamente para elas. Pedro fez uma comovente e intensa oração a Deus de joelhos, e o Senhor ressuscitou sua serva, que foi apresentada viva às suas irmãs e amigas, a quem ela tanto amava (At 9.36-42). As boas obras não salvam, mas são valiosas diante de Deus em sua avaliação que Ele faz sobre cada pessoa. As suas boas obras não eram apenas filantropia. Eram obras de misericórdia como fruto de seu amor cristão.

As Obras do Crente Devem Glorificar a Deus. No Sermão do Monte ou das Bem-Aventuranças, Jesus destacou a misericórdia: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mt 5.7). Após ensinar sobre os misericordiosos, Jesus ressaltou o papel do cristão como influenciadores do ambiente e dos que estão ao seu redor. Ele afirmou que o cristão é “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5.13-15). Ele não disse que o cristão deve exibir-se ou se mostrar ao mundo, mas declarou que a candeia é colocada na casa, em lugar elevado, e ilumina a todos que ali estão. E Ele concluiu: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). As boas obras, que devem ser vistas pelos homens, são o testemunho cristão eloqüente, que falam mais que as palavras que possamos pregar. E, assim, elas glorificam a Deus.

Somos Criados para as Boas Obras. Aos efésios, Paulo doutrinou que a salvação “não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.9,10). As boas obras, como visto, são de grande valor para a vida do salvo. Este deve praticar boas obras não para ser salvo, mas, sim, porque já é salvo. O apóstolo ainda diz: “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que creem em Deus procurem aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens” (Tt 3.8). Dentre essas boas obras, podemos listar algumas consideradas “obras de misericórdia”.

Na área das necessidades humanas . Realizar obras de misericórdia em prol dos carentes, necessitados e vulneráveis sociais é tão importante que, se um cristão dá de comer, ou de beber, ou de assistir a alguém em suas necessidades humanas, estará dando ou fazendo ao próprio Cristo: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me” (Mt 25.35,36). Os servos de Deus hão de perguntar quando viram Jesus faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente ou preso e assistiram-no (Mt 25.37-39): “E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25.40). Em outras palavras, quando fazemos o bem a um dos humildes servos de Deus, socorrendo-o em suas necessidades físicas, sociais ou emocionais, estamos, na prática, fazendo para Jesus. Tais obras são consideradas “obras de misericórdia”. Quando o crente deixa de fazer tais obras, deixa de fazê-las ao próprio Cristo (Mt 25.41-45).

Na área das necessidades espirituais . Quando falamos em misericórdia, quase sempre temos a ideia de atendimento ou socorro aos aflitos na vida humana. Todavia, a maior necessidade de demonstrarmos amor e misericórdia é na área da salvação do homem. (Essa necessidade é tão grave, necessária e urgente que Deus enviou Jesus, seu Filho, para vir ao mundo fazer-se humano para salvar os homens de sua miséria Jo 3.16). Quando o profeta Jonas entristeceu-se e ficou ressentido por ver que Deus inclinara-se a salvar o povo de Nínive de sua desgraça espiritual, o Senhor disse a ele: “E não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que estão mais de cento e vinte mil homens, que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e também muitos animais?” Jn 4.11). Enquanto o profeta queria ver o juízo de Deus destruindo os ninivitas, o Senhor demonstrou sua misericórdia e compaixão por eles e até por seus animais! Eis um exemplo cabal de que “a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2.13).

       Causa tremenda impressão e espanto quando vemos as necessidades espirituais do mundo, que clama por salvação, e há tanta insensibilidade no seio de igrejas evangélicas. O investimento na obra missionária é tão pequeno em relação a outros gastos que se gasta mais com passarinhos, gatos, cachorros, joias, cosméticos e produtos de beleza do que com os missionários e a evangelização mundial. Onde está a misericórdia cristã? A visão de Cristo pela necessidade espiritual do mundo foi muito clara: “Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis que eu vos digo: levantai os vossos olhos e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa” Jo 4.35). “E Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6.34).

        Deus “amou o mundo” e não apenas um grupo seleto, privilegiado, eleito e predestinado “desde o ventre” por seu decreto totalitário e implacável, a ponto de usar sua soberania para lançar no Inferno a maioria dos seres humanos desde o ventre! Isso não é soberania; é tirania, não condizente com o Deus de amor, longânimo e misericordioso, que não tem prazer na morte do ímpio (Ez 33.11). Jesus mandou-nos pregar o evangelho “por todo o mundo” “a toda a criatura” (Mc 16.15). Seu amor pelo homem perdido e a ordem para seus seguidores pregarem o evangelho em escala mundial são a expressão máxima de sua misericórdia para com a humanidade. As igrejas cristãs estão negligenciando a pregação do evangelho por falta de misericórdia. A Europa está sendo invadida pelos islâmicos depois de ser dominada pelo materialismo. E ainda há pastores que dizem não ter interesse em enviar missionários para o velho continente, lugar de onde saíram os grandes movimentos missionários por todo o mundo, inclusive para o Brasil. A ordem de Deus continua a soar: “livra os que estão destinados à morte e salva os que são levados para a matança, se os puderes retirar” (Pv 24.11). Outro aspecto da falta de misericórdia na área espiritual manifestada no meio evangélico acontece quando exercemos o juízo sobre as pessoas fracas na fé ou as que cometem alguma falta ou pecado. H á uma tendência para exercer a justiça de forma implacável. Nosso Mestre, no entanto, deu-nos um grande e eloqüente exemplo quando julgou a causa de uma mulher adúltera, que foi levada a seus pés pelos fariseus. Todos exigiam que ela fosse apedrejada, pois assim mandava a Lei. Porém, de maneira surpreendente e em poucas palavras, Jesus deu-lhes uma tremenda lição de caráter espiritual e moral, sugerindo que aquele que não tivesse pecado atirasse “a primeira pedra”. Ele escrevia serenamente na areia e, em seguida, deu sua decisão perante uma multidão que esperava sua atitude ante o tamanho problema de ordem legal: “E, endireitando-se Jesus e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te e não peques mais” (Jo 8.10,11). Jesus mostrou que é Mestre não apenas na salvação do mundo ou na operação de curas, prodígios, sinais e maravilhas. Ele também demonstrou que é Mestre em misericórdia. Sua misericórdia triunfou sobre o juízo (Tg 2.13).

III - CUIDADOS NA PRÁTICA DAS BOAS OBRAS

Tudo o que o cristão fizer ou desejar fazer deve obedecer aos princípios éticos emanados da Palavra de Deus: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31).

As Obras Devem Glorificar a Deus. Em seu sermão, Jesus ensinou que os cristãos são “sal da terra” e “luz do mundo”. Assim como o sal muda de forma definitiva e marcante o “ambiente em seu redor” e assim como a luz dissipa as trevas, o salvo deve influenciar o ambiente social, espiritual e moral ao seu redor e, usando seu testemunho como luz, também deve influenciar as pessoas a mudar seu comportamento. Depois de enfatizar esse aspecto do testemunho cristão, Jesus concluiu dizendo: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16״־ grifo acrescentado). Por isso, as obras de misericórdia devem ser feitas com humildade e sem a busca da glória para quem as pratica (Mt 6.2).
        Deus dá valor às boas obras, inclusive as que são praticadas por pessoas que não o conhecem. Cornélio, por exemplo, não era judeu e muito menos cristão. Ele, no entanto, fazia boas obras em prol dos judeus. E o Senhor agradou-se tanto dele que revelou a Pedro para ir à casa do centurião, pois este precisava conhecer a verdade de Deus. Pedro foi obediente e foi à casa de Cornélio. Ali, o centurião reuniu toda a família para ouvir o que Deus havia de falar a todos. E Cornélio testemunhou diante de todos o que Deus havia-lhe falado: “E eis que diante de mim se apresentou um varão com vestes resplandecentes e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas estão em memória diante de Deus” (At 10.31).
        As obras de misericórdia fazem parte da prática do amor cristão, que, segundo Jesus, ensina que o crente deve amar até mesmo o seu próprio inimigo (Mt 5.44), o que não é nada fácil para a natureza humana, mesmo para os nascidos de novo. Jesus disse: “Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça” (Rm 12.20). Somente com a graça de Deus é possível o cristão cumprir esse m andamento de amar o próprio inimigo. E, porém , preceito cristão dar de comer ao inimigo faminto e dar de beber ao inimigo sedento. Tal com portam ento é tão significativo e eficaz que provoca um sentimento de remorso e culpa intensa em sua consciência.

Obras de Quem É Salvo. As obras de misericórdia na área humana têm grande valor para o testemunho cristão. Tiago, irmão de Jesus, em sua epístola de caráter prático, mostra o valor das obras do salvo. As boas obras, incluindo as obras de misericórdia, fazem parte da natureza transformada do salvo em Cristo Jesus (Ef 2.10). Somente através delas é possível alguém identificar um a pessoa que nasceu de novo. Não há como perceber que um a pessoa é salva apenas porque diz que é salva, mas a sua fé é reconhecida e demonstrada de modo real pelas obras e pelo seu testemunho (Tg 2.14-20).

       O texto de Tiago mostra-nos que a fé salvífica tem que ser atuante, prática, demonstrada perante os homens, mostrando que seu possuidor é um a nova criatura. Com base nesse ensino, podemos concluir que fé sem misericórdia não tem valor algum diante de Deus. A fé daquele que vê o irmão sem roupas e sem alimentos, elementos indispensáveis à sua sobrevivência digna, e simplesmente saúda o carente com “a paz do Senhor” não tem valor real diante de Deus: “Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tg 2.17). As boas obras são vistas, observadas ou percebidas pelos homens e glorificam a Deus (Mt 5.16).
        A fé verdadeira não é apenas subjetiva. Ela é materializada em ações e testemunho perante Deus e os homens. Tiago diz: “ [...] e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras”. Essa análise de Tiago não contraria o que Paulo diz que “nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei” (Rm 3.20; G1 2.16). Esse ensino de Paulo refere-se à justificação do homem perante Deus, que vê o interior de cada pessoa. Tiago, porém, refere-se às “obras” ou às “boas obras” de salvos, a que se refere Jesus em Mateus 5.16, e às “boas obras”, preparadas por Deus “para que andássemos nelas”. Essas boas obras justificam a fé perante os homens e acompanham a vida do salvo até à eternidade. Escreveu João, em sua visão, no Apocalipse: “E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam” (Ap 14.13).

CONCLUSÃO

As obras de misericórdia fazem parte do conjunto maior de obras que acompanham a salvação do crente em Jesus. A Bíblia deixa muito claro que não devemos fazer boas obras para sermos salvos, como ensina o espiritismo e outras religiões reencarnacionistas, que propagam um a salvação pelas obras. Uma das máximas dessa religião é que “fora da caridade não há salvação”. Por caridade entendem-se obras de filantropia, que atendem aos necessitados, aos carentes. Essas práticas têm seu valor, mas somente para a vida humana, para o relacionamento social.
        No entanto, quando se trata da salvação do homem, a fonte é a “graça de Deus”, e o “meio” é a fé. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8). Porém, precisamos evitar os extremos de supervalorizarmos a fé e desprezarmos as obras ou supervalorizarmos as obras em detrimento da fé. Paulo e Tiago fizeram um a excelente interface nesse assunto. Paulo diz que “nenhum a carne será justificada diante dele pelas obras da lei’5 (Rm 3.20; G1 2.16). Por quê? Porque a Lei cumpriu o seu papel, educando o homem para servir a Deus até que chegasse o tempo da revelação plena da salvação de Deus, que foi prometida ao homem no Éden (Gn 3.15).
        Enquanto isso, Tiago completa a visão sobre a fé e as obras, demonstrando que a fé em Deus, em Cristo e em sua Palavra tem que ser demonstrada não de modo subjetivo, ou seja, interior, mas na prática perante os homens. Ele diz de forma eloqüente: “Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o creem e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?” (Tg 2.17-20).
        Em suma, as obras de misericórdia não podem ser desprezadas. Jesus foi, é e sempre será o maior exemplo disso. Ele trouxe a salvação ao homem perdido, mas começou transformando água em vinho; realizou sinais, prodígios e milagres, curando, libertando dos demônios, porém multiplicou o pão e o peixe duas vezes, e esses sinais foram fundamentais para que as pessoas cressem que Ele, de fato, era o Messias.


                                                                                                            Elinaldo Renovato







Capítulo 3

 Como saber se minha religião é verdadeira (Tiago 1.19-27)



Não podemos amar o mundo nem ser amigos dele. Não podemos nos conformar com o mundo para não sermos condenados com ele. A Bíblia fala que Demas amou o presente século, o mundo, e abandonou sua fé (2Tm 4.10). Fomos tirados do mundo e separados para Deus. Somos enviados de volta ao mundo, não para o imitarmos, não para cobiçarmos as coisas más que há nele, mas para sermos luzeiros. Estamos fisicamente no mundo, mas não espiritualmente nele (Jo 17.11-16). Não somos tirados do mundo, mas guardados do mal. Não somos do mundo, mas estamos no mundo. Estamos nele não para que ele nos contamine, mas para sermos nele instrumentos de transformação. No mundo somos embaixadores de Deus, somos ministros da reconciliação; somos sal, luz e perfume de Cristo.
...

Em terceiro lugar, ele tem compaixão dos necessitados (Tg 1.27). Tiago não está enfocando a questão doutrinária, mas um assunto de prática crista. O conteúdo da fé é a morte expiatória de Cristo e Sua ressurreição gloriosa. O cuidado dos necessitados não é o conteúdo do cristianismo, mas sua expressão. A preocupação prática da religião de uma pessoa é o cuidado pelos outros.  A religião é a prática da fé. E a fé em ação. Seremos julgados com base nesse aspecto prático da religião (Mt 25.34-46). Quando nos olhamos no espelho da Palavra, nós vemos a Deus, a nós mesmos e, também, o nosso próximo (Is 6.3-8). Palavras não substituem obras (2.14-18; IJo 3.11-18). Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições não é apenas cortesia pietista. Não é um desencargo de consciência. Trata-se de socorro, de envolvimento, de empatia, de compaixão manifestada na ajuda concreta e no suprimento das necessidades reais daqueles que carecem e sofrem

42. Constatamos, portanto, que o verdadeiro religioso não é egocêntrico, não é narcisista, não vive só para si, não vive recuado só no seu mundo, só olhando para si. Ele sai do casulo, da caverna da omissão. Ele se levanta da poltrona da indiferença. Ele age. Tem mãos abertas, coração dadivoso e bolso generoso. Não é dado à verborragia, mas à ação. Não ama apenas de palavra, mas de coração. Abomina o sentimentalismo inócuo. Usa a razão, e por isso dá pão a quem tem fome. Ele celebra a liturgia da generosidade e evidencia a verdadeira religião. No dia do juízo, teremos de prestar conta de nossa vida. Seremos julgados segundo nossas obras. Dar pão a quem tem fome, distribuir roupa para quem está nu, visitar os enfermos e os presos e abrigar os forasteiros são atos concretos de amor que Jesus espera e cobrará de nós

Deixar de fazer essas coisas aos homens é deixar de fazê-las ao próprio Senhor Jesus. Cristianismo, portanto, é ver Cristo na face de nosso próximo; é servir a este como se o fizéssemos ao próprio Senhor Jesus. Aquele que professa a verdadeira religião possui três benefícios gloriosos: primeiro, aceitação de Deus (1.27). Somos aceitos por Deus em Cristo para a salvação. Mas quando exercemos a nossa fé em obediência à Palavra, o nosso serviço é aceito por Deus como aroma suave (Fp 4.18). Quando Tiago diz que há uma religião pura e sem mácula aceitável diante de Deus, significa dizer que há uma religião que não é aceitável para Deus.
Qual é ela? E aquela apenas de palavras, de uma fé que não tem obras. Segundo, benção pessoal (1.25): “... este será bem-aventurado no que fizer”. Você quer que Deus o abençoe? Então, leia a Palavra, descubra o que ela diz e viva de acordo com a Palavra. Terceiro, benção para outras pessoas (1.27). Como saber se minha religião é verdadeira 43
43. Tornamo-nos instrumentos de Deus para aliviar o sofri­mento das pessoas necessitadas. Seremos, então, o sal da terra e a luz do mundo. f

44. Capítulo 4 Como saber se minha fé é verdadeira ou falsa (Tiago 2.1-26)

O CAPÍTULO 2
DA CaRTA DE TiAGO é um dos textos mais importantes da Bíblia. Muitos estudiosos não conseguiram entendê-lo. Lutero pensou que Tiago estivesse contradizendo Paulo (Rm 3.28 - Tg 2.24; Rm 4.2-3 - Tg 2.21). Logo, Lutero chamou Tiago de carta de palha e sentiu que a carta de Tiago não tinha o peso do Evangelho.“ Mas será que Tiago está contradi­zendo Paulo? Absolutamente não. Eles se complementam.“*' Paulo falou que a causa da salvação é a justificação pela fé somente. Tiago diz que a evidência da salvação são as obras da fé. Paulo olha para a causa da salvação e fala da fé. Tiago olha para a conseqüência da salvação e fala das obras. Paulo deixa isso claro: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas” (Ef2.8-10). Calvino diz que a salvação é só pela fé, mas a fé salvadora não vem só. Ela se evidencia pelas obras. A questão levantada por Paulo era: “Como a salvação é recebida?” A resposta é: “Pela fé somente”. A pergunta de Tiago era: “Como essa fé verdadeira é reconhecida?” A resposta é: “Pelas obras!”Assim, Tiago e Paulo não estão se contradizendo, mas se completando. Somos justificados diante de Deus pela fé, somos justificados diante dos homens pelas obras. Deus pode ver a nossa fé, mas os homens só podem ver as nossas obras. A fé testada (Tg 2.1-13) Tiago falou que nascemos da Palavra (1.18), ouvimos a Palavra (1.19), acolhemos a Palavra (1.21), mas devemos também praticar a Palavra (1.23). Ouvir a Palavra e falar a Palavra não substitui o praticar a Palavra. Apenas ter uma confissão de fé ortodoxa não substitui o praticar a Palavra. Tiago mostra que a maneira como nos comportamos com as pessoas indica o que realmente nós cremos sobre Deus. Não podemos separar relacionamento humano de comunhão divina (IJo 4.20). Nesse parágrafo, Tiago diz que nós podemos testar nossa fé pela maneira como nós tratamos as pessoas. 46

46. Tiago diz que a fé verdadeira é conhecida pelo relacionamento imparcial com as pessoas (2.1-4). Favoritismo e acepção de pessoas não são atitudes de um cristão. Dois visitantes entram na igreja: um rico e outro pobre. Oferecer maiores privilégios ao rico e desprezar o pobre é negar a nossa fé no Senhor da glória. Jesus não valorizava as pessoas pela cor da pele, pela beleza das roupas, ou pelo dinheiro. Jesus não julgava as pessoas pela aparência (Mt 22.16). Ele, sendo o Senhor da glória, se fez pobre e não julgou as pessoas pela aparência. Jesus acolheu os ricos e os pobres; os religiosos e os publicanos; os doentes e as crianças; os israelitas e os gentios. Sua Palavra orienta-nos a não julgarmos as pessoas pela aparência (Jo 7.24). Abraão Lincoln disse certa feita: “Deus deve amar as pessoas simples, porque ele fez muitas delas”.^^ A ênfase de Tiago agora é sobre a soberana escolha de Deus (2.5-7). A salvação não está baseada em mérito humano nem mesmo em nossas obras. A salvação não é comprada nem merecida (Ef 1.4-7; 2.8-10). Deus ignora diferenças nacionais (salvou Cornélio). Ele ignora diferenças sociais (salva senhores e escravos: Filemom e Onésimo). A escolha divina não está baseada no que a pessoa tem (ICo 1.26,27). E possível uma pessoa ser pobre neste mundo e rica no vindouro. Ser rica neste mundo e pobre no vindouro (iTm 6.17,18). Devemos tratar as pessoas como Deus as trata, e não de acordo com o seu status social. A essência da lei de Deus é o amor ao próximo como a nós mesmos (2.8-11).

A questão não é quem é o meu próximo, mas para quem eu posso ser o próximo?

                                                                                                            H.D. LOPES





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