
CAPÍTULO 3
A SALVAÇÃO E O NASCIMENTO DO SALVADOR
A
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salvação é um ato divinamente iniciado na
fundação do mundo e humanamente realizado por Cristo ao nascer em Belém. O
verbo divino precisou tomar a forma humana e passar por todas as vicissitudes
pertinentes a ela para satisfazer as exigências da redenção, tomando sobre si o
pecado de toda humanidade. O nascimento de Jesus marca o início de uma nova era
para a humanidade onde a promessa de perdão e salvação é efetuada por Cristo.
Deus tomou a iniciativa da salvação antes mesmo que houvesse necessidade dela;
assim, Deus pai decreta a salvação, o Filho efetua-a, e o Espírito Santo aplica-a.
O ANÚNCIO DO NASCIMENTO DO SALVADOR
O Antigo Testamento está repleto de
profecias e vaticínios que apontam para o nascimento de Jesus, o Messias, como
o Redentor. A própria vida de alguns profetas do AT é um antítipo de Cristo
como, por exemplo, Moisés e Elias, cujas vidas e obras apontam para a vida
abnegada e sacrificial de Cristo, especialmente Moisés como o libertador
nacional. Alguns reis de Israel também servem de figura para o Rei dos reis,
cujas lideranças promoveram a união nacional e a expansão do povo de Deus. Davi
pode ser colocado nesse grupo como um homem segundo o coração de Deus e pelas
promessas que Deus fez-lhe como iniciador de uma dinastia de reis, apontando
para Cristo, que nunca terminariam seu reinado (2 Sm 7.16; Sl 45.6). Até mesmo
Ciro (Is 45.1), um rei pagão a quem Deus chama de “meu ungido”, tendo em vista
seu trabalho de restauração da nação de Israel, pode ser uma figura profética
de Cristo porque permitiu a restauração de Israel após o cativeiro. Dessa
forma, vê-se, como em vários textos do AT, que Cristo está presente (Lc 24.45;
Gn 3.15; 22.18; 26.4; 49.10; Nm 21.9; Dt 18.15; Sl 16.9-10; Jr 23.5; Ez 34.23;
Dn 9.24; Mq 7.20; Ml 3.1; Jo 1.45), como afirma o evangelista: “E, começando
por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em
todas as Escritura” (Lc 24.27). João Crisóstomo afirmou que “ler todos os
livros proféticos sem enxergar Cristo neles seria extremamente insípido e sem
graça. Ver Cristo neles revela sua fragrância”. Portanto, toda beleza poética e
profética do AT remete, aponta e prefigura o nascimento e obra de Cristo. A
vinda do salvador é profetizada na Queda do homem (Gn 3.15); no sacrifício de
Isaque; no simbolismo do êxodo na saída do Egito e no sangue de animais no
umbral das portas na noite da páscoa; nos 26 salmos messiânicos, como veremos
adiante; na volta do exílio babilônico e nos profetas, especialmente os
messiânicos e, especificamente, em Isaías, num bloco dedicado ao Messias (Is
7.1-12.6), chamado “O livro do Emanuel”.
Do AT, Isaías foi um dos profetas mais
específicos, profícuos e profundos sobre o Messias. Suas predições estão
repletas de poesia arrebatadora que fluem da inspiração divina de um profeta
culto que se colocou inteiramente à disposição do Senhor para, com detalhes,
vaticinar o nascimento e a vida de Cristo. Suas profecias são tão abrangentes
que o livro de Isaías é chamado de “O evangelho do Antigo Testamento”, pois
descortina diante do leitor a Cristo e seu evangelho 700 anos antes de Ele
nascer.
Dentre os profetas, ele é o mais celebrado do
Antigo Testamento, com muita profundidade teológica, especialmente na
Soteriologia, na Cristologia e na Escatologia, tendo em vista sua grande
capacidade literária em ser poeta e orador, um artista de palavras, um grande
estadista, reformador e teólogo.29 Isso tudo torna seu livro extremamente
gratificante de ler, mas também nos deparamos com a complexidade de seus
vaticínios, cujo fio condutor aponta para o nascimento e vida do Salvador.
O tema central de Isaías é o amor de Deus
demonstrado no socorro ao seu povo através do sacrifício do Servo Sofredor, ou
seja, a grande salvação de Deus, apesar da situação calamitosa do povo de
Israel. Por isso, um dos principais objetivos de Isaías ao escrever era, dentre
outros, anunciar a vinda do Messias, o único que seria capaz de tirar o povo do
pecado e trazer completa libertação. Em Isaías 6.13, Deus alerta o profeta para
que não fique frustrado, pois sua mensagem não seria ouvida até que tudo
ficasse desolado e desabitado, mas, depois, ela produziria resultados, e suas
profecias seriam cumpridas. Foram 40 anos de ministério e grandes mensagens
rejeitadas até que, finalmente, o tronco começaria a brotar na volta do exílio.
Paradoxalmente, a frutificação a partir de troncos feios e queimados é um
contraste humilhante diante da grandeza e glória do Deus que se revelou a
Isaías. Sobraria uma floresta de troncos decepados, mas, desses troncos,
brotaria uma semente que faria toda a diferença: Cristo, que salvaria não
somente o povo de Israel, como também todo o mundo (Jo 3.16).
Além do profeta messiânico Isaías, temos
outras profecias específicas que se cumpriram em Cristo, especialmente nos
salmos messiânicos, os quais enumeramos abaixo, sendo a primeira referência a
profecia, e a segunda, seu cumprimento: o Messias, Jesus, seria Filho de Deus e
declarado pelo Pai como tal (Sl 2.7 > Mt 3.17); todas as coisas seriam
postas debaixo dos pés do Messias (Sl 8.6 > Hb 2.8); Jesus ressuscitaria da
morte (Sl 16.10 > Mc 16.67); Deus iria desampará-lo na hora da necessidade
(Sl 22.1 > Mt 27.46); seria zombado e insultado (Sl 22.7-8 > Lc 23.35);
suas mãos e seus pés seriam perfurados (Sl 22.16 > Jo 20.25,27); lançariam
sorte sobre suas vestes (Sl 22.18 > Mt 27.35-36); não lhe seria quebrado nenhum
osso (Sl 34.20 > Jo 19.32-33, 36); seria acusado por testemunhas mentirosas
e iníquas (Sl 35.11 > Mc 14.57); seria odiado sem motivo (Sl 35.19 > Jo
15.25); viria para fazer a vontade de Deus (Sl 40.7-8 > Hb 10.7); seria
traído por um amigo (Sl 41.9 > Lc 22.47-48); seu trono seria eterno (Sl 45.6
> Hb 1.8); assentar-se-ia à destra de Deus (Sl 68.18 > Mc 16.19); o zelo
pela casa de Deus consumi-lo-ia (Sl 69.9 > Jo 2.17); receberia fel e vinagre
para beber (Sl 69.21 > Mt 27.34); teria um reino eterno (Sl 72.1-5, 17 >
Lc 1.32-33) e mundial (Sl 72.8-11, 19 > Jo 1.5-9; At 13.47-48); julgaria o
povo e os pobres com justiça e equidade (Sl 72.2-4 > Lc 4.17-19); falaria em
parábolas (Sl 78.2 > Mt 13.34); oraria em favor dos seus inimigos (Sl 109.4
> Lc 23.34); o lugar do seu traidor seria tomado por outro discípulo (Sl
109.8 > At 1.20); os seus inimigos seriam subjugados debaixo dos seus pés
(Sl 110.1 > Mt 22.44); seria um sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque
(Sl 110.4 > Hb 5.6); seria a pedra angular (Sl 118.22 > Mt 21.42) e viria
em nome do Senhor (Sl 118.26 > Mt 21.9).
O
Novo Testamento diversas vezes afirma que Jesus reivindicou para si o título de
Salvador (Jo 4.26; 6.35; 8.12,18,23; 11.25; 13.13,19; 14.6), como havia sido
prometido no Antigo Testamento. Embora algumas profecias fizessem referência a
Cristo como o Rei Vindouro, Jesus permaneceu longe das tentações do poder
temporal e da política exploradora. Seu reinado seria eterno e atemporal (Jo
18.36). Seu Reino estaria no coração das pessoas e teria um alcance global (1
Co 4.20). Algumas vezes, Ele até mesmo proibiu aqueles que foram curados de
espalharem sua fama e seus feitos para que seu ministério não fosse mal
interpretado por Roma (Mt 12.16),30 ou mesmo para manter seu ministério em
caráter subversivo, sem estardalhaços nem exibicionismos (Lc 4.9). Na cruz e na
ressurreição, Jesus venceu Satanás e os poderes demoníacos que escravizavam
toda a humanidade oferecendo-nos a possibilidade da libertação e redenção. A
dimensão da vitória de Cristo é fundamental para a teologia pentecostal.
A CONCEPÇÃO DO SALVADOR
Jesus foi anunciado pelos anjos, nasceu
de uma virgem e foi celebrado entre os homens. Seu nascimento foi um divisor de
águas na história da humanidade. Aquilo que havia sido profetizado e predito de
várias formas no Antigo Testamento tornou-se realidade com o seu nascimento. A
partir do nascimento do Rei Jesus — um evento único e não repetível —, há
esperança para a humanidade e inaugura-se, assim, a chegada do Reino de Deus a
terra, ainda que de forma invisível, porém plenamente factível nos corações,
nas atitudes e nos caminhos que o ser humano pode percorrer tendo Ele como Rei.
Para alcançar essa realidade, Ele
precisou vir ao mundo. Dessa forma, Ele nasceu longe de casa, peregrinando para
Jerusalém, sem acomodações adequadas e num ambiente inóspito e extremamente
humilde. Se fosse nos dias de hoje, talvez nascesse embaixo de um viaduto. Essa
é a demonstração que Deus lançou mão para mostrar que, de fato, o Filho
abandonou sua mais extrema glória para habitar entre os homens na mais extrema
humildade e pobreza. Esse esvaziamento de Cristo (Fp 2.7) é um gesto extremo de
doação de si mesmo, comprovando que não poderia haver maior entrega do que essa
para anunciar ao mundo aquilo que Deus é: amor!
Uma pergunta que permanece quando se fala
da concepção virginal de Jesus é: “Por que isso se fez necessário?” Uma
resposta plausível é que o nascimento de Jesus é incomum no sentido de Ele ser
pré-existente; os demais seres humanos são concebidos no ato sexual entre um homem
e uma mulher; Cristo, porém, não precisou ser concebido, pois já existia como
unigênito do Pai (1 Jo 4.9) desde a interminável eternidade.31
A
protagonista principal do nascimento do Salvador foi uma mulher. As mulheres
eram consideradas uma propriedade do homem e não podiam tomar decisões a não
ser que o marido autorizasse-as a fazer algo, mas Deus, querendo mostrar a
importância e o lugar de igualdade da mulher (Gl 3.28), tomou a iniciativa de
fazer o Salvador nascer sem que Maria tivesse relações sexuais com um homem.
Dessa forma, já em seu nascimento, o Salvador estava libertando as mulheres do
pesado jugo imposto pelos homens da época. Isso corrobora com a maneira gentil
e acolhedora com que Jesus tratou as mulheres durante seu ministério.
A concepção virginal de Jesus atesta
também para a infinita graça de Deus em dar seu único filho para experimentar
as mesmas dores e dificuldades da raça humana e ser o seu Salvador, pois essa
mesma raça jamais poderia ser salva por seus próprios esforços e méritos. Assim,
o nascimento virginal do Salvador ocorre sem qualquer intervenção humana,
atestando, além da graciosidade divina, seu ato milagroso.32 Sobre isso, Gruden
escreve:
O
nascimento virginal de Cristo é um lembrete inequívoco de que a salvação jamais
pode vir por meio do esforço humano, mas deve ser obra do próprio Deus. Nossa
salvação deve-se apenas à obra sobrenatural de Deus, e isso ficou evidente bem
no início da vida de Jesus quando “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos.”33
O intercurso sem contato físico entre a
humanidade, representada em Maria, e a divindade possibilitou o nascimento de
Cristo de forma a ser Ele completamente homem e completamente Deus ao mesmo
tempo, numa paradoxal fusão e separação chamada de união hipostática. Assim,
esses elementos unidos manifestaram sua divindade e sua humanidade, tendo a
mesma substância que o constitui Deus infinitamente poderoso e a que nos
constitui humanos;34 entretanto, essa união não produz um terceiro ser como se
este fosse um híbrido humano divino, nem é uma metamorfose,35 mas, sim, um ser
divino e humano ao mesmo tempo em plena manifestação de vida pessoal.
A Declaração de Fé das Assembleias de Deus
no Brasil declara que:
As
Escrituras Sagradas apresentam diversas características humanas em Jesus. O
relato de sua infância enfoca o seu desenvolvimento físico, intelectual e
espiritual: “E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com
Deus e os homens [...]. E o menino crescia e se fortalecia em espírito, cheio
de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40,52). O profeta
Isaías anunciou de antemão sobre Emanuel: “manteiga e mel comerá, até que ele
saiba rejeitar o mal e escolher o bem” (Is 7.15). Ele tornou-se homem para
suprir a necessidade de salvação da humanidade. O termo “Emanuel”, que o
próprio escritor sagrado traduziu por “DEUS CONOSCO” (Mt 1.23), mostra que Deus
assumiu a forma humana e veio habitar entre os homens: “E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai,
cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). A Bíblia ensina tanto a divindade como
a humanidade de Cristo: “E todo o espírito que confessa que Jesus não veio em
carne não é de Deus” (1 Jo 4.3). A humanidade de Cristo está unida à sua
divindade, pois Ele possui duas naturezas, e essa união mantém intactas as
propriedades de cada natureza, o que está claramente expresso no seu nome
Emanuel.36
“O VERBO SE FEZ CARNE E HABITOU ENTRE NÓS”
Entre os títulos messiânicos da tradição
veterotestamentária e interpretados como sendo de Jesus de Nazaré, um em
particular recebe destaque: “Emanuel”, que, no hebraico, é a junção de dois
termos: immánu, que significa “conosco” e El, que significa “Deus” ou “Senhor”,
literalmente “conosco [está] Deus”. O título foi uma apropriação teológica
atribuída ao profeta Isaías, já que a expressão aparece em dois versículos e
indiretamente em um versículo. Seguem: (1º) “Portanto, o mesmo Senhor vos dará
um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu
nome Emanuel” (Is 7.14). (2º) “[...] e passará a Judá, inundando-o, e irá
passando por ele, e chegará até ao pescoço; e a extensão de suas asas encherá a
largura da tua terra, ó Emanuel (Is 8.8)”. (3º) “Tomai juntamente conselho, e
ele será dissipado; dizei a palavra, e ela não subsistirá, porque Deus é
conosco” (Is 8.10).37
O Emanuel é a garantia de que, assim como
foi com o povo de Israel, Ele também está conosco, assim como Ele mesmo
prometeu: “Eis que eu estou convosco
todos os dias, até à consumação dos séculos” (Mt 28.20). Assim se cumpre em nós
a promessa messiânica de que Ele, de fato, estaria conosco.
O apóstolo João escreveu: “E o Verbo se
fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito
do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). O verbo “habitar” (armar a sua
tenda) utilizado por João tem o mesmo sentido que o Emanuel utilizado por
Isaías, ou seja, Deus agora habita definitivamente entre seu povo através de
Cristo e de seu sacrifício na cruz. “E, se o Espírito daquele que dos mortos
ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo
também vivificará o vosso corpo mortal, pelo seu Espírito que em vós habita”
(Rm 8.11). O apóstolo Paulo refere-se à encarnação de Cristo como “aquele que
foi manifestado na carne” (1 Tm 3.16), como Ele sendo a “imagem de Deus” (2 Co
4.4), que realizou sua obra de reconciliação “no corpo da sua carne” (Cl 1.22)
e que Deus condenou o pecado na carne (Rm 8.3). Pedro afirma que Cristo morreu
por nós na carne (1 Pe 3.18; 4.1). Portanto, as Escrituras estão repletas de
confirmações de Jesus como Deus encarnado. João avisa que o espírito do
Anticristo atua naqueles que negam que Cristo veio em carne (1 Jo 4.2; 2 Jo 7).
Quando Jesus tornou-se carne, Ele assumiu
toda a humanidade com suas fragilidades próprias. Assim sendo, sua encarnação
não foi uma farsa, mas, sim, a realidade concreta de que o ser divino excelso
escolheu sentir toda a dor, toda a aflição e toda a tentação humana para, dessa
forma, socorrer-nos em nossas fraquezas (Hb 4.15) e dar-nos a salvação
“enviando o seu próprio filho em semelhança da carne do pecado” (Rm 8.3),
condenando o pecado que nos afligia na carne. A encarnação de Jesus é a
afirmação verídica de que Ele tornou-se completamente homem, mas que, ao mesmo
tempo, não deixou de ser completamente Deus (Jo 1.1-3; 10.30; Fp 2.6).
Portanto, sem ter deixado de ser Deus, Deus tornou-se homem.
A realidade de um Deus santo encarnar é
completamente anormal e impossível — é um paradoxo. Por isso, Paul Tillich
afirma que o “paradoxo cristológico [da encarnação] e o paradoxo da
justificação do pecador são um único e mesmo paradoxo — o paradoxo do Deus que
aceita um mundo que o rejeita”.38 Assim, diante da situação pecaminosa do homem
e diante da necessidade de a expiação ser feita por um ser humano perfeito,
somente uma solução foi possível: o Filho de Deus encarnar, ou seja, deixar sua
glória e majestade e tornar-se como um ser humano comum e sujeito às mesmas
falhas e erros, mas sem pecado (Lv 4.3; Hb 4.15). Para o plano de salvação ser
aceito por Deus, ele deveria ser executado por alguém que pudesse ser Deus e
homem ao mesmo tempo na função de mediador (1 Tm 2.5), alguém que pudesse
colocar-se entre Deus e a criatura pecadora e sem esperança; para ser mediador,
teria que ser Deus; para representar a humanidade, teria que ser homem. Somente
Jesus poderia preencher esses requisitos em sua automanifestação divina, demonstrando
o paradoxo de que aquEle que transcende o universo aparece no universo e está
sujeito às suas condições39 limitantes por decisão própria, embora, a qualquer
momento, pudesse utilizar seus atributos divinos incomunicáveis40 (Mc 4.39).
Para Jesus cumprir a penalidade humana,
Ele teria que morrer. Para morrer, Ele teria que ter um corpo (Jo 1.14).41
Assim, conforme afirma a Confissão de Fé das Assembleias de Deus:
A
encarnação do Senhor Jesus fez-se necessária para satisfazer a justiça de Deus:
o pecado entrou no mundo por um homem, Adão, assim, tinha de ser vencido por um
homem, Jesus. Em sua natureza humana, Jesus participou de nossa fraqueza física
e emocional, mas não de nossa fraqueza moral e espiritual.42
As duas naturezas de Jesus permaneceram
inalteradas em sua essência; são revestidas de seus atributos inerentes43 e
apresentam Jesus como uma única pessoa indivisível na qual as duas naturezas
estão unidas, constituindo uma pessoa com uma só vontade e consciência. Essa
união somente é possível por causa do parentesco do homem com Deus, ou seja,
Deus soprou no homem o seu próprio fôlego de vida, instilando nele a sua
essência e semelhança. Ele não podia tornar-se árvore ou pedra, mas podia ser
homem, pois foi feito à sua imagem. Assim como a imagem de Deus foi aviltada no
homem pelo pecado, “Cristo, a imagem perfeita de Deus segundo a qual o homem
foi feito, restaura aquela imagem perdida, unindo-se à humanidade e enchendo-a
de vida e amor divinos”.44 A possibilidade da restauração da imagem de Deus, corrompida
radicalmente pelo pecado, nos é dada novamente naquele que refletiu a perfeita
imagem de Deus.
A plenitude da divindade (Cl 1.19; 2.9)
encarnou em finitude humana na plenitude dos tempos (Gl 4.4). Isso torna
possível que nós, simples mortais e sujeitos ao pecado, estejamos cheios de
toda a plenitude de Deus (Ef 3.19) para refletir sua glória ao mundo através do
amor com que nos amamos uns aos outros (Jo 13.35).
A
encarnação foi a manifestação do Logos (Palavra) divino em Jesus como o Cristo.
Por esse motivo, a Teologia cristã transcende outras teologias, pois “nenhum
mito, nenhuma visão mística, nenhum princípio metafísico, nenhuma lei sagrada
tem a concretude de uma vida pessoal [como a de Cristo]. Em comparação com uma
vida pessoal, tudo o mais [outras teologias e religiões] é relativamente
abstrato. E nenhum desses fundamentos relativamente abstratos da teologia tem a
universalidade do Logos”.45
A encarnação da Palavra em Jesus não era
automática, mas, sim, fruto da obediência ao Pai em tudo. Jesus disse: “Eu não
posso de mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim julgo” (Jo 5.30). Para
obedecer à Palavra do Pai, Jesus teve que desobedecer às autoridades religiosas
da época várias vezes. Ele teve momentos difíceis, em que orava: “Afasta de mim
este cálice!” (Mc 14.36). Teve que pedir a ajuda dos amigos (Mt 26.38,40). Teve
que orar muito para poder vencer (Hb 5.7; Lc 22.41-46). Apesar de tudo, Ele
venceu! Ele mesmo o confirma: “Eu venci o mundo!” (Jo 16.33). Como diz a carta
aos Hebreus: “O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e
súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia. Ainda
que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hb 5.7-8).
Teologicamente, afirma-se que o
nascimento de Jesus é a sua encarnação e que sua morte é a expiação dos
pecados. Assim, a humilhação de Jesus tem início com o seu esvaziamento ao
tomar a forma de servo (Fp 2.7-8), culminando com seu sofrimento na cruz.
Portanto, sua humilhação está relacionada aos seus sofrimentos: a perseguição,
o desprezo das autoridades, a discriminação (Jo 1.46), o silêncio diante de
seus acusadores, os açoites impiedosos, o julgamento diante de Pilatos e Caifás
e, por fim, a sua morte. Em Jesus, cumpriu-se cada detalhe do Servo Sofredor
(Is 53) e, por esse motivo, devemos agir conforme o texto adiante.
E cabe
a nós, igreja, anunciar ao mundo que em Cristo há um caminho para a salvação e
para a vida abundante. Essa compreensão impele a igreja a um despertamento da
necessidade de “sair para fora” e anunciar que há um juízo, mas que também há
uma salvação em Cristo.46
Quando Jesus andou na terra, ofereceu-nos
o melhor exemplo, pois assumiu a forma humana plena e conviveu humildemente com
a fraqueza humana. Quando estava cansado, não sentiu vergonha de dormir na popa
do barco. Ele sentiu fome, chorou diante da miséria humana, do sofrimento
alheio e do seu próprio e tornou-se servo dos discípulos (Jo 13); na cruz,
porém, deu o brado final “está consumado” para que hoje pudéssemos estar
salvos. Dessa forma, devemos seguir o exemplo de humildade dEle e servir nossos
irmãos. Bastanos desfrutar dos benefícios de sua encarnação de maneira
responsável e repartir essa benção infinita com o maior número possível de
pessoas para que o Reino de Deus esteja entre os homens.
A OBRA DA
SALVAÇÃO
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
No Evangelho de João temos um retrato
inigualável de nosso Senhor. Ele é tão preciso quanto os retratos dos outros
Evangelhos, apesar de suas diferenças em estrutura e propósito. E ele nos
lembra que, em Jesus Cristo, Deus não só revelou aos judeus como seu Messias,
aos romanos como seu Homem de Ação ideal, e aos gregos como verdadeiro modelo
de humanidade. Em Jesus Cristo, Deus se revelou em seu Filho, como
absolutamente a única resposta para as necessidades mais profundas e universais
de uma humanidade perdida.
'No
princípio, era o Verbo' (Jo 1.1). É provável que João, conscientemente, tenha duplicado
as palavras de Gênesis 1.1, 'No princípio... Deus'. O 'princípio', em cada
caso, nos transporta para o passado além da Criação, em uma eternidade que só
era habitada por Deus, o agente ativo em todas as coisas que existia como Deus
e com Deus.
Isto é enfatizado no texto pelo uso do
termo em, 'era' e 'estava'. João usa este termo três
vezes neste versículo, o tempo imperfeito do verbo eimi, em vez de
uma forma do verbo egeneto, Eimi e em simplesmente
descrevem a existência contínua; ageneto significa
'tornar-se'. No princípio o Verbo, como Deus, já desfrutava de existência
infinita, sem início e sem fim. A tradução de Knox exibe o
sentido deste verbo, quando ele traduz a frase seguinte: Deus tinha o Verbo
morando consigo'" (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Culturaldo
Novo Testamento. 7.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, pp. 193,195).
SUBSÍDIO TEOLÓGICO
O
Nascimento Virginal
Provavelmente, nenhuma doutrina cristã
é submetida a tão extenso escrutínio quanto a do nascimento virginal, e isto
por duas razões principais. Primeiro, esta doutrina depende, para a sua própria
existência, da realidade do sobrenatural. Muitos estudiosos, nestes últimos
dois séculos, têm desenvolvido um preconceito contra o sobrenatural; e esse
preconceito tem influenciado seu modo de analisar o nascimento de Jesus. A
segunda razão para a crítica do nascimento virginal é que a história do
desenvolvimento de sua doutrina nos leva para muito além dos simples dados que
a Bíblia fornece. A própria expressão 'nascimento virginal' reflete essa
questão, O nascimento virginal significa que Jesus foi concebido quando
Maria era virgem, e que ela ainda era virgem quando Ele nasceu (e não
que as partes do corpo de Maria tenham sido preservadas, de modo sobrenatural,
no decurso de um nascimento humano).
Um dos
aspectos mais discutidos do nascimento virginal é a origem do próprio conceito.
Alguns estudiosos têm procurado explicá-la por meio de paralelos helenísticos.
Os enlaces que os deuses e deusas mantinham com seres humanos, na liturgia
grega da antiguidade, são alegadamente os antecedentes da ideia bíblica. Mas
essa teoria certamente desconsidera a aplicação de (Isaías 7, em Mateus 1.
Isaías 7, com sua promessa de um filho que
nascerá, é o pano de fundo do conceito do nascimento virginal Muitas controvérsias
têm girado ao redor do termo hebraico "almah, conforme usado em
Isaías 7,14. A palavra é usualmente traduzida por 'virgem', embora algumas
versões traduzam por 'jovem'. No Antigo Testamento, sempre que o contexto
oferece nítida indicação, a palavra significa uma virgem com idade para
casamento" (HÕRTON, Stanley M. 1.ed. Rio de Janeiro; CPAD, 1996, p. 322).
SUBSÍDIO ADICIONAL
Fonte: Ensinador Cristão – n° 72
Não há nada mais significativo nos
Evangelhos do que a narrativa do advento de Jesus. Com advento nos referimos ao
processo de encarnação do Deus Filho. Jesus é achado Filho de Deus em que sua
concepção foi obra do Espírito Santo. As Escrituras afirmam que Maria, sua mãe,
o concebeu virginalmente (Lc 1.26-35). Sobre esse milagre, diz o importante
documento dos primeiros cristãos: "Creio em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem
Maria" (Credo Apostólico). O Deus Trino operou na encarnação do verbo
divino!
Diferentemente dos deuses pagãos, o
Deus da Bíblia buscou se revelar à humanidade como igual com ela. Sem deixar de
ser divino e, igualmente, sem deixar de ser humano, pois as suas duas
naturezas, humanas e divinas, não se misturam nem se separam; mas antes, se
mostram como duas entidades que comungam da mesma natureza, propósito e missão.
Foi pelo Filho que o Pai se deu a conhecer de uma vez por todas (Hb 1.1). Em
Jesus, Ele se relaciona com os seres humanos de maneira amorosa, misericordiosa
e justa (Mt 9.13). Logo, por meio de Cristo, o Pai chamou um povo e revelou-se
a ele. Esse povo agora não tem mais características étnicas, geográficas ou
culturais, pois em Jesus toda a parede que fazia separação entre judeus e
gentios foi derrubada (Ef 2.14-16). A salvação anunciada pelo advento do nosso
Salvador e experimentada por milhares de pessoas ao longo da história continua
disponível hoje. É a tão bela e graciosa salvação provida por Cristo! Por isso
amamos Jesus; vivemos em Jesus; devemos estar sempre em Cristo, o autor e
consumador da nossa fé!
A Igreja Cristã, ao longo desses
21 séculos de história, crê no evento de Cristo no mundo. Tendo no advento,
crucificação, morte e ressurreição de Jesus a certeza de que é possível o ser
humano ter uma nova vida com Deus mesmo num mundo decaído, onde habita pessoas
de natureza decaída.
A Palavra de Deus revela que
fomos alcançados pela graça de Deus, um favor imerecido, uma provisão salvífica
maravilhosa e graciosa para nós. Tudo isso ocorreu a partir da obra salvífica
de Jesus prenunciada em seu advento. Assim, a partir do que em teologia
denominamos de "evento Cristo", como o apóstolo Paulo, podemos dizer:
"Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde
está, ó inferno, a tua vitória?" (1 Co 15.54,55). Cristo, o adverto
glorioso!
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