quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Lição 8 : Rute, Deus Trabalha pela Família




                             Mulher virtuosa, quem a achará?
                             O seu valor muito excede o de rubins.
                                                     — Provérbios 31.10

O livro de Rute se torna especial dentro do período em que Israel não tinha rei e a liderança do povo estava a cargo de juízes, que orientavam o povo acerca da terra, da espiritualidade e da família israelita. Uma história que teve o seu ponto de partida ainda em terra estrangeira. Houve bons juízes, mas houve péssimos juízes que provocaram divisões, crueldade, apostasia, guerra civil e vexame nacional perante as outras nações. Na verdade, a história de Rute começou em terra estrangeira, na terra de Moabe, onde ela, uma moabita, se casa com um efratita de Belém, na Judeia. Por algo misterioso da parte de Deus, havia um desígnio especial para a vida de Rute, que ela mesma não conhecia e nem podia imaginar. O seu “deus”, antes, era um “deus moabita”; depois, ela conhece o Deus de Noemi e do seu marido, e se torna uma serva de Jeová, o Deus de Israel.
Rute ganha notabilidade por ter um caráter exemplar, uma generosidade e uma fé no futuro que a sua sogra Noemi não tinha. Segundo a história de Israel, ela notabilizou-se especialmente por ter sido mãe dos melhores reis de Israel. Rute era uma estrangeira moabita que entrou na vida de Israel por seu casamento com um judeu vindo de Belém para Moabe por causa da escassez daquela terra. Dois anos depois de casada com Malon, morreram o seu sogro Elimeleque, o seu marido e o marido de Orfa, casada com Quiliom. Os três homens daquela família morrem e deixam viúvas, Noemi, Rute e Orfa. A partir de então, inicia-se uma das mais belas histórias bíblicas em que exalta o amor e a virtude de uma mulher moabita chamada Rute. É a história de um drama familiar de luto, subsistência e desesperança. É a história de uma crise generalizada de pobreza, doença, viuvez e morte. Nesse drama se destaca a tenacidade de Rute, que foi capaz de superar as dificuldades com atitudes de fé, inteligência, lealdade, persistência e esperança. E uma história que exemplifica o trabalho como o modo de suprir as necessidades primárias, mas, acima de tudo, confiando no Deus de toda provisão.

A CRISE ECONÓMICA NA TERRA DA JUDEIA
A Escassez que Provocou Fome na “Casa do Pão”

“Casa do pão” é o significado do nome “Belém Efrata”, mas toda a região de Canaã estava afetada pela escassez de grãos, especialmente trigo e cevada. A escassez da terra, ressecada, sem chuva, não conseguia dar frutos e sementes, e o povo começou a passar necessidades. O texto de Rute 1.1 diz literalmente: “houve uma fome na terra”, isto é, toda a terra da Judeia estava escassa. Faltava-lhes não só os alimentos básicos de subsistência das famílias que viviam na região, mas a terra estava desolada. Toda essa situação resultava da má liderança dos últimos juízes de Israel, que abandonaram o Senhor e tornaram-se egoístas e idólatras. Esses fatos aconteceram entre 1268 a 1251 a.C., aproximadamente.
Belém, a “casa de pão”, estava vazia, sem o pão que representava o sustento físico e material do povo. A cidade deixou de ser um celeiro de grãos para ser um lugar de escassez e fome. Havia carestia e seca por toda a parte na terra de Canaã. Mediante a displicência dos líderes e do povo de Israel para com Deus, subentende-se que a fome era a disciplina de Deus ao seu povo por tê-lo abandonado e trocado por outras crenças pagãs (Lv 26.18-20; D t 15,23,24). Naquele tempo, Israel afastou-se da comunhão com Deus e chegou a aderir aos ídolos pagãos. Nem todos agiam do mesmo modo, mas a disciplina era para todos.

A Crise de uma Família
Naturalmente, todas as famílias daquela terra foram afetadas e não foi diferente com a família de Elimeleque, sua esposa Noemi e seus filhos Malom e Quiliom. Elimeleque, certamente pai responsável pelo sustento da família, tomou uma decisão e a sua atitude foi a de mudar-se daquela região e procurar um lugar onde pudesse sustentar a família. A crise económica era um fato consumado e atingia a todos. Elimeleque agiu rápido e resolveu buscar solução para a subsistência da família em outro lugar. Em vez de ficarem parados, decidiram ir para a terra de Moabe, seguindo o caminho que lhes parecia mais racional, as terra planas daquele lugar estrangeiro.
 Como qualquer outro homem de Israel, Elimeleque conhecia ao Senhor, mas não buscou sua orientação para a decisão que tomou. Preferiu agir por conta própria, sem qualquer orientação da vontade de Deus para a sua vida. De fato, achou que não precisava de Deus naquela decisão, e tal atitude é sempre uma ameaça a uma vida de fé. Ao chegarem aos campos de Moabe, Elimeleque entendeu que estaria livre para resolver seus problemas sem precisar recorrer a Deus, mas a experiência não foi fácil. Em vez de encontrar pão, encontrou enfermidades e privações. Depararam-se com a morte e não conseguiram escapar de outras crises. Enfermidade, morte e viuvez envolveram a vida dessa família, e só restaram Noemi, a mãe, e seus dois filhos, Malom e Quiliom. Essa crise produziu na alma de Noemi uma amargura enorme. Não demorou muito tempo, seu marido falece e ela nada pode fazer. Os dois filhos, Malom e Quiliom, se enamoraram de duas jovens moabitas e casaram com elas, brilhando uma nova esperança no coração de Noemi. De repente, os dois filhos são acometidos por enfermidades e ambos morrem. Não se sabe do espaço de tempo entre uma morte e outra, mas deixaram suas esposas na viuvez. Agora eram três viúvas que, no contexto da época, teriam enormes dificuldades de sobrevivência.
 A lição que aprendermos nessa história é que, quando vivemos pelas aparências e não por fé, podemos sofrer consequências graves. Revoltamo-nos com Deus e o culpamos pelos nossos próprios pecados.

SUPERANDO AS CRISES EXISTENCIAIS
O que São Crises Existenciais?
Para entender o que se passou com Noemi e Rute, é preciso entender o significado de experimentar uma crise existencial. Segundo especialistas, “crise existencial é um momento no qual um indivíduo questiona os próprios fundamentos de sua vida: se esta vida possui algum sentido, propósito ou valor”. Outra definição diz que “crise existencial é um estado emocional em que o ser humano vê a própria vida sem sentido ou significado”. Foi essa a experiência vivida por Noemi, que, tendo perdido o marido e seus dois filhos, em sua viuvez náo via outra coisa senão a mão pesada de Deus contra ela. Rute foi mais forte, mas viveu um momento de amargura e dúvida a rondar sua cabeça sem ver alguma luz no final do túnel. Contudo, Rute foi capaz de não se deixar dominar por sentimentos negativos e ainda amenizou a amargura de sua sogra, ficando com ela e lhe dando toda a atenção e carinho.

A Crise Doentia de Noemi

Noemi chegou a um ponto de sua vida pessoal em que não via nenhuma saída racional para solucionar seu dilema. Ela estava vivendo a falta de perspectiva do que fazer para mudar aquela situação. Parecia ter chegado a um “beco sem saída” para sua vida física, emocional e até mesmo espiritual, porque havia perdido a esperança. Nossa visão da vida quando nos deparamos com crises se torna embaçada e limitada. Mas podemos superar essas crises com uma atitude de fé no Deus de toda provisão e declarar como o apóstolo Paulo, ao dizer aos romanos perseguidos em Roma: “Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31).

                 A Crise Momentânea de Rute

Vivendo o drama da solidão e da falta de recursos para subsistir, Rute teve uma crise mais leve que sua sogra Noemi. Ora, Noemi fora dominada por um sentimento de solidão. Rute chegou a ter momentos de esmorecimento ante o desafio de ter que arranjar alguma coisa para a subsistência delas duas. Noemi via a Deus como aquEle que a abandonou. Disse ela às duas noras viúvas: “[...] porquanto a mão do Senhor se descarregou contra mim” (Rt 1.13). Seus sentimentos tornaram-se amargos e não esperava mais nada, senão a morte. Porém, sua nora Rute foi capaz de superar as crises de sua casa e da sua sogra com uma visão de esperança, paciência e tenacidade para superar todas as dificuldades que viviam (Rt 1.16). Rute demonstrou possuir um caráter modelar, pois, sendo uma estrangeira e tendo uma formação pagã, ela foi sábia o suficiente para que a sua crise fosse passageira.

Noemi Decide Voltar à sua Terra

Noemi teve boas notícias da sua terra. Ouviu que o Senhor havia derramado de suas misericórdias para com o seu povo e que a terra recebeu chuvas, e o plantio de sementes de trigo e cevada frutificou, dando outra vez pão ao seu povo (Rt 1.6). Ora, Noemi, viúva, não estava só, porque suas noras moabitas, Orfa e Rute, também viuvas, ainda estavam com ela.
Noemi resolve voltar à sua terra na Judeia, pois a notícia de que a sua terra estava outra vez produzindo grãos em abundância encheu de esperança a Noemi. Até então, foram dez anos de luta e escassez na terra de Moabe. Tudo o que lhe restara era tomar o caminho de volta à sua terra na Judeia.
Noemi estava envelhecida; por isso, resolveu liberar suas noras Orfa e Rute para que voltassem às suas famílias de origem em Moabe (Rt 1.8). Orfa aceitou a liberação de sua sogra Noemi e voltou para sua família, mas Rute resolveu ficar com sua sogra (Rt 1.14-17). Noemi, não entendendo as razões do seu sofrimento até então, acreditava que Deus a estivesse castigando com todas as suas agruras vividas, mas não podia imaginar o plano presciente de Deus em todas aquelas circunstâncias. Aprendemos com o apóstolo Paulo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28, ARA).
Roger C . Palms, um associado das cruzadas de Billy Graham, contou a experiência de “um homem que foi forçado a aposentar-se antes do tempo, devido a problemas cardíacos; porém, tinha absoluta consciência de que Deus sabia exatamente o que estava acontecendo e ainda tinha suas mãos divinas sobre ele. Entendeu que Deus o estava libertando de compromissos a fim de trabalhar com enfermos hospitalizados e com pessoas idosas. Foi o início de um ministério inteiramente novo, e ele se sente muito feliz”. Noemi não podia entender o que Deus estava reservando para a sua vida dali para a frente, porque Deus não nos abandona em circunstâncias adversas. Nem ela nem Rute podiam perscrutar o futuro reservado por Deus para suas vidas.

Rute Renuncia aos Deuses dos Moabitas
e se Converte ao Deus de Israel

Foi uma reviravolta na vida de Rute. O seu amor por Noemi a fez conhecer o Deus verdadeiro, poderoso e invisível a quem Noemi servia. Ela não podia imaginar que seria mãe dos melhores reis de Israel, destacando-se Davi, na mesma linhagem que revelou Jesus, filho de Davi. Seu amor pela sogra e sua dedicação a ela tinham a ver com o conhecimento que tivera do caráter de Noemi, a despeito de todo o sofrimento que havia passado; ela fez parte da família. Quando Noemi a liberou para voltar ao seio de sua família, Rute declarou de coração aberto a ela: “o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” (Rt 1.16). Rute teve um gesto de amor exemplar para com Noemi. Sua convivência com Noemi a levou a conhecer o Deus de Noemi. Rute descobriu que o Deus de sua sogra era um Deus Vivo, que é Espírito e Verdade, e que supre as necessidades dos seus servos. Rute se apegou à sua sogra não só pelos laços familiares, mas também pela fé no Deus de Noemi.

FÉ E TRABALHO NUMA NOVA PERSPECTIVA DE VIDA

Noemi decidiu retornar à Palestina, a Belém, levando consigo Rute. As duas empreenderam uma viagem difícil para aquele tempo que distava do lugar onde habitavam uns 160 quilómetros. Tiveram que atravessar montanhas íngremes e de difícil acesso. Viajaram, não se sabe por quais meios de transporte, e suportaram as intempéries climáticas seguindo em frente. Mesmo com as dificuldades da viagem, Noemi e Rute não desanimaram até chegar a Belém Efrata (Rt 1.19).
A Bíblia diz que “o justo viverá da fé” (Rm 1.17; Hc 2.4) para que aprendamos a confiar inteiramente em Deus. Quando Noemi e Rute empreenderam a viagem para a Judeia, havia uma nova esperança em seus corações. Era uma esperança de restauração de vida e de fé. Rute se tornara uma mulher de fé e disposta a superar a crise de subsistência com confiança em Deus.

Noemi e Rute Chegam à Terra do Pão

Quando Noemi e Rute chegaram a Belém, era o começo da colheita da cevada e do trigo, e Noemi pôde constatar que o Senhor havia visitado o seu povo, dando-lhe páo em abundância. Entenderam as duas mulheres que não passariam mais fome, mas que, de algum modo especial, elas estariam provisionadas de trigo e cevada.
Entretanto, a chegada das duas mulheres viúvas alvoroçou a cidade de Belém, e os antigos conhecidos de Noemi queriam saber o que havia acontecido com sua família. Noemi ainda era uma mulher amarga com as duras experiências passadas em Moabe e preferia ser chamada “Mara”, cujo significado no hebraico é “amarga” (cf. Ex 15.23). Noemi sabia que a sua volta como mulher pobre, sem marido, era o fruto do pecado de tomar decisões precipitadas sem consultar a Deus. Além de ter permitido seus filhos se casarem com mulheres pagãs. Ela tinha consciência do seu pecado, mas nunca foi capaz de reconhecer isso e confessá-lo a Deus.
Noemi sabia apenas reclamar, considerando-se vítima daquela situação; por isso, achava-se ser uma pessoa de vida amarga que havia saído com recursos financeiros, mas volta completamente pobre. Sua queixa se resumia a declarar que o Todo-Poderoso, o “El-Elyon”, o “EI -Shaddai”, o Deus Onipotente, parecia tê-la abandonado. Entretanto, o Deus El-Elyon não é vingativo nem se compraz no sofrimento do seu povo. Acima de tudo e apesar de tudo, Ele estava no comando da vida de Noemi para um propósito maior do que ela jamais podia imaginar. Sua humilhação e tristeza foram transformadas em alegria e recuperação das perdas até então.

Rute Ajuda Noemi a Recuperar sua Autoestima

A grande bênção na vida de Noemi foi ter Rute consigo nessa trajetória da vida. Quando elas chegaram a Belém, toda a cidade se comoveu por elas por causa da sua pobreza. Noemi ainda estava cabisbaixa e com sinais de amargura, culpando a Deus pelo seu estado de pobreza (Rt 1.20), ainda que soubesse que estava colhendo o fruto de seus erros juntamente com seu marido quando foram para Moabe (Rt 1.21).
Porém, Deus permitiu que a estrangeira convertida ao Deus de Israel se tornasse a o canal da bênção de recuperação para Noemi. Rute deu uma demonstração de carinho e amor por Noemi que a fez entender que ainda havia esperança. Elas haviam chegado no “principio da sega das cevadas” (Rt 1.22), ou seja, quando a colheita de cevada estava começando.
 Em Moabe a situação era precária; mas agora, em Belém, havia esperança de “não faltar nada” para ambas. Rute usou sua perspicácia para suprir a necessidade da casa sem precisar roubar ou matar. Ela apenas agiu com ética e respeito, e fez Noemi entender que Deus cuidaria delas e não faltaria nada. Sua atitude de ânimo contribuiu para que Noemi levantasse a cabeça e melhorasse sua autoestima.

Rute Trabalha com Afinco Apanhando Espigas

Não há dúvidas de que a providência divina daria às duas mulheres a oportunidade de restaurar a situação precária com que chegaram à cidade. Noemi e Rute não sabiam que faziam parte de um projeto divino, com o qual se cumpririam as promessas de Deus feitas a Abraão (Gn 12.1-3). Com a experiência dessas mulheres aprendemos que, se quisermos que Deus trabalhe em nossa vida e participe de todas as nuances imprevisíveis da nossa trajetória, precisamos cumprir os requisitos que viabilizam os seus propósitos.
Rute aprendeu que a relação com Deus envolve fé, e a fé sem obras é morta (Tg 2.20). Ela acreditava que Deus a amava porque o recebeu como Deus e Senhor de sua vida, então supriria suas necessidades. Sendo estrangeira, ela estava numa posição bastante vulnerável. Por isso, precisava agir com cautela quando resolveu ir para um campo de cevada que pertencia a um parente de Elimeleque. Ela tinha que agir reconhecendo-se pobre, e, por isso, podia ajuntar espigas que os segadores deixavam para trás na sua colheita. Era uma prática permitida e concedida aos pobres pela lei mosaica (Dt 24.19-21).
Nosso país vive um momento de crise económica, e a falta de trabalho, ou seja, emprego, é uma realidade vivida pelo povo. Mas as pessoas que querem trabalhar buscam, de algum modo, algum trabalho que lhes dê condições de sobrevivência.
Rute não cruzou os braços esperando que os alimentos lhe viessem às mãos. Ela, com fé e disposição para trabalhar, saía cedo de casa e passava o dia inteiro juntando espigas até juntar um tanto suficiente que pudesse levar para casa. Sua diligência no trabalho e sua perseverança em ajuntar espigas e grãos chamou a atenção de Boaz, o dono daquele campo. Boaz ficou admirado com simpatia e a disposição daquela jovem que não media esforços para conseguir grãos para ela e sua sogra Noemi. O trabalho dignifica o trabalhador, e Rute demonstrou sua lealdade e beneficência para com sua sogra.

Rute É Honrada pelo Trabalho no Campo de Boaz

Ainda que viúva, Rute era uma mulher livre e desimpedida. Ela podia casar-se outra vez. Numa manhã, quando foi ao campo para juntar espigas depois que os colheiteiros tivessem colhido o principal da colheita daquele campo, Rute, confiante e disposta para um dia de trabalho, não podia imaginar que encontraria o dono do campo, que se chamava Boaz. Ele ficou admirado por essa mulher e até certo ponto enamorou-se dela, mesmo não tendo dito qualquer palavra. Era um homem respeitável, e ela tinha atitude modesta, mas achou graça perante ele Rt 2.2,10,13).
Boaz era um homem bom e temente a Deus. Procurava ser justo com seus empregados (Rt 2.4). Ao perceber o esforço daquela mulher, Boaz perguntou aos seus trabalhadores quem era ela. Ao ter informações acerca de Rute, discretamente Boaz procurou ajudá-la, ordenando aos seus homens que fossem amáveis com e não a aborrecessem, porque se tratava de alguém especial.
Rute se dispôs a trabalhar pelo seu sustento e da sua sogra Noemi (Rt 2.7), e foi convidada por Boaz a que colhesse o seu trigo e cevada seguindo os homens e outras mulheres que trabalhavam para ele, mas colhesse apenas do seu campo, não fosse a outro. Foi um convite a que descansasse na casa de descanso dos seus trabalhadores. Ela foi abençoada por ser uma mulher de iniciativa e persistência, porque acreditava na força do trabalho para conseguir o que buscava. Ela náo teve medo de correr riscos (Rt 2.2), mas foi determinada e disposta para alcançar o sucesso desejado. Por isso, Boaz, ao descobrir essa estrangeira simpática e generosa, e tendo conhecimento da generosidade dela para com Noemi, ofereceu seu campo, sua proteção e se tornou o provedor de Noemi e Rute.
Nos desígnios divinos, não foi por acaso que Rute entrou no campo que pertencia a Boaz. Havia um direcionamento de Deus na sua vida porque ela aprendera a confiar no Deus de Israel e já conhecia a história de um passado de escassez, mas que tinha naquele momento de sua vida a volta da bênção da prosperidade a Israel.

RUTE ENCONTRA 0 REMIDOR DA FAMÍLIA
Rute Descobre o seu Remidor

A descoberta do remidor da herança familiar de Noem i é uma demonstração da graça de Deus, especialmente, para Rute. Ela, como mulher estrangeira, pobre e viúva, não tinha condições de reivindicar qualquer tipo de direito a quem quer que fosse, porque sua posição era inferior na sociedade da época. Mas Rute, antes de tudo, alcançou graça para com Boaz, porque era homem justo e bom para com as pessoas em torno de si. Procurava ajudar a todos. Era um homem diferente. Na t ipologia bíblica, Boaz é apresentado como um tipo de Cristo na sua relação com a Igreja, um tipo de Rute. Ela era uma estrangeira, pobre e carente até encontrar Boaz, que se tornou o seu remidor, assim como Cristo é o nosso Redentor que, sendo rico, se fez pobre para nos fazer ricos e herdeiros das suas riquezas (2 Co 8.9).
Quando Rute se dispôs a apanhar restos das espigas deixadas pelos empregados de Boaz, descobre que Boaz era parente de Elimeleque e, por lei, ele podia redimir essa herança para que a mesma ficasse dentro da família e a viúva não ficasse desamparada. Rute gozou da confiança de Boaz e comeu até fartar-se de sua mesa, mas não se esqueceu de Noemi. Ao voltar para casa, trouxe consigo muito mais do que havia colhido, porque Boaz lhe concedeu algumas medidas a mais. Noemi ficou feliz, mas perguntou-lhe onde havia colhido tanto. Rute contou- -Ihe tudo quanto havia acontecido e a benevolência de Boaz, senhor daquele campo. Ela havia se comportado com prudência e delicadeza sem que nada a desabonasse moralmente.

Boaz se Dispõe Remir a Rute, a Moabita

Havia alguns entraves para que Boaz pudesse remir aquela herança à sua origem porque a mesma estava nas mãos de outra pessoa. Seguindo os costumes do povo na tomada de decisões que requeriam consenso, Boaz foi para a porta da cidade, onde se reuniam os anciãos do povo na forma de um júri, os quais julgavam as causas do povo. O remidor por direito era outro homem, porque aquela parte da terra que pertencia a Elimeleque havia sido vendida e não pertencia a Boaz. No entanto, interessado em Rute, Boaz se dispôs a casar-se com ela para adquirir o direito de remissão daquela parte da herança. Visto que Rute era viúva do filho de Elimeleque, Boaz explicou aos anciãos da cidade e os convenceu desse direito, solicitando que o antigo dono vendesse aquela terra a Boaz. Mais que isso, Boaz redime à Rute a herança, pagando o preço daquela terra e o direito de resgate da viúva. Boaz se casa com Rute, e o antigo remidor entendeu que a redenção do campo e o direito de viúva do filho falecido de Noemi era conquistado por Boaz.

Rute Deseja Ser Remida por Boaz

No livro de Levítico, foi estabelecida por Moisés a lei do parente resgatador (Lv 25.23-34) e em Deuteronômio 25.5-10 foi estabelecida a lei sobre o casamento de levirato. Segundo a Escritura relata, o objetivo dessas leis era o de preservar o nome e proteger a propriedade familiar. Para não haver exploração das terras, especialmente pelos ricos, que poderiam se aproveitar dos pobres e das viúvas, essas leis foram estabelecidas. Eram leis que garantiam o nome da família do homem que morreu depois de sua morte. Por isso, a propriedade não seria vendida para pessoas que não fizessem parte da família. Lamentavelmente, Israel, algumas vezes esqueceu-se de Deus e de suas leis, desrespeitando essas leis e buscan­do apenas o interesse próprio. Muitos do povo não respeitavam mais qualquer direito adquirido (1 Rs 21; Is 5.8-10; Hc 2.9-12; 2 Cr 36.21).

Quando Noemi ouviu os fatos sobre o interesse de Boaz por Rute e que a tratou com tanta bondade, apelou, então, para uma tradição sobre costume do “parente remidor”. Seria um modo de Boaz remir a ambas da pobreza (Rt 3.1-18). Noemi instruiu Rute para que se preparasse com vestes e perfumes e, discretamente, sem que Boaz soubesse, fosse deitar-se aos pés dele sem que percebesse a sua presença. Cerca de meia-noite, Boaz estremeceu em sua cama quando viu que Rute estava deitada aos seus pés (Rt 3.8,9). Não se constitui nenhum ato delituoso nem sensual, porque ela estava protegida pelas leis que regiam o costume que envolvia o papel do remidor para com aquela mulher que estava viúva, e o seu marido era parente de Boaz. Pedir que ele estendesse uma aba de sua coberta sobre ela significava que ele a estaria protegendo.
 Entretanto, ele teria que negociar com o outro homem que era o dono daquela parte da terra que pertencera a Elimeleque e seus filhos. Depois de buscar conselho com os anciãos da cidade, Boaz negociou com o homem, comprando aquela terra, pagando o preço justo conforme prescreviam as leis que regiam sobre o resgate de propriedades.
No capítulo 4 do livro, Boaz se casa com Rute, tornando-se o seu remidor e ainda mantendo sob proteção a Noemi. Legitimamente, Boaz e Rute se casaram sob as bênçãos de toda a comunidade de Belém. No devido tempo, Deus deu a Boaz e Rute um filho, a quem deram o nome Obede, e este gerou a Davi, o grande rei de Israel.
Rute, a moabita, entra na genealogia de Jesus. Ora, de uma mulher moabita, convertida ao Deus de Israel, veio a se tornar bisavó de Davi. Quando Jesus foi manifestado na terra, tornou-se conhecido como o “filho de Davi” (Mt 1.3-6), formando os elos da linhagem do Messias desejado por todos os judeus até o dia de hoje.

CONCLUSÃO

Essa mulher gentia obteve fé suficiente para servir de exemplo aos que aspiram a um emprego nesses tempos difíceis. Rute teve perdas enormes: o sogro, o cunhado e o marido. Além dessas perdas, sua sogra Noemi tornou-se uma mulher amargurada, mas ela soube superar essas perdas sem perder a esperança de que sua felicidade poderia se construída sobre valores maiores do que riqueza material. Rute não se deixou seduzir pelo fascínio de ser mulher bonita e conquistar marido rico, mas firmou sua mente na busca de um trabalho honesto que lhe desse tranquilidade. Deus honrou seu trabalho, do qual sustentou a si mesma e a casa de sua sogra Noemi.

A história de Rute é uma historia que referenda o trabalho, a fé e a persistência como elementos de realização pessoal e vitória espiritual.

                                                      
                                                     


I.    Significado do Nome

No hebraico, Rut, na Septuaginta Routh. Embora haja estudiosos que dão a esse nome próprio feminino o sentido de “companheira”, outros preferem pensar que o significado do nome é desconhecido.

No cânon hebraico, o livro de Rute faz parte de sua terceira seção, os hagiógrafos. Olivro era um dos cinco rolos (no hebraico, megilloth), cada um dos quais usado em uma das cinco principais festividades de Israel. O livro era lido por ocasião da festa das Semanas ou Pentecostes. Entretanto, na Septuaginta, na versão latina da Vulgata, e na Bíblia portuguesa, o livro de Rute vem imediatamente depois de Juízes. E essa arrumação parece historicamente lógica, porque o autor situa sua narrativa dentro daquele período da história de Israel, ao dizer logo no início da obra: “Nos dias em que julgavam os Juízes...” (Rute 1.1).

O livro gira principalmente em torno de sua heroína, Rute, a moabita. O nome dela aparece treze vezes na Bíblia, doze no próprio livro de Rute, e uma vez em Mat. 1.5, dentro da genealogia do Senhor Jesus Cristo. Aliás, por três razões principais a heroína, Rute, merece figurar como uma das grandes personagens femininas da Bíblia: 1. O romance de sua vida e de sua fé no Deus de Israel, Yahweh. 2. O fato de ter sido bisavó de Davi, o grande rei de Israel. 3.O fato, consequente do anterior, de ter sido uma das antepassadas do Senhor Jesus. Na genealogia de Cristo, no livro de Mateus, há menção a quatro mulheres: Tamar, nora de Judá; Rute; a que fora mulher de Urias, Bate-Seba; e Maria, Sua mãe. Tamar era cananeia. Bate-Seba e Maria eram israelitas. Mas Rute era moabita. E bastaria esse fato para tomá-la uma figura estranha, porquanto Deus havia decretado que nenhum moabita faria parte do povo de Israel. Lemos em Deuteronômio 23.3: “Nenhum amonita nem moabita entrará na assembleia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na assembleia do Senhor, eternamente”. Portanto, seu casamento com Quiliom e, posteriormente, com Boaz, e dessa vez, na terra de Israel, têm de ser atribuídos a duas causas: ou esses israelitas afrouxaram na proibição acerca dos moabitas ou, então, Rute mereceu ser uma exceção à regra, devido à sua excelência de caráter. Quanto à Rute, ela se integrou perfeita-mente ao povo de Israel, o que transparece, acima de tudo, em sua famosa declaração à sogra, Noemi: “Não me instes para que te deixe, e me obrigues a não te seguir; porque aonde quer que fores, irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; e teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” (Rute 1.16).

II. Pano de Fundo

A origem racial de Rute faz parte do pano de fundo da narrativa. Ela pertencia a um dos povos cuja entrada na comunidade de Israel era vedada até a décima geração (ver Deu. 23.3). Os dois primeiros capítulos do livro armam palco para a introdução de Rute na vida e história do povo de Israel. Havendo uma época de escassez de alimentos em Judá, um habitante de Belém de Judá migrou para a terra de Moabe (não muito distante), levando consigo sua esposa e seus dois filhos solteiros. O chefe da família chamava-se Elimeleque. Seus familiares eram Noemi, sua esposa, Malom e Quiliom (ver a respeito de todos esses nomes no Dicionário). Elimeleque faleceu em Moabe. Agora a família de Noemi era composta de somente três pessoas, ela mesma e seus dois filhos rapazes. Mas, como é natural, eles se enamoraram de duas jovens moabitas, com as quais acabaram se casando: Malom com Orfa, e Quiliom com Rute. Alegria de Noemi, porém, já amargurada com sua viuvez e distante de sua terra, não durou muito. Menos de dez anos depois, seus dois filhos, Malom e Quiliom, também faleceram. Agora, a família estava em situação difícil como nunca, pois eram três viúvas numa só casa, uma já idosa e as outras duas ainda bem jovens, ambas sem filhos. A situação da mulher na antiguidade era da mais total dependência ao homem. Se não houvesse homem que tomasse conta dela, e se ela não tivesse recursos próprios, geralmente, ficava reduzida à mais abjeta situação. Se fosse viúva, então, seu estado piorava mais ainda. Muitas mulheres nessas condições só dispunham de uma solução: entregar-se à prostituição. Era insustentável a situação de Noemi em Moabe. Então ela resolveu voltar à sua terra, velha e amargurada, sem marido, sem filhos, sem netos, com duas noras viúvas... e moabitas!

Noemi sabia das dificuldades que as três enfrentariam, mesmo em Israel. Por isso, no caminho, tentou convencer suas duas noras moabitas a retornar à terra delas, onde poderiam casar-se de novo. Orfa, viúva de Malom, resolveu atender às instâncias de sua sogra e desistiu de continuar viagem. Mas Rute, como já vimos, não quis afastar-se dela, disposta a compartilhar as durezas da vida diária de mulher estrangeira e viúva na terra de Israel, na época dos Juízes, período extremamente conturbado para o antigo povo de Deus, conforme toma consciência todo leitor do livro de Juízes.

Assim, apreensivas quanto ao presente e ao futuro, as duas mulheres finalmente retornaram a Belém de Judá. Os anos se tinham passado, e Noemi envelheceu. Mas os habitantes da cidade ainda se lembravam dela. Desoladas diante da situação de Noemi e Rute, as mulheres judias perguntavam: “Não é esta Noemi?”. E ela, muito triste e amargurada de espírito, respondia: “Não me chameis Noemi (no hebraico, “agradável”), chamai-me Mara (no hebraico, “amarga”), porque grande amargura me tem dado o Todo-poderoso” (Rute 1.20). Todavia, o Senhor é Aquele que fere e cura a ferida, e o futuro próximo traria a Noemi perenes alegrias, como ela nem imaginava. O amargor e a desesperança de Noemi cederiam lugar à satisfação e ao senso de realização, conforme se vê no decorrer da história.

Um dado interessante aparece no último versículo do primeiro capítulo do livro: Noemi e Rute “chegaram a Belém no princípio da sega das cevadas”. Esse informe permite-nos saber que a seca terminara em Judá — os campos estavam novamente floridos e produtivos. E também faz-nos saber que elas chegaram em abril/maio. Na Palestina, era a primavera! Semanas mais tarde começaria a colheita do trigo e do linho. De acordo com Lev. 23.10,11, no mês de abib , mais ou menos correspondente ao nosso abril, ocorreria a entrega das primícias do campo. Portanto, tudo era festivo em Israel. Somente Noemi guardava no coração sua profunda tristeza. Mas, para Rute, as coisas começavam a perder os tons sombrios e iam-se tornando róseas e promissoras!

Havia um parente rico de Elimeleque, falecido marido de Noemi. O nome desse parente era Boaz . Era o tempo da sega das cevadas, e Rute desejou ser uma das segadoras. Com a permissão de Noemi, ela foi. E “por casualidade” entrou na parte do campo plantado que pertencia a Boaz. Nessa casualidade, entretanto, podemos ver a mão de Deus, que controla desde os movimentos das estrelas até o vôo dos pássaros. Quando Boaz veio ver como ia a colheita, pôs a vista em Rute e perguntou ao encarregado: “De quem é esta moça?”. E a resposta que recebeu foi: “Esta é a moça moabita que veio com Noemi da terra de Moabe” (Rute 2.5,6). Imediatamente Boaz interessou-se por ela, posto que com grande discrição e respeito, chamando-a de “filha”. De fato, a diferença de idade entre os dois era bastante grande. Embora viúva, Rute provavelmente ainda não havia chegado aos vinte 25 anos, pois, na antiguidade, as mulheres casavam-se muito jovens. Boaz, entretanto, conforme a história nos permite depreender, já era homem maduro. O segundo capítulo do livro permite-nos ver com que carinho Boaz tratou Rute. Não há que duvidar que ele sabia que ela era nora de Noemi, viúva de Elimeleque, um parente seu, já falecido. Mas, sem dúvida, também sabia que Rute havia aceitado o povo de Israel como seu povo, e o Deus de Israel como seu Deus! Além disso, por que haveriamos de pensar que Rute fosse feia e sem graça?

Quando Rute contou à sua sogra, Noemi, onde estivera trabalhando durante todo aquele dia, estampou-se um sorriso na enrugada fisionomia da velha judia. E Noemi disse, triunfante: “Esse homem, esse Boaz, é um dos nossos parentes chegados. Ele é um dos nossos possíveis resgatadores” (ver Rute 2.20).

Encontramos ali menção à lei mosaica do parente-remidor .O parente-remidor tinha varias obrigações: cuidar dos membros necessitados de sua família mais imediata e mais remota, saldar as dividas incorridas por esses membros, e fazer tudo em favor do bem-estar deles, incluindo o dever de ser o vingador do sangue. Ver Deu. 25.5-10; Lev. 25.25-28,47-49; Núm. 35.19-21. Esse aspecto será ventilado com maiores detalhes na seção VII, Teologia do Livro. Por enquanto, diremos apenas que a “redenção” é um dos temas-chaves do livro de Rute. Ora, tudo isso mostrou a Noemi que a mão do Senhor estava com ela e com sua nora, afinal de contas! A esperança brilhava cada vez mais intensamente para as duas!

Diante de um protetor da qualidade de Boaz, por que Rute procuraria outra ocupação? Por isso mesmo, o segundo capítulo do livro termina com esta informação acerca de Rute: “Assim passou ela à companhia das servas de Boaz, para colher, até que a sega da cevada e de trigo se acabou, e ficou com a sua sogra”.
O terceiro capítulo do livro de Rute é muito romântico. Narra o namoro entre Boaz e Rute. Noemi agiu como cupido, instruindo a nora viúva sobre como comportar-se de modo que atraísse a atenção de Boaz, sem também mostrar-se vulgar. Esse capítulo do livro é interessante porque nos mostra antigos costumes sociais na antiga nação de Israel, uma época romântica e repleta de mesuras e respeito, que nunca mais voltará. Há muitos lances, inclusive aquele de outro parente ainda mais chegado que Boaz, que contudo não quis cumprir o seu dever de parente-remidor. Penso que somente a própria leitura do livro será capaz de descortinar, para o leitor o véu do tempo, a fim de que penetre naquela atmosfera para nós tão diferente. Eram outros tempos, e as pessoas não se sentiam ameaçadas de extinção repentina, em face de uma explosão atômica. Havia muito respeito pelos sentimentos das pessoas. É verdade que os tempos em Israel eram conturbados, e Israel só conseguia sobreviver graças às intervenções divinas, quase sempre miraculosas. Mas Boaz era um nobre de sua época e todas as suas ações refletem sua condição social.

III. Autoria

O livro é anônimo, isto é, seu autor não se identifica. Segunda uma tradição judaica, o autor do livro de Rute foi o profeta Samuel. Outros opinam, todavia, que isso é improvável, porque o trecho de Rute 4.17,22 menciona Davi, o que já implica uma data posterior. No entanto, alguns intérpretes defendem a autoria de Samuel, argumentando que essas notas sobre Davi foram adicionadas por algum editor posterior. Além disso, os filólogos ajuntam que o estilo literário do livro, em seu original hebraico, sugere que a obra tenha sido escrita durante o período da monarquia de Israel. Voltam à carga os que defendem a autoria de Samuel, apelando para o Talmude (Baba Bathra, 14), que diz que os livros de Rute, Juízes, I e II Samuel devem todos ser atribuídos a Samuel, embora ele só possa ter sido o cronista do âmago histórico dessas obras, ao que editores posteriores vieram juntar suas anotações e acréscimos. Mas, conforme temos insistido no tocante a outros livros do Antigo Testamento, questões como autoria e data de composição não são de primária importância. O que realmente importa é a mensagem do livro, dentro do fluxo da história revelada. Entretanto, estas questões secundárias dão margem a intermináveis discussões e debates, que não levam a coisa alguma, visto que, em muitos casos, a própria Escritura não nos fornece tais dados, e tudo quanto se possa dizer será dito por inferência, ou mesmo por pura especulação.

IV.    Data

A questão da data da composição do livro está presa à questão da autoria, como é lógico. Todavia, o livro de Rute pelo menos fornece-nos um indicio seguro quanto à questão da data. Visto que em Rute 4.17-22 Davi aparece como rei e, sabendo-se que Davi só se tornou o segundo monarca de Israel após a morte de Samuel, por isso mesmo o livro deve ter sido escrito após a epoca daquele profeta. Se aceitarmos as datas extremas de Samuel como 1170-1060 A.C., então teremos de datar o livro de Rute depois disso. Todavia, a questão tem suscitado muitos debates, com a apresentação de argumentos especiais. Procuraremos mencionar aqui os mais pesados desses argumentos.

a.    A inclusão do livro de Rute entre os Hagiógrafos (ou Escritos), de acordo com o cânon hebraico, não determina necessariamente uma data posterior para a obra. O livro pode ter sido colocado ali devido ao fato de que era um dos cinco livros lidos nas festividades judaicas tos Megillotrr).

b. Alguns aramaismos e outras formas literárias posteriores têm levado certos eruditos a aceitar uma data pós-exílica para o livro. Mas esse argumento é rebatido por outros estudiosos, que afirmam que os aramaismos podem ser vistos nos livos da Bíblia desde o período mosaico, e isso anula (possivelmente) esse argumento.

c. Aqueles que dizem que o livro de Deuteronômio é uma cora posterior, pertencente ao século VII A.C., e não ao período mosaico propriamente dito, também argumentam que o livro de Rute não pode ser posterior a Deuteronômio 23.3, onde se encontra a proibição da aceitação de amonitas e moabitas na comunidade judaica. Esse argumento, porém, depende inteiramente da data da composição do livro de Deuteronômio. E a opinião dos autores da teoria do J.E.D.P.fS.) , que envolve o livro ce Deuteronômio (D), dizendo que ele é de composição tardia, em relação aos demais livros do Pentateuco, cada vez ma.s cai no descrédito. A maioria dos eruditos continua atribuindo a Moisés a autoria do Deuteronômio. E isso arrasta novamente mais Dara a antiguidade a data da composição do livro de Rute.

d. É verdade que a pureza do hebraico, que se vê no livro de Rute, quanto à gramática e ao estilo, aponta para uma data pré-exílica. Mas pré-exílica aié que ponto? O outro extremo é obtido graças à genealogia que se encontra em Rute 4.18-22, à menção a Davi e a explicação acerca de um costume antigo, em Rute 4.7. Isso nos mostra que a época da composição do livro deve ter sido aDos a subida de Davi ao trono de Israel.

e. Uma aproximação talvez maior é obtida levando-se em conta a falta de hostilidade contra os moabitas. Não há necessidade alguma de apelar cara Deu. 23.3, quanto a essa amizade entre israelitas e moabitas. Pois, nos primeiros anos de Davi, não havia hostilidades entre Israel e Moabe, conforme se aprende em I Sam. 22.3,4, embora esse quadro seja um tanto negado em II Sam. 8 2,12 (trechos que o leitor deve examinar para que entenda a força desse argumento). Todavia, sabe-se que mais tarde, ainda durante o período monárquico dividido, quando a nação oe Israel já se havia separado em duas -Israel (ao norte) e Judá (ao sul) -, houve hostilidades entre Israel e Moabe. E os profetas posteriores chegaram a ameaçar os moabitas, conforme se vê, por exemplo, em Isa. 15 e 16; 25.10; Jer. 9.26; 25.21; 27.3 e Eze. 25.8-11.

Levando-se em conta todos esses argumentos, embora não se possa precisar uma data exata para a composição do livro de Rute, pelo menos pode-se afirmar, com alguma segurança, que ele deve ter sido escrito no começo da monarquia de Israel unida, nos dias de Davi ou Salomão.

V.    Propósito do Livro

O propósito do livro de Rute também depende, em muito, da data da sua composição. Na opinião de muitos estudiosos, pelo menos o principal propósito dessa jóia literária sagrada de Israel é servir de elo de ligação entre o conturbado período dos Juízes, “... quando não havia rei em Israel...” (Juí. 21.25), e a monarquia, sobretudo o governo perenemente decantado de Davi, o maior de todos os monarcas de Israel. Que rei não tem sua genealogia? O livro de Rute, pois, preenche um período histórico que formaria um hiato misterioso e obscuro sem ele. Contudo, talvez nenhum outro livro do Antigo Testamento dos menos volumosos, na opinião dos eruditos, tenha tantos propósitos, conforme se pode observar na lista a seguir:

a. Para alguns seria uma novela sem valor histórico, um relato idílico em tomo de personagens com nomes bem escolhidos: Rute, “companheira”; Noemi, “agradável”; Mara, “amargurada”; Malom, “enfermidade”; Quiliom, “desperdício”; Orfa, “teimosa”; Elimeleque, “Deus (El) é rei”; Boaz, “préstimo”. No entanto, o próprio livro apresenta-se como uma obra histó-ica (Rute 1.1), não havendo evidências de anacronismo.

b. Para outros, o livro quis mostrar como uma moabita foi incluída na linhagem ancestral de Davi. O clímax da narrativa do livro e atingido quando Rute dá à luz a Ooeae (no hebraico, “servo"). Obede foi pai de Jessé, e Jessé foi o genitor de Davi! Contudo, alguns pensam que esse propósito é pequeno demais, e que deveríamos incluir algo mais.

c. Um apelo para que se desse continuidade à lei do levirato. Essa lei impedira a extinção de uma importante família em Judá. E isso de mistura com sentimentos humanitários para com Rute, uma estrangeira, moabita, viúva, desamparada, sem filhos, mas que aceitara tomar-se parte integrante do povo de Israel. Assim pensam outros eruditos.

d. Há quem creia que o livro foi escrito como um tratado pós-exílico a fim de combater o estreito exclusivismo dos judeus, introduzido por Esaras e Neemias. Destaca-se, então, o estatuto deles contrário a casamentos de mulheres estrangeiras com homens judeus. Todavia, há fortes razões para não se aceitar essa opinião. A canonicidade do livro dependeu, em grande escala, de judeus que eram herdeiros espirituais de Esdras e Neemias, pelo que, se esse tivesse sido o propósito do livro, eles o teriam rejeitado. Conforme dizem alguns comentadores, a possibilidade de uma guerra literária em torno de questões ideológicas é muito duvidosa naquele período tão remoto.

e. Outros pensam que Rute é o modelo mais fulgurante de proselitismo. Assim também disseram rabinos posteriores. Lembremos que ela rompeu definitivamente com o seu próprio povo, tornando-se leal à nação e à religião que preferiu adotar. Não há que duvidar que esse motivo é forte no livro de Rute.

f. Talvez não devêssemos pensar em um único propósito abrangente. O livro de Rute foi preservado por seus próprios méritos, como reflexo da providência abrangente e amorosa de Deus, que condescende em dirigir a vida simples de pessoas como Noemi e Rute. A história é muito consoladora para os desesperançados, desolados e destituídos de seus entes queridos. Também não podemos esquecer o papel de Boaz como o parente-remidor, um tipo do nosso grande Parente-Remidor, o Senhor Jesus Cristo, que nos remiu da servidão ao pecado ao preço de Seu próprio sangue vertido. Se a isso ajuntarmos que o livro serviu de importante elo na corrente histórica do povo de Israel, na história da redenção, então teremos penetrado na mente e no coração do autor sagrado, fosse ele quem fosse, dirigido como estava sendo pelo Autor maior o Espírito de Deus. Há muitas lições preciosas no livro de Rute. Elas nos fazem lembrar do que diz Paulo, em uma de suas epístolas: “Pois tudo quanto outrom foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Rom. 15.4).

VI. Canonicidade

A canonicidade do livro de Rute nunca foi posta em grande dúvida. Nem pelos judeus, que não tardaram em incluí-lo entre seus livros mais conhecidos, lido que era anualmente, publicamente, durante a festa das Semanas ou Pentecostes. Josefo (Contra Apoio 1.8) aparentemente contou Rute juntamente com o livro de Juízes, tal como reuniu Lamentações com Jeremias, perfazendo assim vinte e dois livros, segundo o cânon hebraico. Jerônimo, um dos pais da Igreja, também indica, no seu Prologus Galeatus, que os judeus juntavam Rute com Juízes, embora também tivesse dito que outros punham Rute e Lamentações entre os hagiógrafos. Esta última disposição do livro, dentro do cânon, foi feita na sinagoga judaica, embora não se saiba quando nem por quê. Isso é o máximo que se pode dizer sobre a história do cânon hebraico quanto ao livro de Rute. Dentro do cristianismo, o livro também nunca viu sua canonicidade ameaçada em nenhum sentido.

VII.    Teologia do Livro

Quando Abraão foi abençoado por Deus, o Senhor decretou: “... em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gên. 12.3). Esta promessa permanece de pé, para os judeus, sempre que eles se conservam obedientes ao Senhor e entendem sua missão na terra. É claro que a bênção mais definitiva chega a todos os povos da terra por meio de Jesus Cristo, descendente de Boaz e Rute. No entanto, muitos judeus, em cada geração, mas especialmente em certos períodos de sua história, têm esquecido esse fato e sido até exclusivistas e xenófobos. O livro de Rute, pois, ensina o erro desse exclusivismo judaico, sem dúvida uma das atitudes de defesa à qual eles apelam quando muito perseguidos. O amor de Deus é universal, englobando todos os povos. A história de Rute, a moabita, veio ilustrar exatamente isso. Ela foi um exemplo vivo da verdade de que a participação no reino de Deus não depende de carne e sangue (pois ela era moabita, estando vedada sua entrada na comunidade de Israel por dez gerações) e, sim, em face da “obediência por fé” (Rom. 1.5). Ela aceitou de todo o coração ao povo de Deus e ao Deus do povo de Israel. Mas Deus a aceitou de tal maneira que ela se tornou antepassada não somente de Davi, mas do próprio Cristo!

Boaz, por sua vez, é o grande tipo de Redentor, no livro de Rute. De fato, como já dissemos, a “redenção” é o conceito central do livro. O termo hebraico correspondente, em suas várias formas, ocorre por nada menos de vinte e três vezes no livro. Esse termo é gaal. Boaz fez isso publicamente, à porta da cidade, diante de testemunhas: “Sois hoje testemunhas de que comprei da mão de Noemi tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e a Malom; e também tomo por mulher a Rute, a moabita...”.

No tocante a Noemi, o relato acompanha a transformação pela qual ela passou, depois que voltou à sua terra, de mulher amargurada em mulher feliz. Ela chegou ali empobrecida (1.21; 3.17), destituída de todos os seus parentes (1.1-5), e terminou uma mulher segura de si, feliz, radiante de esperança (4.13-17). Podemos ver dois reflexos disso. Primeiro na história nacional de Israel, após a morte de Eli (I Sam. 4.18), quando a nação chegou a perder a arca da aliança, o emblema visível, por excelência, da presença do Senhor, e daí passou para a paz e a prosperidade dos primeiros anos do reinado de Salomão, trineto de Rute (I Reis 4.20-34; 5.4). Muito mais dramática, entretanto, é a transformação experimentada por toda alma remida ao sangue de Cristo, do que todo o Novo Testamento dá testemunho. Podemos citar um trecho neotestamentário para avivarmos a memória: “ ... pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rom. 3.23,24). E esse segundo reflexo a teologia do livro de Rute é ainda maior que o primeiro, porquanto fala de bênçãos universais e eternas!

VIII. Valor Literário

O valor literário do livro de Rute é indiscutível. Ombreia-se com o melhor que a literatura mundial tem produzido. É um conto rápido, mas escrito com consumada habilidade. Em gênero, talvez não tenha igual dentro da Bíblia inteira. Damos a mão à palmatória. Os antigos israelitas sabiam escrever. A melhor técnica de obra literária de ficção é ali observada, desde a introdução, passando por um cativante enredo, com sua crise quase insolúvel, até a solução mais feliz, que satisfez a todos os envolvidos. Na observação de vários comentadores, o livro mostra-se muito simétrico em seus lances. A solução começa a descortinar-se exatamente no meio do livro, quando Noemi diz à sua nora: “... o Senhor... ainda não tem deixado a sua benevolência nem para com os vivos nem para com os mortos... Esse homem é nosso parente chegado, e um dentre os nossos resgatadores...” (2.20). Tem-se também observado que o encerramento de cada episódio facilita a transição para o que vem em seguida (ver 1.22; 2.23; 3.18 e 4.12). Outra característica do livro, que prende o interesse dos leitores, são as duas personagens principais: Rute e Boaz. A primeira é jovem, estrangeira e desamparada em sua viuvez; a outra personagem é um homem de meia-idade, abastado, respeitado em sua comunidade. Boaz desempenha o papel masculino de protetor com admirável ternura. Rute, por sua vez, soube oferecer-se sem ser coquete, desempenhando seu papel feminino com muita dignidade. Além disso, ambas as personagens principais contaram com alguém que fez contraste com elas, salientando suas qualidades de caráter e de realização. Rute teve uma Orfa, que ficou muito aquém dela em valor; e Boaz teve o parente mais chegado ainda, mas cujo nome nunca é dado, e que, por causa de seus próprios interesses, não cumpriu seu papel de parente-remidor, que lhe cabia, por dever, por ser parente ainda mais chegado que Boaz.

Outros lances da narrativa não são menos Cignos de comentário. Noemi e Rute voltaram a Judá, para a cidade de Belém (no hebraico, “casa do pão”), enquanto em Moabe tinham sofrido privações. E voltaram no tempo da sega, o que. por si só, ser u de previsão de abundância de bênçãos materiais e espirituais, Isso constituiu uma autêntica restauração. Nesse episódio, Noemi representa o povo judeu do futuro, e Rute, a moabita, representa todos os povos gentílicos que tiverem permissão ae compartilhar a sorte renovada e feliz do povo de Israel, durante o milênio.

Enfim, aquele que começa a ler o livro de Rute só cessa a leitura quando chega ao fim. E, então, sente o seu espírito refrigerado, compartilhando a felicidade da idosa e simoática Noemi. Obede, filho nascido de Boaz e Rute, embora não fosse neto autêntico de Noemi, representou grande consolo para ela. As mulheres judias compreenderam isso e lhe disseram: “Ele (o menino) será restaurador da tua vida, e consolador da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos”. E Noemi, com o coração transbordando da felicidade recém-encontrada,"... tomou o menino, e o pôs no regaço, e entrou a cuidar dele”. Todos devem ter percebido o apego de Noemi pela criança, pois as mulheres da localidade comentavam: “A Noemi nasceu um filho” (Rt 4.15-17).
Também nós, quando da volta do Senhor Jesus, haveremos de apegar-nos a Ele para nunca nos cansarmos. E Ele nunca cansará de nós. Cristo já não mostrou como nos tratará? Eis que ele mesmo diz: “Eis aqui estou eu, e os filhos que Deus me deu” (Isa. 8.18 e Heb. 2.13).

IX. Esboço do Conteúdo

A.    Introdução: O Drama de Noemi (Rt 1.1-5)
B.    Noemi Volta a Judá (Rt 1.6-22)
1.    Rute apega-se a Noemi (Rt 1.6-18)
2.    Noemi e Rute chegam a Judá (Rt 1.19-22)
C.    Encontro de Rute e Boaz (Rt 2.1-23)
1.    Rute começa a colher (Rt 2.1-7)
2.    Bondade de Boaz para com Rute (Rt 2.8-16)
3.    Rute volta a Noemi (Rt 2.17-23)
D.    Rute e Boaz na Eira (Rt 3.1-18)
1.    Instruções de Noemi a Rute (Rt 3.1-5)
2.    Boaz resolve ser parente remidor (Rt 3.6-15)
3.    Rute volta a Noemi (Rt 3.16-18)
E.    Boaz Prepara-se para Casar com Rute (Rt 4.1-12)
1.    O parente mais chegado nega-se (Rt 4.1-8)
2.    Boaz torna-se o remidor e casa-se com Rute (Rt 4.9-12)
F.    Conclusão: A Felicidade de Noemi (Rt 4.13-17)
G.    Epílogo: Genealogia de Davi (Rt 4.18-22)

Fonte : BIbliotecabiblica.


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