quinta-feira, 5 de maio de 2016

LIÇÃO 6: A Lei, a Carne e o Espírito





   


   
     

                     

                                a Graça e o
                                Destronamento
do “Eu”



Romanos 7.1-6
Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive? Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei, mas, morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for doutro marido; mas, morto o marido, livre está da lei e assim não será adúltera se for doutro marido. Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais doutro, daquele que ressuscitou de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus. Porque, quando estávamos na carne, as paixões dos pecados, que são pela lei, operavam em nossos membros para darem fruto para a morte. Mas, agora, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo em que estávamos retidos; para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra.

Luz sobre Roma

Os intérpretes da Bíblia reconhecem que a interpretação de Romanos 7 deve ser analisada por mais de uma perspectiva teológica. E preciso, portanto , termos conhecimento do pano de fundo dessa carta para podermos fazer uma análise mais precisa daquilo que Paulo estava ensinando aqui. De grande ajuda são as observações do doutor Bob Utley, professor de hermenêutica na Universidade Batista do Oeste, Estados Unidos da América . Utley enumera alguns passos, que acho importante resumir aqui.

1. Romanos 7 deve ser interpretado à luz de Romanos 6, especialmente 7 .12 -14 (também 3 .20 ,21 -31 ; 4 .13 -16 ; 5.20).

2. E preciso também levar em conta atenção na igreja de Roma entre os crentes judeus e os crentes gentios, a qual é mostrada em Romanos 9— 11
. A natureza do problema, como observa Utley, é incerta, mas pode ter sido:

a. legalismo baseado na lei mosaica;

b. ênfase judaizante sobre Moisés em vez de Cristo ;

c. incompreensão de como o evangelho se aplica aos judeus;

. incompreensão da relação entre a Antiga e a Nova Aliança;

e. ciúme por parte dos crentes judeus da liderança dos gentios depois do edito imperial expulsando os judeus de Roma.

3. Deve ser observado que Romanos 7.1-6 contém linguagem figurada de Romanos 6 acerca da relação dos cristãos com a sua velha vida. As metáforas usadas são:

a. morte e libertação da escravidão para pertencer a outro (R m 6);

b. morte e libertação da obrigação matrimonial (Rm 7)

4. De vemos observar também que Romanos 6 e 7 são literaturas paralelas. Romanos 6 detalha como é a relação dos crentes com o pecado e Romanos 7 como é o relacionamento dos crentes com a lei. A analogia da libertação da escravidão da morte (6.12-23) é paralela à analogia da libertação do marido que morreu (7.1-6). Utley ainda destaca o paralelo de alguns termos e expressões existentes entre Romanos 6 e Romanos 7.


5. A lei com seus preceitos foi a sentença de morte. Todos os homens estavam condenados sob ela (R m 6 .1 4 ; 7.4; G1 3 .1 3 ; E f 2 .1 5 ; C l 2.14). A lei mosaica se tornou maldição !

Nova Aliança, Novo Relacionamento

 ‘Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre 0 homem por todo 0 tempo que vivei (7.1). Alguns intérpretes veem aqui uma referência à lei romana, enquanto outros enxergam a lei como um princípio universal. Todavia, o contexto parece deixar claro que Paulo estaria se referindo à lei mosaica. A expressão “ falo aos que conhecem a lei” pode ser aplicada a toda a igreja romana, mas especialmente os judeus. A discussão feita pelo apóstolo em Romanos 6 poderia ter gerado mal-entendidos sobre o papel da lei em relação aos cristãos. Não devemos esquecer que Paulo havia enfrentado, conforme mostra o livro de Atos e especialmente a Epístola aos Gálatas, conflitos com judeus que o acusavam de estar pregando rebelião contra a lei.

Não há dúvida de que o apóstolo sabia que esse mal-entendido sobre o seu pensamento já havia chegado a Roma. A ideia que perpassava era que Paulo era um antinomista, isto é, pregava a não observação da lei. Esse equívoco deveria ser esclarecido p ara que o ensino d a justificação pela fé somente fosse compreendido em toda a sua extensão . O elo é estabelecido entre os capítulos 6 e 8 p elo argumento do apóstolo.

Recorrendo novamente ao método de diatribe, Paulo quer desfazer essa imagem negativa que alguns estariam fazendo sobre ele em relação à lei. Por que Paulo se mostrava tão negativo em relação à lei? Paulo mostrará que, ao contrário do que muitos pensavam , ele tem um grande apreço pela lei de Deus; todavia, não vê nela um instrumento capaz de produzir salvação. E nesse ponto que percebemos que o conceito das duas alianças está bem presente no pensamento do apóstolo. Na Antiga Aliança, a lei teve uma função principal, mesmo que fosse apenas para apontar os pecados e produzir a ira divina, porém na Nova Aliança essa função não existe mais. E por que não? Porque a lei apontava para Cristo, e Ele havia chegado !

 É exatamente aqui que Paulo fará a analogia do casamento . Era de conhecimento dos crentes romanos que enquanto o marido fosse vivo, a lei proibia que a esposa contraísse novas núpcias. Se assim fizesse, estaria caindo em adultério . Todavia, se o marido morresse, ela estaria livre para casar com quem quisesse. Paulo então mostra que é exatamente isso o que o correu em relação à lei. Aqui o crente morre para a lei para pertencer a outro, Jesus Cristo. “Assim , meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo , para que sejais doutro , daquele que ressuscitou de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus” (Rm 7 .4 ).2 O expositor bíblico F. F. Bruced estaca que “como a morte desfaz o laço que une marido e mulher, assim a morte — a morte do crente com Cristo — desfaz o laço que o prendia ao jugo da lei, e agora está livre para entrar em união com Cristo. Sua anterior associação com a lei não o ajudava a produzir os frutos da justiça, mas esses frutos são produzidos com abundância, agora que ele está unido a Cristo. O pecado e a morte foram o resultado de sua associação com a lei; a justiça e a vida são o produto de sua nova associação ; pois (como Paulo o coloca em outro lugar), ‘a letra mata, mas o Espírito vivifica’ (2 C o 3 .6 )” .

3 Não se tratava, portanto , de um antinomismo ou rebelião contra a lei, mas assumir a nova posição que a Nova Aliança em Cristo proporcionou. Os cristãos são chamados para pertencer a “outro ”, Cristo , e dessa forma frutificarem para Deus.
 “Porque, quando estávamos na carne, as paixões dos pecados, que são pela lei, operavam em nossos membros para darem fruto para a morte” (7.5).

 Paulo fundamenta seu comentário mostrando a antiga relação da lei com aquele que a observa. Paulo já havia mostrado no capítulo 5 que o pecado não é levado em conta quando não há lei. Ali a transgressão aparece como a quebrado mandamento da lei. Deus deu então o código do Sinai. Essa lei dada a seu antigo povo é justa e boa, mas em vez de produzir vida, trouxe morte. Havia algum problema com a lei? Não, o problema estava com os homens, corrompidos pelo pecado, que se mostraram incapazes de obedecer aos preceitos da lei. A lei trouxe a consciência do pecado e esse pecado , alimentado pela cobiça, frutificou para a morte. Esse argumento receberá ênfase novamente em Romanos 7.7.

“Mas, agora, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo em que estávamos retidos;para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” (7.6). João Calvino, em seu comentário da Epístola aos Romanos, destaca que Paulo “dá seguimento a seu argumento a partir de opostos. Se a coibição da lei surtiu tão pouco efeito em subjugar a carne que nos despertava antes a pecar, então devemos nos desvencilhar da lei para que deixemos de pecar. Se somos libertos da servidão da lei a fim de podermos servir a Deus [livremente], então aqueles que derivam deste fato sua licença para pecar, e aqueles que nos ensinam que devem os soltar as rédeas e nos entregarmos a luxúria, também estão equivocados. Note-se, pois, quando Deus nos livra de suas rígidas exigências e de sua maldição, dotando-nos com o Espírito Santo a fim de trilharmos seus santos caminhos” .
 Paulo esboça aqui o que tratará em detalhes no capítulo 8. O crente foi liberto da lei para viver debaixo de outra lei — a lei do Espírito de vida. Sem dúvida esse é o sentido de “servirem novidade de vida”. Andar de acordo com a lei, vivendo na era do Espírito, é uma anomalia a qual o cristão nascido de novo não podemais aceitar.


Romanos 7.7-13 Que diremos, pois? E a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda a concupiscência; porquanto, sem a lei, estava morto o pecado. E eu, nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri; e o mandamento que era para vida, achei eu que me era para morte. Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por ele, me matou. Assim, a lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom. Logo, tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum! Mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem, a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno.

De Volta ao Paraíso

“Que diremos, pois? E a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não conheci 0 pecado senão pela lei;porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (7.7). A partir desse ponto , Paulo introduz a figura do “eu ” na sua argumentação . Quem seria, portanto , esse “ eu ” ? Alguns intérpretes, a exemplo de Dale Moody e Leon Morris, acreditam que ele estaria falando de uma experiência pré-cristã. Por outro lado, intérpretes com o John Stott e Charles Swindoll põe em aqui em destaque os conflitos internos do cristão . À propósito , Swindoll comenta: “ Romanos 7 é o autor retrato de Paulo, no qual ele usa utiliza o verbo na primeira pessoa do singular 30 vezes. Perto do final do autor retrato ele exclama: ‘Sou um pobre miserável’. A expressão ‘pobre miserável’ é a tradução de uma palavra grega que quer dizer ‘sofredor, afligido, miserável”’.
Não há dúvida, portanto , de que o “eu ” aparece em Romanos 7 com um sentido individualizante. Todav ia, como observou acertadamente Giuseppe Barbaglio, aqui ele não se limita apenas a esse sentido. Ele ganha também um sentido supraindividual. Em outras palavras, ele possui um sentido individualizante, mas também um sentido representativo . Esse sentido mais universal é usado para mostrar a vida dos que vivem sem lei, dos que vivem sob a lei e dos que estão livres da lei. Barbaglio elenca alguns fatos que contribuem para esse entendimento :

1. Paulo contra põe a bondade intrínseca da lei e do mandamento divino ao “eu” , que dela fez um a experiência negativa, encontrando aí a morte eterna (w . 7-13).

2. O “ eu ” é apresentado como um sujeito que carrega uma história dividida nitidamente em duas fases: ausência da lei e “vinda do mandamento (w. 9,10). No tem -se as séries dos verbos no passado, que caracterizam os versículos 7-13.

 3. No trecho de 1 4-25, ao contrário , os verbos são conjugados no presente. Seria, portanto, errado deduzir que Paulo deseje aí apresentar a condição atual do “eu ’, em antítese ao passado de perdição. Na realidade, ele descreve o estado de dissociação existencial do “ eu ” com o resultado de sua história. Testemunha-o o versículo 14: “mas eu sou ‘carnal’, fui vendido com o escravo ao pecado”. A confirmação nos vem do grito conclusivo : “Pobre de mim ! Quem me poderá libertar deste corpo destinado à morte?” Pecado e morte, portanto, são o âmbito em que o “eu ” se acha encerrado , por efeito de seu passado d e submissão.

4. O “eu” é um ser perdido sem possibilidade autônoma de libertação (v. 24).

5. O “eu ” dirige um canto de ações de graças a Deus, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor! Pela g raça, portanto , experimentou a salvação.

 “A conclusão ” , diz Barbaglio , “parece bastante fundamenta da. O discurso de Paulo revela um a estrutura de fundo de caráter histórico - salvífico: abarca a caminhada de toda a humanidade a partir do jardim do Éden , evocado claramente nos versículos 9 a 11, até a iniciativa salvífica de Deus, mediada por Jesus Cristo. A semelhança com 5.12-21 é inegável. Mas não se trata de uma descrição feita de fora, própria de um observador externo. E, ao contrário, uma retrospectiva que envolve a ele próprio e a todos os fiéis, que olhando para trás avaliam à luz da fé a terrível perdição da qual escaparam . Portanto , o ‘eu ’ de 7.7-25 representa os cristãos, por aquilo que eram , em estreita solidariedade com a humanidade adâmica pecadora, e agora não mais o são, por graça. O capítulo descreve sua história passada, que se radica na pré-história mais longínqua: ambas à imagem de Adão , que cedeu à tentação de ser com o Deus” .

 “... porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (7.7). Não devemos limitar aqui o termo “ cobiça ” como se fosse um mero sinônimo de desejos sexuais. O expositor bíblico Mark A . Seifrid observa que Paulo faz uma descrição das obras da lei em termos de um encontro com a proibição da cobiça, do desejo legítimo de possuir aquilo que pertence a outra pessoa. Dessa forma, Paulo tem em mente a cobiça em seu sentido mais amplo . O quadro de Gênesis 3 .6 , onde narra o desejo de Eva, evidentemente está presente na argumentação do apóstolo. Seifrid sublinha que “Paulo vê no encontro do ser humano com o mandamento a recapitulação da transgressão de Adão. Ao contrário da situação da Queda, o pecado já está presente no ser humano que ouve a Lei; o mandamento fornece apenas a oportunidade para o pecado produzir ‘todo tipo de cobiça’ (7.8)” .


Romanos 7.14-25 Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço, não o aprovo, pois o que quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira que, agora, já não sou eu faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar e bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho, então, esta lei em mim: que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim que eu mesmo, com o entendimento, sirvo à lei de Deus, mas, com a carne, à lei do pecado.

O “Eu” Destronado

“Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado” (7.14). A natureza boa da lei em contraste com a natureza maligna do pecado é apresentada aqui por Paulo. A lei aparece aqui como um espelho que reflete a imagem de quem o contempla, mas aquele que é contemplado nada pode fazer pela melhoria dessa imagem . Ele apenas se torna consciente diante desse espelho dos seus inúmeros defeito s. John Wesley, em 1754, comentou essa passagem : “Eu sou carnal— São Paulo, depois de ter comparado juntos o estado passado e presente dos crentes, ‘na carne’ (Romanos 7.5) e ‘no espírito’ (Romanos 7.6), procura responder a duas acusações (é então a lei pecado ?, Roman o s 7.7, e é a lei morte?, Romanos 7.13) e entrelaça todo o processo do arrazoamento de um homem , lutando e procurando escapar do estado legal para o evangélico. Isso ele faz em Romanos 7.7, até o fim neste capítulo”.11 Joseph A. Fitzmyer destaca que “ a explicação de Paulo não é ainda completa; na presente passagem trata de esclarecer a questão. Como pôde o pecado usar algo bom em si mesmo (a lei) para destruir os seres humanos? O problema não está na lei, mas nos seres humanos com o tais. A lei é espiritual. Devido à sua origem divina e o seu propósito de conduzir os seres humanos até Deus. Dessa forma, ela não pertencia ao mundo da humanidade terrena, natural. Enquanto pneumáticos, ela pertencia à esfera de Deus; se opõe ao que é sarkinos, “ canal” , “pertencente à esfera da carne” .

‘Porque o que faço, não o aprovo, pois o que quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço ” (7.15). Paulo retrata aqui o dilema não apenas dele, mas de todos os cristãos. Desejar fazer o certo, todavia realizando o que é errado ! Antes de apresentar a explicação para esse fenômeno , Paulo maximiza a sua argumentação nesse paradoxo — querer fazer o bem , mas sendo levado a fazer o mal. Alguns intérpretes acreditam e, concordo com eles, que alguns crentes romanos, principalmente os de origem judaica, ainda alimentavam a esperança de conciliar a lei com a graça. Por que não recorrer a uma “ ajudinha ” da lei para viver retamente ? Paulo vai mostrar então que isso simplesmente é impossível. O problema, com o já havia sublinhado em outro lugar, não estava com a Lei, que em si era de origem divina e boa. A questão era outra. O problema estava dentro de cada crente — uma natureza pecaminosa que em vez de se sentir freada pela lei era estimulada ainda mais por ela.

Esse é um argumento  usado por Paulo para combater o legalismo . Nenhuma prática cristã pode ser usada para ajudar a graça. A graça é suficiente! A s disciplinas cristãs, com o oração, jejum , prática de leitura da Bíblia, etc., não devem ser praticadas, portanto , com o objetivo de nos tornar aceitáveis diante de Deus. Deu s nos aceita do jeito que somos. Essas disciplinas não devem ser praticadas como objetivo de produzir um salvo mais espiritual, mas para ajustar o relacionamento com Deus de quem já é salvo. Não é uma salvação pelas obras, mas é o resultado de um fruto de quem já foi salvo para praticar boas obras (E f 2.8). Essas práticas não mudam a Deus, mas mudam a nós mesmos. Se são praticadas com a atitude correta, então elas com certeza agradam a Deus.

“Miserável homem que sou!Quem me livrará do corpo desta morte?” (7.24). Eis o grito angustiante de Paulo na luta contra o pecado ! Neste ponto, o apóstolo, como todo cristão, mostra-se consciente da natureza humana que possui. A luta não é exterior, mas com ele mesmo. O cantor e poeta Sérgio Lopes conseguiu expressar por meio da música Natureza Humana:

Ninguém é tão perfeito que consiga/
Fugir dos olhos vivos do Senhor/
Que v ê além do mais profundo abismo/
E até segredos que eu nunca falei/
Ele sabe cada um dos meus desejos/
O que faço, onde ando, quem procuro /
Conhece o meu passado e o meu presente/
E quer fazer feliz o meu futuro/
E u luto é contra a minha própria alma/
A natureza humana que há em mim /
Eu quero sepultar o velho homem /
E andar em comunhão com Cristo/
Viver, cantar só para Ele/
Morrer pro mundo e reviver pra Deus.

Stanley Clark comenta: “O grito da primeira parte do versículo 24 e a pergunta que o apóstolo faz em seguida devem ser entendidas como um a expressão de angústia, e não de desespero . A referência a libertação na pergunta pode ser uma expressão do anelo fervente do que ele sabe com segurança do que o aguarda (8.23). A expressão ‘este corpo de morte ’ bem como a expressão ‘meus membros’ no versículo anterior deve ser uma referência à natureza humana em sua condição de sujeição à lei do pecado . O apóstolo quer ser libertado da condição de vida no qual o corpo está sujeito ao pecado , como descreveu em todo o parágrafo ‘Quem me livrará deste meu ser, instrumento de morte ?’” .14 Paulo encerra essa seção mostrando quem de fato destronou o “eu ” : “Dou graças a Deus por Jesus Cristo , nosso Senhor” . Ele é a graça de Deus. Ele é nossa vitória!

Maravilhosa Graça








13. A libertação da lei

(Rm 7.1-25)

Romanos 7 é um dos textos mais complexos e difíceis desta carta, talvez um dos mais densos de todo o Novo Testamento. Há uma gama enorme de opiniões dos estudiosos acerca da sua real interpretação. Não há unanimidade entre os exegetas quanto a seu significado primário. Qual é a identidade desse homem desventurado que clama por libertação? Será um impenitente ou um crente? E, se for um crente, será um crente fraco ou um crente maduro?Tendo provado que o crente morreu para o pecado (capítulo 6), Paulo agora explica a forma pela qual ele se torna morto para a lei (capítulo 7). No texto em apreço, Paulo trata do propósito da lei de Deus.

Qual é o lugar da lei na vida do cristão?

Ela é a causa do pecado?

E a causa da morte?

Absolutamente não! “A lei é santa; e o mandamento, santo e justo, e bom” (7.12). A lei de Deus proíbe o pecado, prescreve a justiça ainda protege contra a transgressão (SI 119.165). Davi proclama: 

“A lei do S e n h o r é perfeita e restaura a alma” (SI 19.7). Concordo com E F. Bruce quando ele diz: 

“O que está em foco é o conceito errado de que pela penosa conformidade com um código de leis é possível adquirir mérito diante de Deus.
John Stott menciona três grupos que lidam com a lei de formas diferentes:

Em primeiro lugar, os legalistas. Estes procuravam observar os preceitos da lei com o propósito de ser salvos (Lv 18.5). Uma vez que não conseguiam cumprir as exigências da lei, os legalistas acabavam ostentando uma religiosidade apenas de aparência. Viviam debaixo de um jugo pesado e queriam colocar essa mesma canga sobre os demais. Para Warren Wiersbe, a deficiência do legalismo é que ele vê os pecados, mas não o pecado (a raiz do problema). O legalismo nos julga de acordo com elementos exteriores, e não com os interiores. Mede a espiritualidade de acordo com o que se deve ou não fazer. O legalista torna-se um fariseu, cujas ações exteriores são aceitáveis, mas cujas atitudes interiores são desprezíveis.

Em segundo lugar, os libertinos. De forma diametralmente oposta, estes olhavam para a lei como a causadora de todos os seus problemas. Queriam sacudir o seu jugo para viver sem freios e sem limites. Assim, a graça de Deus é transformada em libertinagem. Esse ainda é o modo de agir da chamada “nova moralidade”. Seus seguidores sacudiram de sobre si o jugo divino e anularam a lei moral de Deus. Contudo, certamente esse não é o significado que Paulo quis dar quando disse que não estamos mais debaixo da lei e sim da graça (6.14). Aqui a antítese é entre a lei e a graça como forma de justificação, e não entre a lei e o Espírito (G1 5.18) como forma de santificação. De tal forma que, quanto à justificação não estamos mais debaixo da lei, e sim da graça; e, para sermos santificados, não dependemos da lei, mas somos guiados pelo Espírito.616

Em terceiro lugar, os cristãos. Esses se regozijam tanto em sua libertação da lei, que lhes traz justificação e santificação, como em sua liberdade para cumpri-la. Deleitam-se na lei por ser a revelação da vontade de Deus (7.22), mas reconhecem que a força para cumpri-la não provém da lei, mas do Espírito.

Em síntese, o legalista teme a lei e está debaixo de sua servidão; o libertino detesta a lei e a lança fora; o cristão respeita a lei, à qual ama e obedece.
Tendo considerado essas três vertentes hermenêuticas,  analisaremos agora o texto de Romanos 7.1-25.

A libertação da lei (7.1-6)
John Stott elucida essa passagem mostrando que Paulo nos oferece primeiro um princípio (7.1), depois nos dá uma ilustração (7.2,3) e finalmente nos apresenta uma aplicação (7.4-6).619 Algumas verdades devem ser aqui destacadas:

Em primeiro lugar, o domínio da lei (7.1). A lei tem domínio sobre o homem durante toda a sua vida. A palavra grega kyrieuo significa “ter domínio ou autoridade sobre”. Essa autoridade limita-se à duração da nossa vida. Apenas a morte pode interromper o domínio da lei sobre nós. Se a morte sobrevêm, os relacionamentos estabelecidos e protegidos pela lei são dados por terminados. A lei é válida para quem vive; não tem poder sobre um morto. Esse éum axioma legal, universalmente aceito e imutável.620 Enquanto vivermos, estaremos sujeitos às demandas e penalidades da lei.

Em segundo lugar, a analogia do casamento (7.2,3). Paulo compara a lei com um marido e os crentes com uma esposa. Esse casamento é turbulento e conflituoso. A culpa não é do marido. Ele é perfeito. E santo, justo e bom. E espiritual. O problema é que essa esposa nunca consegue agradá-lo, pois é imperfeita, carnal, rendida ao pecado e sempre frustra as expectativas do marido. A lei é como um marido perfeccionista; esse marido condena a esposa por sua menor falha.
Essa mulher (que somos nós) não pode divorciar-se desse marido. O contrato é claro: a lei a prende ao marido enquanto ele viver. Só a morte do marido pode tirar essa mulher desse jugo conjugal, pois a morte muda não apenas as obrigações da pessoa morta, mas também as obrigações dos sobreviventes que com ela mantinham algum contrato. Geoffrey Wilson diz que a ideia central é que essa morte não apenas encerra um relacionamento, mas abre caminho legal para que a mulher inicie outra união.621 Isso porque, ainda que o casamento seja para toda a vida, não se estende para além da vida.

A única possibilidade de a mulher ficar livre do marido para unir-se a outro marido é a morte dele. Nas palavras de Adolf Pohl, a morte divorcia um matrimônio.623
Na metáfora do casamento, o marido morre e a esposa casa-se novamente. No caso em apreço, contudo, não é o marido quem morre (a lei), mas a esposa (o crente). O crente morre ao identificar-se com Cristo na sua morte. Assim como a morte do marido liberta a esposa do vínculo matrimonial, existe uma morte por meio da qual somos libertados da lei. Pois pela morte de Cristo recebemos nossa libertação de todas as exigências da lei. John Murray corretamente que, enquanto a lei nos governa, não há a para quem vive; não tem poder sobre um morto. Esse é um axioma legal, universalmente aceito e imutável.620
Enquanto vivermos, estaremos sujeitos às demandas e penalidades da lei.

Em segundo lugar, a analogia do casamento (7.2,3). Paulo compara a lei com um marido e os crentes com uma esposa. Esse casamento é turbulento e conflituoso. A culpa não é do marido. Ele é perfeito. E santo, justo e bom. E espiritual. O problema é que essa esposa nunca consegue agradá-lo, pois é imperfeita, carnal, rendida ao pecado e sempre frustra as expectativas do marido. A lei é como um marido perfeccionista; esse marido condena a esposa por sua menor falha.
Essa mulher (que somos nós) não pode divorciar-se desse marido. O contrato é claro: a lei a prende ao marido enquanto ele viver. Só a morte do marido pode tirar essa mulher desse jugo conjugal, pois a morte muda não apenas as obrigações da pessoa morta, mas também as obrigações dos sobreviventes que com ela mantinham algum contrato.Geoffrey Wilson diz que a ideia central é que essa morte não apenas encerra um relacionamento, mas abre caminho legal para que a mulher inicie outra união.621 Isso porque, ainda que o casamento seja para toda a vida, não se estende para além da vida.622

A única possibilidade de a mulher ficar livre do marido para unir-se a outro marido é a morte dele. Nas palavras de Adolf Pohl, a morte divorcia um matrimônio.623

Na metáfora do casamento, o marido morre e a esposa casa-se novamente. No caso em apreço, contudo, não é o marido quem morre (a lei), mas a esposa (o crente). O crente morre ao identificar-se com Cristo na sua morte. Assim como a morte do marido liberta a esposa do vínculo matrimonial, existe uma morte por meio da qual somos libertados da lei. Pois pela morte de Cristo recebemos nossa libertação de todas as exigências da lei. John Murray diz corretamente que, enquanto a lei nos governa, não há menor possibilidade de sermos libertados da escravidão ao pecado. A única alternativa é sermos desobrigados da lei. Isso ocorre em nossa união com Cristo, em sua morte, pois toda a virtude da morte de Cristo, ao satisfazer as reivindicações da lei, torna-se nossa, e somos livres da escravidão e do poder do pecado a que estávamos consignados pela lei.

Em terceiro lugar, a legitimidade do novo casamento (7.4). O segundo casamento é moralmente legítimo porque a morte pôs fim ao primeiro casamento. Somente a morte pode garantir a libertação da lei do casamento e, portanto, o direito de casar-se de novo.625
Uma vez que a mulher morreu, o vínculo conjugal com o primeiro marido acabou. Ela está morta em relação a esse marido. Uma vez que ela ressuscitou, está livre para pertencer a outro marido.

Desde que Cristo ressuscitou dentre os mortos, não morre mais (6.9). Portanto, essa nova relação matrimonial não será desfeita pela morte, como aconteceu com a antiga relação.626
E agora, nesse novo relacionamento, a mulher (o crente)  pode frutificar para Deus. Uma vez que morremos com Cristo, fomos libertados da lei. Agora, podemos unir-nos a Cristo, pertencer a ele e frutificar para Deus. Isso implica uma mudança total de relação e lealdade. Adolf Pohl expressa isso de forma magistral: “Qual abismo profundo estende-se, pois, entre nosso outrora e nosso agora, a sepultura de Jesus. Do lado de lá dominava a lei, na margem de cá Cristo nos estende a mão para novas núpcias”.627

John Stott destaca que estar emancipado da lei não quer dizer estar livre para fazer o que quiser. Ao contrário, a libertação da lei traz não a liberdade de pecar, mas outra classe de servidão (7.6). Somos livres para servir, e não para pecar.628

Em quarto lugar, o contraste entre os dois casamentos (7.5,6). No primeiro casamento, vivíamos segundo a carne. Naquele tempo, a perfeição do nosso primeiro marido realçava ainda mais nossos erros e paixões pecaminosos. Os frutos que produzimos nesse primeiro casamento foram frutos de morte. Porém, agora, no segundo casamento, libertados desse primeiro marido perfeccionista, morremos para aquilo a que estávamos sujeitos. A força que nos move agora não é mais a caducidade da letra, mas a novidade de espírito. Na velha ordem estávamos casados com a lei, éramos controlados pela carne e produzíamos fruto para a morte, enquanto como membros da nova ordem estamos casados com o Cristo ressurreto, fomos libertados da lei e produzimos fruto para Deus.

F. F. Bruce diz que a nossa anterior associação com a lei não nos ajudava a produzir os frutos da justiça, mas esses frutos são produzidos com abundância agora que estamos unidos a Cristo. O pecado e a morte foram o resultado de nossa associação com a lei; a justiça e a vida são o produto de nossa nova associação.630

A santidade da lei (7.7,13)

 Paulo dá uma resposta aos legalistas nos versículos  1-6,mostrando que, por meio da morte de Cristo, ficamos livres do domínio da lei; dá uma resposta aos libertinos nos versículos 7-13 ao rebater as críticas injustas daqueles que culpam a lei como responsável pelo pecado (7.7) e pela 1-6,mostrando que, por meio da morte de Cristo, ficamos livres do domínio da lei; dá uma resposta aos libertinos nos versículos 7-13 ao rebater as críticas injustas daqueles que culpam a lei como responsável pelo pecado (7.7) e pela 1-6,mostrando que, por meio da morte de Cristo, ficamos livres do domínio da lei; dá uma resposta aos libertinos nos versículos 7-13 ao rebater as críticas injustas daqueles que culpam a lei como responsável pelo pecado (7.7) e pela morte (7.13), mostrando que o problema não é a lei (7.12), mas nossa natureza pecaminosa (7.8). Já nos versículos 14­ 25 Paulo descreve o conflito interior do crente e o segredo da vitória em Cristo.631
O apóstolo levanta duas perguntas importantes sobre o caráter da lei: A lei é pecado? (7.7). E a causadora da morte? (7.13). Ambas as perguntas têm a mesma resposta: “De modo nenhum!” (7.7,13). Diante do exposto, levantamos dois pontos:

Em primeiro lugar, as virtudes da lei (7.12). A lei é santa e o mandamento, santo, justo e bom. Em si mesma a lei é valiosa e esplêndida. É santa. Isso significa que é a própria voz de Deus. O significado básico do termo hagios, “santo”,é diferente. Descreve o que provém de uma esfera alheia a este mundo, algo que pertence a um campo que está mais além da vida e da existência humana. A lei é também justa. E ela que estabelece todas as relações, humanas e divinas. Finalmente, Paulo diz que a lei é boa, ou seja, foi promulgada para promover o supremo bem.632
Nessa mesma linha, John Murray afirma que, na qualidade de santa, justa e boa, a lei reflete o caráter de Deus, sendo a cópia de suas perfeições. Ela traz as impressões de seu autor. Na qualidade de 

“santo”, o mandamento reflete a transcendência e a pureza de Deus, exigindo de nós consagração e pureza correspondentes. Na qualidade de “justo”, o mandamento reflete a equidade de Deus e requer de nós, em suas exigências e sanções, nada aquém do que é equitativo. E, na qualidade de “bom”, o mandamento promove o mais elevado bem-estar do homem, expressando, desse modo, a bondade de Deus.633

O problema não é a lei; somos nós. O primeiro casamento fracassou não pelas falhas do marido, mas pelas fraquezas da esposa. Se pudéssemos viver de acordo com o padrão da lei, o faríamos.

Em segundo lugar, a malignidade do pecado (7.13). A lei não é a causadora da morte, mas sim o pecado, assim como o problema de um criminoso não é a lei, mas sua transgressão. Ao exigir de mim o que não faço, a lei me condena e me leva à morte. A lei não me deu poder para fazer o que era certo nem para evitar o que era errado.634
Mas não há falha na lei; a falha está em mim que não consigo obedecer. Desta forma, a lei revela a gravidade do meu pecado, que produz a morte. Sendo santa, a lei mostra o caráter maligníssimo do meu pecado. O pecado não é apenas maligno. E maligno em grau superlativo. E maligníssimo, a maior de todas as tragédias. E pior que a pobreza, a fome, a doença e a própria morte, pois esses males, embora graves, não nos podem afastar de Deus. O pecado, contudo, nos afasta de Deus agora e por toda a eternidade.

O ministério da lei (7.7-13)

Se a lei não é pecado (7.7) nem provoca a morte(7.13), qual é seu papel? Qual é seu ministério? Qual é seu propósito? Paulo oferece três respostas:
Em primeiro lugar, o propósito da lei é revelar o pecado(7.7). O pleno conhecimento do pecado vem pela lei (3.20). A lei é um espelho que revela o ser interior e mostra como somos imundos (Tg 1.22-25). E como um prumo que mostra a sinuosidade da nossa vida. E como um raio-X que diagnostica os tumores infectos da nossa alma. A lei detecta as coisas ocultas na escuridão e as arrasta à luz do dia. É a lei que destampa o fosso do nosso coração e traz à tona a malignidade do nosso pecado.Digno de nota é o fato de Paulo mencionar o décimo mandamento do decálogo como aquele que o tornou cônscio do seu pecado e abriu seus olhos para a própria devassidão: “Não cobiçarás” (7.7) Os nove primeiros mandamentos da lei são objetivos: 

“Não terás outros deuses diante de mim”; 
“Não farás para ti imagem de escultura”;
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”;
“Lembra-te do dia do sábado para o santificar”;
 “Honra a teu pai e a tua mãe”;
“Não matarás”;
 “Não adulterarás”;
“Não furtarás”;
“Não dirás falso testemunho”.

Todos esses mandamentos são objetivos, e qualquer tribunal da terra pode legislar sobre eles, fiscalizá-los e condená-los. Mas o décimo mandamento (“Nao cobiçarás”) é subjetivo, pertence à jurisdição do foro íntimo, e nenhum tribunal da terra tem competência para julgar foro íntimo. A lei de Deus, porém, penetra como uma câmara de raio-X e faz uma leitura dos propósitos mais secretos do nosso coração, trazendo à luz seus desejos pervertidos.

William Greathouse escreve oportunamente: “A lei não é um simples reagente pelo qual se pode detectar a presença do pecado; é também um catalisador que ajuda e até mesmo inicia a ação do pecado sobre o homem. A lei insufla o desejo ilícito”.635

 A cobiça, do grego epithymia, é algo que se expressa internamente — é um desejo, um impulso, uma concupiscência. Na verdade, inclui todo tipo de desejo ilícito, sendo em si mesma uma forma de idolatria, uma vez que põe o objeto do desejo no lugar de Deus.636
 Segundo F. F. Bruce, epithymia pode ser tanto um desejo ilícito como um desejo lícito em si, mas de tão egocêntrica intensidade que usurpa o lugar que somente Deus deve ocupar na alma humana.637

Em segundo lugar, o propósito da lei é despertar o pecado (7.8). A lei nao só expõe o pecado, mas também o estimula e o desperta. Tudo o que é proibido desperta em nós desejo imediato. O pecado encontra no mandamento uma cabeça-de-ponte e uma base para despertar em nós toda sorte de desejos. A palavra grega aphorme, “oportunidade”, era usada com referência a uma base para operações militares, “o ponto de partida ou base de operações para uma expedição”, um trampolim para o próximo ataque. É assim que o pecado estabelece dentro de nós uma base ou ponto de apoio, valendo-se dos mandamentos para nos provocar.639

A lógica de Paulo é irrefutável: sem lei, está morto o pecado (7.8). Onde não há proibição, não há transgressão. Sem lei, o pecado não pode ser caracterizado juridicamente (5.13). Unicamente pelo encontro com a lei o pecado se torna passível de ação judicial.640
No entanto, pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Uma vez que a lei diz

“Não cobiçarás”, pela cobiça quebramos a lei, e a quebra dessa lei é a perversão do amor, este sim o cumprimento da lei (13.10).641

Em terceiro lugar, o propósito da lei é condenar o pecado (7.9-11). Onde não há lei, também não há transgressão. Por isso, sem lei o homem tem a sensação de que está vivo. John Murray comenta a expressão de Paulo: “Sem a lei, eu vivia”. A palavra “vivia” não pode ter o sentido de vida eterna ou de vida para Deus. Paulo falava sobre a vida baseada na justiça própria, sem perturbações e autocomplacente, que ele levava antes de agirem sobre ele as comoções turbulentas e a convicção de pecado descritas nos versículos anteriores.642

William Hendriksen acrescenta que nesse tempo a lei ainda não havia sido gravada em sua consciência nem chegara ser ainda um fardo insuportável para o seu coração. Nesse tempo Paulo pensava que, no campo moral e espiritual, estava fazendo tudo corretamente bem.643
Porém, quando o preceito chega, o pecado revive e o homem morre. O propósito da lei nao é matar, mas dar vida. Contudo, aquilo que era destinado a nos dar vida nos matou, porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento nos enganou e nos matou. Assim, o propósito da lei nao é apenas revelar e despertar o pecado, mas também condená-lo.

O verbo grego exapatao, “enganou”, é o mesmo usado em 2Coríntios 11.3, “a serpente enganou a Eva”, e em 1 Timóteo 2.14, “a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”.644 Paulo diz que o pecado seduz, engana e mata. William Barclay esclarece que o engano do pecado pode ser visto sob três aspectos:645

 1) Enganamo-nos ao considerar a satisfação que encontraremos no pecado. O pecado é doce ao paladar, mas amargo no estômago. É um embusteiro, pois promete alegria e paga com a tristeza; proclama liberdade e escraviza; faz propaganda da vida, mas seu salário é a morte.

2) Enganamo-nos ao considerar a desculpa que podemos dar por ele. Todo homem pensa que pode estadear sua defesa por ter praticado este ou aquele pecado, mas toda escusa do pecado torna-se nula sob o escrutínio de Deus.

3) Enganamo-nos ao considerar a probabilidade de escapar das conseqüências do pecado. Ninguém peca sem a esperança de que sairá ileso das conseqüências do pecado. A realidade inegável, porém, é que cedo ou tarde o nosso pecado nos achará.

Quando um criminoso é apanhado no flagrante de seu delito, a lei exige que ele pague por seu crime. Ele é preso e a lei o condena. Esse transgressor, porém, nao pode culpar a lei de ser responsável pelos seus problemas. Ele está preso por causa de seu crime e não por causa da lei. A lei estálivre de qualquer culpa. O vilão da história é o pecado. Calvino ressalta que o pecado reside em nós, e não na lei, uma vez que a perversa concupiscência de nossa carne é a sua causa.646 E certo que a lei expõe, provoca e condena o pecado, mas nao é responsável por nossos pecados nem por nossa morte.647
 Assim, a lei não pode salvar-nos porque não podemos cumpri-la, e não podemos cumpri-la por causa do pecado que habita em nós.648

A fraqueza da lei (7.14-25)

John Stott tem razão quando diz que a lei é boa, mas também é fraca. Em si, ela é santa; contudo, é incapaz de tornar-nos santos.649 A fraqueza da lei não está em si mesma, mas em nossa carne (8.4).

Duas coisas merecem atenção neste último parágrafo do capítulo 7 de Romanos:
a. A mudança do tempo verbal. Até aqui, Paulo vinha falando no tempo passado; doravante usará o tempo presente. Isso significa que o apóstolo tratará de um conflito pessoal que está enfrentando como crente, e não de um conflito vivido antes de sua conversão. A partir do versículo 14, a linguagem de Paulo é de um homem convertido. No versículo 18, ele reconhece que não há bem nenhum em si mesmo. No versículo 24, solta um lancinante gemido da alma, gritando: 

“Desventurado homem que sou!” Só uma pessoa convertida tem convicção do pecado. Só um crente maduro lamenta por seus pecados. William Barclay aponta que neste texto Paulo nos dá a própria autobiografia espiritual e desnuda o próprio coração e alma.650
b. A mudança de situação. Paulo não escrevera sobre uma tese impessoal, mas sobre uma experiência pessoal. Apresentara o próprio dilema, o próprio conflito, a guerracivil instalada em seu peito. Aqui a autobiografia de Paulo é a biografia de todo homem.651 Vemos o autorretrato de um homem consciente da presença e do poder do pecado em sua vida. O pecado é um tirano cujas ordens ele odeia e despreza, mas contra cujo poder luta em vão.

F. F. Bruce diz que Paulo é um homem que vive simultaneamente em dois planos, ardentemente ansioso por levar uma vida mantida no plano superior, mas tristemente ciente da força do pecado que nele habita e persiste em empurrá-lo para baixo, para o plano inferior.652 Por um lado ele reconhece que bem nenhum habita nele (v. 18), mas, por outro, tem prazer na lei de Deus (7.22).

Concordo com John Murray quando ele diz que a pessoa retratada em Romanos 7.14-25 é alguém cuja vontade se volta para aquilo que é bom (7.15,18,19,21), e o mal que ela comete é uma violação daquilo que quer e prefere (7.16,19,20). O homem de Romanos 7.14-25 faz coisas más, no entanto as abomina. O homem não regenerado aborrece o bem; e o homem de Romanos 7.14-25 odeia o mal.653Reafirmamos nossa convicção de que só um crente pode deleitar-se na lei de Deus. Essa interpretação tornou-se aceita na igreja desde Agostinho.654 Os reformadores a subscreveram. Os principais exegetas cristãos ainda a sustentam. Hoje, contudo, alguns não apenas a rejeitam, mas falam dela como “relegada ao museu dos absurdos exegéticos”.6Sl Manifesto apoio, porém, à posição de William Hendriksen: “Segundo a Escritura, é precisamente o cristão que mais progrediu, o crente maduro, que mais profundamente se preocupa com seu pecado. Quanto mais uma pessoa faz progresso na santificação, tanto mais também sentirá aversão pela sua pecaminosidade (Jó 42.6; Dn 9.4,5,8; Is 6.5).656

Cinco verdades devem ser aqui destacadas:
Em primeiro lugar, os conflitos de um salvo (7.14-17).

Alguns pontos devem ser enfatizados:

a. O conflito entre a natureza da lei e a nossa natureza(7.14). A lei é espiritual {pneumatikos), mas eu sou carnal (.sarkinos), feito de carne e sangue (lC o 3.1) e, como tal, moralmente impotente perante as tentações.657 Essa é a batalha cristã entre a carne e o Espírito (G1 5.17). Quando Paulo diz que é carnal, não está declarando que não é convertido.

 Essa mesma expressão foi usada para referir-se aos crentes de Corinto (lCo 3.1-3) e Paulo jamais insinuou que eles não fossem convertidos.Essa batalha interior não é um argumento abstrato usado pelo apóstolo, mas o eco da experiência pessoal de uma alma angustiada.658 Duas forças antagônicas nos arrastam para direções opostas. Na justificação fomos libertados da culpa do pecado; na santificação estamos sendo libertados do poder do pecado, mas só na glorificação seremos salvos da presença do pecado. Ainda lidamos contra o pecado que tenazmente nos assedia. Temos de reconhecer que os cristãos vivem na tensão entre o “já” do reino inaugurado e o “ainda não” da consumação.659

 A análise que Paulo faz da lei aqui tem um propósito prático. Ele argumenta que a lei não pode justificar nem santificar. A lei é poderosa para condenar, mas incapaz de salvar o pecador (7.7-13). E rápida para detectar, mas impotente para remover o pecado que permanece no crente (7.14-25).660

b. O conflito entre o saber e o fazer (7.15). Não compreendemos nosso modo de agir, pois não fazemos o que preferimos e sim o que detestamos. Somos seres ambíguos e contraditórios. Há uma esquizofrenia embutida em nosso ser. Sabemos uma coisa e fazemos outra. Ovídio, o poetaromano, escreveu a famosa máxima: “Eu vejo as coisas melhores e as aprovo; mas sigo as piores”.661
Concordo com Charles Erdman no sentido de que nao há humana criatura que nao tenha consciência de que forças conflitantes do bem e do mal contendem furiosamente para assenhorear-se da alma.662
O positivismo de Augusto Comte estava equivocado quando afirmou que a maior necessidade do homem é a educação. O conhecimento não é suficiente para mudar a vida do homem. Não basta informação, é preciso transformação. Não somos o que sabemos; somos o que fazemos.

c. O conflito entre a liberdade e a escravidão (7.16,17). Não basta decidir fazer algo, é preciso fazê-lo. Intenção não eqüivale a realização. O pecado gera em nós tal conflito que acabamos fazendo o que nao queremos e deixando de fazer o que desejamos. Somos livres em Cristo, mas ao mesmo tempo o pecado ainda está em nós, de modo que fazemos o que não queremos. Assim, não há conflito entre a lei e o crente; o conflito é entre a lei e aquilo que o próprio crente condena.663 Existe uma diferença total entre o pecado que sobrevive e o pecado que reina, entre o regenerado em conflito com o pecado e o não regenerado complacente com o pecado. Uma coisa é o fato de o pecado viver em nós; outra é o fato de vivermos em pecado.664
Em segundo lugar, a impotência do velho homem (7.18­20). Destaco aqui três verdades:

a. A consciência da fraqueza (7.18). Paulo confessa sua fraqueza. Ele sabe que nenhum bem habita em sua carne, uma vez que não há nele poder para fazer o bem que deseja. O velho homem não é aniquilado na conversão. Ele ainda habita em nós. Embora não tenha poder legal de nos dominar, muitas vezes ele revela quão fracos somos.

b. A consciência da contradição (7.19). Somos criaturas ambíguas, paradoxais e contraditórias. Não fazemos o bem que preferimos e sim o mal que não queremos. Em cada pessoa há duas naturezas, duas tendências, dois impulsos.

c. A consciência da escravidão (7.20). Quando fazemos o que não queremos e deixamos de fazer o que desejamos, admitimos que o agente em nós operante não é nossa vontade, mas o pecado que habita em nós.

Em terceiro lugar, a guerra interior do crente (7.21-23). O crente é uma guerra civil ambulante. Há em seu interior o novo homem, guiado pelo Espírito, que tem prazer na lei de Deus, e há também o velho homem, agarrado ao mal(7.21). Esse homem interior, o novo homem, tem prazer na lei de Deus (7.22), enquanto o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus nem mesmo pode estar (8.7). Robert Lee diz que a consciência dessa guerra interior é uma das maiores evidências de que somos filhos de Deus.665
Em quarto lugar, o clamor de um remido (7.24). Concordo com o uso que E E Bruce faz das palavras de MacFarlane, ao afirmar que os crentes em Cristo são perfeitos quanto à justificação, mas sua santificação apenas começou. Esta é uma obra progressiva. Quando creram em Cristo, sabiam pouco da fonte de corrupção que neles há. Quando Cristo se fez conhecido como seu Salvador, o Bem-amado de sua alma, a mente carnal parecia ter morrido, mas logo eles viram que não estava morta. 

Assim, alguns vieram a experimentar mais aflições da alma depois da sua conversão do que quando foram despertados para o sentimento de sua condição de perdidos. “Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte?” é o clamor deles, até que sejam aperfeiçoados em santidade. No entanto,aquele que começou boa obra neles a realizará até o dia de Cristo Jesus.666
O grito “desventurado homem que sou”, portanto, não é o desabafo de dor de uma alma perdida, nem o apelo desnorteado de alguém que está sob convicção de pecado, sem esperança. E a linguagem de um homem que está ansioso e quase desmaiando, porque não vê ajuda suficientemente próxima.667
O que Paulo quis dizer com a expressão “o corpo desta morte”? Os gregos acreditavam que o corpo é o cárcere da alma, aquela composição de barro, aquela estátua modelada, aquela tão cerrada casa da alma que esta nunca põe de lado, mas carrega penosamente como a um cadáver, do berço ao túmulo. Epíteto chegou a falar de si como “uma pobre alma algemada num cadáver. Alguns comentaristas pensam que Paulo está usando uma figura emprestada do relato que Virgílio fez do costume que Mezêncio, rei dos etruscos, tinha de amarrar seus prisioneiros vivos a cadáveres em decomposição.668

Certamente, Paulo não está falando que o mal está arraigado no corpo físico. O cristianismo não subscreve o pensamento grego. Não cremos nesse dualismo maniqueísta do espírito bom e matéria má. O mal está arraigado mais profundamente. Esse corpo da morte (7.24) tem o mesmo significado do “corpo do pecado” (6.6). Trata-se daquela herança da natureza humana sujeita à lei do pecado e da morte a que todos os filhos de Adão estão submetidos.669

Em quinto lugar, a exultação de um remido (7.25). Tanto o clamor quanto a exultação procedem da mesma pessoa: um crente convertido que lamenta sua corrupção e que anseia por uma libertação final no dia da ressurreição; ele sabe que a lei é incapaz de resgatá-lo, mas exulta em Deus por meio de Cristo como o único Salvador. 
O grande reformador Melanchton escreveu sobre a força do velho homem e a gloriosa libertação que temos em Cristo: “O velho Adão é muito forte para o jovem Melanchton, mas graças a Deus ele não é suficientemente forte para Cristo. Jesus Cristo, nosso Senhor, nos dará a vitória, dia-a-dia e durante todos os dias”.671

Hernandes Dias lopes


 


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