quarta-feira, 27 de abril de 2016

LIÇÃO 5: A MARAVILHOSA GRAÇA



                         

                      
           



       Graça,                
                         Maravilhosa Graça!


Romanos 6.1-6
Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante? De modo nenhum! Nós que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição; sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado.


Licença para Pecar?

“Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante?” (6.1). O pregador inglês Martin Lloyd-Jones destacou que não há teste melhor para saber se alguém está realmente pregando o verdadeiro evangelho de Cristo do que observar sua exposição de Romanos 6. Jones destaca que há pessoas que interpretam e entendem de maneira errada essa passagem e atribuem -lhe o sentido que querem . Elas imaginam que se você realmente é salvo pela graça, então não importa o que você faz. Você pode continuar pecando , tanto quanto goste, porque pensam que tudo isso vai redundar em mais graça ainda. Dessa forma, Romanos 6 seria uma boa maneira de verificar se uma pessoa de fato está pregando o evangelho com autenticidade. A pregação para ser verdadeira, sublinha Lloyd Jones, precisa expor esse mal-entendido porque se assim não o fizer forçosamente não é o evangelho de Jesus Cristo. Essa forma privativa e equivocada da pregação só pode ser exposta quando a doutrina da justificação pela fé for apresentada.

O apóstolo valia-se do método de diatribe para fazer entender a sua argumentação . O método consistia em um diálogo comum interlocutor imaginário . Aqui ele novamente recorre a esse método para interagir com seu interlocutor. A sua exposição anterior poderia ter gerado mal entendidos. No capítulo 5, ele mostrou como a graça de Deus, na pessoa bendita de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo , prevaleceu sobre a condenação do pecado . Paulo destacou que o pecado de Adão atingiu a raça como um todo e também a cada pessoa de forma individual (R m 6.23; 5.12). Adão vendeu a raça para o pecado. Todavia, Jesus Cristo, o segundo Adão, comprou-a para Deus. A graça prevaleceu sobre o pecado. A dedução lógica do beneplácito da graça parecia ser: não seria melhor pecar para que a graça seja mais abundante? O apóstolo vai responder a essa objeção comum contundente “não ” , “de jeito nenhum ” .

 “De modo nenhum! Nós que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? (6.2). A expressão grega me genoito (de jeito nenhum ) mostra o grau de convicção do apóstolo a esse respeito . Não , não podemos nos valer da graça para validar ações pecaminosas. A razão é que nós morremos para o pecado. T. S. Watchman Nee observou que não foi o pecado que morreu para nós, mas nós que morremos para o pecado ! Morrer para o pecado não significa deixar de sentir sensibilidade alguma quanto a ele, mas se conscientizar de que ele perdeu seu domínio sobre nós. O pecado continuará sendo pecado com toda a sua malignidade . Mas a nossa postura quanto a ele não é mais a mesma que marcava nossas vidas antes de crermos em Jesus.

“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?” (6.3). O apóstolo , então, apela para o lado prático da vida cristã a fim de ilustrar o seu pensamento. Por que não devemos continuar no pecado ? Porque nos identificamos coma morte de Jesus por meio do batismo. Fomos, pois, batizados na sua morte. O expositor bíblico Warren W. Wiersbe observa que o termo grego para batismo “tem dois significados:

(1) um literal — mergulhar ou submergir;
e (2) e um figurativo — ser identificado .              


Um exemplo do segundo caso é 1 Coríntios 10.2: “Tendo sido batizados, assim na nuvem como no mar, com respeito a Moisés” . A nação de Israel foi identificada com seu líder, Moisés, quando cruzou 0 mar Vermelho ” . Wiersb e observa ainda que “ há um consenso entre os historiadores de que a forma de batismo usada pela Igreja Primitiva era a imersão. Os cristãos eram ‘sepultados’ na água e trazidos de volta, retratando a morte, sepultamento e ressurreição . O batismo por imersão (a ilustração que Paulo usa em Rm 6) retrata a identificação do cristão com Cristo em sua morte, ressurreição e sepultamento . É um símbolo exterior de uma experiência interior” .

 "... para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (6.4). Quando Cristo morreu , nós morremos junto com Ele. Essa identificação do crente com Cristo é uma doutrina crucial na teologia paulina conforme mostra Efésios capítulos 1 e 2. Cristo morreu , foi sepultado , todavia não ficou no túmulo . Ele ressuscitou . Da mesma forma, o cristão , agora identificado com Cristo, ressurgiu para uma nova vida. O apóstolo rebatia assim o pensamento antinomiano que procuraria ver na graça de Deus um a oportunidade para justificar e validar ações erradas.
Não há nada mais incongruente do que um cristão nascido de novo vivendo sob o domínio do pecado . Nos últimos anos, o nominalismo evangélico cresceu de uma forma exponencial. Aumenta a cada dia o número de cristãos que não dão sinal algum de que vivem em novidade de vida. Para eles, é mais confortável se ajustar ao modelo secular de viver do que ao padrão exigido pelas Escrituras. Corrompem -se da mesma forma que o mundo se corrompe; divorciam -se da mesma forma que o mundo o faz. Disputam o poder da mesma forma que, políticos sem nenhum pudor, disputam . Enfim , matam para se manterem vivos.

“Sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado” (6.6). Esse texto me faz lembrar meus dias de acadêmico no Seminário Batista. O final dos ano s 80 e o início dos anos 90 foi um período marcado por algumas controvérsias teológicas. Na nossa turma havia um aluno, muito dedicado , que começou a expor algumas ideias que destoavam daquilo que estávamos aprendendo ali. Ele passou a argumentar que o crente nascido de novo não pecava mais! Lembro -me de que um dos seus textos favoritos usados com o prova era Romanos 6.6. Nesse texto, argumentava, Paulo dissera que o “corpo do pecado ” havia sido destruído . Tempos depois, ficamos sabendo que aquela interpretação fora desenvolvida primeiramente nos Estados Unidos e posteriormente chegou aqui com o um enlatado. Ali ela foi batizada com o nome de doutrina da “Santificação Plena” . Essa crença afirmava que o crente debaixo da graça não peca mais. Isso evidentemente provou uma reação em cadeia tanto por parte do corpo docente com o discente daquela academia. Meu professor de grego e exegese bíblica produziu um texto apologético mostrando as falhas teológicas daquela argumentação .

Como todos os erros doutrinários, esse também se fundamentou em um erro de interpretação da Escritura. Não é isso que Romanos 6.6 diz. Esse texto não diz que o crente nascido de novo não peca mais. Nem tampouco esse texto está afirmando que o pecado não mais existe porque foi destruído . O verbo grego katageo, traduzido aqui como “destruir” , significa “tornar inefiàentê’, “impotente, A ideia é de um rei que é destronado. Paulo, em Romanos 6.6, ao se re ferir à crucificação do velho homem , usa esse verbo no tempo aoristo . Uma ação que aconteceu , de forma definitiva, no tempo passado. O que o apóstolo quis dizer com isso não é que o pecado já foi “ destruído ” ou “aniquilado ” e que, portanto , o crente não terá mais problema com ele. A natureza pecaminosa continua ainda fazendo parte da vida do cristão. O Senhor destronou a natureza pecaminosa (R m . 6 :6 ), mas esse destronar não significa que nós não venhamos a ter problemas com a velha natureza. Não é isso. O que o Senhor fez foi retirar o seu poder e o domínio que ela exercia sobre nós. Sim , o pecado perdeu o seu posto de senhor sobre nossas vidas.

O verbo grego katargeo (destruir) no tempo aoristo , como sublinhei, significa que a ação já foi completada de uma vez por todas. Em outras palavras, Paulo está afirmando que, do ponto de vista de Deus, a questão em relação à antiga natureza já foi resolvida — Ele a crucificou juntamente com Cristo. Katargeo (destruir) é a mesma palavra usada em Hebreus 2.14, onde se diz que Cristo, por meio de sua morte, destruiu (gr. katargeo) o Diabo. Satanás foi de fato destruído , no sen tido de ser aniquilado ? A resposta é não, pois, o Diabo continua existindo e tentando (1 Co 7.5, 1 Ts 3.5; 1 Pe 5 .8 ). O que Deus fez em Cristo Jesus foi destronar, anular o poder do Diabo em relação ao cristão , isto é, tirar o domínio que ele tinha sobre nós. O domínio de Satanás em relação ao crente foi katargeo, isto é, anulado. O Diabo não está mais no “trono ” (foi destronado ) de nossas vidas. No entanto , o Diabo ainda não foi “ destruído ” , por isso o crente não deve lhe dar lugar (Ef 4 .27). Da mesma forma, o pecado foi “destruído ” , isto é, destronado de nossas vidas. Em outras palavras, o texto está dizendo que Cristo destronou o pecado na vida do crente, mas não diz que ele aboliu nossa natureza pecaminosa.


Romanos 6.7-14
Porque aquele que está morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.

Mudança de Atitude

“sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele" (6.9). Os comentaristas chamam a atenção para três verbos usados por Paulo no capítulo 6 de Romanos. O primeiro deles aparece em 6.6, que é “ saber” . “Sabendo que” (v. 6) e “ sabedores” com o um verbo sinônimo (v. 9, ARA ). Já vimos que na mente de Deus o pecado já é um assunto resolvido , mas isso só se torna uma realidade prática na vida do crente a partir do momento que ele se apodera dessa verdade. E , portanto , necessário uma mudança de atitude. Ele precisa saber, isto é, tomar consciência de que a sua relação como pecado não deve ser m ais do jeito que sua experiência mostra, mas do jeito que Deus revelou em sua Palavra. Sem essa mudança de mentalidade, a batalha contra o pecado está perdida. A palavra traduzida no versículo 6 como “ sabendo ” deriva do grego ginosko, que é o termo usado para se referir ao conhecimento. Por outro lado, oida, que ocorre em Romanos 6.9, no grego significa também saber, toda ia mostrando mais o seu lado metafórico . Qual é, portanto , o primeiro passo que se deve dar na luta contra o pecado ? E saber o que a cruz fez em relação a ele. A cruz derrotou o pecado , fez com que ele perdesse o domínio em nossa vida. A nossa atitude agora é andar de acordo com aquilo que a cruz exige de nós.

“Assim também vós considerai-vos como mortos para 0 pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor” (6.11). Em segundo lugar, Paulo ensina que o crente deve “considerar-se ” morto para o pecado , mas vivo para Deus. O termo grego logiomai, traduzido aqui como considerar, temo sentido também de “reconhecer” . Esse verbo está no modo imperativo, significando que esse “ considerar” e “ reconhecer” é uma ordem . Em segundo lugar, o verbo está no tempo presente , o que significa que deve ser uma prática habitual. E em terceiro lugar, o verbo está na voz média , o que demonstra que é uma ação feita em prol de si mesmo . Uma tradução mais próxima do original ficaria assim : “ Considerem como um hábito que vocês estão mortos para o pecado , mas agora estão vivendo para Deus” .

Mais uma vez uma mudança de postura e atitude são exigidas do crente em Jesus. E preciso o reconhecimento do que significa essa nova dimensão da fé na qual ele vive. Neil Anderson demonstrou que a alta de sabermos de fato quem somos em Cristo é um dos maiores entraves para o crescimento espiritual.
“nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça” (6.13). A p alavra-chave nesse versículo é “oferecer” , que traduz o grego paristemi. Essa palavra era usada com conotação militar, significando “colocar-se à disposição de alguém ” , isto é, “ apresentar-se” . Joseph Fitzmeyer chama a atenção para a aplicação dessa palavra no contexto bíblico. “A expressão é um termo militar, como indica também a segunda parte do versículo. As armas da retidão aludem ao AT (Is 11.5; 5 9.17). Presume-se que os cristãos são instrumentos a serviço de Deus, não a serviço do mal.”

Romanos 6.15-23
 Pois quê? Pecaremos porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum! Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para a santificação. Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça. E que fruto tínheis, então, das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte. Mas, agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna. Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor.

 Servos da Justiça

 “Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues’’ (6.17). A nova vida do cristão exige um a mudança de senhorio. Paulo aqui agradece a Deus pela receptividade que o evangelho teve em Roma. Eles anteriormente eram escravizados, possuíam como patrão o pecado . Todavia , graças à mensagem do evangelho, haviam sido libertos. Agora eles obedeciam a uma “nova forma de doutrina’” que lhes foi entregue. E interessante observarmos que a palavra “ forma” traduzo grego typos, que nesse contexto tem o sentido de “patrão ” . O apóstolo via na Palavra de Deus, que lhes foi entregue, um novo patrão. Eles não tinham mais o pecado como chefe ou patrão de suas vidas, mas a poderosa mensagem do evangelho.

A crise da igreja hodierna , evidentemente , possui vários fatores. Todavia, não há dúvida de que primeiramente é uma crise teológica. E uma crise gerada por falta de Bíblia. Há muita coisa posta nos púlpitos das igrejas, mas essas coisas não são Bíblia. Não é a Palavra de Deus que está sendo pregada e ensinada. Consequentemente, o resultado obtido são cristãos fracos e doentes.
 “E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça” (6.18). O s cristãos romanos haviam sido libertos do pecado e feitos servos d a justiça. A palavra “libertados” traduz o grego eleutheroó, que é o mesmo termo usado por Jesus em João 8.36: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente, sereis livre s ” . No contexto joanino , Jesus mostra que os homens se encontravam sob a servidão do pecado. Não podiam se autolibertar. Aqui, os romanos haviam sido s libertos desse antigo amo e transformados agora em servo s de Deus.

“Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne;pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para a santificação ” (6.19). Stanley Clark destaca que os crentes devem apresentar seus membros à justiça da mesma forma que anteriormente haviam se dedicado ao pecado. O fim em vista é a santificação. A santificação é um processo iniciado por Deus e que exige do crente corresponder àquilo que o Espírito realiza na sua vida. O êxito, portanto, está na entrega diária que o cristão faz de suas capacidades a Deus. E isso que Paulo lembra aos romanos — só podem os servir a um Senhor p o r vez. Clark observa que “antes de se converterem , os leitores estavam totalmente a serviço do pecado e não tinham qualquer obrigação no que diz respeito à justiça (v. 20). Não significa que eles nunca haviam feito nada de bom , senão que estavam livres no que diz respeito ao dever de fazer o que era certo. Era uma liberdade de características muito pobres, com demonstra o apóstolo agora” .
O apóstolo conclui que o pecado costuma recompensar seus súditos com a morte, mas a graça os recompensa com a vida eterna, em Cristo Jesus.
 ( Livro : Maravilhosa graça)





CAPÍTULO 12
O reinado da graça
(Rm 6.1-23)   
Romanos – Hernandes Dias Lopes

O apóstolo Paulo acabou de apresentar a doutrina da identificação com Cristo. Em Adão toda a raça caiu em pecado e miséria. Em Cristo, o segundo Adão, porém, fomos libertados do pecado e da morte. Os que estão em Cristo, sob o reinado da graça, foram libertados da tirania do pecado, pois onde abundou o pecado, superabundou a graça (5.20).
Somos livres em Cristo. Podemos desfraldar as bandeiras da nossa liberdade!
A abolição da escravatura nos Estados Unidos da América custou alto à nação. Foi necessária uma guerra civil. Abraão Lincoln, 16° presidente, foi assassinado. A 13a emenda da Constituição que validava a escravidão foi legalmente abolida em 18 de dezembro de 1865. No entanto, a vasta maioria dos escravos do Sul que haviam sido legalmente libertados continuou vivendo como escravos. Um escravo do Estado do Alabama disse: “Nada sei sobre Abraão Lincoln e sobre nossa libertação”. Isso é trágico: uma guerra foi travada, um presidente foi assassinado, uma emenda à Constituição passa a ser lei, homens, mulheres e crianças antes escravos foram legalmente alforriados, todavia muitos continuaram vivendo como escravos por causa da ignorância. Há hoje muitos crentes vivendo como escravos. Embora Cristo, o emancipador de escravos, tenha morrido e ressuscitado para a nossa libertação, muitos crentes ainda vivem como cativos, sem desfrutar plena liberdade.
Muitos crentes são ignorantes, não conhecem o que Cristo fez por eles; outros são acomodados, acostumaram a viver como escravos; outros ainda são fracos, vivem com medo do feitor de escravos e deixam de desfrutar sua liberdade.

Em Romanos 6.1-23, Paulo nos mostra que a doutrina da justificação desemboca na santificação. Pela justificação fomos libertados da culpa do pecado, mas na santificação devemos ser salvos do poder do pecado. Vencemos o pecado não sob o regime da lei, mas sob o reinado da graça. A santificação, não menos que a justificação, resulta da eficácia da morte de Cristo e da virtude de sua ressurreição.
A doutrina do reinado da graça, entretanto, levou os libertinos a distorcer o ensino de Paulo. Eles ensinavam que a prática do pecado abre largas avenidas para uma ação mais robusta da graça (6.1). 

Assim, esses mestres do engano ensinavam que devemos pecar a valer para que a graça seja mais abundante. Paulo reage com firmeza a essa perversão da verdade, dizendo que o reinado da graça nos leva a morrer para o pecado, em vez de nos incentivar a viver nele e para ele. A graça nos livrou não apenas da culpa do pecado, mas também do seu poder. John Stott diz corretamente que o Deus da graça não apenas perdoa pecados, mas também nos liberta de pecar. Pois a graça, além de justificar, também santifica.

 William Barclay tem toda razão ao destacar que é terrível fazer da misericórdia de Deus uma desculpa para pecar. Seria uma atitude vil um filho considerar-se livre para pecar apenas por saber que seu  pai o perdoaria.

Romanos 6.1-23 é uma resposta àqueles que procuram transformar a graça de Deus em libertinagem. Paulo usa dois argumentos eloqüentes para desbaratar as vãs pretensões dos hereges: o primeiro é nossa união com Cristo por meio do batismo (6.1-14), e o segundo, nossa servidão a Deus pela conversão (6.15-23). Há profunda conexão entre esses dois argumentos. Em ambos, Paulo mostra as implicações do reinado da graça.

John Stott vê cinco pontos comuns nesses dois argumentos: primeiro, em ambos vemos a supremacia da graça (5.20,21; 6.15); segundo, em ambos vemos a mesma relação entre o pecado e a graça (6.1,15); terceiro, em ambos Paulo reage à questão com a mesma indignação (6.2,15); quarto, em ambos a ignorância é apontada como base do antinomismo (6.3,16); quinto, em ambos Paulo fala da descontinuidade radical entre a velha e a nova vida (6.2,16).
Consideraremos a seguir esses dois argumentos de Paulo.

Devemos viver em santidade porque estamos unidos a Cristo pelo batismo (6:1-14).
A pergunta que se inicia o capítulo 6 procede da ênfase dada no final do capítulo 5. Se a graça é superabundante onde o pecado é abundante, se a multiplicação das transgressões serve para demonstrar o esplendor da graça, então não deveríamos pecar mais para que Deus seja ainda mais glorificado na magnificência da sua graça? Esta pergunta retratava tanto a distorção antinomiana como a objeção dos legalistas à doutrina da justificação pela graça, por meio da fé,independentemente das obras.
A inferência licenciosa é imediata e energicamente rejeitada por Paulo (6.2). O apóstolo responde neste capítulo tanto à distorção dos antinomianos quanto à objeção dos legalistas.569 Três verbos regem esta primeira parte da argumentação de Paulo: saber (6.6), considerar (6.11) e oferecer(6:13).

Em primeiro lugar, devemos saber (6.1-10). A fé cristã está fundamentada sobre o entendimento. Crer é também pensar. A ignorância da verdade não glorifica a Deus nem nos possibilita crescimento na graça. O segredo de uma vida santificada está na mente. Consiste em saber (6.6) e considerar (6.11). O que devemos saber?

a. Nós morremos para o pecado (6.2). Se morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele? A morte e a vida não podem coexistir; não podemos estar mortos e vivos ao mesmo tempo, com relação a coisa alguma.
A graça nos salvou do pecado, e não no pecado. O pecado é inadmissível no cristão. Os antinomianos argumentam que o crente pode persistir no pecado, mas Paulo afirma que o crente morreu para o pecado. Não podemos viver no pecado se estamos mortos para ele. Assim como nós morremos pelo pecado em Adão, morremos para o pecado m Cristo.

Concordo com John Stott no sentido de que Paulo declara aqui não a impossibilidade literal da prática do pecado por parte dos crentes, mas a incongruência moral envolvidaT1 Citando Charles Hodge, Juan Schaal diz que tal é a natureza da união do crente com Cristo, que seu viver no pecado não é só uma inconsistência, mas também uma contradição de termos, tanto quanto falar de um homem morto que vive ou de um homem bom que é mau. A união com Cristo, sendo a única fonte de santidade, não pode ser a fonte do pecado.

Adolf Pohl tem razão quando diz que, no exato momento em que a morte acontece, cai por terra qualquer reivindicação diante do falecido. Ninguém pode exigir nada dele. Autoridade financeira, credor ou executor penal podem buscar algo somente dos vivos. Os mortos escapam a todo sistema de compromissos. Morrer muda radicalmente a posição legal. Morrer é libertação. “Morremos para o pecado!”, este é um grito de liberdade.

Quero exemplificar esse conceito. Uma mulher no sul dos Estados Unidos da América casou-se com um grande fazendeiro. Ela o amava e o servia com devoção. Quando seu marido morreu, ela mandou embalsamá-lo e colocou-o sentado numa redoma de vidro na entrada da casa. Todos os dias quando voltava para casa, saudava-o: “Olá, John, como vai?” Depois de vários anos, resolveu fazer uma viagem à Europa. Por lá conheceu um homem amável e casou-se com ele. Ao retornarem à América, seu novo marido tomou um grande susto ao entrar no quintal da casa. Carregando a noiva nos braços, chegou à porta e deu de cara com o John. “Quem é este?” A mulher respondeu: “E John. Foi meu primeiro marido, mas é história; ele está morto”. O novo marido abriu uma cova e sepultou o ex-marido de sua mulher. Foi exatamente o que Cristo fez. Muitos crentes, porém, colocam o velho homem numa redoma de vidro e o cumprimentam todos os dias, como se ele estivesse vivo. Você é livre! Cristo já emancipou você.

b. Fomos batizados na morte de Cristo (6.3). Se o batismo significa a união com Cristo em sua morte, então os crentes morreram, com Cristo quando ele morreu. Conforme William Greathouse a morte na qual fomos batizados é a morte dele, e a nossa morte está ao mesmo tempo incluída na dele.574 Fomos introduzidos numa relação mística com o novo Adão. Estamos em Cristo, ligados a ele. Ele é o nosso representante e cabeça. Fomos batizados em Cristo Jesus na sua morte.
Quando ele morreu, morremos com ele. Quando ele foi sepultado, fomos sepultados com ele. Assim como estávamos nos lombos de Adão quando ele pecou, estávamos em Cristo quando ele morreu. Sua morte foi a nossa morte. John Stott afirma que fomos unidos a Cristo interiormente pela fé e exteriormente pelo batismo.

 Paulo, portanto, não se refere aqui à forma do batismo, mas a seu significado, nossa identificação com Cristo em sua morte. O nosso batismo foi uma espécie de funeral. Nessa mesma linha de pensamento, Charles Erdman diz que não é o modo de batismo o elemento importante nesta referência. Paulo enfatiza não o rito ou a cerimônia, mas a proclamação e a fé que acompanham o batismo.
De acordo com John Stott, o argumento essencial de Paulo é que ser cristão implica uma identificação vital com Jesus Cristo e essa união é representada por nosso batismo, como se fosse um drama aimbólico.

c. Ressuscitamos com Cristo (6.4,5). Nossa união com Cristo não é apenas em sua morte, mas também em sua ressurreição. Assim como ele ressuscitou, também ressuscitamos nele para vivermos em novidade de vida. O poder da ressurreição está em nós para vivermos uma vida de poder. O reinado da morte pelo pecado não tem poder mais sobre nós, uma vez que morremos e ressuscitamos com Cristo. A morte e a ressurreição de Cristo não são apenas fatos históricos e doutrinas significativas, mas também experiências pessoais, já que através da fé-batismo nós mesmos viemos a participar deles.578

d. Fomos crucificados com Cristo (6.6,7). Paulo volta a enfatizar que o crente precisa ser regido pelo conhecimento. Devemos saber que fomos crucificados com Cristo. Alguns pontos aqui precisam ser esclarecidos:

- Quem é o velho homem que fo i crucificado com Cristo? Certamente é a totalidade de quem éramos antes da nossa conversão. Não se trata apenas da nossa velha natureza, pois esta ainda está presente em nós, mesmo depois da conversão.
Não se trata da velha natureza não regenerada, mas da vida anterior não regenerada. Não é meu “eu interior”, mas meu “eu anterior”. John Murray corretamente diz que “o nosso velho homem” é o homem não regenerado, em sua inteireza, em contraste com o novo homem, regenerado em sua inteireza.579 William Hendriksen acrescenta que o velho homem é a pessoa como éramos outrora, nossa natureza humana considerada à parte da graça.
Romanos 6.6 não tem o mesmo sentido de Gálatas 5.24.
O nosso velho homem já foi crucificado com Cristo. Isso é um fato consumado, e o agente da ação é o próprio Deus.

No entanto, crucificar a carne com suas paixões refere-se a algo que deve ser feito sempre, e o agente da ação somos nós mesmos. John Stott diz que a primeira morte é legal, um morrer à penalidade do pecado; a segunda é uma morte moral, um morrer ao poder do pecado. A primeira faz parte do passado, é única e não pode ser repetida; a segunda pertence ao presente e se repete continuamente. Morri para o pecado (em Cristo) uma vez, definitivamente; morro para o eu (como Cristo) diariamente.1’81

- O que significa o corpo do pecado que deve ser destruído?
Certamente Paulo não está se referindo ao corpo humano, pois este não é em si mesmo pecaminoso, como pensavam os gnósticos. Trata-se da natureza pecaminosa que se expressa por meio do corpo (6.12), ou seja, o corpo condicionado e governado pelo pecado.582 Trata-se do nosso velho eu, isto é, nossa natureza adâmica. O corpo do pecado é o corpo dominado pelo pecado, o corpo enquanto condicionado e controlado pelo pecado, já que o pecado usa o nosso corpo para os próprios propósitos malignos, pervertendo nossos instintos naturais e transformando a sonolência em preguiça, a fome em glutonaria, e o desejo sexual em luxúria.

- O que significa ser destruído? O verbo grego katargeo não significa aqui eliminar ou erradicar, mas derrotar, incapacitar e destituir de poder.584 Destruir aqui não é desaparecer
(Hb 2.14), mas ser vencido. Não significa ser aniquilado, mas despojado de poder, subjugado e dominado. A natureza adâmica não é extirpada na conversão, mas recebemos poder para subjugá-la e dominá-la. Warren Wiersbe escreve a esse respeito: “O termo destruído não significa aniquilado', mas sim ‘desativado, tornado ineficaz’. A mesma palavra grega é traduzida por ‘desobrigada em Romanos 7.2. Se o marido de uma mulher morre, ela se vê desobrigada dele quanto à lei e livre para se casar novamente”.

- O que Paulo quis dizer quando afirmou que aquele que morreu justificado está do pecado? O único jeito de ser justificado do pecado é receber sua paga, é cumprir a sentença. Um preso que cumpre sua sentença está quite com a lei. Se alguém pega trinta anos de cadeia e morre, fica livre da pena. A lei não age sobre quem já morreu. Para F. F. Bruce, a morte paga todos os débitos, de sorte que o homem que morreu com Cristo vê apagado seu registro na lousa, e está pronto para começar vida nova com Cristo, livre do vínculo do passado.586 William Fíendriksen tem razão quando diz que a morte quita todas as dívidas.

 Quando nos identificamos com Cristo, morremos legalmente para o pecado. Não devemos mais nada à lei. Agora nem o pecado nem a lei têm mais direito legal sobre nós. Concordo com Geoffrey Wilson na seguinte afirmação: “Como a morte liberta o homem de todas as obrigações, assim ela nos liberta a nós que morremos com Cristo, da obrigação de nos sujeitarmos ao reino de nosso velho senhor, o pecado.

Estar justificado do pecado pode dar-se apenas se alguém pagar o preço do pecado, seja o pecador, seja um substituto apontado por Deus para pagar a dívida. Não existe meio de escapar, a menos que alguém assuma a culpa. Um criminoso sentenciado e condenado à prisão precisa cumprir a pena para ficar livre. Uma vez cumprida a sentença, poderá deixar a prisão, justificado. Não precisa temer mais as autoridades, porque as demandas da lei foram cumpridas. O criminoso está justificado do seu pecado. O mesmo princípio é aplicado se a penalidade for a morte. A lei não pode punir quem já morreu. Um morto está quite com a lei. Pois bem, merecíamos morrer por nossos pecados. E morremos, se bem que não pessoalmente, mas na pessoa de Jesus Cristo, nosso substituto, que morreu em nosso lugar.
Consequentemente, se estamos mortos em Cristo, estamos justificados do pecado.

- Viveremos com Cristo (6.8-10). Já que estamos em Cristo e ele morreu e ressuscitou, então, nós que morremos com Cristo, também viveremos com ele, e não só no porvir, mas aqui e agora. Sua morte é nossa morte, e sua ressurreição é nossa ressurreição. Sua vida é nossa vida. Assim como a morte não tem mais poder sobre o Cristo ressurreto, assim como Cristo morreu de uma só vez pelo pecado e para o pecado e fez um sacrifício suficiente e cabal não precisando mais repeti-lo, assim como Jesus agora vive para Deus, nós também morremos, ressuscitamos e vivemos para Deus como Cristo  em Cristo.

John Stott corretamente argumenta que Cristo morreu para o pecado quando sofreu o castigo do pecado. Ele morreu por nossos pecados, carregando-os em sua própria pessoa inocente e santa. Carregou nossos pecados e sua justa recompensa. A morte de Jesus foi o pagamento pelo pecado, pelo nosso pecado: ele cumpriu a sentença, pagou a pena e aceitou a conseqüência. Tudo isto Cristo fez de uma só vez e para sempre, e portanto o pecado já não tem direito algum sobre ele. Se é neste sentido que Cristo morreu para o pecado, nós também, unidos a Cristo, morremos para o pecado neste mesmo sentido. Isto é, morremos para o pecado porque em Cristo sofremos o castigo pelo pecado. E a conseqüência é que nossa velha vida terminou, e começamos uma nova vida.
Em segundo lugar, devemos considerar (6.11). Conforme William Hendriksen, neste ponto a doutrina assume o aspecto de exortação.191 O termo considerar é a tradução de uma palavra grega usada 41 vezes no Novo Testamento — 19 vezes só em Romanos. Significa “levar em conta, calcular, estimar”. Devemos levar em conta aquilo que Deus diz em sua Palavra, pois isso vale para a nossa vida.

O verbo grego “considerar” significa ainda fazer escrituração comercial. E aritmética, ou seja, algo exato,real, concreto. É verdade absoluta aqui e em todo o mundo.
Deus ordena que façamos a escrituração, lançando na conta a morte do velho homem. Devemos tirar o atestado de óbito do velho homem. A consideração é uma questão de fé que resulta em ação. E como endossar um cheque; se cremos, de fato, que o cheque tem fundos, colocamos nossa assinatura no verso do cheque e sacamos o dinheiro. Considerar não é se apropriar de uma promessa, mas agir em função de um fato. Deus não ordena que morramos para o pecado. Ele diz que estamos mortos para o pecado e vivos para Deus e, em seguida, ordena que ajamos de acordo. O fato continuará sendo válido, mesmo que não obedeçamos.

Já que estamos em Cristo e ele morreu, devemos considerar-nos também mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus. E como se a nossa biografia fosse escrita em dois volumes. O volume 1 conta a nossa história antes de Cristo; é a história do velho homem. O volume 1 encerrou-se com a morte legal do antigo eu; o volume 2 é a história do novo homem. Ele se abriu com a ressurreição. Não podemos viver mais no volume 1, como se nossa morte e ressurreição com Cristo nunca tivessem ocorrido.

 O primeiro volume terminou em nossa morte com Cristo. Recebemos o que merecíamos na pessoa do nosso substituto, ou seja, a morte. O primeiro volume já está concluído e fechado. Vivemos agora no segundo volume. E incoerente o cristão viver agora no primeiro volume, pois “como viveremos no pecado, nós os que para ele morremos?” Destacamos, aqui, dois pontos:

a. Devemos considerar-nos mortos para o pecado (6.11a). O que isso significa? Não significa que estamos mortos no sentido de insensíveis ao pecado. Paulo não está aquidefendendo a impecabilidade do cristão nem pleiteando a tese da santidade total nesta vida. Uma das evidências da vida é a capacidade de corresponder aos estímulos. Não estamos mortos para o pecado como um gato morto está insensível ao toque.

A Palavra de Deus, a História e nossa experiência provam que não estamos mortos nesse sentido em relação ao pecado. Ainda lutamos contra o pecado, e ele ainda tenazmente nos assedia. John Stott destaca que as biografias que encontramos nas Escrituras, como no decorrer da História, aliadas à nossa experiência, mostram que isso não é verdade. Longe de estar morta, no sentido de inerte, nossa natureza caída está tão viva e ativa que somos seriamente exortados a não obedecer a seus desejos, e o Espírito Santo nos é concedido para que possamos subjugá-los e controlá-los.Wl Não morremos para o pecado no sentido de estarmos insensíveis a ele, como um morto está insensível aos cinco sentidos (6.12,13; 13.14). Nossas tentações vêm do interior, da carne, e não apenas de fora, do mundo e do diabo.

Em que sentido, então, devemos considerar-nos mortos?
Nossa morte ao pecado é idêntica à de Cristo (6.10). E legal. E moral. Morremos para o pecado porque em Cristo sofremos o castigo pelo pecado, que é a morte. Morremos em Cristo. A morte de Cristo foi a nossa morte (2Co 5.14). Devemos considerar-nos mortos no sentido de que judicialmente estamos mortos em Cristo. Assim como pelo pecado de Adão morremos no pecado, pela morte de Cristo morremos para o pecado. Podemos agora, andar com a certidão de óbito no bolso, dizendo que o pecado não tem mais domínio sobre nós, no sentido de nos condenar, uma vez que já fomos justificados pela morte de Cristo.

A penalidade que deveria cair sobre nossa cabeça caiu sobre Cristo. A condenação que nós deveríamos receber, Cristo recebeu em nosso lugar. O golpe da morte que nós deveríamos ter sofrido, Cristo sofreu por nós. A morte que nós deveríamos suportar, Cristo suportou por nós. A sua morte foi a nossa morte. Assim como Cristo morreu para 0 pecado, nós também morremos para ele. Porque estamos em Cristo, já sofremos nele a penalidade do pecado, que é a morte. Morremos nele e por intermédio dele. Ao nos unirmos com ele, sua morte tornou-se a nossa morte.596

b. Devemos considerar-nos vivos para Deus (6.11b). Fomos salvos por Cristo a fim de viver para Deus. Não podemos viver para o pecado nem agradar a nós mesmos. Viver para a glória de Deus é a razão da nossa vida. Devemos deleitar­-nos nele. Devemos fechar de uma vez para sempre o volume 1 da nossa biografia e viver doravante apenas no volume 2.

Em terceiro lugar, devemos oferecer (6.12-14). O resultado de saber que estamos crucificados com Cristo(6.6) e considerar-nos mortos em Cristo (6.11) deve levar-mos a oferecer nosso corpo a Deus (6.12-14). O corpo do cristão não é apenas morada de Deus, mas também um instrumento nas mãos de Deus. Paulo dá três ordens claras, duas negativas e uma positiva.

a. Não permita que o pecado domine seu corpo (6.12).
Onde Cristo é Senhor, o poder do pecado tornou-se ilegal (6.7). Deus lhe deu o “cartão vermelho”.59' Paulo não está admitindo que o pecado reina na vida do crente. Aliás, ele nega isso. A seqüência é esta: o pecado não exerce o domínio; portanto, não permita que ele reine.
 O pecado é intruso e embusteiro. Ele pode usar o nosso corpo como uma ponte por meio da qual nos consegue governar. Assim Paulo convoca a rebelar-nos contra o pecado.599 Geoffrey Wilson diz que o pecado é retratado aqui como um soberano (que reina, v. 12) que exige o serviço militar de seus súditos (exigindo obediência, v. 12), cobra-lhes um imposto em armas (armas da iniqüidade, v. 13) e lhes dá seu soldo de morte (o salário, v. 23).600

b. Não ofereçam os membros do seu corpo ao pecado (6.13a). Os órgãos do nosso corpo (olhos, ouvidos, mãos, pés) devem estar a serviço de Deus, e não do pecado. A vida cristã é mais que um credo, é mais que um sentimento. E ação. William Barclay diz que o sentimento religioso nunca pode ser um substituto do fazer religioso. O cristianismo não pode ser somente uma experiência de um lugar secreto; deve ser uma vida numa praça pública.

c. Ofereçam-se a Deus (6.13b). Essa consagração a Deus deve ser um compromisso decisivo e deliberado. Paulo trata aqui de dois reinados: o reinado do pecado e o reinado da graça. No reinado do pecado, as pessoas são escravas, e não livres. Elas se afundam no atoleiro dos vícios e perversões e usam seu corpo para atender os ditames do pecado. No reinado da graça, elas são não apenas livres, mas também chegam a reinar. Uma vez que não estão debaixo do domínio do pecado, não devem oferecer o seu corpo para servi-lo nem os membros do seu corpo para fazer sua vontade. Nosso corpo foi comprado por Deus e deve estar a serviço da glória de Deus. Os membros do nosso corpo não devem ser janelas abertas para o pecado, mas instrumentos da realização da vontade de Deus. Não podemos dar uma parte da nossa vida a Deus e outra parte ao mundo. William Barclay tem razão em dizer: “Para Deus é tudo ou nada”.
Destacamos aqui dois pontos:

- O reinado da escravidão. Quando o pecado reina, os homens se tornam capachos de sua implacável tirania. O reinado do pecado é um domínio de opressão. O pecado escraviza e mata. Os súditos do pecado vivem prisioneiros de suas paixões e oferecem os membros do seu corpo à iniquidade.

- O reinado da liberdade. Quando a graça reina, os homens se tornam livres. A graça destrona o pecado. Destrói o senhorio do pecado e capacita o crente a oferecer-se a si mesmo, e a tudo o que lhe pertence, em amorável serviço a Deus.
 Em vez de viver sob a tirania do pecado, eles podem voluntariamente se consagrar a Deus e oferecer os membros do seu corpo para a prática da justiça. Estar debaixo da lei é aceitar a obrigação de guardá-la e assim incorrer em sua maldição e condenação (G1 3.10). Estar debaixo da graça é reconhecer a nossa dependência da obra de Cristo para a salvação, e assim ser justificados ao invés de condenados.

Devemos viver em santidade porque nos tornamos escravos de Deus pela conversão (6.15-23)
 O reinado da graça está estribado em dois fundamentos: nossa união com Cristo pelo batismo e nossa servidão a Deus pela conversão. Paulo passa do primeiro argumento, nossa união com Cristo em sua morte, para o segundo argumento, nossa servidão em virtude da conversão. A ênfase no primeiro argumento encontra-se naquilo que foi feito por nós (fomos unidos a Cristo), enquanto a ênfase do último está naquilo que nós fazemos (oferecendo-nos a Deus a fim de obedecer-lhe).605 Em ambos os argumentos Paulo começa com a mesma indagação de espanto: “Não sabeis?... “ (6.2,16). John Stott sugere cinco pontos de destaque nessa exposição do apóstolo:

Em primeiro lugar, o princípio: a autorrendição conduz à escravidão (6.16). A rendição desemboca em servidão.
O homem é sempre escravo: do pecado ou de Deus. A servidão do pecado torna o homem cativo das paixões; a servidão a Deus o torna livre. E conhecida a expressão de Agostinho: “Quanto mais escravo de Cristo sou, tanto mais livre me sinto”. A escravidão de Deus é liberdade; a liberdade do pecado é escravidão. E impossível ser escravo de dois senhores ao mesmo tempo (Mt 6.24). Somos servos de Deus ou do pecado.

Em segundo lugar, a aplicação: a conversão implica troca de escravidão (6.17,18). Cristo nos arrancou do cativeiro do pecado. Éramos dominados. Estávamos debaixo de um jugo opressor. Vivíamos na masmorra da culpa, atormentados pelo látego do medo. Livres desse maldito cativeiro, fomos feitos servos da justiça. O servo da justiça é verdadeiramente livre. Pela conversão, saímos de um reino para outro, de um senhor para outro, de um estilo de vida para outro. Vivíamos no reino das trevas, agora estamos no reino da luz. Éramos escravos do diabo, agora somos servos de Cristo. Vivíamos entregues às paixões e iniquidades, agora nos dedicamos à prática da justiça.
O evangelho apostólico é aqui comparado a uma forma ou molde em que o metal derretido é derramado para tomar forma. Esse molde é a norma final que molda o pensamento e a conduta de todos os que são entregues a seu ensino.
Poderíamos esperar que a doutrina fosse entregue aos ouvintes, em vez de os ouvintes serem entregues à doutrina.
O cristão, porém, não é o senhor de uma tradição, como os rabinos, pois é criado pela Palavra de Deus e permanece em subimissão a ela.

Em terceiro lugar, a analogia: os dois tipos de escravidão são progressivos (6.19). Sob o reinado do pecado, o homem fazia provisão para agradá-lo; agora, sob o reinado da graça,deve usar no mínimo o mesmo empenho para viver em santidade. Não podemos ser menos consagrados a Deus que um ímpio é dedicado ao pecado. O mundo investe na promoção de suas causas. O pecador vira noites para satisfazer suas paixões. Dedica sua vida, seu tempo, seu dinheiro para agradar a seu senhor. Depois de convertidos, libertos e salvos, teríamos nós uma dedicação inferior quando se trata de agradar ao Senhor? Será que fomos mais dedicados ao diabo ontem do que somos a Jesus hoje?

Em quarto lugar, o paradoxo: a escravidão é liberdade e a liberdade é escravidão (6.20-22). Como dissemos anteriormente, a liberdade do pecado é escravidão; a escravidão de Deus é liberdade. A liberdade do pecado desemboca na morte; a escravidão a Deus promove vida. O homem que se julga livre para fazer tudo o que deseja é, na verdade, escravo do pecado. O homem que serve a Deus, embora possa praticar o pecado, opta por obedecer a Deus. O escravo do pecado não pode [fazer/agir]; o escravo da justiça pode não [fazer/agir]. Aquele que é viciado em bebida alcoólica não pode deixar de beber; foi dominado, é escravo; o convertido a Cristo pode beber, mas pode não beber. Ele não está debaixo do copo, mas sobre ele. Ele não é escravo, é livre. Ele não é dominado; tem domínio próprio.

Em quinto lugar, a antítese suprema (6.23). No reinado do pecado, os homens recebem seu soldo com juros e correção. Além de todo o tormento que o pecado produz, seu pagamento final é a morte. Salário é aquilo que merecemos por aquilo que fazemos. O pecador merece a morte; ela é seu justo salário. Adolf Pohl diz que não apenas havemos de morrer, nós merecemos morrer, pois o pecado está grávido da morte. Conforme William Barclay, Paulo usa aqui dois termos militares. A palavra opsonia, “salário”, era a paga do soldado,algo que ele ganhava arriscando sua vida e com o suor do seu rosto. O salário era algo devido ao soldado e que dele não podia ser tirado. A palavra grega charisma, “dádiva”, por sua vez, significa a retribuição totalmente livre e imerecida que algumas vezes o exército recebia. Geoffrey Wilson destaca três comentários importantes sobre salários. Primeiro, como o salário era pago para suprir os custos da vida, o pecado aqui é apresentado como um enganador que promete vida e paga com a morte.
Segundo, porque os salários não são limitados a um único pagamento, a sombra da punição final já paira sobre a vida presente. Pois, da mesma forma que a vida eterna já é posse do crente, assim o pecado já oferece a seus escravos veneno mortal tirado do cálice da morte. Terceiro, como “salário” é um termo legal, podemos concluir que o homem só tem direitos em relação ao pecado, e esses direitos se tornam sua condenação. Assim, o homem ceifa na forma de corrupção aquilo que semeou na forma de pecado.
F. F. Bruce diz que o pecado paga salários a seus servos— e o salário é a morte. Deus nos dá não salário, mas algo melhor e muito mais generoso: por sua graça, ele nos dá a vida eterna como livre dom — a vida eterna que nos pertence por nossa união com Cristo.

No reinado da graça, os homens recebem não o que merecem, a morte, mas o favor imerecido de Deus, a vida eterna. A palavra grega charisma é usada para definir uma dádiva da graça de Deus. A vida eterna não é um prêmio que conquistamos; mas uma dádiva divina inteiramente gratuita e absolutamente imerecida. A vida eterna é gratuita; a morte é merecida.
Ao fim, então, temos duas vidas e dois destinos. Aqueles que seguem pela estrada da autogratificação terão como destino final a morte espiritual, física e eterna; mas os que são crucificados com Cristo, morrem com ele, são sepultados e ressuscitam com ele para uma nova vida, recebem um dom glorioso, ávida eterna.




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