I. A FAMÍLIA DE NOÉ
Já estabelecidos nas imediações do Ararate, Noé e sua família
recebem do Senhor a incumbência de repovoar a Terra. E, assim, tem início um
novo processo civilizatório. Daquele único clã, sairão as tribos, nações e
povos que, espalhados pelos cinco continentes, hão de originar reinos e
impérios.
A tarefa será nada fácil. A ruptura cultural com o mundo de
Lameque envidará muito trabalho. Por isso mesmo, os filhos de Noé
empenhar-se-ão em recompor as ciências, engenhos e tecnologias de quase vinte
séculos. Se algum esforço foi requerido de Adão, de Noé há de ser exigida
redobrada pertinácia, para que a nova civilização finque suas raízes.
Em meio a tantos afazeres e
preocupações, eis que um incidente na família do patriarca cinde a humanidade
ali representada. Tudo começou quando Noé retomou suas lides agrárias.
II. NO PRINCÍPIO, ERA
A AGRICULTURA
Sem a agricultura, a civilização seria impossível.
É o que nos ensina a História. Os povos que, hoje, nos encantam com o seu
progresso e desenvolvimento são os que mais se entregaram ao amanho da terra. Os
europeus, norte-americanos e japoneses são um exemplo clássico.
O cultivo do
solo exigiu-lhes o domínio da meteorologia, da química, da metalurgia e de
outras ciências fronteiriças. Quem lida com a plantação há de necessitar de
enxadas e relhas, adubos e previsões do tempo. Concernente aos povos que se
limitaram à caça e à coleta vegetariana, jazem tão primitivos quanto há dois
mil anos.
1. Noé, o agricultor.
Já fora da arca e já estabelecido nas imediações
de Sinear, passou Noé a trabalhar a terra, pois não desconhecia os benefícios
da agricultura. Assim o autor sagrado descreve a fadiga do patriarca: “Sendo
Noé lavrador, passou a plantar uma vinha” (Gn 9.20). O verbo hebraico natah não
significa apenas plantar; seu significado tem sérias implicações civilizatórias:
estabelecer, edificar e construir.
Em sua essência, plantar é fazer cultura.
Ciente da importância da agricultura, eis que Noé
põe-se a trabalhar a terra. E, dessa forma, semeia uma nova civilização que,
dentro em pouco, não terá apenas recuperado o que se havia perdido, mas se
haverá surpreendentemente. Haja vista o que dirá o próprio Senhor quando da
soberba de Babel: “Agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer” (Gn
11.6).
Noé volta à
terra. Ele planta uma vinha e semeia uma civilização; seus filhos colherão
reinos e impérios.
2. A vinha de Noé.
Pelo que depreendo das palavras de Jesus, a uva já
era bastante cultivada no período pré-diluviano, pois os discípulos de Lameque
entregavam-se à comida e à bebida. Vinhas e adegas eram mui encontradiças
naquele tempo. Ninguém desconhecia o poder inebriante do fruto da vide.
Juntamente
com a vinha, o patriarca constrói uma adega. E, com a ciência que trouxera da
primeira civilização, põe-se a vinificar suas uvas. Desenvolvendo a enologia,
produz a primeira safra de vinho da segunda civilização. De vinhateiro, faz-se
vinicultor. Mas essa sua faina trar-lhe-ia constrangimento e desinteligência ao
l ar.
III. O BOM E VELHO VINHO DE
SEMPRE
Se por um lado, o vinho é o mais notório símbolo
da alegria, por outro, é o emblema mais poderoso da intemperança. Quem a ele se
entrega, por mais avisado e sábio, acaba comportando-se de maneira
inconveniente. Por isso, o rei Salomão alerta-nos a tratá-lo com cuidado e
duplicada prudência. Que o exemplo de Noé sirva-nos de alerta.
1. Um homem piedoso e íntegro.
Na História Sagrada, foi Noé considerado um dos
três varões mais piedosos de todos os tempos (Ez 14.14). Pontificando-se ao
lado de Jó e Daniel, não soube, porém, como se comportar diante do vinho. Para
comemorar a primeira safra de sua vide, embebedou-se e pôs-se nu na tenda
patriarcal (Gn 9.21). Que escândalo! O homem que sobrevivera ao Dilúvio
deixava-se, agora, afogar numa taça de vinho. O patriarca, embriagando-se,
desveste-se e cai num sono profundo. Sua vinolência chega a tal ponto que o
leva a perder a noção do certo e do errado. Por algum tempo, faz-se dissoluto.
Por isso, recomenda-nos Paulo: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há
dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18).
2. Quando o
vinho faz-se irresistível.
O Senhor dera a vinha
a Noé, mas Noé, imoderando-se, dera-se à vinha, entregando-se ao desprezo
doméstico.
Se um homem santo e piedoso como o patriarca não
se houve com moderação ante o vinho, sejamos precavidos. Doutra forma, corremos
o risco de cometer até inimagináveis torpezas (Gn 19.31-38). Quem não pode
conter-se, abstenha-se. O ideal é agir como os recabitas que, ansiando por
agradar a Deus, evitavam o vinho (Jr 35.1-19). O patriarca não ignorava os
efeitos da fermentação. Certamente vira ele, no período antediluviano, o que os
seguidores de Lameque faziam sob o jugo da bebida. Além de comer
imoderadamente, imoderadamente bebiam, dando-se a todos os excessos. Noé,
embriagado, caiu num pecado que, sóbrio, condenara.
3. A nudez de Noé.
Dando-se ao vinho, Noé embriaga-se. Perde a noção do certo
e do errado. Ignora os limites da ética e do decoro mínimo. Agora, ei-lo
irreconhecível em sua tenda. Despe-se e deixa-se vencer pela vinolência. Ali
estava um dos três homens mais piedosos da História Sagrada exposto diante da
esposa, filhos, noras e netos.
Vejamos como se comportavam Jó e Daniel citados
por Ezequiel juntamente com Noé. Pelo que nos relata o autor sagrado, o
patriarca de Uz, ao contrário dos filhos, não se dava ao vinho. Quanto a
Daniel, observamos que, de fato, el e não compartilhava do vinho do rei. Mas,
particular e reservadamente, bebia o seu vinho. Num momento de ansiedade e
interrogações, o profeta abstém-se das iguarias e bebidas: “Manjar desejável
não comi, nem carne, nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com óleo
algum, até que passaram as três semanas inteiras” (Dn 10.3).
Dos três varões mais piedosos da História Sagrada,
observamos três diferentes posturas: duas louváveis e uma condenável. Jó era
abstêmio, e Daniel, moderado. Quanto a Noé, deixou-se dominar pela imoderação,
trazendo escândalo ao lar. Nos países mediterrâneos, onde o vinho fermenta a
cultura e o cotidiano das gentes, a bebida é larga e, às vezes, prodigamente
consumida até por cristãos professos. Não são poucos os servos de Deus que se
permitem embriagar, comprometendo a saúde física e espiritual. Enfermam o corpo
e a alma. Nossa piedade resiste ao orgulho, à concupiscência e aos pecados mais
grosseiros. Todavia, é incapaz de resistir ao vinho. Na taça, fruto da vide; no
estômago, reação química e escândalo. Se imoderados, agiremos soberbamente,
dar-nos-emos à lascívia e agiremos como os mais grosseiros e vulgares
pecadores. Portanto, moderação e cuidado. Se você dele se abstiver, melhor.
Embora todas as coisas sejam-nos lícitas, nem todas convém-nos. Afinal, somos a
comunidade ética e moral por excelência.
IV.
A IRREVERÊNCIA DE CAM
Cam, o
filho mais novo de Noé, representou à nova civilização o que
Caim, o filho mais
velho de Adão, representara à antiga .Na
História Sagrada, foi Noé considerado um dos três varões mais piedosos de todos
os tempos (Ez 14.14). De sua pouquíssima história, podemos extrair muita
conclusão. Embora salvo do Dilúvio, não conseguira livrar-se dos pecados que
ocasionaram a grande inundação. Na primeira oportunidade, sua loucura e irreverência
vieram à tona, revelando quem, de fato, era ele. Pelo jeito, em nada diferia
dos herdeiros espirituais de Lameque. Não fora seu pai, teria perecido nas
águas da ira divina .
1.
O desamor. Quem ama não é indecente. Mas discreto, lhano,
gentil.
Se assim devemos portar-nos em relação aos estranhos, o que não faremos
concernente aos nossos pais? O filho mais novo de Noé, conforme j á vimos, não
se importava com tais questões. Imbuído ainda do espírito da geração que
perecera no Dilúvio, estava sempre disposto a caçoar e irreverenciar a todos,
inclusive o próprio pai.
Ao deparar-se com o pai desnudo na tenda, Cam não
se conteve. Saiu a contar a todos o que presenciara. Chamou a atenção de Sem,
Jafé, das cunhadas, filhos e sobrinhos. Ele fez questão que todos vissem o
homem mais piedoso da Terra numa situação acabrunhante e vergonhosa. Já
imaginou se todos tivessem acorrido à porta da tenda do velho patriarca para
ver-lhe o opróbrio? Num único momento a humanidade teria se desencaminhado e,
por certo, haveria de tornar-se pior do que a geração pré diluviana.
Cam era desamoroso, debochado e insolente. Ele
caricaturava tudo o que via.
2.
A irreverência. No meio pentecostal, a irreverência
não é vista como pecado. Brincamos com os dons espirituais, imitamos as línguas
estranhas e, de quando em quando, urdimos algumas profecias e visões. Ao que
parece, o único pecado que leva para o inferno é o que diz respeito à
castidade. Desde que não se adultere, nem se prostitua, que o deboche seja
liberado.
A Palavra
de Deus, porém, coloca a irreverência no mesmo patamar dos pecados grandes e
temíveis. Afirma Paulo que a Lei foi promulgada inclusive para castigar os
irreverentes (1 Tm 1.9). O mesmo apóstolo deixa claro que, nos últimos dias, a
falta de respeito surgirá como um dos mais fortes sinais da chegada da
apostasia final.
Por conseguinte, o pecado de Cam não era uma
simples brincadeira. Levando-se em conta que Noé representava a Deus naquele
momento, a irreverência camita avultava-se como gravíssima blasfêmia. Por muito
menos, o profeta Eliseu amaldiçoou uns garotos (2 Rs 2.23). Narra o autor
sagrado que o profeta os desventurou, e, na mesma hora, apareceram duas ursas
que despedaçaram 42 daqueles meninos. Noutras palavras, o pecado de Cam era tão
grave, que poderia ser punido com a morte. Sua transgressão constituiu-se na
primeira apostasia da segunda civilização.
V.
O JUÍZO SOBRE CANAÃ
Segundo a doutrina da responsabilidade pessoal, os
filhos não serão castigados pelas transgressões dos pais, nem os pais serão
penalizados pelas iniquidades dos filhos. A sentença divina não isenta o
transgressor nem o iníquo: a alma que pecar esta morrerá. Mas no caso
específico de Cam, parece que há uma exceção a essa regra. No entanto, como
veremos, a justiça divina foi perfeita no castigo imposto a Canaã, filho de
Cam.
1. A apostasia de Cam.
Conforme já vimos, tudo começou com a irreverência
de Cam que, ao ver a nudez do pai, não somente contemplou-a, mas a expôs a toda
a família. A reverência fez-se grave apostasia, levando a iniquidade e o pecado
à nova civilização. Mas, mercê de Deus, a transgressão não se generalizou. Pelo
contexto da narrativa bíblica, constatamos que Canaã, filho de Cam, não somente
caiu no mesmo erro do pai, como veio a superá-lo.
Portanto, Noé não foi respeitado nem pelo filho,
nem pelo neto; ambos fizeram-se igualmente réprobos. Quanto aos outros filhos
de Cam, não tomaram parte naquele pecado. Por isso, não foram penalizados.
2. A sedição de Canaã.
O que era irreverência em Cam fez-se apostasia e
sedição em Canaã. Não faltou muito para que a segunda civilização, ainda no
nascedouro, viesse a se corromper. Se lermos os capítulos 10 e 11 de Gênesis
com atenção e cuidado, verificaremos que a rebelião de Canaã não se deteve com
a reprimenda de Noé. Mais adiante, constataremos que ela foi crescendo até
alcançar todos os caimitas, num primeiro momento, e, num segundo, as demais
famílias de Noé. E, assim, os filhos do patriarca irmanaram-se contra o Senhor,
no episódio da Torre de Babel. Por isso, a justiça divina recaiu pesadamente
sobre Canaã e seus descendentes.
3. A maldição de Canaã.
Entre as mitologias hermenêuticas, há uma que vem
causando mal-estar devido à sua conotação racista. Há gente que ainda acha que
a maldição que Deus impôs a Cam foi a cor que, hoje, caracteriza os povos
subsaarianos. Na verdade, o Senhor não castigou todos os camitas, mas apenas
Canaã que, ao contrário de seus irmãos e primos, pôs-se a debochar da nudez do
avô.
Sua maldição consistiu na perda de suas terras aos
filhos de Abraão, o mais ilustre representante de Sem depois de Jesus Cristo.
Eis o que decreta Noé: “Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus
irmãos. E ajuntou: Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem; e Canaã lhe sej a servo.
Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja
servo” (Gn 9.25-27).
Os descendentes de Canaã vieram a habitar as
terras que, hoje, pertencem ao Estado de Israel. Ali, começaram a deteriorar-se
de tal maneira, que o seu modo de vida passou a ser sinônimo de pecado e
abominação. A sociedade cananeia tornou-se irrecuperável; depravara-se
essencial e totalmente. Não havia entre os descendentes de Canaã pensadores,
filósofos ou sábios, mas sacerdotes ávidos por sacrifícios infantis. Por esse
motivo, o Senhor removeu, daquelas terras boas e amplas, os descendentes de
Canaã, até que viessem a desaparecer como nação.
Se do Senhor é a Terra e a sua plenitude,
conclui-se que Ele a dá a quem lhe aprouver, e, dela, desaloja os povos segundo
o seu querer e justiça. Por isso, houve por bem desalojar os cananeus daquela
boa terra, para dar-lha aos hebreus. Não somente a História, mas a própria
Geografia, acham-se sob o absoluto controle de Deus. Eis porque o Senhor entrega
o território cananeu a Israel. Aquelas terras, portanto, são propriedade dos
filhos de Abraão. Os descendentes de Canaã vieram a habitar as terras que,
hoje, pertencem ao Estado de Israel.
VI. O DESTINO DOS
CAMITAS
Se Deus o quisesse, poderia ter amaldiçoado todos
os clãs provenientes do caçula de Noé. Mas, castigando Cam, amaldiçoou a seu
filho, Canaã, que, à sua semelhança, era também irreverente, debochado e
sedicioso. Quanto aos outros filhos de Cam, imigraram à África, ao Oriente
Médio e, segundo é-nos possível depreender linguisticamente, até mesmo ao
Extremo Oriente.
1. Os camitas da África.
Segundo a genealogia de Gênesis 10, estes são os
filhos de Cam: Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã. Os três primeiros, já em solo
africano, dão origem a poderosos reinos e impérios. De Cuxe, veio a Etiópia,
cujo poderio militar amedrontava povos e nações. Vamos encontrá-los no Novo
Testamento, na figura daquele oficial de Candace, rainha dos etíopes. Mizraim
foi o pai dos egípcios que, na História Sagrada, detinha a hegemonia na região
do Oriente Médio. Quanto a Pute, é o patriarca que deu origem à Líbia que, nos
tempos bíblicos, era uma potência não desprezível.
Canaã, o caçula de Cam, seguiu o caminho do pai.
E, hoje, j á não há indícios de sua civilização, a não ser as informações da
Bíblia Sagrada.
2. Os camitas da África e os hebreus.
Foi numa nação camita que os filhos de Israel
abrigaram-se até que tivessem condições de assumir o controle das terras que o
Senhor prometera a Abraão. No Egito, os hebreus peregrinaram por 430 anos. De
início, o relacionamento entre semitas e camitas, em solo egípcio, foi amistoso
e mui produtivo. José, filho de Jacó, assumiu o governo egípcio e, dessa forma,
preservou a progênie hebreia num momento de dificuldade e fome.
Passados quatro séculos, porém, eis que um Faraó,
que não conhecia a José, passou a oprimir os hebreus. Sua intenção era destruir
a nação que, embora escolhida por Deus, ainda não havia assumido a sua
identidade profética e sacerdotal. Por essa razão, interveio o Senhor com mão
poderosa, a fim de arrancar Israel do Egito.
Na verdade, o Senhor castigou severamente o Egito,
mas não o destruiu, porque tinha, e ainda tem, grandes promessas a essa nação
camita. Os israelitas, por exemplo, eram exortados a não maltratar os egípcios,
pois em sua terra peregrinaram (Dt 23.7). Nos últimos dias, o Egito terá um
lugar especial no plano divino, e estará relacionado estreitamente com o povo
de Israel (Is 19.21-25).
O
interessante é que Israel abrigou-se entre um povo camita até que tivesse
condições de apossar-se do território de outro camita que, segundo a promessa
divina, cabia-lhe como hebrança. Mas qual a diferença entre o Egito e Canaã. Os
cananeus, devido à sua deplorável idolatria, j amais produziram moralistas ou
reformadores sociais, ao passo que entre os egípcios, os sábios eram comuns,
conforme observamos nesta passagem do livro dos Reis: “Era a sabedoria de
Salomão maior do que a de todos os do Oriente e do que toda a sabedoria dos
egípcios” (1 Rs 4.30). Vê-se, pois, que o saber dos egícpios era proverbial e
lendário. Quanto aos cananeus, eram tidos como grandes pecadores. Haja vista
que os sodomitas e gomorritas provinham de clãs cananeus. Nos últimos dias, o
Egito terá um lugar especial no plano divino, e estará relacionado
estreitamente com o povo de Israel (Is 19.21-25).
CONCLUSÃO
Sem e Jafé, ao contrário de Cam, não escarneceram
da embriaguez de Noé. Mas, reverentemente, cobriram a nudez do pai, impedindo
que o incidente levasse a sua família a um escândalo ainda maior. Se agirmos
assim, evitaremos falatórios, maledicências e sedições na família de Deus. Por
isso, foram eles abençoados de uma forma peculiar. O primeiro tornou-se num dos
principais ascendentes legais de Jesus Cristo. Quanto a Jafé, pai dos europeus,
ajudou a propagar a mensagem do Evangelho até aos confins da Terra. Portanto,
não exponhamos as faltas de nossos irmãos. Mas, discreta e amorosamente,
ajudamo-los a se reerguerem. Afinal, todos podemos cair em muitas faltas e
tentações. Se quisermos, pois, ser tratados com amor e consideração, usemos de
iguais medidas
O começo de todas as coisas - Claudionor de Andrade
Estudo no livro de Gênesis - Antônio
Neves de Mesquita - Editora: JUERP
Um Novo
Pecado Depois do Dilúvio (Gên. 9:20-27)
Temos de lamentar a queda de Noé, tão depressa, depois do Dilúvio. O uso
do vinho não era proibido naqueles tempos, mas sim o abuso. Logo que saiu da
arca, Noé plantou e colheu. Esta a norma de continuação da vida. Plantou
vinhas, e colheu vinho. Bebeu demais, e embebedou-se. Caído
descompostamente, provocou o riso do filho Cão, que por isso lhe faltou com o
respeito. Acordando e sabedor do ato generoso dos filhos Sem e Jafé, daí
nasceu uma das mais notáveis profecias, com largo e profundo sentido na
história humana. Não foi, entretanto, o filho Cão o amaldiçoado pelo seu mau
ato, mas o filho mais velho deste, por nome Canaã, como que a designar que não
seria um homem, mas um povo, a sofrer as conseqüências do pecado.
Os
versos 25-27 do capitulo 9 de Gênesis dão-nos conta dos efeitos da falta de
respeito filial. Canaã, o filho mais velho de Cão, seria maldito. Jafé seria o
dono do mundo; Sem, o pai da religião. Com um mapa diante de nós e um pouco de
conhecimento da distribuição dos primeiros povos, iremos descobrir que os jafetitas
tomaram o rumo da Europa e conquistaram e deram ao mundo o que nós conhecemos
hoje como civilização ocidental.
antigos que nos deram os povos neolatinos, senhores do mundo por suas
conquistas e por sua indústria. Foram eles que descobriram outras terras e as
dominaram. Não contentes com a Europa, levaram suas naus ao Oriente distante,
tomaram as ilhas do Pacífico, dominaram a China, a fndia e até o Japão, em
certo sentido, senão poeticamente, industrialmente, pelo menos. Conquistariam a
África e a dominaram até recentes anos. A profecia foi: "Alargue ou
engrandeça Deus a Jafé e more nas tendas de Sem." Depois de dominar o mundo,
veio a dominar também o povo semita, que só atualmente está procurando
reconquistar a sua independência.
O povo camita nos deu algumas civilizações notáveis na Caldéia e no
Egito, mas sempre sob o domínio dos jafetitas. Os semitas nunca se afastaram do
Oriente Próximo. Na Caldéia, misturando-se com acádios e amoritas, depois
difundindo-se nos edomitas, amonitas e moabitas, formando o mundo árabe, foram
sempre, de um modo geral, os encarregados de preservar a religião. A profecia
é: "Bendito seja o Senhor Deus de Sem". Deus seria bendito neste
povo. Aqui está o retrato dos mundos antigo e moderno.
Como se aproxima o fim desta geração, os três ramos da raça humana estão
se misturando e confundindo, de modo a formar uma só civilização. O estudante
de história bíblica não pode deixar de anotar que os conflitos modernos são um
meio rústico de acabar com as barreiras entre camitas, jafetitas e semitas. O
povo semita, conhecido como israelita, descendente de Abraão, o pai da fé, tem
vivido segregado por muitos séculos, por um lado, e misturado com todos os
povos, por outro. Desde o ano 70 da nossa era, com a dispersão dos judeus, a
sua nacionalidade desapareceu, mas, em verdade, o povo continuou a viver a sua
vida comunitária entre as nações do mundo. Agora, com o estabelecimento da sua
nacionalidade na Palestina, foi restaurada simbolicamente a sua nacionalidade.
Continua um povo à parte. Tanto quanto o gênio industrial dos jafetitas
pertence a todos, eles também estão partilhando desse gênio.
Linhagem de Sem (Gênesis 10:21-31):
1. Elão;
2. Assur;
3. Arfaxade, que gerou Salá, que gerou
Eber; que gerou Pelegue e Joctã; Joctã
gerou Almodade,
Selefe, Hazarmavé, Jerá, Adorão, Uzal,
Diclá, Obal, Abimael, Seba, Ofir,
Havilá, Jobabe; Pelegue gerou Reú, que
gerou Serugue, que gerou Naor, que gerou Terá, que gerou Abraão, Naor e Harã,
que por sua vez, gerou Ló.
4. Lude;
5. Arã, que gerou Uz, Hul, Geter e Más;
não ocupassem papel saliente entre os povoados da terra.
O V. 21 diz que Sem é o pai de todos os
filhos de Eber ou hebreus (conf. 14:13).
É ainda questão aberta, se o
termo hebreu vem de Eber, filho de Arfaxade, ou se é derivado do verbo
"aver", que significa "passar além" e se refere ao fato da
saída de Abraão de Babilônia. A primeira vez que o nome aparece é em conexão
com a chegada de Abraão à terra de Canaã, e parece dar a idéia de estrangeiro
ou emigrante (Gên. 14:13). Os heteus conheciam Abraão como o hebreu, mas não
sabemos como este nome se tornou conhecido nem em que sentido o usavam. A
expressão "pai de todos os filhos de Eber", liga-os aos hebreus, à
raça eleita, e são filhos de Sem. (Algumas tradições, sem grande fundamento,
recordam que Abraão e seu pai Taral ou Terá se envolveram em grandes guerras
antes de Abraão passar à Palestina.
Uma tabuinha cuneiforme, escrita em hebraico arcaico, nas ruínas de
Raas-shanra, dá-nos a notícia de um conflito entre Querete, rei da Sidônia, e
seus inimigos, comandados por Teraque. Seria este Teraque o pai de Abraão?
Parece que não, porque Terá ou Teraque já era bastante velho quando chegou a
Padã-Arã. De qualquer sorte, só agora é que se está tomando conhecimento de
muitos fatos com respeito a Abraão e sua família. O que nos causa certa
dificuldade é terem os heteus recebido Abraão com honras de grande chefe e o
terem chamado de "senhor". De onde lhes velo este conhecimento? Que
Abraão era guerreiro, demonstrou-o quando desbaratou numa noite os exércitos
conjuntos de quatro monarcas caldeus. Isso nos basta!)
1. Elão, o primeiro filho de
Sem, foi o pai dos antigos vizinhos dos persas; aparecem
com o nome de elamitas, habitando o Norte da Pérsia no tempo de Moisés.
2. Assur foi o pai dos
assírios, aquele poderoso reino que derrotou as dez tribos do
Norte e que foi o mais famoso império antigo.
3. Arfaxade foi o pai dos
babilônios ou caldeus.
4. Lude foi o pai dos
lídios, na Ásia Menor.
5. Arã foi o pai dos
sírios, povo que habitou o nordeste da Palestina e que por
diversas vezes entrou em conflito com os israelitas. Uz, filho de Arã,
deu nome à terra de Uz, onde morava Jó, na direção do Norte da Arábia. Dos
outros três filhos de Arã, só sabemos que formaram pequenas tribos aramaicas ou
sírias. Todo o resto da narrativa centraliza-se em Eber.
Dos filhos de Eber, o mais importante é Pelegue, que significa "Divisão".
"Porque nos seus dias foi a terra dividida." O que esta expressão
significa é difícil dizer. Não se sabe se a divisão da terra foi moral ou
física, e ambas as possibilidades têm bons defensores. Alguns crêem que se
refere à divisão da terra em continentes, que até
aqui toda a terra era unida; outros crêem que se refere ao vale do
Jordão, que desde o pé do Líbano até ao Mar Vermelho, numa profundidade de 420 metros
abaixo do nível do mar, foi aberto por ocasião do Dilúvio, quando a terra
sofreu enormes convulsões. Ainda outros acham que esta divisão significa o
espalhamento do povo após a confusão das línguas na torre de Babel. Qualquer
que seja a verdadeira interpretação, não resta dúvida que foi um acontecimento
extraordinário, de modo a ser comemorado e perpetuado no nome de Pelegue. A
confusão das línguas e conseqüente dispersão não foi de modo algum um
acontecimento passageiro e que, menos do que qualquer outro fenômeno, enchesse de
tétrico pavor e reverência o espírito do povo, e que por isso fosse celebrado
no nome deste filho de Eber. Parece muito natural aceitar-se esta última
interpretação, em lugar das outras, que exigem acontecimentos físicos sobrenaturais
que não são facilmente prováveis. O salmista (Salmo 55:9 no original) usa a
mesma palavra (Palag) dividir, com referência à divisão das línguas.
O outro filho de Eber, Joctã, teve 13
filhos, dos quais pouco sabemos, mas crê-se que ocuparam todo o Sul da
península da Arábia. Três merecem especial menção: Sabá, Havilá e Ofir. Este
último nome é freqüentemente mencionado na Bíblia, para designar a terra que
melhor ouro possuía. Sabá é o mesmo nome do filho de Cusi. É possível que os
sebitas filhos de Cusi se detivessem na Arábia antes de descer à África, e que
depois os sebitas descendentes de Eber se unissem com eles e formassem o povo
que dominou na Arábia Félix. Tem sido difícil aos geógrafos identificarem este
povo, de modo que uns o dão como povo camita, outros, como semita e ainda
outros, como mistura de ambos. O mesmo fenômeno se deu na antiga Babilônia. Os
camitas fundaram o antigo reino da Acádia, na terra de Sinar, de que Ninrode
foi o primeiro rei. Os semitas invadiram a terra mais tarde, expulsaram os reis
acádios e estabeleceram um novo reino; mas os camitas, que ficaram no país,
foram assimilados pelos invasores semitas, de onde provieram os babilônios,
povo meio semita e meio camita. Foi por este processo que muitos destes antigos
povos perderam a identidade.
Os abissínios, pois, podem ser tanto semitas como camitas ou uma mistura
de ambos, e talvez tenham razão na sua tradição de que a rainha de Sabá foi a
fundadora do seu reino e dinastia. O problema resolve-se nisto. Houve dois
Sabás, mas só se pode identificar um povo com este nome; ele é, portanto, um
dos dois ou uma mistura de ambos. No caso de não ser misto, é camita, porque o
maior peso da informação que temos pende para este lado.
GÊNESIS 9:24-26
A embriaguez de Noé é relatada sem comentários sobre a sua participação
no escândalo. A palavra começou (20, AV) poderia implicar
em que somente a inexperiência é que deveria ser repreendida. Mas não
podemos ter certeza.23
A perda da decência e da honra que assinala esta primeira história
bíblica de bebida forte é mais grave ainda na segunda, com a degradação
de Ló (10:30). Esse não é o seu único aspecto (cf. Dt 14:26;
SI
104:15; Pv 31:6,7), mas Pv 31:4,5 comenta suficientemente a última
passagem, com o formidável apoio de Pv 23:29-35. A lei providenciaria
os votos de abstenção de bebidas fortes, como testemunha da simplicidade
primitiva (Nm 6:1), mas esses votos constituíam uma vocação especial
(ver também Jr 35; Lc 7:33). Aqui, porém, a embriaguez é casual.
O ponto central da narrativa é o prejuízo que a herança de Cão sofreu
por causa do seu ato flagrantemente antifilial. E o anverso do
quinto mandamento, que faz do mesmo ponto o pivô do destino nacional
— pois esse mandamento não é um preceito sociológico (exceto
incidentalmente),
mas, sim, um chamamento a manter a autoridade delegada
por Deus e assim reter a Sua bênção.
24. A forma superlativa, o mais moço de todos (RV, RSV) é o sentido
natural
do hebraico e parece mais apoiado por 10:21. O comparativo
mais
moço de AV tem escasso apoio. O contato estreito entre os povos
semitas e camitas e a grande distância dos jafetitas através de todo o
período veterotestamentário podem ter levado ao agrupamento familiar
do versículo 18, etc.
25. O fato de que a maldição recaiu sobre Canaã, o filho mais novo
do ofensor (10:6), que também era o filho mais novo, salienta sua
referência
à sucessão de Cão, em vez de à sua pessoa. Por sua violação da
família, a sua própria família iria fracassar. Portanto, desde que isto
limita a maldição a este único ramo dentre os camitas, aqueles que
julgam
que os povos camitas em geral estão condenados à inferioridade
entenderam mal tanto o Velho como o Novo Testamento. Também é
provável que o domínio de Israel sobre os cananeus tenha cumprido
suficientemente
aquele oráculo (cf. Js 9:23; 1 Rs 9:21).
26. Dos três oráculos, só o referente a Sem usa o nome pessoal de
Deus, Yahwh (o Senhor). A significação do fato começa a
emergir em
GÊNESIS 9:27-10:1
12:1, e dominará o Velho Testamento (cf. Dt 4:35). Visto que Sem
significa
“
Nome” , talvez haja aí um jogo de palavras; cf. comentário de
9:27.
O texto tradicional: Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem (RV;
cf. AV,
AA), dá a idéia de que Sem já está em aliança com Yahweh e
que
em seu Senhor acha ele toda a sua bênção. RSV (Abençoado pelo
Senhor
meu Deus seja Sem) poderia estar certa em revocalizar as mesmas
consoantes
para fazer de Sem o beneficiário direto da bênção. Mas
esta
construção mais simples e menos fértil não encontra apoio nas versões
antigas.
27.
A palavra “engrandeça” (dê espaço a) é o verbo que tem afinidade
com
o nome Jafé (cf. coment. sobre Sem, v. 26). O oráculo evidentemente
confirma
a oração feita por ocasião do seu nascimento. O
cumprimento
das palavras habite ele nas (ou entre as) tendas de Sem
(RV,
RSV, AA) é procurado em vão no Velho Testamento,24 mas salta
à
vista no Novo Testamento, na colheita dos gentios (Ef 3:6), predominantemente
do
ocidente. O fato de que este modo de entender o oráculo
faz
dele uma predição de grandes acontecimentos, em vez de uma piedosa
retropropulsão
da política do século doze, só perturbará aquele
que
for decididamente cético.
GÊNESIS - Introdução e
Comentário - REV. DEREK KIDNER, M. A. - Sociedade Religiosa Edições
Por Apazdosenhor- E.B.D web
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