TEXTO
ÁUREO
“Respondeu,
então, Pedro: Pode alguém, porventura, recusar a água, para que não sejam
batizados estes que também receberam, como nós, o Espírito Santo?”
(At 10.47).
VERDADE
PRÁTICA
O episódio da igreja hebreia na
casa do gentio Cornélio demonstra que Deus não faz acepção de pessoas.
CPAD : A
Igreja em Jerusalém — Doutrina, Comunhão e Fé: a base para o crescimento da
Igreja em meio às perseguições
Comentarista: José Gonçalves
Lição
11: Uma
igreja hebreia na casa de um estrangeiro
E |
sta
grande narrativa de Lucas mostrando em detalhes a conversão do gentio Cornélio
demonstra a grande importância que esse fato tem para a fé cristã. Cornélio era
um gentio e militar a serviço de Roma em Israel. Como centurião, ele comandava
100 homens (Mt 8.11; Lc 7.2-19). O texto diz que ele era da “coorte” italiana.
Uma coorte era a décima parte de uma legião que era composta por 6 mil homens.
Lucas destaca que Cornélio era um gentio temente a Deus. Convém destacar que,
em relação à religião judaica dos dias do Novo Testamento, é possível
identificar três classes de pessoas. Primeiramente, temos o judeu de nascença,
considerado o povo da aliança. Foi aos judeus que Deus havia se revelado (Gn
12.1). Em segundo lugar, temos o “prosélito”, um gentio que se convertia ao
judaísmo, submetia-se ao rito da circuncisão e guardava todas as leis
cerimoniais. Por último, temos os “tementes a Deus”, um gentio monoteísta que
aceitava a maioria das leis cerimonialistas do judaísmo, incluindo a
observância do sábado e prescrições alimentares sem, contudo, submeter-se ao
rito da circuncisão.
A
Revelação Divina aos Gentios
Foi
durante a hora nona, isto é, as três horas da tarde, quando se apresentava no
Templo o sacrifício vespertino, que Cornélio teve uma visão. Nessa visão, um
anjo de Deus orientou-o a chamar o apóstolo Pedro para dizer-lhe “palavras com
que te salves, tu e toda a tua casa” (At 11.14). O anjo mesmo não lhe pregou o
evangelho, mas orientou-o acerca de quem poderia fazer isso. A carta aos
Hebreus informa-nos que os anjos são mensageiros de Deus enviados a favor
daqueles que vão herdar a salvação (Hb 1.14). A pregação do evangelho,
portanto, não é missão dos anjos; é missão do crente em Jesus.
No dia seguinte, Pedro também teve uma
visão. Por volta do meio-dia, quando lhe preparavam uma refeição, sobreveio-lhe
um êxtase. Um objeto no formato de um lençol descia do céu e, dentro dele,
havia toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. A ordem divina
para Pedro era que ele matasse e comesse-os. Sabendo que aqueles eram animais
imundos, Pedro apresentou a sua recusa ao Senhor. Deus diz a Pedro que ele não
deveria considerar comum ou imundo aquilo que o Senhor purificou. A visão foi
dramática. Pedro estava perplexo procurando entender a visão. Foi, então, que
chegaram os emissários do centurião Cornélio. Instruído pelo Espírito Santo,
Pedro vai com eles e, quando chega à casa do gentio, prontifica-se a atendê-los
no que foi solicitado.
A
Mensagem aos Gentios
Deus
ama e quer salvar a todos
“E,
abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço, por verdade, que Deus não fa z acepção
de pessoas” (At 10.34). Tendo chegado à casa de Cornélio, Pedro logo discerniu o
sentido da visão que tivera — Deus não exclui ninguém do seu plano salvífico.
Ele quer salvar a todos (2 Pe 3.9; 1 Tm 2.4). Os gentios, portanto, foram
incluídos no plano salvífico de Deus. Até então, Pedro acreditava que os judeus
eram os únicos escolhidos no plano da redenção.
Deus
não quer que ninguém pereça (Lc 19.10). Mediante Cris to, Deus salvará todos os
que nEle creem. Assim, todos os que vêm a Cristo e creem nEle (sem exceção)
podem ter a vida eterna. A doutrina que alega estarem algumas pessoas
condenadas arbitra riamente não se sustenta. O Senhor não quer que ninguém
pereça, mas que todos venham ao arrependimento (2 Pe 3.9). O veredito de Paulo
é que se ore “por TODOS os homens”, pois Deus deseja que “TODOS os homens sejam
salvos” porque Cristo “deu a si mesmo em resgate por TODOS” (1 Tm 2.1-6, NAA).
O escopo da salvação de Deus é ilimitado do lado dEle, mas os homens fazem
limitações para as suas próprias feridas por sua incredulidade.1
Deus
proveu salvação para toda a humanidade, sem exceção: “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo [não apenas alguns selecionados]” (2 Co 5.19);
“Reconciliou ambos [judeus e gentios] a Deus em um corpo pela cruz” (Ef 2.16).
A Bíblia põe em relevo o caráter universal da expiação: “E ele é a propiciação
[ou propiciatória] pelos nossos pecados — e não somente pelos nossos próprios,
mas também pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2.2, NAA; Rm 5.6-18). Assim sendo,
ninguém é excluído nessa reconciliação” (Hb 2.9; At 10.34). A Bíblia contraria
o ensino que afirma que somente os eleitos são influenciados a arrepender-se e
crer no evangelho. Contra essa teoria, destacam-se Palavras de Jesus: “E eu,
quando for levantado da terra, todos atrairei a mim” Jo 12.32). Há vários
textos bíblicos que corroboram esse fato: “Porque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo não
para que condenasse o mundo [isto é, as pessoas no mundo], mas para que o mundo
fosse salvo por ele (Jo 3.16,17). Deus é amor. O amor é próprio da natureza
divina. O seu amor modera a sua justiça em misericórdia e graça. E um erro
pensar que Deus quer condenar certas pessoas arbitrariamente. O seu poder e sabedoria
foram mostrados na criação, mas o seu amor é mostrado em redenção. O homem
precisava muito de misericórdia, mas não a merecia o mínimo. Cristo morreu por
nós enquanto ainda éramos pecadores (Rm 5.8). O amor divino deu à luz a graça.
A graça divina deu à luz a redenção mediante a morte de Cristo, e a redenção
deu à luz a salvação.
Há várias passagens nas Escrituras exortando
ao arrependimento e que demonstram a verdade da responsabilidade do homem na
dinâmica da salvação. Isso pode ser visto no chamado de João Batista ao
arrependimento e de Jesus e dos apóstolos que verberaram a mesma mensagem.
Pedro conclamou ao arrependimento chamando o povo a “arrepender-se” e a
“converter-se”. Da mesma forma, Paulo, anos depois, exclamou que Deus ordena a
todos os homens que “se arre pendam” (At 17.30,31). A salvação é concedida a
todos os que se arre penderem e crerem. Se as pessoas estivessem decretadas à
condenação, que necessidade havería do arrependimento? Se algumas pessoas já
estão condenadas, então por que perder tempo e energia para ordená-las a fazer
o que era impossível para elas fazerem? Se as pessoas já estão condenadas ao
Inferno, por que agonizar em oração para que as pessoas sejam salvas? Por que
ordenar que se arrependam? No último livro da Bíblia, lemos sete vezes a
exortação ao arrependimento e cinco vezes que “eles não se arrependeram”. Isso
tudo seria farsa se a doutrina do decreto condenatório estivesse correta.
Cristo
fez tudo por nós pelo Espírito Santo. O homem tem a sua parte no processo da
salvação porque não é uma máquina — imóvel, insensível, sem vida,
irresponsável. A fé é despertada pela chamada do evangelho. Quando as pessoas
escutam a mensagem do Reino e nela creem, então recebem a vida eterna. Foi
assim quando Pedro pregou a Palavra de Deus, mostrando que Cristo era o Messias
prometido, e muitos creram. Os que receberam as suas palavras entraram na
eleição de Deus. O Espírito Santo usa a verdade para trabalhar obediência no
coração dos homens. O poder da Palavra é expresso pelo seguinte texto: “e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). O Espírito Santo
emprega a cruz para atrair as pessoas para Deus: “E eu, quando for levantado da
terra, todos atrairei a mim” Jo 12.32). Ele tem poder de persuasão.
A
salvação, portanto, é pela fé, e não pelo destino; pela graça, e não pela
arbitragem; por escolha, e não por compulsão. Foi plane jada e provida pela
soberania do amor, sendo recebida e desfrutada pela fé. A salvação está
condicionada à fé do homem: “Pela graça sois salvos”. O caminho da salvação de
Deus é absoluto e arbitrário: “Sendo justificados livremente pela sua graça”,
isto é, sem o mérito do homem. A graça foi mostrada através da redenção (Rm 3.24-25);
esse é o lado de Deus. “Salvo pela fé” é o lado do homem. A fé é o elo que
conecta o pecador necessitado ao poderoso e misericordioso Salvador. “Não de
obras”. Existe apenas um elo, e isso é a fé: “E isso não é de vós, é dom de
Deus”. Sim. Ninguém acredita independentemente de Deus; mas essa fé não é
forçada arbitrariamente no ser humano contra a vontade do homem. Não é dada a
poucos eleitos, nem retido de outros não eleitos.2
O Pentecostes Gentílico
“E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu
o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da
circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom
do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar
em línguas e magnificar a Deus” (At 10.44-46).
O
Espírito foi derramado sobre os gentios enquanto Pedro ainda pregava a Palavra.
Um sinal notório serviu de evidência para os crentes judeus presentes que
vieram com Pedro de que a salvação, de fato, fora dada aos gentios. Eles haviam
recebido o Espírito Santo. Eles também os ouviram falar em outras línguas e
magnificar a Deus. Fica evidente que esses crentes nessa época consideravam o
fenômeno do falar em línguas como a evidência do batismo pentecostal.
Convém
destacar que o falar em línguas em Atos (2.4; 10.46; 19.6) é o mesmo em
natureza e essência daquelas faladas em 1 Coríntios (14.2,4,5,13,14), porém
diferindo no seu propósito. Na ocorrência de Atos 2.4, foram reconhecidas pelos
presentes, mas isso não aconteceu com as línguas de Atos 10.46 e em 1 Coríntios,
que, neste último caso, precisavam de interpretação para serem entendidas.
Assim, as línguas são sempre espirituais, uma vez que são inspiradas pelo
Espírito Santo, podendo, dessa forma, ser conhecidas por quem ouve e
desconhecidas para quem fala ou desconhecidas para quem ouve e para quem fala,
a menos que haja interpretação. A razão de que essas línguas são sempre
espirituais está no fato de que o falante de línguas deve orar para
interpretá-las, e não estudar como se requer de um aprendiz de idiomas (1 Co
14.13). Assim, em Corinto, por haver indoutos e descrentes no culto, havia a
necessidade de alguém, também movido pelo Espírito, interpretar as línguas que
estavam sendo faladas. Todavia, em uma reunião de caráter privativo, como a que
aconteceu na casa de Cornélio em Cesareia, isso não era necessário. Dizer que
as línguas em Atos eram autênticas por tratar-se de idiomas reais e, em
Corinto, um falar “extático” sem sentido algum porque não eram compreendidas
não tem fundamentação. Quem pensa assim desconsidera, por exemplo, o alto
conceito que Paulo tinha sobre o fenômeno glossolálico em 1 Coríntios 12—14.
Paulo afirmou que as línguas em Corinto permitiam a quem falava comunicar-se
diretamente com Deus (1 Co 14.2), trazendo, dessa forma, edificação ao falante;
edificava a quem ouvia quando interpretadas (1 Co 14.5); e engrandeciam a Deus
como expressão de louvor (1 Co 14.14-17). O próprio Paulo era grato a Deus por
falar línguas em abundância (1 Co 14.18).
Vamos
ilustrar o que está sendo afirmado aqui. O pastor Jack Hayford conta que, certa
vez, voou ao lado de um engenheiro civil. As primeiras palavras trocadas
demonstraram que aquele homem não era muito simpático à fé cristã. Durante o
voo, Hayford diz que estava procurando alguma forma de estabelecer uma conexão
onde fosse possível compartilhar o evangelho de Jesus. Assim, durante o voo,
Hayford diz ter ouvido a voz do Senhor orientando-o a falar em línguas com
aquele homem. Hayford, depois de receber permissão do engenheiro para
falar-lhe, narra o que segue:
Desviei o olhar do rosto dele, meus olhos focalizados no padrão do
estofamento da parte de trás do assento na frente dele e, em um tom de
conversa, comecei a falar em minha linguagem espiritual. Eu mal tinha começado
quando parecia que eu tinha um canto linguístico, e me ouvi falando uma língua
diferente de qualquer outra que eu já tinha ouvido em oração antes. A duração
total de tudo o que eu falei foi aproximadamente a duração deste parágrafo.
Parei e olhei de volta para Bill. Sua resposta foi imediata e profissional.
“Essa é uma língua pré-kiowa, de onde veio nossa língua indígena kiowa.”
Incrivelmente, consegui manter a naturalidade, embora tudo dentro de mim
quisesse gritar: “Sério?! Aleluia!” Ele continuou: “Não conheço todas as
palavras que você falou, mas conheço a ideia que elas expressam.” Eu mal podia
acreditar no que ele estava dizendo — eu estava perplexo, mas totalmente
reservado em meu comportamento exterior. “Que ideia elas expressam?” Perguntei.
“Bem”, ele gesticulou de forma ascendente com a mão. “Algo a respeito da luz
que vem do alto.” Foi algo do Espírito Santo, e eu sabia o que deveria dizer
agora. “Obrigado, Bill. E incrível que isso tenha acontecido.
Agradeço
de coração por ter me permitido fazer essa pergunta.” Ele gesticulou
simplesmente, dizendo: “Imagine. Foi interessante.”3
Hayford finaliza o seu testemunho contando da
sua felicidade quando viu o próprio Senhor revelando-se àquele homem como “luz
que vem do alto”. Era assim que a cultura daquele engenheiro entendia o divino.
Hayford viu um diálogo inusitado como parte do propósito divino para abençoar
aquela vida, que, até então, demonstrara ser totalmente cética com a fé cristã.
Depois do que acabara de acontecer e tendo ouvido Hayford explicar de que
fenômeno tratava-se, o engenheiro ficou totalmente aberto à fé cristã.
Em
1993, eu estava no templo central da AD de Altos, Piauí, igreja da qual eu era
membro. Naquela época, eu buscava orientação do Senhor em relação ao seu
propósito e obra em minha vida. Foi então que, numa sexta-feira, quando me
encontrava orando no templo, o Espírito Santo encheu-me, e eu comecei a falar
em línguas. Logo em seguida, o sentido daquelas palavras começou a fluir em
minha mente. O Senhor deu-me a interpretação do que havia sido dito: “Eu tenho
uma aliança com você”. Entendí com clareza que essa aliança era de natureza
ministerial. Naquele momento, percebi, sem nenhuma dúvida, que o Senhor
certamente me chamaria para o ministério de tempo integral. Foi o que aconteceu
oito anos depois.
Craig S. Keener apresenta um quadro
comparativo entre a ocorrência do fenômeno de línguas em Atos e Coríntios.4 É
possível ver neste quadro comparativo elaborado por Keener que as línguas são
as mesmas em natureza e essência em Lucas e em Paulo.
Como vimos, em essência, o falar em línguas
em Atos e 1 Coríntios referem-se ao mesmo fenômeno, podendo, contudo, ter propó
sitos diferentes. Na verdade, as línguas diferem mais na forma do que na
função. Em Atos 2.4, o fenômeno assume a forma de línguas conhecidas por quem
ouvia, embora permanecessem desconhecidas para quem falava. Já em Atos 10.46 e
1 Coríntios 14.2, manifestava-se na forma de línguas desconhecidas tanto para
quem falava como para quem ouvia. Em ambos os casos, tinham a função de revelar
Deus, engrandecer o seu nome e trazer edificação ao cristão e à igreja (At
2.11; 10.46; 1 Co 14.4,5; 14.15).
Dessa
forma, Menzies destaca que:
As línguas pessoais, ou seja, o dom de falar
em línguas desconhecidas, têm, nas devoções particulares, o valor de edificar
quem estiver ocupado na oração. Orar em uma língua desconhecida é forma
exaltada de adoração (1 Co 14.4). Orar em línguas é uma prática útil, e deveria
ser cultivada na vida diária do crente, pois assim a pessoa é edificada em sua
fé e na vida espiritual [...] há também outro uso para as línguas. Embora seja
o mesmo em essência, o dom de línguas empregado nos cultos públicos visa um
propósito distinto. As línguas mencionadas no livro de Atos são evidenciais e
privadas; as mencionadas nas epístolas são públicas, e visam a edificação
geral.3
Esse
fato é confirmado pelas palavras do apóstolo Pedro, que via a experiência
pentecostal dos gentios igual àquela que os apóstolos tiveram no Pentecostes:
“estes que também receberam, como nós, o Espírito Santo?” (At 10.47). Para
Pedro, portanto, os gentios haviam recebido a mesma experiência que eles haviam
recebido no Pentecostes: “E, quando comecei a falar, caiu sobre eles o Espírito
Santo, como também sobre nós ao princípio” (At 11.15).* * 6 Pedro identifica as
línguas em Cesareia como sendo essencialmente iguais àquelas faladas em
Jerusalém, porém diferindo no propósito, uma vez que, em Jerusalém, as línguas
foram entendidas pelos que as ouviram, mas não foram em Cesareia.
Uma Igreja Hebreia na Casa de um Estrangeiro | 129