quinta-feira, 28 de março de 2024

CPAD : O CORPO DE CRISTO | Lição 13: O Poder de Deus na Missão da Igreja

 



TEXTO ÁUREO

“Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra.”

(At 1.8)

VERDADE PRÁTICA

O Espírito Santo é a força-motriz que movimenta a Igreja. Sem o poder do Espírito, a Igreja é incapaz de cumprir a sua missão.


CPAD : O CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo

 | Lição 13: O Poder de Deus na Missão da Igreja

 


  Na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e douto- res, a saber. Barnabé, e Simeão, chamado Niger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, ser- vindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E assim estes, enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. (At 13.1-4)

  Neste livro já abordamos a missão da igreja sob diferentes aspectos. No capítulo que tratamos especificamente desse assunto, nossa análise se voltou mais para a dimensão proclamativa da igreja, conforme o Ide de Jesus, bem como a dinâmica vivida pela igreja como uma comunidade de crentes recém-formada. Ali mostramos que a igreja tem uma dupla missão: alcançar os que são de fora pela proclamação do evangelho e edificar os que estão dentro pelo ministério da palavra.

  Neste capítulo, contemplaremos a missão da igreja a partir de uma perspectiva mais carismática. Nesse aspecto, enfocaremos o poder do Espírito como a força-motriz que capacita os crentes a viver e cumprir sua missão de Igreja de Cristo. As obras de Lucas, o terceiro Evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos, serão o nosso chão teológico. Isso por duas razões. Primeiramente, porque o livro de Atos é o registro inspirado no qual encontramos a igreja vivendo a dinâmica do Reino no poder do Espírito, conforme instrução deixada por Jesus. Em segundo lugar, porque os pentecostais fizeram suas primeiras reflexões teológicas a partir dessas duas obras canônicas. Assim,

  Na virada deste século, membros de diversas denominações ficaram preocupados com a condição espiritual da igreja e do mundo. Como resultado, eles começaram a buscar sinceramente o Senhor para uma renovação espiritual. Não demorou muito para que os crentes tivessem experiências como as descritas no livro de Atos. Na maioria dos casos, as igrejas estabelecidas repudiaram estas expe riências e frequentemente, a pedido, os crentes cheios do Espírito acharam necessário deixar as igrejas às quais estavam afiliados. A medida que esses crentes de muitas denominações foram reunidos por suas experiências comuns, eles passaram a ser conhecidos como "O Movimento Pentecostal" ou "Povo de Línguas". Mas o que queremos dizer com "o movimento pentecostal" ou "o povo de linguas"? Será que existimos simplesmente para magnificar as "línguas" como tais? Certamente não. Será mesmo que desejamos principalmente magnificar uma experiência da vida cristă, o batismo no Espírito, acima da totalidade das operações graciosas, dinâmicas e santificadoras da terceira Pessoa da Trindade? Não, nem isso. A resposta é que somos pentecostais porque desejamos honrar o Espírito Santo pessoal que veio dispensacionalmente no Dia de Pentecostes, o Administrador divino na igreja durante a presente era em toda a plenitude de Sua obra em convencer, batizar, preencher, santificar, orientar e, acima de tudo, em Seu propósito é fazer de nosso Senhor Jesus Cristo uma realidade viva na caminhada diária do crente (Jo 14:16-18:16:13, 14).

Nesse aspecto, Walter Hollenweger, escritor e teólogo suíço,

observou que o pentecostalismo em seus primeiros estágios dependia "quase que exclusivamente do Evangelho de Lucas e dos Atos dos Apóstolos" para fundamentar seus pressupostos teológicos.

  Hollenweger está correto nessa afirmação. Contudo, contrariamente ao que afirmam os críticos do pentecostalismo, essa compreensão teológica dos pentecostais sobre as obras de Lucas não é sinônimo de pobreza exegética e superficialidade hermenêutica. Nesse sentido, é necessário, portanto, uma contextualização da formação do pensamento teológico pentecostal.

   Em uma de suas obras, o escritor Kenneth J. Archer detalhou como se deu a construção dos pressupostos que fundamentariam a teologia pentecostal. De acordo com Archer, o desenvolvimento da hermenêutica pentecostal no contexto do pentecostalismo se dá em três estágios. Isso ele apresentou de forma mais suscinta em outra obra: Handbook of Pentecostal Christianity. Ali, Archer descreve como ocorreu esse processo: periodo pré-crítico (1900 a 1940); período moderno (1940 a 1980); período contemporâneo (1980 até o presente).

  No entendimento de Archer, no primeiro estágio, a interpretação pentecostal consistia no simples método de leitura da Biblia. O mesmo procedimento interpretativo usado pelas tradições do Movimento de Santidade. Ele destaca que esse período foi marcado por uma abordagem interpretativa pré-crítica, de senso comum, que assumia que a Bíblia precisava ser lida de uma maneira simples e que poderia ser entendida pela pessoa comum. Por outro lado, o período moderno marca a entrada da hermenêutica pentecostal no universo acadêmico. Aqui os intérpretes pentecostais são instruídos, modernos e primam pela prática interpretativa.

  Nesse estágio, os pentecostais valem-se do método histórico-crítico de interpretação. O foco aqui é o texto. Somente o que poderia ser científica e historicamente verificável poderia ser aceito como verdade. É também nesse estágio que os intérpretes pentecostais recorrem ao método histórico-gramatical para fundamentar suas crenças. Finalmente, Archer destaca que no período contemporâneo os pentecostais descobrem que a metodologia é importante, mas que a experiência pentecostal é muito ampla para caber dentro de um único método. Isso conduz os intérpretes a examinar o papel da experiência e como estas podem apontar para metodologias que sejam mais convenientes para as necessidades da experiência da comunidade.

  Dentro desse espectro do desenvolvimento da hermenêutica pentecostal no contexto do pentecostalismo clássico, é possível fazermos algumas observações. Primeiramente, fica claro que, nos seus primeiros passos, o pentecostalismo, até mesmo pelo contexto no qual nasceu, era carente de uma maior estrutura hermenêutica e a aplicação dos seus princípios a exegese. Mas isso não significa que o pentecostalismo fosse "pobre exegeticamente" e nem tampouco "sem fundamentação hermenêutica". Isso se torna perceptivel quando nos damos conta de que a "teologia pentecostal" se formou a partir da teologia histórica. Podemos citar, por exemplo, o livro Batismo no Espírito Santo (1895), escrito pelo teólogo batista R. A Torrey, que teve enorme influência sobre a crença pentecostal do batismo no Espírito Santo como uma experiência subsequente à salvação.

  Por outro lado, durante o período moderno com o desenvolvi- mento de uma maior estruturação hermenêutica, onde o método histórico-gramatical se tornou prevalecente, o pentecostalismo clássico viu nascer em suas fileiras o academicismo. A consequência natural desse fato foi a geração de uma erudição pentecostal e uma grande produção literária e a visibilidade por parte das igrejas históricas. Todavia, não podemos negar que isso também teve efeitos colaterais. É aqui que, paradoxalmente, os pentecostais experimentam algumas baixas em suas fileiras quando alguns de seus intérpretes passam a questionar os seus próprios pressupostos doutrinários.

  O fato positivo desse processo é que esse "fogo amigo" fez com que a teologia pentecostal buscasse a superação das suas supostas aporias teológicas e se firmasse cada vez mais. E isso foi feito de forma convincente. Por último, o período contemporâneo viu não somente a aceitação do pentecostalismo dentro do cristianismo histórico, como também a con- solidação de uma pneumatologia teologicamente bem fundamentada.

   Dentro dessa perspectiva, devemos destacar que Lucas foi um teólogo que escreveu a história e por isso seu material tem fins didáticos, e não apenas narrativos ou descritivos. Essa é sem dúvida alguma uma das maiores contribuições modernas da hermenêutica para uma correta compreensão das obras de Lucas. Essa nova metodologia, que vê Lucas como um teólogo, e não apenas como um narrador de fatos históricos, começou a ganhar notoriedade com o livro Luke Historian & Theologian, escrito em 1970 pelo conceituado teólogo escocês Ian Howard Marshal. Marshal destacou nessa obra que

 a investigação moderna há enfatizado o fato de que [Lucas] foi teólogo. Seu conceito da teologia o levou a escrever a história [...] Lucas tinha o direito de ter seus próprios pontos de vista, e não se deve pensar mal dele quando de alguma forma difira de Paulo nesse ponto. Ao contrário, ele é um teólogo por direito próprio e deve ser tratado como tal."

  Essa nova abordagem da teologia lucana se firmou no meio acadêmico e pentecostal graças à obra The Charismatic Tehology of St. Luke, escrita em 1984 pelo teólogo canadense Roger Stronstad." Tomando por base o Evangelho de Lucas, Stronstad libertou a teologia pentecostal das armadilhas exegéticas nas quais ela ha- via sido enlaçada por intérpretes que insistiam em "paulinizar” o pensamento lucano. A teologia cessacionista, numa tentativa de fazer frente ao pentecostalismo, insistia no fato de que Lucas-Atos continham apenas material narrativo ou descritivo, e não didático, como de fato são. Dessa forma, os fenômenos carismáticos narrados nas obras de Lucas possuíam pouca ou nenhuma relevância para a igreja contemporânea. O grande mérito de Stronstad foi, portanto, demonstrar que o pentecostalismo clássico não havia cometido ne- nhum desvio hermenêutico quando tomou para si como paradigma normativo os pressupostos da teologia lucana.

  Assim escreveu Stronstad:

  Lucas ensina mais diretamente quando relata o ensino direto de Jesus e seus discípulos. Por exemplo, Lucas ensina Teófilo e seus leitores posteriores sobre o Espírito Santo relatando o ensino de Jesus sobre o Espírito Santo. Jesus ensinou que o Pai daria o Espírito Santo a quem lhe pedisse, isto é, a quem orasse (Lc 11,13). Assim, antes do dia de Pentecostes, os discípulos estão em oração (Atos 1:14, 15). Mais tarde, quando Pedro e João vão para Samaria, eles oram para que os crentes de lá recebam o Espírito Santo (Atos 8:14-15). Jesus identificou este dom prometido do Espírito Santo como os discípulos sendo "batizados no Espírito Santo" (Atos 1:4-5; compare com 11:15-17). Finalmente, Jesus afirma que o propósito da vinda do Espírito Santo sobre os discípulos é para que eles recebam poder para um testemunho mundial (Atos 1:8). E assim, ao relatar o ensino de Jesus, o próprio Lucas ensina: (1) os discípulos podem orar para receber o Espírito Santo; (2) esse recebimento do Espírito é o batismo do Espírito; e (3) o propósito deste batismo do Espírito é vocacional, isto é, é para testemunho ou serviço. Lucas também ensina sobre o Espírito Santo ao relatar o ensino e a pregação dos discípulos de Jesus. Por exemplo, ao aplicar o texto de Joel ao derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, Pedro destaca três pontos principais: (1) que esse derramamento do Espírito é o prometido dom do Espírito nos "últimos dias" (Atos 2:17a); (2) que é potencialmente universal cruzando todas as fronteiras de idade, gênero e socioeconômicas e está disponível de geração em geração (2:17b-18, 39); e (3) que é o derramamento do Espírito de profecia (2:17b-18). Após o derramamento do Espírito sobre a família de Cornélio (Atos 10:44-48), Pedro explica à igreja em Jerusalém que o recebimento do Espírito Santo por Cornélio segue o padrão do Pentecostes (Atos 11:15) e que é um batismo no Espírito (Atos 11:16). Ao relatar o ensino ou pregação de Pedro, o próprio Lucas ensina: (1) O batismo no Espírito resulta no dom de falar em linguas, e (2) este é um padrão para os discípulos que são batizados no Espirito Santo. Lucas escreve uma narrativa cuidadosamente elaborada sobre a origem e propagação do evangelho. Ele dá a Lucas e Atos uma estrutura temática comum. Mas o livro de Atos também pode ser delineado independentemente do evangelho, o que destacaria outras nuances no significado da narrativa de Atos. Por exemplo, o intérprete pode esboçar o segundo livro de acordo com o padrão geográfico de Atos 1:8; assim, Jerusalém (capítulos 1-7), Samaria e Judeia (capítulos 8-12) e até os confins da terra (capítulos 13-28). Ou o intérprete pode dividir Atos de acordo com os dois primeiros capítulos de Lucas; assim, Pedro (Atos 1-12) e Paulo (Atos 13-28). O intérprete pode enfatizar a obra do Espírito Santo; assim, a origem da comunidade carismática (Atos 1:1-2:41), os atos da comunidade carismática (Atos 2:42-6:7) e a seção principal do livro, ou seja, os atos dos seis discipulos carismáticos, Estêvão e Filipe (diáconos carismáticos), Barnabé e Ágabo (profetas carismáticos) e Pedro e Paulo (apóstolos caris- máticos) (Atos 6:8-28:31). Cada uma dessas abordagens (e outras) para delinear Lucas-Atos ou Atos sozinho tem sua própria lógica inerente. Assim, cada um dá a sua própria contribuição para uma melhor compreensão da mensagem dos Atos, 10

  Desde que Marshal e Stronstad demonstraram de forma convincente o valor da narrativa bíblica no processo interpretativo, esse tipo de gênero literário ganhou fôlego no universo hermenêutico.

   De fato, grande parte do conteúdo bíblico é constituído de narrativa.

   Desprezar as narrativas bíblicas ou relegá-las a um segundo plano se configura mais um preconceito teológico do que honestidade in- telectual. De fato, Hick Waldholm observou que a igreja protestante, influenciada pela teologia medieval e pelo Iluminismo, tem tido a "tendência para as abstrações de confissões doutrinárias". De acordo com Waldholm

  Embora isso tenha seu lugar, falha em lidar com a revelação de Deus que confessamos como tal: as Escrituras. A natureza da Escritura em si não é antes de tudo reivindicações universais abs- tratas, mas principalmente uma história. De acordo com Gordon Fee e Douglas Stuart, mais de 40% do AT é narrativa propriamente dita (o que nem mesmo inclui as canções, comandos e profecias que muitas vezes são sustentados por subestruturas narrativas). Por que isso é e o que deveria significar para nós? Deve afetar a maneira como refletimos sobre nossas confissões teológicas? Como a natureza histórica de nossas Escrituras pode ser mais bem refletida sem simplesmente se tornar (como tantos sermões) três pontos e um poema?"

  Waldholm lista as razões dadas por David F. Ford porque os pressupostos teológicos das narrativas bíblicas são importantes e por- que precisam ser levados em conta na reflexão teológica. A narrativa bíblica: (1) é o gênero principal da Bíblia; (2) é a estrutura subjacente dos credos cristãos, batismo e eucaristia (Ceia); (3) sua concretude e particularidade merecem primazia em relação à abordagem mais abstrata e generalizante de muita doutrina e teologia; (4) dá o devido destaque às pessoas em interação, a contextos específicos e a ações e eventos, todos os quais tendem a ser marginalizados ou tratados de maneira muito geral e abstrata pelo discurso teológico tradicional; (5) fornece um caminho para a doutrina e a ética que é definido, imaginativo e adequado ao evangelho, embora não reivindique uma universalidade exclusiva ou imperialista (6) é a forma básica e irredutível de expressar a experiência e a identidade humanas; (7) permite uma nova abordagem da relação do fato histórico com a verdade cristã; (8) oferece um fórum de encontro e discussão entre a Desprezar as narrativas bíblicas ou relegá-las a um segundo plano se configura mais um preconceito teológico do que honestidade intelectual. De fato, Hick Waldholm observou que a igreja protestante, influenciada pela teologia medieval e pelo Iluminismo, tem tido a "tendência para as abstrações de confissões doutrinárias". De acordo com Waldholm

   Embora isso tenha seu lugar, falha em lidar com a revelação de Deus que confessamos como tal: as Escrituras.    A natureza da Escritura em si não é antes de tudo reivindicações universais abs- tratas, mas principalmente uma história. De acordo com Gordon Fee e Douglas Stuart, mais de 40% do AT é narrativa propriamente dita (o que nem mesmo inclui as canções, comandos e profecias que muitas vezes são sustentados por subestruturas narrativas). Por que isso é e o que deveria significar para nós? Deve afetar a maneira como refletimos sobre nossas confissões teológicas? Como a natureza histórica de nossas Escrituras pode ser mais bem refletida sem simplesmente se tornar (como tantos sermões) três pontos e um poema?"

  Waldholm lista as razões dadas por David F. Ford porque os pressupostos teológicos das narrativas bíblicas são importantes e por- que precisam ser levados em conta na reflexão teológica. A narrativa bíblica: (1) é o gênero principal da Bíblia; (2) é a estrutura subjacente dos credos cristãos, batismo e eucaristia (Ceia); (3) sua concretude e particularidade merecem primazia em relação à abordagem mais abstrata e generalizante de muita doutrina e teologia; (4) dá o devido destaque às pessoas em interação, a contextos específicos e a ações e eventos, todos os quais tendem a ser marginalizados ou tratados de maneira muito geral e abstrata pelo discurso teológico tradicional; (5) fornece um caminho para a doutrina e a ética que é definido, imaginativo e adequado ao evangelho, embora não reivindique uma universalidade exclusiva ou imperialista (6) é a forma básica e irredutível de expressar a experiência e a identidade humanas; (7) permite uma nova abordagem da relação do fato histórico com a verdade cristã; (8) oferece um fórum de encontro e discussão entre a teologia e outras disciplinas (por exemplo, estudos literários, história, psicologia, antropologia ).12

  De acordo com Waldholm, a narrativa é a forma básica e irredutivel de expressar a experiência e a identidade humanas. Assim,

 Encontramo-nos nesta história da redenção de Deus e muitas vezes carecemos da capacidade de falar dela. Histórias ajudam a contar. Isso não é para sugerir que não podemos nem devemos lidar também com declarações simples (apesar de quão simples são os credos e confissões sobre a trindade, afinal), mas que devemos dar mais cuidado para encontrar maneiras criativas de teologizar na e como história. Eu acredito que isso se torna uma maneira de oferecer teologia de maneira contextualizada dentro de um contexto pós-moderno voltado para suas próprias formas de contar histórias. Também oferece um caminho a seguir na realização da missão de Deus no mundo para evangelizar (com abordagens narrativas para evangelizar as nações sendo particularmente importantes em contextos analfabetos). Afinal, que cultura não se identifica com histórias para instrução e formação?

  Esses fatos mostram a relevância que o livro de Atos como narrativa bíblica tem não só para os pentecostais, mas para toda a igreja cristã. Atos mostra o poder capacitativo do Espírito Santo sobre todos os cristãos quer fossem os apóstolos, quer fossem os demais crentes. De fato, Joseph Fitzmyer observou que no livro de Atos dos Apóstolos o Espírito Santo é visto como a "força-motriz" que move a igreja.

  O Espírito de Deus não somente será responsável pela instrução dos apóstolos e outros discípulos, senão que desempenhará um papel no desenvolvimento da narração sobre a propagação da Palavra de Deus desde Jerusalém até "os confins da terra" (1.8). Em Atos há somente poucos capítulos nos quais a influência do Espírito não se faz, de algum modo, patente. O Espírito aparece pela primeira vez em 1.2 e logo cinquenta e seis vezes mais. Lucas ressalta assim a ação do Espírito, já desde o começo dos Atos, como a força-motriz que impulsiona o período da igreja (cf 9.31). Já havia sido descrito de maneira semelhante no peri- odo de Israel e especialmente no começo do período de Jesus. O Espirito se converte agora no motor da narração que vai se desenvolver. Assim, Atos se apresenta como a continuação da história de Jesus do Evangelho lucano e ressalta a continuidade do que havia começado no ministério terreno de Jesus e da igreja cristă, iniciada por instrução dos apóstolos do Cristo ressuscitado mediante o Espírito Santo."

  O aspecto capacitativo do Espírito nos Atos dos Apóstolos é inegável. A obra do Espírito é apresentada como sendo algo de natureza específica e definida. Dessa forma, o apóstolo Pedro chama a atenção dos judeus presentes em Jerusalém quando o Espírito foi derramado no Dia de Pentecostes como sendo um fenômeno "visto e ouvido" (At 2.33). Assim também Simão, o mago, "viu" quando o Espírito veio sobre os discípulos samaritanos quando os apóstolos Pedro e João lhes impuseram as mãos (At 8.18). A experiência pentecostal, portanto, não é algo subjetivo, situado na esfera mental, mas uma experiência específica que se percebia na sua concretude.

  Esse fato, o de mostrar a especificidade da experiência pente- costal é algo recorrente entre os pentecostais da primeira geração. Os pioneiros pentecostais deram grande ênfase à experiência capacitativa do Espírito Santo em suas vidas e ministérios. Eles viam a experiência pentecostal por eles recebida como sendo o mesmo fenômeno descrito nos Atos dos Apóstolos. Assim, eles descreviam o batismo no Espírito Santo como sendo uma experiência marcada por manifestações físicas, e não apenas algo de natureza subjetiva. Portanto, foi a natureza concreta da experiência pentecostal que os motivou a se lançar de corpo e alma na obra missionária. A natureza específica da experiência entre os pentecostais da primeira geração pode ser vista nos seus testemunhos. Em todos eles observa-se que a experiência tem grande relevância, é algo de natureza específica e definida.15 Atos dos Apóstolos está na esteira desses relatos.

  1. William J. Seymour, pioneiro da rua Azusa: O Batismo com o Espírito Santo é um dom de poder sobre a vida santificada; então, quando o obtemos, temos a mesma evidência que os discípulos receberam no Dia de Pentecostes (At 2.3,4), em falar em novas línguas. Veja também Atos 10.45,46; 19.6; 1 Coríntios 14.21. "Porque farei em vossos dias uma obra na qual não acreditareis, embora vos seja dito" (Hb 1.5). (SEY- MOUR, William. Azusa Street Papers Apostolic Faith [1906-1908], p. 11)16

  2. T. B. Barratt, pioneiro do pentecostalismo norueguês: É impos- sível falar em línguas até que você esteja cheio até transbordar do Espírito. A experiência nos diz agora, que é quando você está totalmente vazio de si mesmo que o Espírito Santo o enche por completo, tocando suas cordas vocais e fazendo você falar de acordo com a vontade dEle. Claro que você pode resistir, e alguns o fizeram. Agora é esse enchimento, em conexão com o falar em línguas, que o leva à comunhão pessoal com Deus, edifica seu espírito e traz segurança e força. No momento que acontece, você tem o seu Pentecostes. Isso é o que queremos dizer com o termo "Pentecostes". As "linguas" tornam-se, então, um sinal seguro, uma evidência para você, que passou pela mesma experiência como os apóstolos e os cristãos cheios do Espírito da primeira era. A alegria dessa experiência, o forte sentimento da presença de Deus, a certeza da eficácia da Expiação o sangue, a paz perfeita e fé, e a esperança que traz e, acima de tudo, o amor sobrenatural que te incendeia naquela hora é indescritível. (BARRATT, T. B. The Tongues: to reply to critics, 1907, p. 16)

    3. William H. Durham, pioneiro do pentecostalismo em Chicago, EUA: Já se passaram quase quatro anos desde que recebi o Espírito Santo, quando ele passou a morar em mim em 2 de março de 1907. E todos os dias dessa época, tenho estado per- feitamente consciente da Sua presença interior. O batismo é apenas a entrada para uma vida cheia do Espírito, pois, após recebê-lo, Ele ensina-nos todas as coisas, trazendo à nossa lembrança as palavras de Jesus, carrega os Seus frutos em nossas vidas, concede-nos os Seus dons, prescruta e revela as coisas profundas de Deus e guia-nos em toda a verdade. Caro leitor, o Espírito pode não lidar com você da mesma forma como fez comigo; mas quando Ele vier dentro de você, para fazer a Sua morada, Ele falará em linguas e engrandecerá a Deus (At 2.4; 10.44-47; 19.6). (DURHAM, William H. Personal Testimony of Pastor Durham, julho de 1912, p. 3)

  4. Lewi Pethrus, pioneiro do pentecostalismo escandinavo: Re- solvi ir aonde não queria ir antes. No mesmo momento uma torrente gloriosa de alegria encheu-me o ser. Não recebi ali a experiência do batismo com o Espírito Santo, mas agora o caminho para isso estava aberto para mim. O poder do Espirito Santo e a presença de Deus revelaram-se a mim numa imensa alegria. Esse gozo continuou aumentando a cada dia, até que recebi a completa experiência do batismo com o Espírito Santo, como está escrito no livro de Atos dos Apóstolos. (PETHRUS, O Vento Sopra Onde Quer, 1994, p. 55, 56)

  5. J. W. Hjertström, pioneiro do pentecostalismo escandinavo de Chicago: Esta embriaguez espiritual, ou a experiência da fé na plenitude do Espírito, coloca o homem em tal estado que ele está, por assim dizer, no poder de outro, animado por algo que ele adquiriu, que é tão avassalador que ele não governa a si mesmo. Assim como aquele que está sobrecarregado pela bebida nem sempre pode ser considerado diretamente respon sável pelos atos que comete, também aquele que está cheio do Espírito [...]. Mesmo que ele não fale em linguas [xenolalia], a sua lingua fala coisas que ele nunca falou antes e que podem parecer estranhas [glossolalia] para aqueles que ouvem. Mas tudo se torna para a glória do Senhor. (HJERTSTROM, J. W. Frojd I Den Helige Ande, 1906, p. 9)

  6. O. L. Björk, pioneiro do pentecostalismo escandinavo sueco: Ao estudar as descrições que temos em Atos a respeito do batismo no Espírito Santo, vemos assim que essa experiência em cada caso foi seguida pelo falar em outras línguas e que, portanto, deve ser o sinal que demonstra que uma pessoa foi realmente batizada no Espírito Santo. (BJORK, O. L. Sannin- gens Vittne, 1913, p. 2)

  7. A. W. Rasmussen, pioneiro do pentecostalismo em Chicago: Li e reli os relatos de pessoas que receberam o batismo no Espírito Santo no livro de Atos, e havia algo nessas histórias que me perturbou. Eu não tinha notado que, em todos os ca- sos em que os detalhes foram dados, eles tinham falado em línguas. Isso era verdade em relação ao Dia de Pentecostes. Novamente em Samaria. Novamente na casa de Cornélio. O Espírito Santo havia feito um esforço especial para registrar isso, e perguntei-me por quê? Eles haviam falado em línguas, mas eu não [...] "Jesus!", gritei, levantando minhas mãos para o céu, "por favor, batize-me com o seu precioso Espírito Santo". Aquelas palavras mal tinham saído de meus lábios quando o Espírito Santo caiu sobre mim com grande poder. Tentei louvar a Deus em inglês, mas as palavras em inglês não saíam. Em vez disso, as palavras fluíam como uma torrente num idioma que eu nunca tinha falado antes. Era tão maravilhoso que eu não queria parar. Continuei por dez minutos, quinze, vinte, trinta, uma hora. Algo estava abrindo-se dentro de mim que era como um rio de água viva. (RASMUSSEN, A. W. The Last Chapter, 1973, p. 64, 65)

   9. Daniel Berg, pioneiro do movimento pentecostal no Brasil: Em 1909 voltei para a América com um forte desejo em meu coração de ser batizado no Espírito Santo. Eu tinha ouvido

falar que haveria irmãos batizados no espírito na Segunda Igreja Batista sueca em Chicago, onde o irmão Hjärtström era pastor na época. Foi gratificante para mim viajar para Chicago e lá encontrar um grupo de irmãos que possuíam a mesma alegria maravilhosa que eu havia visto anteriormente em Lidköping [Suécia] entre o povo de Deus. O Espírito Santo exerce Sua obra maravilhosa na terra, onde não precisa ser entristecido. Era precioso poder participar das reuniões de oração dos irmãos, e perseverávamos em oração até mais tarde nas 2 ou 3 da noite. Muitos irmãos foram batizados por Jesus no Espírito Santo, pois os ouvimos falar em novas línguas. Comecei então a visitar a missão do irmão W. Durham, e foi maravilhoso ver a obra que o Senhor estava realizando ali para a salvação de almas e o batismo no Espírito Santo e para a cura dos enfermos. Foi em uma de suas reuniões na tenda que experimentei pela primeira vez como o poder do Espírito permeou todo o meu corpo. Eu não fui batizado no Espírito Santo então, mas apenas duas semanas depois, quando eu estava junto com alguns irmãos em oração. Senti o poder do Espírito Santo novamente, e Jesus me batizou no Espírito Santo. Como sinal disso, falei em linguas como os primeiros cristãos no dia de Pentecostes (Atos 2:4) e na casa de Cornélio (Atos 10:46). Foi maravilhoso fazer parte da América e ver como o avivamento pentecostal se espalhava cada vez mais. Lembro- -me de uma Conferência em que muitos irmãos pregadores estavam reunidos, entre eles também o irmão Vingren, "que agora está em casa com o Senhor". Ele veio ansiando por um batismo no Espírito Santo, e seu desejo foi cumprido, pois ele recebeu o Espírito Santo. Então nós pudemos ficar juntos e ver como esta maravilhosa obra do Senhor foi adiante na América.   Depois que Jesus nos batizou no Espírito Santo, o Senhor chamou o irmão Vingren e eu para sairmos com um evangelho completo. Pela graça de Deus, agora não apenas vi e ouvi como esta obra do Senhor, que leva o nome de "Reavivamento Pentecostal", está progredindo em diferentes países, mas também, embora em pequena escala, fui capaz de ajudar a espalhar a mensagem maravilhosa, que ouvi pela primeira vez em Lidköping. (BERG, Daniel. Kring Pingstväkelsen: em minnesbok till Lewi Pethrus 50-ärsdag. Stockhom: Förlaget Filadélfia, 1934)17

  10. Gunnar Vingren, pioneiro do pentecostalismo no Brasil:   No verão de 1909, o Senhor deu-me fome pelo batismo no Espírito Santo e fogo. Em novembro daquele ano, pedi permissão à minha congregação para participar de uma Conferência Batista para edificação espiritual. Era para ser realizada na Primeira Igreja Batista Sueca de Chicago. Viajei para lá com a firme determinação de buscar o batismo no Espírito Santo. Bendito seja Deus, após cinco dias de espera, o Senhor Jesus batizou-me com o Espírito Santo e fogo. Quando recebi o Es- pírito Santo, falei em novas linguas, assim como está escrito na Bíblia que isso aconteceu aos discípulos (At 2). A alegria que encheu minha alma era impossível de descrever. Sempre o louvarei por ter-me batizado com o Espírito Santo e com fogo. Louvado seja o seu Santo nome para sempre! (VINGREN, Gunnar. Pionjarens Dagbok, 1968, p. 22)

   O livro de Atos mostra, portanto, o cumprimento da promessa do derramamento do Espírito registrado nos quatro Evangelhos (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; 11.13; Jo 1.33; 14.26; 15.26). Essa promessa é descrita de forma precisa e específica como sendo o batismo no Espírito Santo. Depois do Pentecostes os discípulos, agora capacitados pelo Espírito, deram cumprimento ao IDE de Jesus. O batismo no Espírito não é, portanto um "luxo" da igreja, mas uma necessidade premente. Sem o revestimento do Espírito, a igreja é totalmente incapaz de cumprir a Grande Comissão. Os pentecostais da primeira geração estavam conscientes disso e esse fato explica o grande êxito que tiveram em suas vidas e ministérios. Devemos proceder de igual modo.

  O CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo

 















































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