Mas o Espírito expressamente diz que, nos
últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores
e a doutrinas de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo
cauterizada a sua própria consciência, proibindo o casamento e ordenando a
abstinência dos manjares que Deus criou para os fiéis e para os que conhecem a
verdade, a fim de usarem deles com ações de graças; porque toda criatura de
Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças,
por- que, pela palavra de Deus e pela oração, é santificada. (1 Tm 4.1-5)
O Boom da Pregação
Hoje está na moda pregar. As redes sociais
tornaram-se uma grande vitrine na qual é possível encontrar pregações e
pregadores de todos os tipos e para todos os gostos. Existem pregadores que se
orgulham de possuir milhares de seguidores virtuais, mas não têm nem mesmo uma
igreja para pastorear. Se o ambiente virtual já era o espaço preferido dos
pregadores, essa preferência se tornou uma obsessão com a monetização de
conteúdos produzidos. A pregação nunca foi um negócio tão rentável como está
sendo agora. Não é somente pregar, mas lucrar com aquilo que se prega. É
garantir likes, curtidas e visualizações, pois isso torna o pregador mais
famoso e, consequentemente, garantia de lucro certo. Dessa forma, a pregação perdeu
a sua sacralidade. Assim, não é incomum vermos vídeos que são produzidos na
cozinha, em aeroportos e até mesmo dentro de banheiros mostrando suposto conteúdo
"evangélico". Não é o lugar que demoniza esses vídeos, mas a avareza
e ganância que preenche seus conteúdos. São ferramentas para ganhar dinheiro.
Parece haver uma lógica para isso. É preciso
postar porque o ambiente virtual criou os viciados em mensagens. Assim como há,
por exemplo, o dependente químico, o viciado em álcool e fumo, da mesma forma
existe também o viciado em pregação. O vício cria uma realidade imaginária e
produz ilusões. O mesmo princípio pode ser visto no consumidor de mensagens.
Nesse aspecto, a pregação não passa de entretenimento. Como o dependente
químico pode ser conhecido por algumas características, assim também o viciado
em mensagens virtuais. De tanto ouvir mensagens, estão empanturradas delas. Isso
cria um estranho efeito colateral passam a não gostar da sua igreja local e
muito menos do seu pastor. Ficam enfastiados de ambos. Tornam-se desigrejados.
Assim, passam a conhecer tudo sobre pregação, mas eles mesmos não pregam nada.
Acredito que tudo isso acontece por conta de
uma ideia errada do que seja uma pregação. Com tanto glamour criado em volta de
grandes pregadores, que se tornaram verdadeiras celebridades, a pregação passou
a ser conhecida mais como uma oratória rebuscada do que como um testemunho
cristão. Uma mera retórica. Um pregador habi lidoso, por exemplo, que sabe
explorar as emoções e por uma pitada de Biblia dentro da sua pregação consegue
vender uma heresia como se fosse a mais pura e genuina mensagem bíblica.
A Importância da Pregação
Convém dizer que nada do que foi dito até
aqui sobre os artistas de púlpitos virtuais em nada diminui o valor da
verdadeira pregação e sua importância. A pregação é a mais poderosa ferramenta
que Deus usa para salvar os perdidos. "[...] Deus achou por bem salvar os
que creem por meio da loucura da pregação" (1 Co 1.21, NAA). A pregação nos
revela Deus e nos conduz até Jesus Cristo. Na verdade, somos igreja por causa
da pregação. A pregação é o instrumento que o Espírito Santo usa para nos
revelar Jesus. Lidia, a vendedora de púrpura da cidade de Tiatira, se converteu
quando ouviu Paulo pregando. "E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora
de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor
lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia" (At
16.14). Essa convicção para a salvação vem por obra do Espírito Santo quando a
mensagem da cruz é ouvida (Jo 16.7-11). A pregação do evangelho, portanto, é o
instrumento que o Espírito usa para gerar o novo nascimento.
Jesus
Cristo valeu-se da pregação para proclamar libertação aos cativos (Lc 4.18). O
verbo grego traduzido como "proclamar", kerysso, de acordo com os
léxicos de Bauer e Kittel, refere-se a "pregação do evangelho como a
palavra autorizada (obrigatória) de Deus, trazendo responsabilidade eterna a
todos que a ouvem". Mateus usa esse termo para dizer que Jesus "começou a pregar" (Mt 4.17,
NAA); que andava nas sinagogas "pregando o evangelho" (Mt 4.23); e
que Ele percorria "todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas
deles, e pregando o evangelho do Reino" (Mt 9.35). Por sua vez, Lucas diz
que Jesus enviou os apóstolos "a pregar o Reino de Deus e a curar os
enfermos" (Lc 9.2).
O livro de Atos mostra com toda clareza que a
pregação era a força propulsora do ministério da igreja. Assim, quando Filipe
foi à cidade de Samaria, ele "pregava a Cristo" (At 8.5); por sua
vez, Paulo, logo após sua dramática conversão, "pregava a Jesus, que este
era o Filho de Deus" (At 19.20); Pedro lembra na casa de Cornélio, o
centurião romano, que Jesus os havia mandado "pregar ao povo" (At
10.42). Da mesma forma, Paulo diz aos presbíteros reunidos em Mileto que sua
estadia com eles foi marcada pela pregação do Reino de Deus (At 20.25).
Dessa forma,
A história da Igreja cristä tem sido moldada
pela pregação desde o tempo dos apóstolos. A pregação biblica exercia um papel
central nas reuniões regulares da Igreja Primitiva (Atos 2:42). Os apóstolos
eram liberados das responsabilidades de uma igreja crescente para se
concentrarem em oração e pregação (Atos 6:3-4). Pedro modelou a pregação
bíblica usando as Escrituras do Antigo Testamento para revelar a centralidade
de Jesus Cristo no plano de Deus para redimir seu povo (Atos 2:14-36). Como
missionário, Paulo usou a pregação como seu meio de espalhar o evangelho por
todo o mundo conhecido. A proclamação de Paulo era doutrinal e apologética,
argumentava em prol da ressurreição e apelava aos fiéis para que levassem vidas
ressurretas (Colossenses 3:1-3). Paulo transmitiu o legado da pregação para os
seus discipulos, exortando-os a pregar a Palavra e encarregar outras pessoas
fiéis da mesma tarefa (2Timóteo 2:2; 4:2).
A pregação também foi o eixo central do
ministério do apóstolo Paulo. O mesmo verbo grego, Kerysso, também é usado com
frequência para se referir ao ministério de pregação do apóstolo dos gentios.
Segundo Paulo, a "pregação" é a "palavra da fé, que
pregamos" (Rm 10.8); que "todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo" (Rm 10.13). Contudo, "como ouvirão, se não há quem
pregue?" (Rm 10.14). Paulo enfatizava que pregava "a Cristo
crucificado" (1 Co 1.23). Sua recomendação a seu jovem discípulo, Timóteo,
foi que "pregues a Palavra" (2 Tm 4.2).
Dessa forma, a pregação moldou o ministério
de Paulo:
Podemos começar observando a centralidade do
discurso público no ministério de Paulo em Atos. Imediatamente após a sua con
versão (Atos 9:1-19), Paulo começa a pregar (Atos 9:20, kërysso). Quando
Barnabé o recomenda aos apóstolos em Jerusalém, ele o faz por sua fala corajosa
(parrësiazomai, Atos 9:27), à qual o recém-convertido dá continuação com
entusiasmo (Atos 9:28). Quando Paulo é enviado em sua viagem missionária
inicial pelo Espírito Santo em Atos 13.4, a primeira referência à atividade de
proclamação (katangello) ocorre imediatamente (Atos 13:5). A partir desse
ponto, a proclamação é o elemento mais persistente no relato sobre a atividade
missionária de Paulo. O termo usado pode ser euangelizo, kěrysső, katangellő,
peithö, parrësiazomai, dialego, martyreő, diamartyromai, para didõmi ou
didasko, e o público pode ser grande ou pequeno, formal ou informal, ao ar
livre ou do lado de dentro, a pregação permanece no centro do ministério de
Paulo. Portanto, não nos surpreendemos quando o último versículo de Atos se
despede de Paulo, dizendo que ele "pregava [kërusso] o reino de Deus e
ensinava [didasko] a respeito do Senhor Jesus Cristo, abertamente e sem
impedimento algum" (Atos 28:31).
Como foi exposto, a pregação do evangelho foi
central nos ministérios de Jesus, seus apóstolos e da igreja em geral. Não
podemos, portanto, minimizar a importância da pregação. Infelizmente muitos
vulgarizam a pregação em vez de valorizá-la. Isso é feito quando a pregação se
torna um mero trampolim para que se chegue a determinado fim. Nesse caso, os
fins justificam os meios e esses meios nem sempre são tão dignos quanto
parecem. Nesse aspecto, algo tão sagrado como a pregação é usado para a
promoção pessoal. Não é incomum vermos pregadores e cantores famosos ostentarem
nas redes sociais bens materiais que conseguiram angariar por meio do
ministério da pregação e do louvor. Biblicamente, "a bênção do Senhor é
que enriquece" (Pv 10.22). Não há nada errado com a prosperidade
genuinamente biblica. Sem dúvidas, um dos instrumentos que Deus usa para nos
abençoar é o ministério da palavra. Contudo, garantir posses ou qualquer outra
bênção material jamais foi o real propósito da pregação.
O Propósito da Pregação
O alvo da pregação é revelar Deus aos homens;
é levar a igreja a glorificá-lo. Se a pregação não faz com que os homens
conheçam Deus e a igreja o adore, então, ela perdeu o seu propósito. Pode ser
chamada de qualquer outra coisa, menos pregação. De fato, é o que vemos amiúde
acontecer. Há belos discursos e impecáveis oratórias, mas o antropocentrismo
domina tanto um como o outro. Não são pregações genuinamente bíblicas. Na
verdade, não são pregadores, mas coaches.
Jesus deixou claro, por exemplo, que seu
objetivo principal era a pregação da Palavra. "E ele lhes disse: Vamos às
aldeias vizinhas, para que eu ali também pregue, porque para isso vim" (Mc
1.38). Jesus veio para pregar. Essa era sua missão. Pregar também foi o
propósito principal na vida e ministério do apóstolo Paulo: "Mas de nada
faço questão, nem tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com
alegria a minha carreira, e o ministério que recebi do Senhor" (At 20.24,
ACF).
A Pregação como Exposição
O que é pregação, afinal? É contar o que Deus
em Cristo fez por nós. É testemunhar sobre a imerecida graça de Deus recebida.
Jesus, quando libertou o gadareno de uma legião de demônios e este queria
segui-lo, disse-lhe: "Torna para tua casa e conta quão grandes coisas te
fez Deus. E ele foi apregoando por toda a cidade quão grandes coisas Jesus lhe
tinha feito" (Lc 8.39). Lucas diz que aquele homem saiu pregando sobre
Jesus por toda a cidade. Da mesma forma, Filipe "descendo Filipe à cidade
de Samaria, lhes pregava a Cristo" (At 8.5).
Fora do ambiente bíblico, foi criada a falsa
ideia de que nem todos podem pregar. Se por pregação entendemos simplesmente
uma questão de oratória e retórica, evidentemente, nem todos podem pregar. Essa
missão ficaria para os profissionais do púlpito. Mas se entendermos que pregar
é testemunhar de Cristo, então todos, sim, podem pregar. O fato de transformar,
de elitizar a pregação criou um abismo entre clérigos e leigos. Em algumas
igrejas, os leigos nunca pregam. Essa é uma tarefa do teólogo profissional. Não
tenho dúvidas de que isso é um erro porque vai contra a doutrina do sacerdócio
universal de todo crente (1 Pe 2.9). Todo cristão é um sacerdote de Deus e como
tal está habilitado a testemunhar de Cristo.
De
fato, Jesus havia dito que seus discípulos receberiam poder para ser suas
testemunhas (At 1.8). Mais uma vez, pregar é dar teste munho de Cristo. Há
algum tempo, li uma obra escrita por Christian A. Schwarz em que ele mostra esse fato.
Schwarz fez uma sobre o crescimento da igreja em cinco continentes. Ele
pesquisou mais de mil igrejas. Um fato curioso é que ele acabou descobrindo pesquisa
um dado interessante que mostra como a igreja cresce. Sua pesquisa levou à
constatação de que 76% de todas as pessoas que se converteram e passaram a
fazer parte das igrejas vieram por meio do testemunho pessoal. É um dado que
não deveria nos surpreender, porque Schwarz apenas constata uma realidade
biblica – pregar é testemunhar das insondáveis riquezas de Cristo (Ef 3.8).
Essa é a missão de todos os crentes.
Como vimos, pregar é testemunhar de Cristo.
Contudo, esse ntestemunho se dá por intermédio da exposição da Palavra de Deus.
"Mas os que andavam dispersos iam por
toda parte anunciando a palavra" (At 8.4). Nesse aspecto, convém dizer que
não há um só método nem uma só maneira como isso deva ser feito. Os métodos e
maneiras, portanto, são variados. Há quem pense que nenhuma metodologia é
exigida para quem prega ou expõe o texto bíblico e que todas as mensagens são
de um tipo só. Eles, portanto, são variados. Por outro lado, nem os métodos de
interpretação nem os tipos já convencionados de pregação são inspirados.
Inspirado é o texto bíblico. Os métodos, formas e tipos de pregação são apenas
ferramentas usadas para facilitar a compreensão da mensagem pregada. Devido à
proeminência de grandes pregadores reformados que se valem do método
histórico-gramatical na interpretação das Escrituras e que tomam como molde a
pregação expositiva, muitos pentecostais passaram a rejeitar tanto um como o
outro. Convém dizer que a pregação que se vale dessa metodologia interpretativa
e que privilegia a exposição da Palavra não é uma exclusividade dessa tradição
protestante. Muitos pentecostais se valeram e ainda se valem desses mesmos
recursos hermenêuticos e homiléticos. George O. Wood, por exemplo, foi um
pastor pentecostal e ex-superintendente-geral do Concilio Geral das Assembleias
de Deus nos Estados Unidos da América, que fez uma defesa calorosa da pregação
expositiva.
De acordo com Wood,
Pregação expositiva é tomar um trecho das
Escrituras (um
versiculo, um
parágrafo, um capítulo, um livro) e responder a duas perguntas: (1) O que
disse? e: (2) O que diz? Ao responder a essas duas perguntas, o assunto, os
pontos principais e os subpontos da mensagem são regidos pelo próprio texto. Na
pregação temática, o pregador pode escolher seu esboço. Na pregação textual, os
pontos principais são regidos pelo texto, e o pregador pode colocar entre os
pontos o que quer que se sinta levado a colocar. Entretanto, na pregação
expositiva, o texto rege inteiramente o conteúdo da mensagem: não se tem a
liberdade de buscar ou escolher o que se quer enfatizar ou deixar passar.
Wood dá algumas razões de sua preferência
pela pregação ex- positiva. Em primeiro lugar, ele acredita que a pregação
expositiva firma a igreja. Em segundo lugar, mostra que esse tipo de pregação
põe a igreja em contato com a totalidade da Palavra de Deus. Esse tipo de
pregação não se propõe a dar técnicas e fórmulas para o viver cristão como, por
exemplo, "o que devo fazer para ter um casamento feliz"; "para
criar filhos obedientes"; "para ter prosperidade financeira",
etc.
Esse tipo de mensagem é atraente e mais
simples de se pregar, mas acaba por ocultar e omitir completamente verdades
essenciais sobre o coração de Deus. Em terceiro lugar, a pregação expositiva
promove a maturidade espiritual. Wood lembra que nos últimos anos as pregações
se limitaram a enfatizar o ministério de libertação, teologia do domínio e da
prosperidade, o que ele denominou de "carismania". Somente as igrejas
que valorizaram a exposição do texto biblico ficaram inabaláveis diante de
vários modismos. Em quarto lugar, todas as questões que Deus quer tratar são
tratadas no tempo de Deus. Ao expor um livro da Bíblia, por exemplo, o Senhor
usa as verdades eternas contidas nele para tratar com diferentes tipos de
pessoas e problemas. Em quinto lugar, a pregação expositiva dá mais confiança
ao pregador. Ela evita a improvisação tão comum nos meios pentecostais. Esse
tipo de pregação também torna os crentes mais familiarizados com a Bíblia.
Na análise de Wood, a pregação expositiva
cumpre também o importante papel de ajudar o pastor. A pregação expositiva, por
exemplo, acaba com o frenesi do pastor de ficar procurando desesperadamente o
que pregar a cada semana. Ela também torna mais amplo o número de recursos para
os sermões. Assim também a pregação expositiva promove um maior crescimento
espiritual do pastor. Por último, Wood destaca que a pregação expositiva
garante longevidade do ministério pastoral. De fato, há muitos pastores que
parecem não ter mais o que pregar. Não tem mais novidade alguma para expor à
igreja. O resultado são mensagens requentadas e igrejas desmotivadas com a
pregação.
Uma
Teologia Pentecostal da Pregação
Lee Roy Martin observa que os pentecostais
sempre valoriza- ram a pregação. Contudo, no início do movimento, como observou
Walter Hollenweger, prevalecia a oralidade em que se privilegiava mais a
audição do que a leitura. Isso acontecia por conta da falta de educação formal,
o que favorecia a "pregação como modo de revelação divina". Contudo,
com o acesso de muitos pentecostais à educação formal, a oralidade cedeu espaço
para a leitura e pesquisa na preparação de sermões.
No entendimento de Martin, a pregação
pentecostal, portanto, precisa levar em conta os pressupostos de uma teologia
pentecostal. Isso porque, segundo ele, as teologias evangélicas de pregação não
são inteiramente apropriadas para a comunidade pentecostal. O objetivo da
erudição pentecostal deve ser construir uma teologia pentecostal holística
contemporânea que aprecie a tradição transmitida a nós, mas que a refina e
remodela de maneira que sejam contextualmente relevantes."
Dessa forma, uma teologia da pregação
pentecostal não tem o propósito de privilegiar um determinado tipo de sermão ou
método de pregação, uma vez que isso pode pôr restrições na atuação do Espírito.
Assim, uma teologia pentecostal da pregação deve promover o encontro com Deus.
Quando se trata de pregação, esta teologia do
encontro significa que o pregador esperará uma presença especial do Espírito
Santo operando na preparação do sermão, na entrega do sermão e no tempo que se
segue ao sermão. Como ato de adoração, a pregação pentecostal é mais do que a
divulgação de informações. Tanto o pregador quanto a congregação adoram a Deus
durante o ato de pregar. Tanto a entrega quanto o recebimento da Palavra de
Deus geram adoração."
Fica, pois, em evidência que a pregação
pentecostal não é um ato unidimensional, isto é, em que o pregador fala para um
auditório que assiste passivamente. Assim, pontua Martin, "o pregador
permanece na santa presença de Deus, com um olho em Deus e o outro na
congregação, com um pé na terra e o outro pé no céu, com uma mão estendida para
Deus e a outra estendida para o povo. As pessoas também adoram elas olham tanto
para o pregador quanto para Deus enquanto se rendem ao Espírito Santo".
A construção teológica da pregação
pentecostal pode ser vista nos primeiros anos do movimento. Naquele contexto,
os pentecostais concentravam suas atenções na doutrina bíblica, na
espiritualidade prática e ênfase no evangelismo. Como destacou Gutierres Siqueira:
O pentecostalismo moderno resgatou muitas
ênfases pietistas, tais como a primazia da experiência na construção teológica,
a conversão mediante uma transformação radical e o apego para com uma
afetividade religiosa onde se busca intimidade com Cristo, não somente o seu
senhorio. Tanto no pietismo como no pentecostalismo a pregação do Evangelho e a
visita pastoral são mais importantes que a disputa de ideias universidade.10
Isso não quer dizer que os pentecostais
fossem fundamentalistas. São movimentos completamente distintos. Isso porque a
"pregação teológica pentecostal assume uma orientação mais narrativa e que
apresenta maior integração entre teologia e espiritualidade".
A pregação pentecostal tirou o
pentecostalismo da periferia teológica para transformá-lo em um dos movimentos
que mais contribuiu para o crescimento da igreja. Assim, a pregação pente-
costal não pode abrir mão desse tripé: teologia, espiritualidade e prática
pentecostais.
O membro da igreja de hoje é amplamente
influenciado por perspectivas não pentecostais que são adotadas na televisão,
internet, rádio e outras mídias. Para que o pentecostalismo sobreviva como uma
tradição distinguível, seus pregadores devem estar compro- metidos com a
teologia pentecostal amplamente definida e devem proclamar suas preocupações
centrais do púlpito de nossas igrejas."
No entendimento de Martin, as razões de uma
teologia pente- costal da pregação é necessária porque:
1. Uma teologia pentecostal da pregação deve
colocar a pregação dentro do contexto do movimento pentecostal e deve definir a
boa pregação de maneira que sejam consistentes com a teologia geral, ethos e
espiritualidade do movimento;
2. Uma teologia pentecostal da pregação deve
incorporar desenvolvimentos recentes na hermenêutica bíblica pentecostal. Abordagens
evangélicas, modernistas e racionalistas da interpretação bíblica não são
recursos suficientes para a pregação pentecostal.
3. Uma teologia pentecostal da pregação deve
levar em conta a natureza global do movimento pentecostal e deve permitir a
diversidade cultural de expressão na adoração e na pregação.
4. Uma teologia pentecostal da pregação deve
apreciar as características históricas únicas da pregação pentecostal e deve
reformar e revisar essas caracteristicas de maneira que sirva ao movimento
pentecostal contemporâneo.
5. Uma teologia pentecostal da pregação deve
aproveitar ao
máximo o papel
central do Espirito Santo na adoração pentecostal e na pregação. Afirmo que, se
não construirmos e adotarmos uma teologia pentecostal de pregação, adotaremos a
abordagem de outra pessoa; e seremos como Davi tentando vestir a armadura de
Saul. Podemos optar por adotar modelos evangélicos sem considerar o efeito
subsequente sobre nossa tradição, ou podemos formular cuidadosa e
intencionalmente modelos contextuais de pregação que integram métodos
contemporâneos disponíveis com o ethos de nossa tradição. Proponho que sigamos
o último caminho e, assim, construamos uma teologia pentecostal de pregação que
empregue métodos que sejam mais conducentes à nossa epistemologia, teologia e
espiritualidade. Estou pedindo o tipo de pregação que produz uma fé pentecostal
genuina e vibrante. Não estou sugerindo que preservemos uma versão antiga e
idealizada do pente- costalismo. Não podemos recuperar o passado, mesmo que
quiséssemos fazê-lo. No entanto, se o movimento pentecostal espera continuar
seu crescimento e impacto no mundo, deve ter pregadores que entendam e estejam comprometidos
com o coração distintivo da tradição e que possam ouvir e proclamar o que o
Espírito está dizendo agora à Igreja. Devemos continuar a praticar o evangelho
pleno se quisermos cumprir o papel para o qual Deus nos criou. A tradição
pentecostal tem uma rica herança de pregação, e devemos envolver essa herança
com vigor renovado para que a próxima geração esteja preparada para pregar a
Palavra de Deus até os confins da terra. Quão formosos são os pés dos que
pregam o evangelho... (Rm 10.15).
Uma teologia pentecostal, portanto, não pode
prescindir do dinamismo que vem como resultado do poder do Espírito Santo. É o Espírito
quem dinamiza a pregação, tornando-a ousada e relevante.
Lee Roy Martin descreve que ele entende a
dinâmica da pregação pentecostal, como sendo o resultado do revestimento do
Espírito na vida do pregador. Isso é um fato fartamente mostrado nas
Escrituras.
No próximo capítulo, exploraremos essa
dimensão do ministério do Espírito no contexto da igreja.
O
CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo
Capítulo 11
O Culto da Igreja Cristã
Pelo que não sejais insensatos,
mas entendei qual seja a vontade do Senhor. E não vos embriagueis com vinho, em
que há conten- da, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, e
hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso
coração, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus. (Ef
5.17-21)
O termo "culto" é
definido pelos léxicos como "adoração ou homenagem à divindade em qualquer
de suas formas" ou figurada- mente "adoração, veneração e
reverência". De uma forma simples, podemos dizer que o culto está
relacionado com nossa atitude, forma e maneira como expressamos nossa adoração
ao Deus a quem ser- vimos. No hebraico bíblico, o culto é visto como um serviço
a Deus (Dt 6.13). Nesse aspecto, é posto em realce a ação ritual e a atitude
interior como o culto é prestado. O Antigo Testamento também põe em destaque o
"culto como sacrifício e como obediência à Palavra de Deus". Nesse
contexto, o aspecto ético se sobressai ao ritualístico. "Eis que o
obedecer é melhor do que o sacrificar" (1 Sm 15.22).
No contexto do Novo Testamento, o
termo grego leitourgeo é usado para expressar a adoração como um serviço que se
presta a Deus. De acordo com Renato de Zan, esse termo expressa duas categorias
de significados: o culto espiritual cristão (Rm 15.16) e o culto como ato
ritual do cristão (At 13.2). No primeiro sentido, o culto é visto como o
cumprimento da própria vocação cristã e, no segundo, expressa a celebração como
ato ritual. Em o Novo Testamento, a centralidade do culto é a pessoa de Cristo
(Jo 2.18-22; Mt 26.61).
O Culto e a sua Natureza
Uma correta compreensão do culto cristão passa necessariamente por
entender o que é sua natureza. Assim, por natureza o culto deve ser santo. Ele
é prestado a um Deus que é santo, que por sua vez é adorado por uma igreja que
também é santa. Esses fatos servem para fazer distinção entre o sagrado e o
profano. Há, portanto, uma essência no culto cristão ele é um serviço que se
presta a um Deus totalmente distinto de sua criação. Deus nunca pode ser
igualado à sua criação; por sua vez a criação jamais pode tomar o lugar do
Criador.
Isso nos remete aos conceitos bíblicos
de "sagrado/profano". Possivelmente, nenhum outro conceito teológico
apareça de forma mais contundente no antigo judaísmo do que as ideias de
sagrado e profano, do santo e do impuro. Trata-se de uma ideia presente em toda
a Bíblia hebraica: torá, nebiin e ketuvim (lei, profetas e escritos). Sacchi
(2011, p. 25) destaca que a categoria mais característica do pensamento
hebraico, aquela segundo a qual os hebreus interpretavam e classificavam a rea-
lidade, é a do "sagrado/profano impuro/puro. O livro de Levitico, por
exemplo, destaca que é preciso separar "o sagrado do profano, o impuro do
puro" (Lv 10.10). Sacchi (2011, p. 25) ainda destaca que hả uma unidade nos
escritos bíblicos, mesmo naqueles que pertencem a épocas diferentes e
distantes, em que as ideias do sagrado e do profano, do santo e do impuro
permanecem idênticas. Isso pode ser visto, por exemplo, também no livro do
profeta Ezequiel. Em Ezequiel 44.23, lê-se: "[Os sacerdotes] ensinarão a
distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o impuro e o
puro".
Os hebreus estavam acostumados com
a palavra qadosh (santo, separado) para referirem-se ao relacionamento com
Deus. Embora esse vocábulo seja comum nas línguas semíticas, ele reveste-se de
um sentido especial quando aplicado à ideia de moralidade no contexto do
judaismo antigo. Deus é santo; dessa forma, a santidade de Deus está
intimamente ligada à sua glória. Sem santidade, ninguém pode aproximar-se dEle,
e isso valia para todos os povos e em todas as épocas, sendo, portanto,
princípios de uma ética universal. Assim
sendo, Kinlaw (2007, p. 45) destaca que as exigências de culto estão muitas
vezes misturadas com as exigências éticas. Os profetas não estavam preocupados
com o culto em si, mas com os princípios ético-morais que o fundamentavam. O padrão moral de Israel é um elemento
diferenciador das demais culturas à sua volta (Kinlaw, 2007, p. 45). Em vez de
ter um padrão de julgamento fundamentado na lei natural, como eram as demais
nações, Israel tinha na Lei de Deus o padrão de comportamento exigido.
Observa-se que Israel, como um povo eleito de Deus, possuía uma
responsabilidade moral muito grande perante os outros povos. Mesmo vivendo em
meio a uma cultura diversificada e paganizada, ele deveria espelhar e refletir
um padrão moral diferente."
O Culto e o seu Propósito
O propósito do culto deve ser
sempre glorificar a Deus. Isso acontece quando o culto promove a verdadeira
adoração. Se Deus não é adorado e glorificado no culto ou na nossa forma e modo
de cultuar, então, não existe culto de verdade. O culto, portanto, pode se
desvirtuar, perder o seu propósito e deixar de ser um culto. Pode ser chamado
de qualquer outra coisa, menos de culto. Quando isso acontece, nem Deus é
glorificado, nem a igreja é edificada.
Dessa forma, precisamos destacar
que o culto visto como uma expressão de adoração a Deus acontece em dois
âmbitos: na esfera vocacional e na esfera celebrativa, o culto como expressão
da nossa própria vocação e o culto como celebração que se expressa em atos
rituais. No primeiro âmbito, da vocação, o cristão adora a Deus quando o serve
de modo digno perante um mundo perdido. Aqui não há ritos, mas o testemunho de
vida. As atitudes demonstram que o cristão é um adorador. Ele cultua a Deus com
sua vida em toda a sua extensão. Nesse caso, o culto não é visto apenas como um
ato litúrgico realizado, por exemplo, em um templo ou em qualquer espaço
físico, mas como a expressão de um modo de vida que reflete o caráter de Cristo
em todos os aspectos.
O apóstolo Paulo chamou atenção
para essa expressão do culto na esfera vocacional na sua carta ao Romanos:
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso
corpo em sacrificio vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus. (Rm 12.1,2)
O termo "culto" usado
aqui por Paulo é a tradução do termo grego latreia. William Barclay observa que
era a mesma palavra usada para um trabalhador que dava seu tempo e esforço a um
empreiteiro em troca de um salário. Não se refere, portanto, a um trabalho
escravo, mas um trabalho voluntário. Tem o sentido de "servir", mas,
sobretudo, "aquilo que uma pessoa dedica toda a sua vida". 1º O
verdadeiro culto, portanto, é dedicar a vida a Deus diariamente. Não apenas na
esfera de um templo, mas em todas as dimensões da vida privada e pública.
Paulo lembra que tanto o corpo como a mente
são expressões de uma autêntica adoração a Deus. Ele roga aos cristãos que se
"apresentem diante de Deus" como sacrifícios. Não há dúvida de que
Paulo tinha em mente o sistema de sacrifício quando disse que o cristão precisa
apresentar-se diante de Deus como um sacrificio vivo. Ele tinha em mente o
livro de Levítico quando escreveu essas recomendações de Romanos 12.1,2. Assim
como um animal inocente era ofertado em sacrifício na Antiga Aliança, da mesma
forma o cristão devia apresentar o seu corpo a Deus. A diferença era que lá a
oferta era apresentada morta, e aqui a oferta é apresentada viva. Ao contrário
do pensamento grego, que via o corpo como a prisão da alma, Paulo dá grande
importância à nossa dimensão corpórea. Devemos, sim, cuidar e zelar do nosso
corpo, pois ele é santuário do Espírito Santo (1 Co 6.19). Isso, evidentemente,
envolve disciplina alimentar e exercícios físicos. Nesse sentido, não há nada
de errado em cuidar do corpo. Contudo, devemos evitar a todo custo o
"culto ao corpo". O culto ao corpo se manifesta quando os exercicios
físicos se tornam mais importantes que os exercicios espirituais. Passa-se duas
horas malhando, nenhuma orando, quase nada adorando; vai para a academia
meia-noite, contudo, reclama do culto que termina às 21 horas; muitas selfies
nas redes sociais exibindo músculos, mas nenhum versículo ou algo que o
identifique como crente. Kevin Vanhoozer observa que:
Na cultura geral, exercício e aptidão
física não apareciam proeminentemente no imaginário social até a invenção das
câmeras fotográficas de mercado popular no começo do século 20, que permitiram
às pessoas verem a si mesmas como os outros as viam. As pessoas começaram a ir
às academias [...] por um objetivo estético ou terapêutico: parecer ou
sentir-se melhor. Alguns historiadores culturais ligam essa mudança ao
individualismo e ao narcisismo moderno: melhorar a própria saúde e aparência se
tornou parte da busca das pessoas por sua autorrealização. Outros ligaram a
obsessão por condicionamento físico ao desejo pós-moderno de tornar o real uma
cópia da imagem (ideal). O que é muito interessante não é simplesmente o fato
de que as academias e os clubes de saúde se tornaram um negócio de muitos
bilhões de dólares, mas também que nosso corpo se tornou a lona na qual
exercitamos nossa sede de poder. O fato de que nossos corpos são nossos, para
fazermos o que quisermos, é uma peça importante do imaginário social
contemporâneo, embora negue a afirmação "não sois de vós mesmos", de
Paulo (1Co 6.19). Praticar exercicios se torna mais uma forma de consumismo, na
qual favorecemos o conceito de que podemos, por meio de exercicios, transformar
a nós mesmos em uma coisa bela. Programas de perda de peso se tornaram cada vez
mais populares em meados do século 20. Marqueteiros, filmes e revistas
forneceram imagens de corpos que começaram a habitar o imaginário social."
No contexto do Novo Testamento, o
homem é um visto como um ser integral, formado por espírito, alma e corpo (1 Ts
5.23; 1 Co 14.14).
Assim, expõe Renato de Zan:
Em Rm 12,1-2, Paulo exorta os
cristãos a responderem à plu- ralidade de intervenções misericordiosas de Deus
oferecendo os próprios "corpos como um sacrificio (thysían) vivo santo,
agradável a Deus": este é o "culto espiritual (logikèn
latreian)" dos cristãos. A vítima (thysía) é a pessoa do fiel, que,
todavia, não está morta como as vítimas do sistema sacrifical, mas está viva,
uma vez que foi subtraída da herança mortífera de Adão e regenerada pela
salvação em Cristo Jesus. A oferta consiste em oferecer-se a Deus como
instrumento de justiça por Deus, sob a guia do Espírito (cf. Rm 6,13). O que
brota disso, a vida do discípulo na sua plenitude, é o culto espiritual (logikè
latreia), que pode ser compreendido ou como culto que convém à natureza
racional do fiel, ou como culto que provém da escolha profunda do coração sede
da vontade, da inteligência, das intuições e dos sentimentos profundos de
aderir plenamente à vontade de Deus."
Paulo não se refere apenas à nossa
dimensão somática, isto é, corpórea na esfera cúltica. Ele também mostra que o
nosso culto acontece na esfera cultural. Isso fica demonstrado pelo uso do
termo grego sche- matizesthai. Essa palavra traduzida em português como
"conformar-se" tem o sentido de "moldar-se". Paulo usa esse
termo em referência a uma cultura sem Deus quando o associa a essa
"era" ou "século", que nesse contexto possui o sentido
claro de "cultura"." Schematizesthai é o mesmo verbo usado pelo
apóstolo Pedro quando escreveu aos cristãos em sua carta: "Como filhos
obedientes, não vos amoldeis aos desejos que tínheis em tempos passados na
vossa ignorância" (1 Pe 1.14, AS21). Assim como o líquido assume a forma
do recipiente que ocupa, da mesma forma o crente, se não se guiar pela Palavra
de Deus, pode ser moldado de acordo com a cultura à sua volta. Para que isso
não aconteça, é preciso interromper uma ação que pode estar em curso, como
sugere o tempo presente do texto grego desse versículo.
O Culto como Ritual - a Liturgia do Culto
Por outro lado, o culto como um
ato ritual está condicionado ao espaço e ao tempo. Quando falamos da liturgia
do culto nos referimos tanto ao conteúdo como a forma ou modo como prestamos
nossa adoração a Deus. Isso não apenas na esfera espacial, isto é, física ou de
um templo, mas, sobretudo, comportamental. Contudo, para o nosso propósito,
vamos enfocar o aspecto litúrgico e ritualístico do culto. Infelizmente, muitas
pessoas associaram a palavra "liturgia" a mornidão, frieza espiritual
ou coisa do gênero. Para essas pessoas, o culto não deve ter liturgia nenhuma.
Ele deve acontecer de forma livre e improvisada. O resultado disso é vermos
"cultos" que não são cultos, mas um ajuntamento humano qualquer.
Vamos falar de forma mais clara:
todo culto tem ou deveria ter uma liturgia. A palavra liturgia no contexto do
culto aparece, por exemplo, em Atos 13.1-4.
Na igreja que estava em Antioquia
havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé, e Simeão, chamado Níger, e
Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. E,
ser- vindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a
Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e
orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E assim estes, enviados pelo
Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre.
Nesse texto, Lucas registra que:
"E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me
a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado". A palavra
"servindo", conforme apa rece na tradução em lingua portuguesa,
corresponde ao termo grege leitourgeo, de onde deriva nosso vocábulo
"liturgia". É interessante notar que um dos cultos mais poderosos da
história, que desaguou no maior movimento missionário da história do
cristianismo, aconteceu quando a igreja que seguia um ritual litúrgico ouviu a
voz do Espírito Santo. O ritual litúrgico dos primitivos cristãos não tirou a
liberdade do Espírito de se expressar. A liturgia, portanto, não esfria culto.
Se a liturgia não esfria o culto, o que esfria, então? Parece-me que é
justamente a falta dela.
Dessa forma, precisamos destacar
que pelo menos três elementos aparecem no contexto da liturgia do culto no Novo
Testamento, quer no judaísmo, quer no contexto da Igreja Primitiva: a leitura
da Palavra de Deus com sua respectiva exposição, os cânticos e a oração. Quando
Jesus, por exemplo, chegou a Nazaré, entrou na sinagoga e lhe foi dado o livro
do profeta Isaías. Tendo feito a leitura, Jesus fez uma explanação do texto
lido (Lc 4.16-20).
E, chegando a Nazaré, onde fora
criado, entrou num dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga e
levantou-se para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu
o livro, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor é sobre mim,
pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados
do coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor. E, cerrando o
livro e tornando a dá-lo ao ministro, assentou-se; e os olhos de todos na
sinagoga estavam fitos nele.
Da mesma forma, quando participou
do ritual da Páscoa com os discípulos, rendeu graças a Deus e cantou um hino
(Mt 26.26-30). Por sua vez, o apóstolo Paulo, quando chegou à cidade de
Filipos. procurou um lugar de oração onde fez uma exposição da Palavra aos
presentes (At 16.13,14). Assim, Paulo exortou Timóteo a fazer exposição pública
das Escrituras (1 Tm 4.13) e praticar a vida de oração (1 Tm 2.1).
Esse ritual litúrgico de forma
alguma impedia o mover do Espírito de Deus. Da mesma forma que exortou Timóteo
a praticar a exposição das Escrituras e orar, Paulo também exortou o seu
discípulo a exer citar os dons espirituais (1 Tm 4.14) e a despertar esse mesmo
dom (2 Tm 1.6). É possível vermos a liturgia do culto entre os primeiros
cristãos de uma forma mais ampla em 1 Coríntios 14.26. "Que fareis, pois,
irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem
revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação".
Quando buscava regulamentar a liturgia do culto na igreja de Corinto nesse
capítulo, o apóstolo orientou-lhes a cantar (salmos), buscar a instrução
(doutrina) e exercitar os dons espirituais (revelação, línguas e
interpretação). O ritual litúrgico permite que o culto mantenha sua ordem (1 Co
14.40). Em outras palavras, quando seguimos a orientação litúrgica bíblica, o
culto não esfria e nem se transforma numa bagunça.
O apóstolo Paulo, quando
regulamentou o uso dos dons espi- rituais, o fez a partir de uma liturgia que
deveria ser seguida. "Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada
um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem lingua, tem
interpretação. Faça-se tudo para edificação" (1 Co 14.26). Vejamos nesse
texto alguns as- pectos ritualísticos mostrados por Paulo. Em primeiro lugar, o
culto precisa ter um planejamento. Isso está implícito na pergunta: "O que
fareis, pois?". Se, por um lado, o culto não deve ser algo fossilizado,
meramente formalistico, por outro lado, o culto não deve ser de- sorganizado,
que não tem planejamento algum. Em segundo lugar, Paulo se refere aqui ao culto
na esfera congregacional, isto é, o culto na igreja local. Isso fica claro pelo
uso da expressão: "quando vos ajuntais". Havia, portanto, um local ou
espaço onde a igreja se reunia. Em terceiro lugar, a questão temporal também
era levada em conta. Isso está implicito no tempo encontrado para se reunirem.
Algumas versões em português usam o advérbio "quando", que indica
tem- po, para expressar isso. Em quarto lugar, o culto deve contar com a
participação de cada um. Isso fica claro pelo uso da particula grega hekastos
(cada um). Todos devem participar do culto. Todos devem adorar. O problema nos
cultos é que poucos participam dele. Em quinto lugar, no culto devemos louvar.
Isso está demonstrado pelo uso do termo grego psalmoi (Salmos), que é uma
referência ao antigo hinário de Israel e da igreja. No culto deve, portanto,
haver música, cânticos que enaltecem ao Senhor. Em sexto lugar, Paulo mostra
que no culto deve haver a exposição da Palavra. Ele demonstra isso quando usa a
expressão "doutrina", do grego didaché, que tem o sentido de
instrução. O culto deve servir para instruir a igreja. É pela instrução que o
crente é discipulado. Em sétimo lugar, o apóstolo se refere às manifestações
carismáticas, isto é, o uso dos dons espirituais no culto. Isso fica
demonstrado pelo uso dos termos "revelação", "linguas" e
"interpretação". O culto não é apenas um ritual morto, mas uma
celebração dinâmica onde o Espírito Santo opera. Em oitavo lugar, Paulo mostra
que o culto tem um propósito que é a edificação da igreja. "Seja tudo
feito para edificação."
Esses mesmos princípios podem ser
vistos no capitulo 5.17-21 da carta de Paulo aos Efésios. Nesse texto, o
apóstolo repete alguns elementos componentes do ritual litúrgico do culto
listados no capítulo 14 de sua Primeira Carta aos Coríntios como, por exemplo,
salmos, hinos e cânticos espirituais. Isso reforça o que vem sendo dito aqui a
Igreja Primitiva possuía, sim, uma liturgia já estabelecida nos seus primeiros
anos. Não era nada sofisticado nem tampouco institucionalizado, mas um ritual
que permitia a igreja adorar a Deus com toda a liberdade do Espírito.
Vamos repetir, portanto, o que já
foi dito liturgia não esfria culto, o que esfria o culto é a falta dela. É o
culto não possuir ordem ou regulamentação alguma. É a invencionice tomar o
lugar da Palavra de Deus e da oração. Quando deixamos de priorizar a exposição
da palavra de Deus para entreter a igreja, então, esta forçosamente esfriará;
quando a igreja cai num tipo de ativismo frenético, preenchendo todos os
espaços com alguma atividade, contudo, negligenciando a Palavra e a oração, sem
dúvida alguma, seus cultos esfriarão; quando transformamos o culto em um
palanque político, o culto fatalmente esfriará.
Vimos, portanto, que o culto deve
ser santo porque Deus é Santo. Por natureza, o culto precisa refletir a
santidade de Deus. Quando esquecemos esse princípio, então o profano se mistura
com o sagrado, e o resultado é que o culto perde seu propósito, que é dar a
devida glória a Deus. Destacamos que o culto, embora se expresse por meio de
rituais, não está limitado a isso. Nesse aspecto, o culto é a expressão de
nossa vocação. Ele se manifesta em nossas atitudes e modo de ser diante de um
mundo sem Deus. Contudo, quando se vale de rituais, não perde a sua essência,
desde que se mantenha dentro da esfera da Palavra de Deus.
O CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo
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