domingo, 21 de janeiro de 2024

CPAD Adultos : O CORPO DE CRISTO | Lição 04: A Igreja e o Reino de Deus


                                                            TEXTO ÁUREO

“[…] O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho.”

(Mc 1.15)

VERDADE PRÁTICA

Pregar a mensagem do Reino de Deus é uma importante missão da Igreja.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Marcos 1.14-17
14 – E, depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galileia, pregando o evangelho do Reino de Deus
15 – e dizendo: O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho.
16 – E, andando junto ao mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores.
17 – E Jesus lhes disse: Vinde após mim, e eu farei que sejais pescadores de homens.

PLANO DE AULA

1- INTRODUÇÃO
Professor(a), a lição desta semana tem como finalidade apresentar a natureza universal do Reino de Deus e a Igreja como parte integrante e representativa desse Reino no mundo. Nesse sentido, a Igreja faz parte da realidade presente do Reino de Deus e, por conseguinte, fará parte também da realidade vindoura.
2- APRESENTAÇÃO DA LIÇÃO
A) Objetivos da Lição:
I) Relacionar a natureza do Reino de Deus com a nação de Israel, bem como o seu propósito com a existência da Igreja;
II) Apontar as dimensões do Reino de Deus nas realidades presente e futura;
III) Destacar a Igreja como projeto de Deus e expressão de seu Reino na plenitude dos tempos.
B) Motivação: Nosso Senhor afirmou que o Reino de Deus não tem aparência visível como se estivesse localizado em uma posição geográfica. Antes, o Reino de Deus, disse Jesus, está entre vocês (Lc 17.20, 21). Isso significa que a natureza do Reino é espiritual. Ele se manifesta por meio da justiça, paz e alegria do Espírito. A maior vitória do Reino de Deus é sobre o pecado, a morte e Satanás.
C) Sugestão de Método: Nesta lição, a classe aprenderá que há uma distinção entre Igreja e Reino de Deus. Ambos possuem características específicas que estão presentes nas Escrituras Sagradas. Para estimular a participação dos alunos, elabore na lousa duas colunas. Em cada uma delas, com a ajuda da classe, relacione as características específicas da Igreja e do Reino de Deus respectivamente. Ao final, ressalte que, nesta lição, vamos estudar com maiores detalhes que o Reino de Deus é mais abrangente. A Igreja, porém, está inserida no Reino de Deus.
3- CONCLUSÃO DA LIÇÃO
A) Aplicação: A Igreja tem a responsabilidade de transmitir a mensagem do Reino de Deus ao mundo. Essa missão só pode ser alcançada a partir do testemunho vivo dos crentes, que coadune os ensinamentos da Palavra de Deus com um estilo de vida que expresse a prática de boas obras.
4- SUBSÍDIO AO PROFESSOR
A) Revista Ensinador Cristão. Vale a pena conhecer essa revista que traz reportagens, artigos, entrevistas e subsídios de apoio à Lições Bíblicas Adultos. Na edição 96, p.38, você encontrará um subsídio especial para esta lição.
B) Auxílios Especiais: Ao final do tópico, você encontrará auxílios que darão suporte na preparação de sua aula:
1) O texto “O Reino e a Vinda do Filho do Homem”, localizado depois do primeiro tópico, destaca a qualidade invisível do Reino de Deus, porém, presente no que Jesus dizia e fazia;
2) O texto “Jesus Voltará”, ao final do terceiro tópico, destaca a importância do serviço cristão em prol do Reino de Deus enquanto nosso Senhor não retorna para buscar a sua Igreja.

INTRODUÇÃO

A Bíblia apresenta Deus como um rei (Sl 47.6; 52.7) que exerce o seu governo e domina sobre tudo o que há (Sl 22.28). Sobre o seu reino, governa soberanamente. Nesta lição, apresentaremos uma compreensão do Reino de Deus a partir de sua natureza e da sua relação com a Igreja. Nesse aspecto, mostraremos o reino divino na sua dimensão universal e soberana, bem como sua realidade presente e futura. A Igreja é vista como parte desse reino e, por isso, Deus a estabeleceu para viver, pregar e manifestar a vida do reino divino.

PALAVRA CHAVE:

REINO

AUXÍLIO TEOLÓGICO

O REINO E A VINDA DO FILHO DO HOMEM (Lc 17.20-37)
Jesus explica que o Reino de Deus é distinto dos reinos com os quais os fariseus estão familiarizados. Sua vinda não corresponderá com sinais visíveis para que ninguém possa predizer o tempo exato de sua chegada. As pessoas entendem mal o caráter do Reino de Deus, quando dizem: ‘Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali!’ Tais predições são arrogantes e mostram-se falsas e decepcionantes as pessoas persuadidas por elas (cf. At 1.6, 7). Jesus afirma que a fase inicial do Reino não vem desse jeito; de fato, já veio (Lc 17-21). Jesus usa a palavra ‘entos‘ para descrever sua presença — palavra que significa ‘dentro’ de vocês ou ‘entre, no meio de’ vocês. Jesus está falando a fariseus, que sem dúvida o rejeitaram. Ele não diria que o reinado de Deus está dentro dos corações deles. Contudo, o Reino é um fato histórico. Jesus quer dizer que o Reino está ‘entre vós’ — presente no que Ele faz e diz —, ainda que os fariseus permaneçam cegos diante dessa realidade (cf. Lc 11.20). Eles esperam ver sinais da vinda do Reino algum dia futuro. Mas não há necessidade de procurar sinais futuros da vinda do governo de Deus. Hoje pode-se entrar nele, embora sua consumação final venha depois” (ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger (Eds). Comentário Bíblico Pentecostal – Novo Testamento. Vol. 1 – Mateus-Atos. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.432).

AUXÍLIO TEOLÓGICO

JESUS VOLTARÁ
“O ensino sobre a Segunda Vinda de Cristo também estimula o serviço cristão. Os crentes que ardentemente aguardam a volta de Cristo, reavaliam constantemente as prioridades que lhes governam a maneira de viver. Sempre colocam, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça. Não querem ser surpreendidos tendo as mãos vazias. Eles sabem que, um dia, todos teremos de comparecer ante o Tribunal de Cristo. Por isso alertam constantemente seus parentes, amigos, conhecidos e os demais pecadores, a que estejam preparados à vinda do Senhor (Mt 24.45,46; Lc 19.13 e 2 Co 5.10, 11).
Mas como Jesus voltará? Ele voltará pessoalmente (Jo 14.3; 21.20-23; At 1.11) e de forma inesperada (Mt 24.32-51; Mc 13.33-37). Ele voltará em glória (Mt 16.27; 19-28 e Lc 19.11-27) e de maneira visível como o anunciou o anjo à multidão no monte da Ascensão: ‘Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir’ (At 1.11). O retomo real, visível e literal do Senhor Jesus Cristo a esta terra, exclui qualquer interpretação espiritualizada, como se a sua vinda tivesse ocorrido quando da descida do Espírito no Pentecoste, ou quando da conversão de alguém, ou ainda por ocasião da morte do crente” (MENZIES, Willian W.; HORTON, Stanley M. Doutrinas Bíblicas: Os Fundamentos da Fé Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, p. 178).

CONCLUSÃO

Nesta lição aprendemos um pouco mais sobre o Reino de Deus. Como disse alguém, a Igreja não é idêntica ao Reino de Deus, pois este é maior do que ela; todavia, a Igreja é o instrumento presente do reino e herdará o reino (2 Pe 1.11). Assim, o Reino de Deus, em sua plenitude, ou na sua manifestação final, incluirá todos os crentes que professaram e professarão sua fé em Cristo, o Filho de Deus.

   CPAD Adultos – TEMA: O CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo

| Lição 04: A Igreja e o Reino de Deus

 


  E depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galileia, pregando o evangelho do Reino de Deus e dizendo: O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho. E, andando junto ao mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pes- cadores. E Jesus lhes disse: Vinde após mim, e eu farei que sejais pescadores de homens. (Mc 1.14-17)

   John Walvoord observou acertadamente que "sistemas teológicos podem frequentemente ser caracterizados por sua eclesiologia". Isso significa dizer que a compreensão que temos sobre a igreja, sobre aquilo que ela é e sobre o papel que ocupa na história da salvação afetará a forma como definiremos nossas crenças.

  Essa constatação fica bem evidente quando se procura estabelecer a relação existente entre o Reino de Deus e a igreja. Agostinho (354-430), bispo de Hipona, por exemplo, partindo de uma interpretação equivocada sobre a Parábola do Joio e do Trigo, entendeu que a igreja seria o Reino de Deus em toda a sua extensão. Essa interpretação moldou a de Deus, tradução de Oscar Paes Leme (Petrópolis: Vozes, 2014), 2 partes): The Letters of Petilian, the donatist 3.4-5). Essa identificação equivocada se tornou a base para sua convicção de que a igreja é e deve ser uma sociedade mista de cristãos (o trigo) e de não cristãos (ojoio). A Igreja Católica seguiu os passos de Agostinho ao considerar a igreja o reino de Deus e começou a vê-la como uma entidade semelhante a reinos terrenos (e.g., Bonifácio VIII. Unam Sanctam, 302; citado em Allison, Historical theology, p. 599-600). À medida que a igreja se tornou, cada vez mais, uma potência política, o modelo de Igreja-Estado começou a monopolizar a eclesiologia medieval. Esse desdobramento preparou o caminho para empreitadas militares como as Cruzadas; a perseguição religiosa a não cristãos e hereges pela Inquisição; as tramas políticas como a investidura (i.e., autoridade do papa para coroar o imperador com os símbolos de autoridade civil) e outras interferências da igreja em questões seculares alimentadas por asserções papais de superioridade acima do Estado. De maneira diferente, mas também com base na Parábola do Trigo e do Joio, a teologia reformada associa estreitamente a igreja e o reino (e.g., John Calvin, Institutes of the Christian religion, edição de John T. McNeill, tradução para inglês de Ford Lewis Battles [Philadelphia: Westminster, 1960], 4.1.13) [edições em português: João Calvino, As institutas, tradução de Waldyr Carvalho Luz (São Paulo: Cultura Cristă, 2006), 4 vols., e A instituição da religião crista, tradução de Carlos Eduardo Oliveira; José Carlos Estêvão (São Paulo: Ed. Unesp, 2008)] e, por conseguinte, a eclesiologia reformada considera a igreja uma comunidade mista de crentes e incrédulos".3

  O Reino de Deus como Manifestação do seu Domínio e Soberania

  Como já destacamos, partimos do princípio de que a igreja não é o Reino de Deus em toda a sua extensão, mas uma expressão dele. Isso é importante para evitarmos equívocos como o cometido pelo bispo de Hipona. Por outro lado, ajuda-nos também a entender ou- tro importante enunciado teológico: a relação existente entre Israel e a igreja no contexto desse Reino.

  Quando a igreja é vista como a manifestação do Reino em toda a sua extensão, como fez Agostinho, Israel acaba por deixar de ter importância no plano escatológico desse Reino. Essa discussão é importante, por exemplo, quando estivermos tratando dos aspectos futuros do Reino de Deus.

Biblicamente, Deus é retratado como um Rei (Sl 47.7). Isso significa que Ele possui um Reino e governa soberanamente sobre ele. Nesse aspecto, os teólogos definem o Reino de Deus como sendo o governo soberano de Deus. Dessa forma, o Senhor governa soberanamente sobre a sua criação e sobre todos os governos humanos (Dn 4.25). Nada, portanto, está fora do seu controle. Aqueles que advogam que Deus não está no controle ou perdeu o controle das coisas não creem na sua onipotência e soberania. Biblicamente, seria correto dizer que o Senhor não exerce um controle meticuloso ao ponto de excluir as ações livres dos homens; Ele, contudo, não perdeu o controle de nada.5

  Quando tratamos do Reino de Deus, os seus aspectos presente e futuro precisam ser contemplados. O Reino de Deus é retratado nas Escrituras como uma realidade presente e futura. Jesus deu início ao seu ministério dizendo que o Reino de Deus havia chegado (Mt 3.2). Sendo assim, Jesus cumpria a predição dos profetas que haviam apontado para o Messias como aquele que inauguraria a realidade do Reino. No seu aspecto presente, o Reino de Deus

   significa Deus intervindo e predominando no mundo, para manifestar seu poder, sua glória e suas prerrogativas contra o domínio de Satanás e a condição atual deste mundo [...]. O reino é antes de tudo uma demonstração do poder divino em ação. Deus inicia seu domínio espiritual na terra, nos corações do seu povo e no meio deste (Jo 14.23; 20.22). Ele entra no mundo com poder (Is 64.1; Mc 9.1; 1 Co 4.20). Não se trata de poder no sentido material ou político, e sim espiritual. O reino não é uma teocracia relígiopolítica; ele não está vinculado ao domínio social ou político sobre as nações ou reinos deste mundo (Jo 18.36). Deus não pretende atualmente redimir e reformar o mundo através de ativismo social ou político, ou de ação violenta (26.52; ver Jo 18.36, nota). O mundo, durante a presente era, continuará inimigo de Deus e do seu povo (Jo 15.19; Rm 12.1,2; Tg 4.4; 1 Jo 2.15-17; 4.4). O governo de Deus mediante o juízo direto e à força só ocorrerá no fim desta era [...]. O fato de Deus irromper no mundo com poder abrange: (a) seu poder divino sobre o governo e domínio de Satanás (12.28; Jo 18.36); a chegada do reino é o começo da destruição do domínio de Satanás (Jo 12.31; 16.11) e do livramento da humanidade das forças demoníacas (Mc 1.34,39; 3.14,15; At 26.18) e do pecado (Rm 6); (b) poder para operar milagres e curar os enfermos (4.23; 9.35; At 4.30; 8.7); (c) a pregação do evangelho, que produz a convicção do pecado, da justiça e do juízo (11.5; Jo 16.8-11; At 4.33); (d) a salvação, a santificação daqueles que se arrependem e creem no evangelho (ver Jo 3.3; 17.17; At 2.38-40; 2 Co 6.14-18); e (e) o batismo no Espírito Santo, com poder, para testemunhar de Cristo (ver At 1.8 notas; 2.4 notas)."6

   Podemos dizer, portanto, que o Reino de Deus no seu aspecto presente já pode ser sentido. Isso fica claramente demonstrado na resposta de Jesus aos fariseus que o acusaram de estar possuído por Belzebu quando Ele libertava um oprimido pelo Diabo. Naquela passagem bíblica, Jesus assegurou que a libertação do endemoninhado era uma prova cabal da presença do Reino entre eles (Mt 12.28). Assim também, inúmeras outras Escrituras destacam o Reino de Deus como uma realidade presente como, por exemplo, Colossenses 1.13. Há, contudo, outra dimensão do Reino que ainda não foi manifestada.

 

  E a dimensão futura ou escatológica do Reino. Para que possamos compreender essa realidade, farei aqui um resumo sobre a história da interpretação no contexto da escatologia do Reino de Deus.

O Reino de Deus no Contexto Escatológico

  No século II, Irineu de Lião ainda mantinha a esperança escato- lógica e sobre ela escreveu com entusiasmo. Por outro lado, Orígenes (184-253) já não mantinha o fervor. Os elementos apocalípticos não estão totalmente ausentes dos seus escritos, mas de forma mais tênue. Essa é uma tendência nos séculos seguintes. De acordo com Gary Cohen, a igreja perdeu logo a expectativa escatológica:

  O milenarismo predominou no meio da igreja cristă enquanto os cristãos eram uma minoria rejeitada e ameaçada por perseguições.

Quando, no século IV, o cristianismo ascendeu a uma posição de supremacia no mundo mediterrâneo e se tornou a religião oficial do império, a igreja passou a sufocar as crenças milenaristas"."

  A partir do século IV, a esperança escatológica desvanece-se com maior intensidade ainda. No alvorecer da Idade Média, o método alegórico de interpretação permeia a igreja, e os seus teólogos passam a ver a escatologia bíblica através das suas lentes. O literalismo bíblico é substituído pelo alegorismo. Dessa forma, a escatologia é trazida do céu para a terra. Dentro desse contexto, Agostinho de Hipona tornou-se o seu principal porta-voz. Como já foi destacado, na sua obra A Cidade de Deus (Vozes, 1990), Agostinho rejeita a ideia de um Reino milenar de aspecto físico e literal sobre a terra.

  Essa também foi a postura dos reformadores protestantes do século XVI. Os reformadores destacaram mais a presença espiritual de Cristo na igreja do que a ideia de um Reino milenar e literal sobre a terra. De acordo com Roger Olson,

  A maioria dos reformadores da chamada ala principal, ou magiste- riais, como Lutero e Calvino, desvalorizou o imaginário apocalíptico do NT em favor do senhorio e reino presentes, mas ocultos, de Cristo, e de um tipo de reverente agnosticismo sobre o futuro".

   Excetuando grupos da reforma radical, que mantinha uma ex- pectativa escatológica, o protestantismo histórico não enfatizaria o elemento escatológico em séculos posteriores. Anthony Hoekema (2001, pp. 339-377) mostra que essa também foi a tendência da teologia em relação à escatologia nos séculos XIX e XX.

  Há, portanto, um eixo principal em volta do qual se movem as interpretações escatológicas: o Reino de Deus. Toda expectativa es- catológica ou falta dela ao longo dos anos tem-se movido em torno do entendimento do que, de fato, significa o Reino de Deus. Seria o Reino de Deus uma realidade presente ou futura? Seria ele temporal ou atemporal? Manifestaria o Reino em forma visível ou invisível, física ou espiritual? Que importância isso tem? São essas as principais perguntas que têm surgido no debate escatologico. Dentro desse espectro, no que concerne à natureza do Reino de Deus, o debate escatológico tem girado em torno do seu aspecto presente e futuro.

  A teologia da ala liberal do século XIX não acreditava numa dimensão futura do Reino. Não via isso como importante; por isso, pouco ou nenhum valor foi dado a isso. Para esses intérpretes, o Reino de Deus assume aspectos de natureza ético-moral, mas não escatológica. Dessa forma, não há uma segunda vinda de Cristo pela qual o cristão deva esperar. Esse modelo escatológico formou e influenciou o que viria posteriormente no debate escatológico.

   Albrecht Ritschl (1822-1889), um dos principais teólogos do século XIX, não via importância alguma na escatologia. Ritschl en- tendia o Reino de Deus como uma tarefa humana. O cristianismo resume-se a um código moral a que o cristão deve conformar-se. Como Hoekema destacou:

  Uma vez que Ritschl vê a religião cristă como consistindo essencial- mente de moralidade, o reino representa aqueles valores e alvos éticos que são ensinados pelo Novo Testamento e exemplificados por Jesus Cristo valores e alvos que o redimido deve continuar a tentar alcançar. Para Ritschl o reino de Deus é, portanto, essencialmente deste mundo; significa fazer a vontade de Deus aqui e agora. Jesus veio para fundar o reino de Deus no sentido descrito acima; como fundador do reino ele é também nosso grande exemplo.

  A partir de Ritschl, outros teólogos procuraram desenvolver as suas concepções escatológicas, adaptando, modificando ou revisando o que anteriormente fora dito. Adolf von Harnack (1851-1930), por exemplo, despiu o aspecto futuro da escatologia vendo em Jesus um simples mestre da moralidade. Em 1906, o teólogo Albert Schweitzer (1875-1966) entrou no debate no que viria a ser conhecido como "es- catologia consequente". No entendimento de Schweitzer, conforme destacou Hoekema (2001, p. 343), "Jesus esperava que a Parousia e a vinda do reino ocorressem antes que os discípulos tivessem termi- nado sua jornada de pregação", mas, como isso não ocorreu, "Jesus convenceu-se de que estivera enganado". Em reação a Schweitzer, Charles H. Dodd (1884-1973) argumentou que o Reino havia che- gado e esteve presente em Jesus. Dessa forma, Dodd entendia que Jesus ensinou a realidade do Reino como realizada no seu próprio ministério. Assim sendo, no entendimento de Dodd (1935, p. 50), "o scchaton moveu-se do futuro para o presente, da esfera da expectativa para a da experiencia realizada".

   Até aqui, foi mostrado que o entendimento escatológico ficou limitado à dimensão terrena do Reino de Deus, quer seja no aspecto moral, quer no espiritual. Quer Jesus estivesse consciente, quer não, da sua missão sobre o Reino de Deus, esses intérpretes veem a es- catologia sempre a partir do seu plano terreno. Nada ficou para um futuro imediato ou longinquo. Em outras palavras, não resta muito ou nada pelo qual a igreja ou o cristão deva esperar. Desnecessário dizer que esse entendimento acabou por esvaziar a importância do Reino de Deus no plano escatológico. Todavia, como outros intérpretes irão destacar, essa não é a perspectiva escatológica neotestamentária.

   Da perspectiva do Novo Testamento, o cristão da Primeira Igreja vivia uma tensão na esfera escatológica do Reino entre o "já" e o "ainda não". Isso significa dizer que o Reino de Deus já era uma realidade presente para eles, já havia chegado, mas ainda não em toda a sua plenitude. Dessa perspectiva, a escatologia é vista como uma realidade de suma importância porque vê o Reino de Deus nas suas dimensões presente e futura. No entendimento de Geerhardus Vos (1862-1949), o crente neotestamentário vive simultaneamente tanto nesta era ou mundo como na era do mundo por vir. Nesse aspecto, a era por vir já chegou, isto é, aquilo que fora predito no Antigo Testamento sobre Cristo e o seu Reino, mas haverá uma consumação futura, onde todas as potencialidades serão consumadas.

   Roger Olson (2000, p. 480, 481) destacou que, ao longo da história, três posições escatológicas são objeto de consenso dentro do cristianismo ortodoxo. A primeira delas é que Jesus Cristo retornará à terra. Nesse aspecto, os cristãos de todas as tradições esperam a segunda vinda de Cristo. A segunda é que, quando Cristo retornar, Ele há de estabelecer ou manifestar completamente a ordem e a soberania de Deus - o Reino de Deus, que já está operando na história. A terceira é que, no fim, Deus criará um novo céu e uma nova terra que durarão para sempre.

   Os cristãos que mantêm uma expectativa escatológica encontram sentido para a história. Esses cristãos oram: "Venha o teu Reino. Seja a história tem feita a tua vontade [...]" (Mt 6.10). Eles oram e esperam pelo Reino Olson (2004, p. 476) observa que "Deus está no controle. Nada acon tece a menos que Deus permita". Em outras palavras, sentido porque Deus é o Senhor da história. Hoekema (2001, p. 31-52) mostra de que forma a escatologia alimenta a esperança dos cristãos por encontrar na história um sentido.

Israel versus Igreja no Contexto do Reino

  No contexto do Reino de Deus, o sistema de interpretação pré- -milenista usado pelas Assembleias de Deus vale-se de uma eclesiologia que faz distinção entre Israel e a Igreja. Esse entendimento é importante para que se possa compreender tanto o papel de Israel como da Igreja no contexto do Reino de Deus. Em outras palavras, ver a Igreja como um corpo distinto da nação de Israel é importante por duas razões. Em primeiro lugar, para que a Igreja não seja vista apenas como um adendo ou apêndice no plano da salvação. Um tipo de "puxadinho escatológico" que o Senhor resolveu criar de última hora. John Walvoord, por exemplo, destaca que "a igreja é um parêntesis no programa de Deus, conforme foi revelado no Antigo Testamento [...] todos os que fazem distinção entre a Igreja e Israel têm reconhecido a presente era como um inesperado e imprevisto parêntesis no que diz respeito às profecias do Antigo Testamento" (itálicos meus). 10 A meu ver, enxergar a Igreja como um parêntese "imprevisto" e "inesperado" é problemático por duas razões. Primeiro porque ignora a presciência de Deus em relação ao futuro, em especial em relação à criação da Igreja (1 Pe 1.2). Por outro lado, sem dúvidas, acaba diminuindo a im- portância da Igreja, que, segundo a Bíblia, foi idealizada pelo Criador desde a eternidade (Ef 1.4) e que Cristo comprou com o seu próprio sangue (At 20.28).1" Walvoord entende que o conceito de "parêntesis não é absolutamente essencial para o pré-tribulacionismo [mas], se esse ensino for aceito, fortalecerá o argumento pré-tribulacionista"."

  Nesse aspecto, concordo com ele. Do ponto de vista humano, pode haver um parêntese ou hiato escatológico, mas não da perspectiva divina. Não há nenhum problema em enxergarmos um parêntese escatológico em relação ao surgimento da Igreja, como sugere o livro de Daniel, desde que isso leve em conta a onisciência e presciência divina em relação à origem da Igreja e não a diminua em importância. Não podemos minimizar o grande valor que a Igreja tem e muito menos reduzi-la a um remendo escatológico criado de última hora.

   Em segundo lugar, quando não se faz distinção entre Israel e Igreja, essa nação deixa de ter relevância no plano escatológico. Quando isso acontece, Israel torna-se um casulo que se esvaziou. Evidentemente, esse tipo de entendimento não tem base bíblica. De acordo com a Bíblia, o "endurecimento" de Israel é temporário e durará até que se cumpra a plenitude dos gentios (Rm 8.25). Israel tem, sim, um papel dentro do plano escatológico do Reino de Deus.

  A meu ver, a ideia de continuidade e descontinuidade, conforme destaca Gregg Allison, ¹13 é muito importante para fazer-nos compreender a relação existente entre Igreja e Israel. Allison tem razão quando destaca que há teólogos dispensacionalistas que enxergam a Igreja como

  um elemento essencial do plano de Deus de estender a salvação a todos: tanto judeus quanto gentios [...]. Igreja e Israel fazem parte de um só povo de Deus, como retrata de modo vívido a metáfora da oliveira apresentada por Paulo (Rm 11.13-24). As dessemelhanças, porém, são relevantes o suficiente para manter a distinção entre a Igreja e Israel [...] também sustentam um futuro cumprimento das profecias do Antigo Testamento votadas para o Israel nacional, entre elas a salvação de muitos judeus e a restauração da terra a Israel."

   O teólogo sistemático Eurico Bergstén expôs a relação entre Israel e Igreja à luz da escatologia dispensacionalista e pré-milenista da seguinte forma:

   Com a rejeição de Israel começou o tempo dos gentios. Enquanto Paulo falava da rejeição dos judeus, como sendo os ramos naturais da oliveira que foram quebrados, ele também falava dos ramos de zambujeiro que foram enxertados na oliveira, Rm. 11:17,19,22,24, Esta linguagem figurada é muito instrutiva e profunda. Primeiro, nos faz saber que Jesus, pela Sua morte redentora, derribou a parede de separação que separava judeus e gentios, Ef. 2:15-18: os gentios que antes estavam longe, agora pelo sangue de Cristo podem se aproximar do santuário, Ef. 2:13. O caminho que leva ao Santo dos Santos foi aberto, Hb. 10:19-22. Cumpriu-se assim a profecia de Amós, que Tiago citou durante a assembleia de Jerusalém, como prova de que Deus chamou os gentios para deles tomar um povo para louvor do Seu Nome, Am. 9:11,12; At. 15:13-17; Rm. 1:5. Hoje é a Igreja que é o povo especial de Deus, Tt. 2:14: é a Igreja que se constitui em sacerdócio real, I Pd. 2:9-10, acerca da qual Pedro escrevia aos judeus dispersos, 1 Pd. 1:1. A Igreja tomou o lugar do povo rejeitado, e é o representante de Deus na terra enquanto durar a presente dispensação, II Co. 5:18-20. Ef. 3:10. Esta visão acerca dos tempos dos gentios é representada na visão de Daniel como o período intermediário entre a 69ª e a 70 semanas, quando o Messias seria tirado, e quando Israel estará em aliança com o Anticristo. Dn. 9:24-27. Já está no fim o tempo dos gentios, pois a vinda de Jesus para arrebatar a Sua Igreja está bem próxima!15

   Ao dizer que "hoje a Igreja que é o povo especial de Deus", o teólogo finlandês põe em destaque a importância que ela tem. A Igreja não é um encarte escatológico. Por outro lado, ao dizer que a "Igreja tomou o lugar do povo rejeitado", Bergstén vê isso dentro de um contexto em que há um "período intermediário" na "presente dispensação". Em outras palavras, esse "período intermediário" é bem mais compreendido se visto a partir da criação da Igreja, isto é, desde a eternidade ou antes da criação do mundo (Ef 1.4; 1 Pe 1.2). Nunca como um improviso feito de última hora. Assim, Deus, na sua onisciência, viu a rejeição de Israel e criou a Igreja como um agente especial dos seus propósitos na expressão do seu Reino no fim dos tempos. Dessa forma, criou a Igreja não para substituir Israel (no sentido de torná-lo sem função no plano escatológico do Reino), nem tampouco a fez como uma extensão dele. São, portanto, realidades distintas desempenhando cada um à sua maneira papeis diferentes dentro da dinâmica do Reino.

O CORPO DE CRISTO – Origem, Natureza e Missão da Igreja no Mundo


























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