terça-feira, 1 de julho de 2025

CPAD –A IGREJA EM JERUSALÉM: Doutrina, Comunhão e Fé: Lição 01: A Igreja que nasceu no Pentecostes



  Agradecimentos

  Sou grato a Deus que, em Cristo Jesus, meu Senhor, deu-me o privilégio de escrever mais este livro. Sem a sua rica e abundante graça, eu não o faria. Sou grato a minha esposa, Maria Regina, pelo amor, sugestões e apoio no processo de produção deste livro. Sou grato à Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) por abrir-me as portas para a produção literária. Já são mais de 20 anos de parceria desde meu primeiro texto escrito. Sou grato à Assembleia de Deus de Água Branca, que pastoreio desde 2012, pelo apoio dado. A  Deus toda honra e glória.

                         Prefácio

T

 

 oda instituição tem um começo e uma história, e com a Igreja de Jesus não foi diferente. Após o seu sacrificio, ressurreição e retorno aos céus, Ele enviou o seu Santo Espírito para edificar a sua Igreja, formada pelos seus apóstolos, juntamente com um grupo de irmãos e irmãs que Ele mesmo salvou mediante o seu sacrificio na cruz do calvário, derramando o seu sangue. A estes Ele deixou uma primordial tarefa: testemunhar a todos os povos, línguas e nações da poderosa salvação que Ele consumou.

  Esses primeiros judeus, que creram em Jesus como o seu Messias, o Ungido de Deus, após terem recebido de Jesus a ordem para que permanecessem em Jerusalém até que fossem revestidos de poder, receberam o batismo no Espírito Santo e originaram a Igreja como uma instituição física, visível e desafiada em diversos momentos.

  A Igreja em Jerusalém mostra a origem do corpo de Cristo, o seu desenvolvimento e as perseguições que tentaram silenciar o plano de Deus, mas também revela uma igreja cheia do Espírito, que vivia em constante oração, perseverava na doutrina da Palavra de Deus, vivia em unidade de propósitos, testemunhava com poder acerca de Jesus e presenciou milagres feitos para glorificar o nome do Senhor. Este livro, fruto do trabalho do Pastor José Gonçalves, mestre e conhecedor profundo das Sagradas Escrituras e que tem-se dedicado a conhecer a história do Movimento Pentecostal desde o seu nascedouro, é um presente ao público que deseja conhecer mais sobre a Igreja de Jesus Cristo na cidade de Jerusalém. O escritor mostra os desafios com que nossos primeiros irmãos depararam-se, como também a forma como a presença constante do Jesus entre o seu povo fez a diferença para que pudéssemos chegar até aqui. Diversos desses desafios são semelhantes aos que enfrentamos em nossos dias, e os acontecimentos relatados por Lucas apresentam--nos princípios que precisamos obedecer para, a exemplo da Igreja Primitiva, sermos vitoriosos em Cristo e vivenciarmos as promessas que Ele fez a nós.

         "Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente" (Hb 13.8).

  Este livro de apoio foi preparado para auxiliar os professores das Lições Bíblicas, que serão estudadas por toda a Igreja ao longo de todo um trimestre. Certamente, é o que esperamos e oramos, pois essas lições trarão despertamento e renovação espiritual e de propósito ao povo de Deus, ensinando-nos, vinte séculos depois, acerca do modelo de Igreja que se deixa ser usada pelo Espírito Santo.

Que Deus o abençoe grandemente por meio dessa leitura.

No amor de Jesus.

Ronaldo Rodrigues de Souza

Diretor Executivo da CPAD

 

Sumário

Agradecimentos

5 Prefácio

7 Introdução 11 ...

Capítulo 1

A Igreja que Nasceu no Pentecostes.

Capítulo 2

A Igreja de Jerusalém: Um Modelo a Ser Seguido...........29

Capítulo 3

Uma Igreja Fiel à Pregação do Evangelho... ....41...

Capítulo 4

Uma Igreja Cheia do Espírito Santo

Capítulo 5

Uma Igreja Cheia de Amor .67

Capítulo 6

Uma Igreja não Conivente com a Mentira .77

Capítulo 7

Uma Igreja que não Teme a Perseguição...87

Capítulo 8

Uma Igreja que Enfrenta os seus Problemas

Capítulo 9

Uma Igreja que se Arrisca..109

Capítulo 10

A Expansão da Igreja 119

Capítulo 11

Uma Igreja Hebreia na Casa de um Estrangeiro 127

Capítulo 12

O Caráter Missionário da Igreja de Jerusalém .............139

Capítulo 13

Assembleia de Jerusalém..153

Referências 158



                      Introdução

E

 ste é um livro de apoio às Lições Bíblicas de Adultos da Escola Dominical produzidas pela Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD). Esse fato faz com que esta obra tenha as suas características próprias. Em primeiro lugar, é um livro que tem o propósito de discipular, isto é, de ajudar na formação do caráter cristão. Em segundo lugar, é um livro que serve de manual para o professor da EBD, fornecendo-lhe um conteúdo mais robusto, de forma que ele possa ter maior subsídio no preparo das suas aulas. Em terceiro lugar, é um livro que serve de introdução à eclesiologia no livro de Atos dos Apóstolos, sendo que o seu campo de pesquisa ficou restrito à Igreja de Jerusalém. Dessa forma, esse comentário está limitado aos quinze primeiros capítulos do livro de Atos, que é o espaço dedicado à igreja de Jerusalém na narrativa lucana. Portanto, para aqueles que querem maior aprofundamento, outros comentários sobre o livro de Atos dos Apóstolos devem ser consultados.

   Antes de tratar especificamente sobre o conteúdo deste livro, torna-se necessário fazer referência ao comentário das lições bíblicas às quais este livro serve de apoio. A metodologia usada nas lições bíblicas foi a expositiva, isto é, todas as ideias foram extraídas do texto bíblico de Atos dos Apóstolos e do seu contexto. Acredito ser essa metodologia a mais adequada para o entendimento do sentido e significado tencionados pelo autor sagrado. Dessa forma, a exposição do texto foi feita a partir de uma análise indutiva do texto, isto é, partindo do particular para o geral. Assim, portanto, a estrutura dos comentários adotados nas lições bíblicas assemelha-se com as adotadas num sermão expositivo. Não há dúvida, portanto, que essa metodologia reflete com mais precisão o pensamento do autor bíblico, além do fato de trazer maior edificação à Igreja do Senhor.

  Pois bem, tendo feito esses esclarecimentos, o comentário adotado neste livro de apoio parte do tema proposto em cada lição bíblica, tendo, contudo, a sua exposição e conteúdo próprios. Assim, por exemplo, o capítulo 1 traz como subsídio a análise de vários comentaristas bíblicos que põem em relevo o aspecto teofanico do Pentecostes como sendo relevante para uma correta compreensão do que ocorreu naquele dia em que o Espírito de Deus foi derramado de forma copiosa. O capítulo 3, que trata da pregação, foi subsidiado com uma longa reflexão sobre o papel da pregação pentecostal no atual contexto da igreja. Com respeito ao capítulo 5, agreguei a contribuição não só da teologia, mas também da filosofia a fim de que a questão moral envolvendo a mentira fosse mais bem compreendida. Nos capítulos 7 e 12, que tratam respectivamente das questões relacionadas à perseguição e missão da igreja, achei apropriado transcrever algumas cartas dos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg que retratam de forma dramática o sofrimento, a fé e a coragem desses pioneiros pentecostais na implantação da Ass. De  Deus no Brasil.

   Tenho, ainda, uma palavra final sobre o conteúdo e contexto da escrita deste livro. Procurei escrever com rigor exegético e precisão acadêmica, mantendo, contudo, uma linguagem simples e acessível, de forma que, mesmo aqueles que não tiveram acesso a uma educação formal possam assimilar o texto e o seu conteúdo sem prejuízos de entendimento.

Boa leitura.

Água Branca, Piauí, 28 fevereiro de 2025.

José Gonçalves

 

 

 

A

 Igreja nasce no dia de Pentecostes e na cidade de Jerusalém. Quando, portanto, tratamos do nascimento da Igreja no dia de Pentecostes, há ao menos três fatos a serem levados em conta. Um é de natureza geográfica, outro é de natureza histórica e, por último, temos um de natureza teológica. Geograficamente, a Igreja nasceu na histórica cidade de Jerusalém. Foi na antiga cidade de Davi, durante os primeiros anos do primeiro século, que Deus derramou o seu Espírito de forma copiosa no dia de Pentecostes. Podemos dizer, então, que a cidade de Jerusalém foi historicamente o berço da primeira Igreja. Jerusalém, portanto, é o local de origem da Igreja-mãe de todas as outras igrejas cristās.

  Nosso estudo neste capítulo privilegiará o aspecto teológico do nascimento da Igreja no dia de Pentecostes. Partindo do capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos, faremos uma análise expositiva do texto bíblico a fim de que possamos assimilar melhor as suas verdades teológicas. Destacaremos que o Pentecostes bíblico foi um evento de natureza teofanica, isto é, visível e audível, demonstrando, dessa forma, a presença de Deus no meio do seu povo. Isso está demonstrado pelo barulho do som como de um vento impetuoso e da manifestação das línguas como de fogo. Por outro lado, também destacaremos tanto o propósito como as características do Pentecostes bíblico. Assim, o testemunho cristão aparece como um dos principais propósitos do Pentecostes, enquanto a presença de uma experiência específica e definida aparece como uma das suas principais características e marcas.

  O PENTECOSTES E AS LÍNGUAS DE FOGO COMO   MANIFESTAÇÃO TEOFANICA

  "Cumprindo-se o dia de Pentecostes [...]" (At 2.1). O Pentecostes era uma das principais festas judaicas e era comemorado cinquenta dias depois da Páscoa. A palavra grega pentekosté (Pentecostes), também conhecida como Festa das Semanas ou Festa da Colheita, é uma referência ao quinquagésimo dia depois da Páscoa (cf. Éx 34.22; Dt 16.10). No contexto do antigo pacto, o livro de Deuteronômio 16.9-12 destaca que, durante essa festa, o povo de Deus deveria apresentar ofertas voluntárias (v. 10), expressar alegria (v. 11) e demonstrar gratidão (v. 12). No contexto do novo pacto, foi esse dia que Deus escolheu para derramar o seu Espírito.

   "[...] e, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles linguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles" (vu. 2,3). Os fenômenos destacados aqui como "um som, como de um vento veemente e impetuoso" e as "línguas repartidas, como que de fogo", devem ser vistos como sendo de natureza teofānica. J. C. Moyer observa que uma "teofania" diz respeito a uma manifestação visivel ou audivel de Deus. É, portanto, uma demonstração de que o Senhor está presente. Nesse aspecto, ele destaca que as teofanias no Antigo Testamento incluem o "aparecimento de um anjo em forma humana (Jz 13); uma chama na sarça ardente (Ex 3.2-6); ou fogo, fumaça e trovões no monte Sinai (Ex 19.18-20)".

   O teólogo Alessandro Barreto observa que:

   A conexão entre o Sinai e o Pentecoste ressalta a continuidade da revelação divina e a progressão do plano redentor de Deus. No Sinai, Deus deu a Lei a Moisés, estabelecendo a aliança com Israel. No Pentecoste, Deus derramou o Espírito Santo sobre os crentes, inaugurando a nova aliança e capacitando a Igreja para sua missão global. Assim, as manifestações de fogo e som em Atos 2 não apenas ecoam as teofanias do Antigo Testamento, mas também simbolizam a nova era do Espírito, onde a presença de Deus habita em todos os crentes, guiando-os e fortalecendo-os para viverem de acordo com Sua vontade.

  Da mesma forma, I. Howard Marshal, quando trata da ocorrência desses fenômenos como manifestações teofanicas no contexto do livro de Atos dos Apóstolos, destaca que Lucas descreve o som como de um vento "enchendo toda a casa" como algo quase que palpável. Ele observa que fica em relevo o aspecto sobrenatural da teofania, o que relembra, sem sombra de dúvidas, as manifestações de natureza teofânica no Antigo Testamento (2 Sm 22.16; Jó 37.10; Ez 13.13). Nesse aspecto, Marshal ainda observa que o vento é visto como um sinal da presença de Deus como Espírito. Assim, os fenômenos das línguas como de fogo põem em relevo o peso dessa analogia, mostrando mais uma vez que esse "fenômeno relembra as teofanias do Antigo Testamento, especialmente aquela do Sinai (Ex 19.18)"

   A HABITAÇÃO DE DEUS NA IGREJA COMO SEU NOVO TEMPLO

   Essa relação existente entre o Cenáculo e o Sinai também é explorada de forma mais exaustiva pelo expositor bíblico G. K. Beale. No entendimento de Beale, é possível perceber-se com clareza as semelhanças entre a teofania do Sinai e os fenômenos do Pentecostes. Beale destaca, por exemplo, que o entendimento que via os fenômenos ocorridos no Sinai como sendo de natureza teofānica era compartilhado tanto por Filo de Alexandria, um judeu contemporâneo de Jesus e de Paulo, como pelos Manuscritos do Mar Morto.

  Dessa forma, Beale observa que

  A aparição de "línguas como de fogo" em Atos 2 ao que parece é uma manifestação do Espírito que reflete uma teofania associada ao templo celestial. Várias considerações indicam isso. Em primeiro lugar, a menção de que "veio do céu um som, como de um vento impetuoso" e de que apareceram "linguas como de fogo" traz à lembrança as teofanias típicas do AT. Deus aparecia nessas teofanias com som de trovão e na forma de fogo. A primeira grande teofania do AT foi no Sinai, onde Deus apareceu em meio a um estrondo de "vozes e relâmpagos", "fogo", "fumaça" e uma "nuvem espessa" (Éx 19.16-20; 20.18). Esse era o modelo de teofania da maior parte das aparições divinas semelhantes que ocorreram depois no AT. De certa forma, a aparição de Deus no Sinai funciona como pano de fundo quando o Espírito desce no Pentecostes. O Pentecostes comemorava não só as primícias da colheita, mas também, a partir do segundo século a.C., a entrega da Lei por Deus a Moisés no Sinai, o que indica além disso a presença desse pano de fundo em Atos 2 [...]. Se nossa análise estiver correta até aqui, segue que a teofania do Pentecostes também pode ser compreendida como a irrupção de um novo Templo que acaba de surgir no meio do antigo Templo de Jerusalém, que estava sendo superado."

  Assim, a teofania do Pentecostes, como foi aquela do Sinai, a partir da qual a presença de Deus certamente se faria real no Tabernáculo, está diretamente associada com a experiência de Deus habitando na Igreja, que é o seu novo templo. A Igreja, portanto, formada por todos os crentes salvos em Cristo e cheios do Espírito, é a nova habitação de Deus, e não mais o antigo templo judaico. Beale pontua que essa compreensão que associa as "línguas como de fogo" com a presença de Deus na parte mais interior do Tabernáculo, o Santo dos Santos, pode ser encontrada nos Manuscritos do Mar Morto da comunidade de Qumran.

  Beale destaca que:

  O fato mais surpreendente ainda nesse documento de Qumran é que as "línguas" são uma ocorrência não apenas da presença reveladora de Deus, mas também de sua communicação profética. Certamente, é isso que acontece no Pentecostes: não apenas as "línguas de fogo" são uma manifestação da presença de Deus em Espírito, mas essa presença também leva as pessoas a "profetizarem" (como está claro em At 2.17,18). O local de onde desce o Espírito de Deus no Pentecostes não apenas parece que é "do céu", de modo genérico, mas também do Santo dos Santos ou templo celestial."

  Como destacou Beale, a presença de Deus em Espírito entre o seu povo trouxe consigo manifestações teofanicas do som como de um vento impetuoso e veemente e as línguas como que de fogo. Contudo, não foi apenas isso; essa mesma presença também trouxe consigo o dom profético (At 2.17,18). Dessa forma, fica em evidência o aspecto carismático do Pentecostes. A presença de Deus em Espírito enche o seu povo.

  UMA COMUNIDADE DE PROFETAS

  O teólogo pentecostal Roger Stronstad tem chamado a aten-ção para o significado dessa teofania do Pentecostes em contraste com a do Sinai. Assim como no antigo pacto, na aliança do Sinai, quando o povo de Deus foi feito um "reino de sacerdotes" (Ex 19.6), assim também o povo de Deus debaixo do novo pacto, no Pentecostes, é transformado em uma comunidade de profetas. Dessa forma, destaca Stronstad:

  enquanto a teofania no Monte Sinai estabeleceu Israel como um reino de sacerdotes, a do Pentecostes estabelece os discí-pulos como uma comunidade de profetas. Por conseguinte, a teofania no dia de Pentecostes combina os sinais dessas teofanias anteriores: o barulho do vento forte e violento ecoa o vento violento da experiência de Elias; o fogo ecoa o fogo das duas teofanias anteriores; a fumaça ecoa a fumaça de quando Deus apareceu no Monte Sinai diante de Israel na entrega da Lei. Esses prodigios e sinais da teofania do Pentecostes que ecoam a teofania do recebimento da Lei no Monte Sinai somente podem indicar que o que está acontecendo no Pentecostes não é apenas tão dramático, mas também tão significativo como o que ocorreu no Monte Sinai. Em outras palavras, a criação dos discípulos como uma comunidade de profetas é tão memorável como a criação anterior de Israel na condição de um reino de sacerdotes. Ou seja, no dia de Pentecostes, e pela segunda vez na história de seu povo, Deus o está visitando em sua montanha sagrada e mediando uma nova vocação para ele a profecia, em vez do sacerdócio real."

  A experiência do Pentecostes, portanto, marca o nascimento da Igreja como uma comunidade de profetas assim como a teofania do Sinai assinalou o início do povo sacerdotal! Isso significa dizer que, no novo pacto, Deus, pelo seu Espírito, veio habitar na sua Igreja (o seu novo templo), fazendo dela uma comunidade de profetas. Esse entendimento reflete o que haviam dito os antigos profetas que viveram debaixo da antiga aliança: "E porei dentro de vós o meu espírito e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis" (Ez 36.27); "Mas este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o SENHOR: porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Jr 31.33), e mostra também que o anseio de Moisés de que todo o povo de Deus fosse profeta tornara-se uma realidade (Nm 11.29).

  O PROPÓSITO DO BATISMO PENTECOSTAL

  O que foi dito até aqui revela que os eventos ocorridos no dia de Pentecostes, notadamente marcado por manifestações teofānicas, destacam a realidade da presença de Deus no meio do seu povo. Lucas não tenciona na sua narrativa apresentar um Deus teórico, mas vivo e real. Deus estava ali. Quem se encontrava ali, por exemplo, podia até não compreender o que estava acontecendo (At 2.12), mas também não podia duvidar de que Deus estava lá (At 2.11). O Senhor era um Deus ouvido e visto. Tudo isso demonstra que havia um propósito sublime na presença divina no Pentecostes.

  "E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras linguas, conforme o Espírito Santo Thes concedia que falassem" (At 2.4). Esse é, sem dúvidas, um dos fenômenos mais extraordinários manifestado no Pentecostes. De fato, a sua ocorrência deixou os presentes atordoados (At 2.6). A pergunta feita por aqueles que não pertenciam à comunidade crista foi: "Que quer isto dizer" (At 2.12). Pedro traz uma resposta contundente a essa pergunta a partir da exposição das Escrituras do Antigo Testamento. Citando o profeta Joel, Pedro demonstra como essa profecia teve o seu real cumprimento no Pentecostes (At 2.17; Jl 2.28).

  Por outro lado, convém dizer que os cristãos ali reunidos, embora não haja indicação de que tivessem conhecimento prévio dos fenômenos que ocorreriam por ocasião da vinda do Espírito, já aguardavam com expectativa o cumprimento da promessa do Espírito feita a eles por Jesus (Lc 24.49; At 1.5,8). Quando, portanto, perceberam que, inspirados pelo Espírito, estavam falando em outras línguas totalmente desconhecidas para eles, tiveram a certeza de que a promessa feita a eles por Jesus estava tendo o seu real cumprimento. Pedro confirma esse entendimento quando associa essa fala inspirada no Pentecostes, expressa no falar em outras línguas, com a fala profética predita pelo profeta Joel (At 2.17,18; cf. Jl 2.28). Não resta dúvida, portanto, de que o falar em línguas no dia de Pentecostes foi percebido pelos discípulos como uma evidência fisica de que eles haviam recebido o batismo pentecostal predito por Jesus.

   Stanley Horton destaca que:

   Assim, com todo o ser rendido ao poder e à pessoa do Espírito de tal forma que os efeitos do Seu grande poder pudessem ser vistos, as línguas tornaram-se a evidência convincente de que Jesus estava à direita do Pai, que a profecia estava sendo cumprida e que o Espírito Santo havia realmente enchido os crentes de uma nova maneira. A multidão não tinha dúvidas sobre o que Pedro quis dizer quando disse: "Isto é aquilo!". Essa mesma evidência de línguas também convenceu Pedro, as testemunhas que ele levou consigo e os cristãos judeus em Jerusalém de que os gentios deveriam ser admitidos na comunhão da igreja. Aqui estava um lugar onde uma evidência convincente era realmente necessária, e a que o Senhor escolheu dar foi línguas. Nada mais poderia ter superado o preconceito dos crentes judeus, a não ser essa prova de que os gentios haviam recebido o dom semelhante (literalmente, o dom idêntico). Atos 11.17,18. Paulo em Éfeso encontrou crentes (cristãos de acordo com o uso do termo por Lucas) aparentemente convertidos de Apolo, que não tinham ouvido falar do Espírito. Eles receberam uma experiência que removeu todas as dúvidas, pois eles também falaram em línguas e profetizaram. Atos 19.6.10

  Esse entendimento de que o livro de Atos dos Apóstolos demonstra que o batismo no Espírito é acompanhado ou evidenciado por sinais exteriores, em que o falar em línguas pode ser visto como um padrão, possui forte fundamentação bíblica e exegética. Em Atos 11.15-17, por exemplo, Pedro recorre à experiência dos gentios na casa de Cornélio, onde o falar em línguas aparece como evidência inconfundível desse batismo pentecostal (At 10.44-46) para convencer os seus colegas da aceitação da fe gentilica. Em Atos 19.1-6, a narrativa lucana mostra que o fenômeno glossolálico entre os cristãos de Éfeso é a evidência de que o Espírito, que eles nem mesmo sabiam que existia, agora está sobre eles.

   Myer Pearlman observa que:

   Acompanhando o cumprimento desta promessa (Atos 1:8) estavam manifestações sobrenaturais (Atos 2:1-4), a mais importante e comum das quais foi a declaração milagrosa em outras línguas. Que esta declaração sobrenatural foi um acompanhamento do recebimento de poder espiritual, confor-me declarado em dois outros casos (At 10.44-46; 19.1-6) e implícito em outro (At 8.14-19)."

  A expectativa de que os apóstolos esperavam a presença de sinais externos por ocasião da recepção do Espírito é claramente mostrada em Atos 8.14-20. Embora não haja menção aqui ao fenômeno do falar em línguas, a presença de sinais externos fez-se presente (At 8.18). Mas que sinais? Muitos intérpretes, incluin-do metodistas e reformados, que viveram antes do advento do pentecostalismo, como Adam Clark, Matthew Henry e Jonh Gill, defendiam a glossolalia como sendo esse sinal. 12

  Assim, o teólogo britânico James D. Dunn destacou que:

  Neste século a questão [do falar em línguas] ressurgiu de forma mais incisiva no pentecostalismo. Sua resposta foi simples e direta: a glossolalia é o sinal peculiar da presença do Espírito que inicia uma vida de poder apostólico. "Nos tempos apostólicos, falar em línguas era considerado a prova física inicial de que uma pessoa havia recebido o batismo no Espírito Santo... Foi essa determinação que fundou o Movimento Pentecostal do século XX". A resposta pentecostal é o que motivou nossa pergunta. Em favor da tese pentecostal, deve-se dizer basicamente que sua resposta está enraizada no Novo Testamento mais firmemente do que muitas vezes se pensa. É certamente verdade que Lucas considera a glossolalia do Pentecostes como um sinal exterior do derramamento do Espírito. 13

   "[...] temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus" (At 2.11). O Pentecostes, aqui entendido como o batismo no Espírito Santo, está associado diretamente ao recebimento de poder para testemunhar. Está, portanto, associado ao serviço cristão. Há duas esferas desse serviço cristão que precisamos levar em conta. Uma está relacionada ao testemunho cristão lá fora; outra, com a vida privada do cristão. Têm, portanto, relação com o testemunho público e a vida privada do crente.

  Lucas diz que, por ocasião da experiência pentecostal, quando os crentes falaram em outras línguas, eles estavam com esse ato proclamando as grandezas de Deus (At 2.11). Havia, portanto, uma expressão de louvor na experiência de Pentecostes. Posteriormente, na casa de Cornélio, quando os crentes foram cheios do Espírito, falaram em línguas e magnificavam a Deus (At 10.46). Não há dúvida, portanto, de que um dos propósitos do batismo pentecostal é levar o cristão a uma profunda adoração a Deus.

  Sobre o lugar das línguas na adoração, Herald Bredsen, antigo pastor da North County Center, São Marcos, California, EUA, disse:

  1. As línguas capacitam nosso espírito a se comunicar diretamente com Deus acima e além da capacidade de compreensão de nossa mente.

 2. As línguas liberam o Espírito de Deus em nós.

 3. As línguas possibilitam nosso espírito de assumir ascendência sobre a alma e o corpo.

 4. As línguas são uma provisão de Deus para fazermos catarse, pelo que são importantes para nossa saúde espiritual.

 5. As línguas satisfazem nossa necessidade de toda uma nova linguagem de adoração, oração e louvor.14

  Essas afirmações são bem claras. Não há como duvidar de que refletem a autopercepção de alguém que possui e usa o dom de línguas na adoração a Deus. Paulo, quando regulamentou o uso dos dons na igreja de Corinto, destacou esse lado devocional do uso das línguas. Ele deixou claro o propósito da adoração a Deus por meio da oração em outras línguas (1 Co 14.14-17).

  Quando o crente expressa-se em adoração em outras línguas, ele está falando consigo mesmo e com Deus (1 Co 14.2; 14.28). Através da oração em línguas, o crente edifica a sua fé (1 Co 14.4). Nesse texto, fica claro o uso privativo do falar em línguas. Assim, as Escrituras mostram que a igreja que dava testemunho público com poder lá fora (At 4.33; 6.3,8; 8.5) era a mesma igreja que antes se edificava a si mesma na adoração privada. Não existe testemunho público sem adoração privada. 15

  Convém destacar aqui que a experiência pentecostal é específica, definida e contínua. Muitos autores gastaram muita tinta na tentativa de negar a separabilidade do batismo pentecostal. Em outras palavras, contrariamente aquilo que é meridianamente claro em Atos dos Apóstolos, eles negam que o batismo no Espírito Santo seja uma experiência separada da conversão. No entendimento desses autores, o batismo no Espírito é recebido no momento da regeneração. Assim, quando alguém é salvo, também é batizado no Espírito. Nesse aspecto, o batismo no Espírito é visto pela perspectiva da iniciação cristă, e não de uma capacitação cristă, como defendem os pentecostais. Embora a experiência pentecostal possa acontecer concomitantemente com a regeneração (At 10.44-46), são, contudo, experiências distintas.

R. A. Torrey (1856-1928), ministro batista e autor prolífico, escreveu

  O Batismo com o Espírito Santo é uma obra do Espírito Santo separada e distinta de Sua obra regeneradora. Ser regenerado pelo Espírito Santo é uma coisa, ser batizado com o Espírito Santo é algo diferente, algo adicional. Isso é evidente em Atos

  1:5. Ali Jesus disse: "Sereis batizados com o Espírito Santo, não muitos dias depois." Eles ainda não estavam "batizados com o Espírito Santo." Mas eles já estavam regenerados. O próprio Jesus já os havia pronunciado assim. Em João 15:3, Ele havia dito aos mesmos homens: "Agora estais limpos pela Palavra." (Comp. Tg 1:18; 1 Pe 1:23) e em Jo 13:10: "Vós estais limpos, mas não todos", exceto, pelo "mas não todos", o único homem não regenerado na companhia apostólica, Judas Iscariotes, da declaração "Vós estais limpos". (Veja Jo. 13:11.) Os apóstolos, exceto Judas Iscariotes, já eram homens regenerados, mas ainda não eram "batizados com o Espírito Santo". Disto fica evidente que a regeneração é uma coisa, e que o batismo com o Espírito Santo é algo diferente, algo adicional. Alguém pode ser regenerado e ainda não ter sido batizado com o Espírito Santo. 16

  Torrey, cuja teologia teve enorme efeito sobre o movimento pentecostal, destacava a separação entre a regeneração e a capacita-ção do Espírito. Assim, o batismo no Espírito era por ele considerado uma obra distinta da salvação e que tinha como propósito capacitar o cristão para o serviço. Sem dúvidas, essa interpretação ajusta-se ao contexto bíblico de Atos dos Apóstolos. Através do batismo no Espírito, o crente é capacitado por Deus para viver poderosamente tanto na esfera pública como na privada. Não devemos contentar-nos com nada menos do que isso.

     A Igreja que Nasceu no Pentecostes



































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